Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08P1311
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOARES RAMOS
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
NOVOS FACTOS
TESTEMUNHA
Nº do Documento: SJ200811200013115
Data do Acordão: 11/20/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA
Decisão: REVISÃO CONCEDIDA
Sumário :

I - Atento o carácter excepcional do recurso de revisão, ao seu requerente só é permitido indicar testemunhas “novas”, isto é, que não tenham sido já ouvidas no processo, se demonstrar que a sua própria existência era por si ignorada no momento em que foi realizada a audiência ou, se conhecendo embora já nessa altura a relevância da sua intervenção, esse novo “depoente” não tenha podido efectivamente depor.
II - Os factos “novos”, para efeitos de revisão, têm de ser “novos” também, verdadeiramente, para os seus peticionantes: ou porque os ignoravam de todo ou porque, conhecendo-os embora, tenham estado efectivamente impossibilitados de fazer prova dos mesmos – cf. Ac. deste STJ de 10-09-2008, Proc. n.º 1617/08 - 3.ª.

Decisão Texto Integral:



AA, solteira, secretária, nascida em 10/08/1983, em Mira, tendo sido condenada ___ consoante sentença proferida a 07/05/2007, no domínio do processo comum singular n.º 76/04.1GBMIR, do T. J. da Comarca de Mira, transitada em julgado em 12/21/2007 ___ , com outros dois arguidos e todos pela imputada autoria material, em 17/08/2004, pelas 00,30 horas, em Praia de Mira, de um crime de ofensa à integridade física, p.p. pelo art.º 143.º n.º 1 do C.P., na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 11,00 (onze euros), perfazendo o total de 990,00€ (novecentos e noventa euros), peticionou, em 04/02/2008, a revisão de tal sentença, invocando como fundamento para essa reanálise, sob explícita alusão aos art.ºs 449.º n.º 1, alínea d), 450.º n.º 1, alínea c) e 451.º n.º 2 do C.P.P., a “...descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação”.
Afirmando, nuclearmente, a sua inocência total e salientando sempre ter negado a prática dos factos, sempre ter referido não conhecer os restantes arguidos e sempre terem estes declarado, por seu turno, não a conhecerem, assim desenvolveu as suas motivações:
«1.º - A requerente foi acusada e condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo art.º 143.º n.º 1 do C. Penal, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de 11,00€ (onze euros), o que perfaz o total de 990,00€ (novecentos e noventa euros)
2.º Da sentença da 1.ª instância a aqui requerente recorreu de facto e de direito para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo o referido recurso sido rejeitado.
3.º - A aqui requerente sempre negou a prática dos factos e que não conhece nem conhecia os outros dois arguidos, BB e CC.
4.º Também na motivação dos factos a sentença refere: “Não mereceu credibilidade a versão apresentada pelos ora arguidos na medida em que negam ter agredido a ofendida e, quando refere que as circunstâncias de tempo e local supra descritas, a arguida AA não se encontrava presente.»
5.º Mais refere a motivação do Tribunal que “... preocupação acrescida em justificarem a não presença da arguida AA nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço.
Semelhante preocupação, em conjunto com a impetuosidade...”
6º - De facto, o Tribunal apreciou a prova como existindo uma preocupação acrescida em justificarem a não presença da arguida AA.
7.º - Mas essa preocupação acrescida só existia, porque de facto a requerente não se encontrava no local, não praticou os actos de que foi acusada, não conhecia os outros arguidos e os arguidos nunca a tinham visto nem a conheciam;
8.º - No entanto, o Tribunal na sua livre apreciação da prova, entendeu estes depoimentos como exagerados e sem fundamento.
9.º - Fundamento tinham; exagerados só se for(em) entendido(s) que as testemunhas e arguidos estavam preocupados em que a aqui requerente fosse condenada injustamente. Daí a preocupação!!!
10.º - A requerente é uma pessoa de humilde condição social, séria e honesta e a preocupação só podia ser mesmo a eventualidade de vir a ser injustamente condenada.
11.º - E de facto assim aconteceu, o que abalou profundamente a requerente que se viu injustamente condenada e que tentou e recorreu a todos os meios que tinha, mas foi-lhe denegada a justiça, ao ser liminarmente rejeitado o recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra.
12.º - Daí que não tenha descansado na busca da verdade e de saber a identidade da “rapariga” que estava com os arguidos.
13.º - E veio a saber que quem se encontrava com os arguidos era a irmã do arguido BB, a já identificada DD.
14.º - Ou seja, de facto, conjuntamente com os arguidos estaria uma rapariga, mas não a aqui requerente, pois quem os acompanhava era a referida irmã do arguido BB.
15.º - Mais, no próprio processo é dito que quem acompanha os arguidos são três raparigas: A..., S... e M.... E segundo testemunhas, mais tarde, após o Recurso da Sentença, veio a saber-se que a A... terá defendido o irmão.
16.º - Deverá, para uma sentença justa, ser realizada ao abrigo do art.º 146.º do C.P.Penal, a prova por acareação entre os arguidos BB e CC e a ora DD, entre estes e a ofendida, as testemunhas J...P...C... e A...I...F...N...
17.º - Deverá ainda ser feita a prova por reconhecimento ao abrigo do artigo 147.º do C.P.Penal.»

Encerrou o sector expositivo da sua pretensão impetrando, face ao exposto, a substituição da “...injusta e indevida condenação (...) pela inocência total da recorrente”.

Em termos de indicação de meios de prova, reportou-se a requerente, concordantemente, entre o mais, ao que denominou acareação entre os dois outros arguidos, arrolando, depois, uma testemunha não ouvida no processo, L...F...C...L..., consensualmente admitida a depor por se tratar de pessoa que, segundo se consignou em acta, a fls. 53 do presente apenso, “...ao tempo do julgamento (...) se encontrava com contrato de trabalho na Suíça, o que o impedia de se deslocar a Portugal, nessa data...”, tendo-se assim por observada, aí, a reserva constante do segmento final do n.º 2 do art.º 453.º do C.P.P..

Juntou a requerente, ainda, certidão da identificada sentença, de onde se colherá, em primeiro lugar, o pertinente elenco factual considerado “provado” e “não provado”; logo após, a respectiva motivação.
Eis, pois, o referenciado elenco:
«Factos Provados
Em sede de audiência de discussão e julgamento, provaram-se os seguintes factos:
1 – No dia 14/08/2004, pela 00,30 horas, os arguidos AA, BB e CC passaram à porta da residência da ofendida EE, sita na Rua Padre Manuel Domingues, Canto do Sul, Praia de Mira, em Mira;
2 – Aí chegados e por causa do barulho que fizeram, o cão da ofendida começou a ladrar, o que fez com que a ofendida viesse cá fora para ver o que se passava;
3 – A ofendida dirigindo-se aos três arguidos disse-lhes para descerem e saírem da sua porta, ao que a arguida AA dirigiu-se-lhe dizendo “vem cá abaixo que a gente parte-te os cornos”;
4 – Ao ouvir tais expressões a ofendida desceu as escadas e agarrou o arguido BBpelo colarinhos, com o intuito de o segurar e chamar a polícia;
5 – Acto contínuo, o arguido CC agarrou a ofendida, EE, pelas costas, apertando-a com força e o arguido BB desferiu um murro na ofendida, que a atingiu na cabeça, fazendo-a cair;
6 – Nesse momento, encontrando-se a ofendida caída, a arguida AA, desferiu na cabeça da ofendida várias pancadas com a carteira;
7 – Na sequência dos factos descritos em 5) e 6), a ofendida veio a perder os sentidos;
8 – Como consequência directa e necessária dessas agressões, resultaram para a ofendida EE dores nos membros superiores e na região occipital esquerda, contusões várias nos membros e dores à mobilização do 1.º dedo da mão esquerda, que lhe determinaram 8 dias de doença, 1 dia com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional;
9 – Por via dessas agressões, a ofendida recebeu tratamento nos Serviços de Urgência do Hospital do Arcebispo João Crisóstomo;
10 – O tratamento hospitalar que recebeu importou uma despesa de € 30,70, ainda não paga;
11 – Os arguidos sabiam ser os seus comportamentos proibidos e punidos por lei, não obstante, não deixaram de actuar da forma supra descrita, agindo cada um dos arguidos livre e conscientemente;
12 – O descrito comportamento de cada um dos arguidos foi causa directa e necessária de dores físicas sofridas pela ofendida, bem como sentimentos de tristeza e medo;
13 – Os arguidos quiseram e sabiam que, em razão das suas condutas, resultariam para a ofendida dores físicas, o que efectivamente sucedeu.
Mais resultou provado que:
14 – A ofendida EE sofre de um distúrbio de pânico com agorafobia desde 1986;
15 – A arguida AA tem o 12.º ano de escolaridade;
16 – É solteira e vive com a mãe e com um irmão menor de idade;
17 – Encontra-se na Suíça e exerce actividade profissional de secretária na qual aufere a quantia mensal aproximada de € 2000,00 e não tem encargos mensais, para além das despesas quotidianas;
18 – O arguido BB tem o 9.º ano de escolaridade;
19 – É solteiro e vive com os pais e a irmã;
20 – Exerce a actividade profissional de marceneiro, na qual aufere a quantia mensal de 403,00€ e não tem encargos mensais, para além das suas despesas quotidianas;
21 – O arguido CC possuí licenciatura na área de educação física;
22 – É solteiro e vive com a namorada e uma filha menor de idade, da namorada;
23 – Exerce a actividade profissional de professor de educação física do 1.º Ciclo, na qual aufere a quantia mensal líquida de € 800,00;
24 – Paga pela prestação contraída para a aquisição de veículo automóvel a quantia aproximada de € 200,00 euros;
25 – Os arguidos não têm antecedentes criminais.»
Factos não provados:
a) Que os arguidos tivessem agido de comum acordo, em comunhão de esforços e na concretização de um plano previamente gizado onde cada um deles tinha uma função pré determinada e complementar.
Com relevância para a presente decisão não resultaram outros factos como não provados.
Todos aqueles que se revelem em manifesta contradição com os factos dados como provados.
Agora, a correspondente motivação:
«A convicção do tribunal resultou do conjunto da prova produzida ou examinada em audiência.
Nomeadamente, e quanto aos factos provados, valoraram-se as declarações da ofendida em que depôs de forma coerente e muito embora com o natural envolvimento emocional, foi capaz de explicar a forma como decorreram os factos, tendo-o feito de forma sincera e sem hesitações, tendo merecido credibilidade a este tribunal.
A mesma reconheceu os arguidos e não teve qualquer dúvida, nem manifestou qualquer tipo de hesitação ao afirmar de forma peremptória que foi agredida pelos três arguidos e que no local se encontravam presentes esses três arguidos, ou seja, a arguida AA, o arguido BB e o arguido CC.
Tal depoimento foi corroborado com o das testemunhas J...P...C... e A...I...F...N...
O primeiro, embora corroborando a versão dos factos tal como elencados nos factos provados, apenas hesitou em identificar os arguidos, revelando receio em fazê-lo. No entanto, não hesitou em afirmar que os autores dos factos em apreço eram dois homens e uma mulher e que viu a ofendida agarrar os colarinhos ao (homem) mais pequeno, o mais alto a apertar as costas à ofendida, o mais baixo a dar um murro na ofendida e a rapariga a bater com a carteira na cabeça da ofendida.
A testemunha A...I...N... igualmente corroborou os factos tal como vertidos na matéria dada como provada, não tendo qualquer dúvida de que, nas circunstâncias de tempo e lugar ora em apreço, se encontravam presentes os três arguidos.
Contudo e, à semelhança do sucedido com a anterior testemunha, referiu ter visto o arguido BB dar um murro na ofendida, que o arguido CC, que havia sido seu professor de natação, se encontrava por detrás da ofendida, e que a arguida estava no local mas que não a viu bater na ofendida com a carteira.
Também a testemunha V...J...F..., cônjuge da ofendida, confirmou a presença, no local, dos três arguidos, tendo-os visto quando veio à porta da residência de ambos chamar a ofendida. Contudo, não presenciou os factos porque foi chamado depois da ofendida ter sido agredida.
Contudo, tal depoimento(?) que promoveu o socorro à ofendida e acabou por levantar a arguida(?), que se encontrava desmaiada e teve dificuldade em levantar-se pelo seus meios, foi também essencial para descortinar a forma com os factos ocorreram.
O modo espontâneo como prestou o seu depoimento e as circunstâncias em que tomou conhecimento dos factos, chegando ao local e tomando parte activa na retirada da arguida(?), foi de molde a credibilizar a versão apresentada.
Igualmente foram valorados os depoimentos das duas últimas testemunhas supra referidas, no que tange às circunstâncias ulteriores aos factos, designadamente a forma como os mesmos afectaram a ofendida e sentimentos nela causados.
Não mereceu credibilidade a versão apresentada pelos ora arguidos na medida em que negam ter agredido a ofendida, e quando referem que, nas circunstâncias de tempo e local supra descritas, a arguida AA não se encontrava presente.
No mais (local, circunstâncias de tempo, barulho provocado, presença dos arguidos BB e CC, agarrar dos colarinhos), a versão dos mesmos vai de encontro à versão apresentada pela ofendida e dada como provada.
De resto, os próprios arguidos não sabiam ou não queriam explicar ao Tribunal as razões que levariam ou determinariam o comportamento da ofendida na versão por eles apresentada ___ (ou seja, por os arguidos passarem no local e em tom de brincadeira uns com os outros terem feito barulho, a ofendida saía de casa com o cão e, ao mesmo tempo que dizia para saírem do local, atirava-lhes com um cinzeiro, agredia-os e, juntamente com o marido, corriam com uns paus atrás dos arguidos) ___, ao passo que esta apresentou para a mesma uma versão atendível.
Por essa razão, face a tal dificuldade, os arguidos, na sua defesa, lançaram mão da informação constante nos autos e relativa a estado de saúde (de) que a mesma padecia desde 1986.
Para formação da sua convicção valorou, ainda, o Tribunal a prova documental junta dos autos e relativa à assistência hospitalar à ofendida após e no dia em que os factos ocorreram, bem como às lesões sofridas pela mesma – cfr. fls. 7, 8, 29, 48, 49, 56 e 57.
Para além disso, decorre da conjugação dos demais, tal como supra referido, bem como da análise objectiva das circunstâncias em que os mesmos ocorreram que, de acordo com as regras da experiência e do comum do acontecer, não permitem concluir doutra forma quanto aos factos ora em apreço.
Por outro lado, as testemunhas apresentadas pela defesa dos arguidos, não se revelaram minimamente credíveis aos olhos deste Tribunal.
Revelaram as mesmas manifesto despeito pela ofendida e uma preocupação acrescida de tempo e não presença da arguida AA nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço.
Semelhante preocupação, em conjunto com a impetuosidade, hesitação, ambiguidade e contrariedades com que depuseram, em especial as testemunhas M...S...S... e F...A..., prima da arguida, retirou-lhes credibilidade.
A prova dos circunstancionalismos relativos às condições pessoais dos arguidos resultaram dos seus próprios depoimentos, nessa parte credibilizados.
Igualmente valorados, para prova dos factos elencados em 14) – o doc. de fls. 161 e 162 e para prova da ausência de antecedentes criminais, os certificados de registo criminal juntos aos autos a folhas 121 a 123, devidamente valorizados e examinados.
Já no que concerne à factualidade não provada, o Tribunal fundou a sua convicção na ausência de qualquer meio de prova suficiente para os dar como demonstrados.»
*
Entende o Ministério Público, na 1.ª instância, quase tabelarmente, que “...nenhum dos inquiridos, em momento algum, fez a mínima menção a factos novos que suscitem qualquer espécie de dúvida sobre o justeza da condenação...”, pelo que, segundo conclui, “...o recurso carece, em absoluto, de qualquer fundamento”.
Já neste S.T.J., em mais elaborado parecer ___ do qual, de resto, se virá a adquirir, dando-a mesmo por reproduzida (tal a sua inequivocidade), a respectiva fundamentação de direito, em termos de enunciado de princípio ___ , é reafirmado pelo Ministério Público aquele mesmo ponto de vista, na convicção, todavia certamente menos assertiva, de que “...a alegação da recorrente (...) não é confirmada em termos credíveis pelos elementos dos autos e diligências probatórias realizadas...”, tendo-se pois, aí, a decisão condenatória, apesar da singularidade daquele genuíno “negrito”, por “...correcta e justa...”, entendendo-se, enfim, “...não existirem reais fundamentos para considerar a situação sub judice abrangida pela previsão do artigo 449.º n.º 1, alínea d) do Código de Processo Penal, o que acarreta a negação da pretendida revisão.”
*
Pode reproduzir-se, então, aquela global referência, porque acertada, em termos de teoria geral do atinente direito, ao particular recurso em apreço:
«Com o intuito processual da revisão de sentença procura-se o estabelecimento de um justo e necessário equilíbrio entre imutabilidade da sentença transitada em julgado e o respeito pela verdade material.
Nessa medida, excepcionalmente, permite-se o sacrifício do valor da segurança e estabilidade inerente à força do caso julgado, sempre que ponderosas razões de justiça, enquanto valor fundamental, o impuserem.
Para a nossa lei processual penal, a revisão de sentença transitada em julgado era admissível em quatro situações expressamente tipificadas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do art.º 449.º do C.P.P., as duas primeiras – falsidade de meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão e crime cometido por juiz ou jurado, relacionado com o exercício da sua função no processo – de natureza estritamente objectiva, as restantes definidas em função de graves dúvidas que a oposição entre factos provados em diversas sentenças, ou a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, possam suscitar sobre a justiça da condenação.
Entretanto, a revisão introduzida pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, acrescentou três novas situações: a descoberta de que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos n.ºs 1 a 3 do art.º 126 (al. e), a declaração pelo Tribunal Constitucional, da inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação (al. f) e a prolação, por uma instância internacional, de sentença vinculativa do Estado Português, inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça (al.g).
No caso, o preceito citado para fundamento do presente recurso extraordinário de revisão, e que aqui a recorrente procura fazer valer, exige a descoberta de novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação – citada alínea d).
Como tem sido entendido pacificamente os factos ou meios de prova devem ser novos no sentido de não terem sido apresentados no processo que conduziu à acusação se bem que não fossem ignorados pelo arguido.
Por outro lado, por se tratar de um recurso extraordinário, concebido para evitar a ocorrência de “erros judiciários” ou sentenças injustas, tem-se afirmado que só deve usar-se dentro dos seus precisos termos e quando a finalidade que se visa alcançar não possa ser obtida por outros meios (ordinários).»
Com efeito, é em termos idênticos que se procede, habitualmente, na jurisprudência, à elaboração de pequeno introito alusivo à especificidade do presente recurso extraordinário, en-quanto meio impugnatório anómalo mas ainda assim estabelecido e regulado, destacadamente, pelo C.P.P., submetido a estrito condicionamento, nos termos dos art.ºs 449.º e 453.º 2, subjazendo-lhe claramente, como proficientemente se escreveu no Ac. de 25/06/08, STJ, in Proc. n.º 2031/08-3.ª (S.A.S.T.J., 126, 50), o “...propósito de realização da ideia de justiça, da verdade material, sacrificando-se a segurança que a intangibilidade do caso julgado confere às decisões judiciais, face à verificação de ocorrências posteriores à condenação, ou que só depois dela foram conhecidas e que justificam a postergação, ou que só depois dela foram conhecidas e que justificam a postergação daquele valor jurídico”.
Também assim, genericamente, entre muitos outros, v.g., nos Acs. deste S.T.J. de 05/11/98, (BMJ 481.º-311), de 13/03/03 (Colect. Jur., XXVIII, I, 231) ou, mais recentemente, de 25/09/08, Proc. n.º 1781/08-5.ª (S.A.S.T.J., 129,70).
*
Voltando ao caso dos autos, atentemos, agora, pois, na valia que possa conferir-se àqueles mais recentes contributos probatórios.
Dir-se-á, então, ter de se divergir do entendimento do Ministério Público, por se dever qualificar o depoimento da “nova” testemunha como muito expressivo ___ porventura decisivo, até, desde que, como parece ser o caso, não categoricamente contraditado por qualquer outro que não o da própria vítima ___ , no sentido da inversão do veredicto, enquanto aí focada a putativa intervenção da recorrente. É que, percorrido o registo escrito de tal meio (“novo”) de prova, se colhe, com aparência de absoluta idoneidade, uma versão circunstancial relativa à presença, sim, da ora recorrente, na ocasião dos factos, na Praia de Mira, mas em local diverso daquele em que os mesmos ocorreram, pois que se encontraria ela ___ ao tempo namorando, ainda, com o aqui “novo” depoente, nessa sua última noite, aliás, de férias estivais em Portugal, como foi observado, pois que passadas apenas algumas horas embarcaria para a Suíça ___; afinal, daí claramente afastada, por se terem ambos dirigido, na companhia de uma prima da mesma, F...T..., de determinado bar até à casa da própria recorrente, a fim de esta mudar uma peça de vestuário, encaminhando-se, depois, para um outro estabelecimento similar, próximo, e aí tendo os três (ou mesmo apenas alguns deles) tomado conhecimento, só então, do desaguisado que entretanto ocorrera nas imediações, desaguisado objecto, precisamente, dos presentes autos.
Assim se exprime, com efeito, muito convicta e pormenorizadamente, em sucessivos espaços, sempre evidenciando grande coerência, o depoente L...F...:
«-Em que dia? A que horas? Eu sei que foi num dia antes de ela ir para a Suiça, não sei certezas visto que foi em dois mil e quatro. Treze, que ela começava a sua aprendizagem nesse ano, treze de Agosto, era uma sexta à noite, ela ia embora no sábado, treze de Agosto à noite, eh (...), a hora exacta não lhe consigo dizer, sei que foi à noite;
(...)
- A gente estávamos num bar, no, no Black (...), quando, quando se virou um copo de disel nas calças dela, fui com ela à casa mais uma prima dela, fomos com ela e depois, então, daí saímos para o bar, para o Entubar, que quando cheguei lá, quando eu cheguei (...), o bar já não, não havia nada. Houve uma pessoa que ... ex-namorado de uma prima dela que veio ter comigo e que me disso, ah passou-se aqui isto e aquilo, o rapaz sem camisola com uma faca e não sei quê, que eu não sou de cá e ele contou-me (...);
(...)
- Eu estive com ela sempre, eu dormia com ela, ou seja eh (...);
(...)
- Eu não vim, ei falei com ela disse que se fosse preciso que, que vinha, isto é, tinha de tentar, tinha que me arranjar lá no trabalho, mas entretanto essa F... que estava com a gente, visto que ela é de cá de Portugal, ela disse, vai ela como testemunha, não é? Visto que ela estava com a gente, éramos os três que fomos a casa da AA quando ela foi mudar de calças e ela veio com a gente para o bar;
( ...)
- Eu perco dois dias de trabalho mas venho aqui, para além de já não estar com ela, que eu já não estou com ela e eu até me podia estar a borrifar para isto, se é assim, eu não estou com ela, mas eu acho que é pura e simplesmente muito injusto aquilo que lhe está a acontecer, porque eu estava com ela, se eu não estivesse com ela não vinha testemunhar nada, não vinha dizer nada, mas eu estava com a rapariga e com a AA, eu namorava com ela, eu não conhecia ninguém aqui.
(...)
- A F... esteve com a gente, isto é assim, eu com a AA estávamos colados, ou seja, ela era minha namorada, eu estava na terra dela estava colado a ela, estava a prima dela R..., muitas vezes, muitas vezes eu encontrava-me sozinho com a AA. A F..., isto é assim, eu não estou sempre com os olhos em cima da F..., se ela saíu, se ela esteve cinco minutos aqui, ou ali, isso eu não posso dizer, isto é assim, eu não estou com ...estava com os olhos e estava ao lado da AA. Agora o que se passa á minha volta nem eu não ...;
(...)
- Não, impossível, impossível e eu, eh (...), como já disse anteriormente, eu dormi com a AA. Eu saía de casa, saíamos juntos, entravamos juntos, eu estava numa terra alhe...(...), alheia à minha, ou seja (...);
(...)
- Isto é assim, certeza é um dia antes de ela ir para a Suiça, se ela foi embora para a Suiça de autocarro, nos Autocarros Silva que só saem ao sábado, que só saem ao sábado ... que ela começava a sua aprendizagem na segunda feira ela foi embora ora, ora, foi na, na noite antes ...;
(...)
- No treze, se não me engano no treze à noite, uma sexta feira à noite que ela ia no sábado.»

Trata-se, na verdade, de depoimento que se conjuga, de pleno, desde logo com o produzido pela referenciada F...A...T..., na audiência de 20/04/2007:
-«Não, não esteve porque ela estava comigo;
(...)
- Estava eu, ela, o namorado(...) nesse café;
(...)
- Mas eu nessa noite estou a dizer que estava com ela;
(...)
- Sei dizer que foi em Agosto, mas o dia não sei dizer;
(...)
- Também já foi há algum tempo, mas eu estou a dizer que quando ouvi falar disso (...) eu estava com ela.»

Depoimento “novo”, esse (o do ex-namorado da arguida), que não se afigura aqui abalado, aliás, nem pela versão factual transmitida por qualquer dos outros arguidos ___ os quais excluem a intervenção e até mesmo a simples presença da ora recorrente, no local e no momento dos factos, tal como referenciado na sentença ___ nem mesmo pelos depoimentos que foram produzidos, em audiência, por qualquer testemunha, designadamente por algumas das que acederam, vindas do interior da habitação da própria lesada, na qual jogavam (cartas, ou loto), ao espaço existente ao fundo das escadas do edifício, onde as condições de visibilidade, à noite, segundo então foi referido não seriam as melhores...
Aliás, deverá sublinhar-se, percorrido o registo escrito dos depoimentos produzidos na audiência de julgamento em 19/04/07, que, ao contrário do que possa deduzir-se da leitura da motivação elaborada na primeira instância, nenhuma das testemunhas, designadamente as aí nomeadas com maior destaque – J...P...C... e A...I...F...N... – afirmou a imputada intervenção agressiva da arguida no local e no momento referidos na sentença.
Atente-se, muito brevemente, neste trecho atinente ao depoimento da primeira:
« - Não, Doutora. Não posso dizer se foi ela, que eu não ... assim agora... não posso... eu não a vi, as faces dela; sei que era uma ...tipo... uma senhora, mas não posso dizer se foi ela ou não que estava lá».
Quanto à segunda (apesar de ter referido a presença da ora recorrente e mesmo submetida a pergunta fortemente sugestiva, no sentido de se apurar se “...alguém, presumidamente do sexo feminino, terá agredido a D. EE com uma mala, uma mala de senhora...”):
«- Estava um bocadinho escuro.
(...)
- A AA (...) ela estava um bocadinho mais afastada.
- Isso eu não vi.»
Nem mesmo o próprio marido da lesada referiu, na dita audiência, uma tal imputação:
« - Sim, Senhor Doutor, mas aquilo que os outros dizem (...), eu estou aqui simplesmente a dizer aquilo que sei. Eu não posso dizer que ela lhe bateu.»

Trata-se, aqui, do nosso ponto de vista, continuando focado o n.º 2 do art.º 453.º do C.P.P., de situação excepcional harmonizável com o carácter igualmente excepcional do recurso de revisão, domínio este muito particular, como se disse, em que aos seus peticionantes só é permitido indicar testemunha(s) (nova(s)”, isto é, que não tenha(m) sido já ouvida(s) no processo, salvo se demonstrarem que a sua própria existência, ou o agora protestado interesse da sua intervenção em sede probatória, eram por eles anteriormente ignorados, no momento da realizada audiência, ou ainda se, conhecendo embora, já a esse tempo, a relevância de uma tal intervenção, esse(s) novo(s) depoente(s) não tenha(m), efectivamente, podido depor.
Paralelamente, como é lógico, têm os factos “novos”, para efeitos de revisão, de ser “novos”, também, verdadeiramente, para os seus peticionantes: ou porque os ignoravam de todo ou porque, conhecendo-os embora, tenham estado efectivamente impossibilitados de fazer prova dos mesmos ou sobre eles; pois que, como se observa no Ac. deste STJ de 10/09/08 (Proc. n.º 1617/08-3.ª; http:://www.dgsi.ptjstj.naf;doc.n.ºSJ200809100016173),”... Esta interpretação é a única que dá sentido ao citado n.º 2 do art.º 453.º. Pois seria incontestavelmente contraditório que o legislador admitisse a revisão com fundamento em factos já conhecidos pelo recorrente e simultaneamente o privasse de fazer prova dos mesmos, ou lhe dificultasse notoriamente essa prova, impedindo-o de apresentar testemunhas novas!
É também a única interpretação que se harmoniza com o carácter excepcional do recurso de revisão. Na verdade, essa excepcionalidade não é compatível com a complacência perante situações como a inércia do arguido na dedução da sua defesa ou estratégias de defesa incompatíveis com a lealdade processual, que é uma obrigação de todos os sujeitos pro-cessuais”.

Ora, defrontando-se apenas esse “novo” contributo, verdadeiramente, com o produzido pela própria lesada, pessoa que, como vem adquirido, atenta a enunciada falência de saúde, não pode oferecer, de princípio, toda a credibilidade, resulta suficientemente claro que se encontra descoberta, pela via, essencialmente, daquele “novo” depoimento, a forte probabilidade de uma nova manifestação circunstancial, qual seja a própria ausência da arguida do local e momento dos factos, como que conducente, por si só, à representação (quase) necessária da sua inocência.
É de todo plausível, pois, que, a realizar-se novo julgamento, com produção, reaquisição ou revaloração de todos os referidos dados, mormente os que aproveitem, directa ou indirectamente à posição da recorrente, se venha a concluir, a respeito da imputação que lhe é efectuada, em termos opostos aos consignados na decisão em crise.
Igualmente se os peticionantes, porventura executando uma qualquer estratégia, omitem, de início, intencionalmente, certos meios de prova, ou então se negligenciam a sua apresentação, não se justificará que possam vir a retirar proveito, mais tarde, após o trânsito em julgado, sejam arguidos ou assistentes, de um recurso excepcional, que intentaria, tão só, suprir alegadas deficiências probatórias a que eles próprios teriam dado origem.
Não parecendo desse tipo, manifestamente, o circunstancialismo do nosso caso, não poderá configurar-se, aqui, então, um qualquer “prémio” compensatório do género daquele a que se alude naquele aresto. Com efeito, não é razoável concluir pela inadmissibilidade do recurso de revisão interposto à luz da alínea d) do n.º 1 do art.º 449.º do C.P.P. “...quando os factos novos alegados sejam já do conhecimento da requerente ao tempo do julgamento...”, tendo ele querido e podido fazer prova dos mesmos, na respectiva audiência.
*
Consequentemente, suscitadas essas fortes possibilidades de absolvição futura de tal arguida, representada a realização de nova audiência, acordamos, ao abrigo e nos termos do disposto nos art.ºs 449.º n.º1, alínea d), 450.º n.º 1, alínea c), 455.º n.º 3 e 457 n.º 2 do C.P.P., em autorizar a revisão, reenviando-se, pois, os autos ao tribunal mais próximo do que proferiu a revidenda sentença, de entre os dotados de categoria e composição idênticas.

Lisboa, 20 de Novembro de 2008
Soares Ramos (Relator)
Simas Santos
Carmona da Mota