Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23/12.7TBESP.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: SEGURO
NEGÓCIO FORMAL
INTERPRETAÇÃO DA DECLARAÇÃO NEGOCIAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FORMALIDADE AD PROBATIONEM
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
SEGURO DE HABITAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 12/04/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO / FORMA DO CONTRATO E APÓLICE DE SEGURO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 238.º, 342.º, N.ºS1 E 2, 393.º, N.º1.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 426.º.
D.L. N.º 446/85, DE 25-10: - ARTIGOS 6.º, 8.º, 10.º, 11.º.
D.L. N.º 72/2008, DE 16-04 (LEI DO CONTRATO DE SEGURO - LCT): - ARTIGOS 3.º, N.º1, 32.º, N.ºS 1 E 2, 35.º, 37.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20 DE MAIO DE 2010, PROC. Nº 86/2000.L1.S1, E DE 30 DE SETEMBRO DE 2010, PROC. Nº 414/06.2TBPBL.C1.S1, AMBOS EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Segundo a lei anterior ao DL n.º 72/2008, de 16-04 – que determina a aplicação da Lei do Contrato de Seguro aos contratos celebrados antes da sua entrada em vigor, com ressalva, entre outros, do artigo 35.º desta Lei –, o contrato de seguro tinha natureza formal, dado que, de acordo com o art. 426.º do CCom, teria de constar de um instrumento – a apólice – onde deveriam figurar os diversos pontos aí enunciados.

II - Como tal, aplicavam-se à sua interpretação as regras definidas pelos arts 236.º e 238.º, ambos do CC e pelos arts. 10.º e 11.º do DL n.º 446/85, de 25-10, estando os poderes do STJ no controlo da mesma confinados à observância dos critérios legalmente estabelecidos para o efeito, já que a averiguação da vontade real dos declarantes se situa no domínio da matéria de facto.

III - O art. 32.º, n.ºs 1 e 2, da Lei do Contrato de Seguro de 2008 apenas exige a redução a escrito da apólice para efeitos de prova do contrato de seguro e não da sua validade, pelo que deixa de ser aplicável à interpretação a regra contida no art. 238.º do CC, continuando, porém, a valer as regras de interpretação aludidas em II para as cláusulas contratuais gerais e limitações de prova como aquela que decorre do art. 393.º, n.º 1 do CC.

IV - Não tendo sido apresentado qualquer documento escrito que comprovasse a configuração inicial do contrato de seguro, fica inviabilizada a demonstração de que o mesmo foi celebrado antes da entrada em vigor do DL n.º 72/2008, de 16-04.

V - Constando da apólice de seguro de habitação que esta era integrada por condições gerais e especiais (como, aliás, decorre do art. 37.º da Lei do Contrato de Seguro) junta pelo próprio recorrente e cujos termos revelam uma negociação individualizada, carece de sentido afirmar-se que as cláusulas de exclusão delas constantes devem ser tidas como não incluídas no contrato.

VI - Enquadrando-se o sinistro na cláusula que cobre o risco de quebra acidental de vidros e constando desta um limite de indemnização de € 1500 e uma franquia de € 70, não se pode –sem necessidade sequer de ponderar as cláusulas de exclusão – acolher o pedido na parte em que exceda esse montante, o qual já foi entregue ao Autor.

Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:




1. AA propôs contra BB, S.A., uma acção na qual pediu a sua condenação no pagamento de € 59.768,18, como indemnização por danos patrimoniais (€ 57.768,18) e não patrimoniais (€ 2.000,00), com juros de mora, contados à taxa legal, até integral pagamento. Pediu ainda que fossem declaradas consideradas nulas “as cláusulas de exclusão invocadas pela Ré (…) por violação do artigo 5º e nos termos do artº 8º, nº 1, al. a), ambos do Dec. Lei nº 446/85, de 25.10”.

Para o efeito, e em síntese, alegou ter celebrado com a ré um contrato de seguro, relativo ao recheio da fracção autónoma de que é proprietário e onde reside, identificada nos autos; ter ocorrido um sinistro no interior do imóvel, no dia 30 de Maio 2011, traduzido na queda do revestimento de vidro do tecto da sala, que provocou vários danos; que, comunicado o acidente à ré, esta “não assumiu, pelo menos na totalidade das coberturas contratadas, a responsabilidade que lhe cabia no ressarcimento dos danos”; que o seguro “não se esgota[va] na quebra de vidros ou espelhos”, mas antes obrigada “também a ré a suportar os danos causados por bens seguros, conforme se alcança pela análise das coberturas constantes do documento nº 1, junto com o presente articulado”; que a ré é responsável “pelo ressarcimento dos danos resultantes na habitação do autor, os quais se encontram integralmente cobertos pelo seguro contratado com a Ré”; que desconhecia a exclusão invocada pela ré; que não foi cumprido o dever de informação da cláusula correspondente.

A ré contestou, impugnando diversos factos e alegando, em resumo, que apenas está revestida a vidro “uma sanca junto à porta e janela” da sala, que os danos efectivamente sofridos têm uma extensão muito menor do que o autor afirma, resultando do relatório da peritagem que a respectiva reparação “tem um custo de € 24.110,50”, que o contrato de seguro não os cobre na totalidade, “como resulta das coberturas e exclusões constantes das Condições Gerais e Especiais da Apólice, concretamente (d)o ponto 2, alínea a), da garantia «quebra acidental de vidros, espelhos e pedras ornamentais»”, que “foi cumprido, na íntegra, pelo gerente do balcão do BB de Esmoriz, o artº 5º do DL 446/85, de 25/10”; que a queda do vidro não resultou de intervenção de ninguém; que não tem fundamento o pedido de indemnização por danos não patrimoniais; que, tendo pago € 1.430,00 ao autor, “pelo dano da queda e quebra do espelho (…), nada mais tem que indemnizar”, “atendendo ao limite contratualmente fixado de € 1.500,00, com dedução obrigatória de uma franquia de € 70,00”.

A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença de fls. 199, que condenou a ré a pagar ao autor a quantia de € 56.338,15 (€ 57.768,15 - € 1.430,00, já pagos) e negou que houvesse que indemnizar por danos não patrimoniais.

O tribunal entendeu que o sinistro ocorrido estava “garantido contratualmente pela cobertura de quebra acidental de vidros”; que a ré “não logrou fazer prova da negociação individualizada com o autor das cláusulas, insertas no contrato, de que se pretende prevalecer. Seja do ponto 2, als. a) e d) das Condições Especiais, seja mesmo da cláusula de limite de valor e franquia de cobertura de Quebra de vidros e espelhos”; também não provou ter cumprido os deveres de comunicação ou de informação resultantes do artigo 5º do Decreto-Lei nº 446/85; que portanto as referidas cláusulas 2, a) e d) e a cláusula particular relativa à limitação de valor da cobertura e à franquia “não se podem considerar incluídas no contrato vigente entre as partes”.

Mas a sentença foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de fls. 258, que absolveu a ré do pedido, nestes termos:

«A questão que então se coloca é a de saber que danos cobre a previsão contratual das partes no contrato celebrado.

(…) Na página dois do documento de fls. 28 a 30 (condições particulares do contrato), consta o quadro das coberturas da apólice, franquias e limites de indemnização aplicáveis a cada cobertura.

Nesse quadro, na coluna com os dizeres “Limite de Indemnização” consta uma (sub) coluna com os dizeres “Outros”, onde está inscrito o valor de € 1.500,00 na linha da cobertura de “Quebra de Vidros, Antena e Painel Solar”.

Perante este quadro, constante das condições particulares do contrato, não nos parece que tenha que se recorrer sequer às cláusulas contratuais gerais (ponto 2) das quais consta a exclusão dos danos no caso do acidente consistir na quebra de vidros (que mais não são do que uma redundância do que se encontra coberto nas condições particulares).

(…) Trata-se, sem dúvida, de cláusulas contratualmente negociadas entre as partes, cujos montantes a pagar pela seguradora em caso de acidente determinaram o valor do prémio, da responsabilidade do segurado.

(…) Como o A., após receber as condições da apólice, não assinalou qualquer desconformidade entre o acordado e o conteúdo da apólice, ocorreu a consolidação do contrato, prevista no artº 35º da Lei do Contrato de Seguro (DL 72/2008, de 16/04).

Nenhuma dúvida se suscita quanto ao sentido da declaração emitida pelas partes: elas quiseram incluir na cobertura do seguro a quebra de vidros, estipulando para tal um montante máximo de indemnização em caso de sinistro, de € 1.500,00 (com a franquia de € 70,00).

(…) Acresce que os danos ocorridos não se enquadram em qualquer outra cobertura das constantes no aludido quadro, além da quebra de vidros, facto que resulta inequivocamente do documento nº 2 junto com a petição.

Conclui-se do exposto que a responsabilidade da R. pelos danos resultantes do acidente dos autos não pode ser superior a 1.500,00 (a que ainda há que subtrair o valor de € 70,00 da franquia prevista) valor esse já pago ao A..»

2. O autor recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça. Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

A. O douto acórdão recorrido parte de um erro inicial que vicia todo o raciocínio posteriormente expendido, erro esse que se consubstancia desde logo pela aplicação indevida ao caso concreto do art.º 35.° do DL 72/2008, de 16 de Abril que não é aplicável, uma vez que o contrato de seguro em discussão nos autos reporta-se a 30/04/2006.

B. Decidiu o Tribunal da Relação do Porto que o contrato de seguro em discussão nos autos é regulado pelo Decreto - Lei 72/2008, de 16 de Abril e que nos termos do art.º 35.° deste diploma legal, o tomador (aqui autor) tinha 30 dias para invocar as desconformidades entre o acordado e a apólice, como não o fez, ocorreu a consolidação prevista no citado art.º 35.°, e assim ao sinistro em causa terão de se aplicar as cláusulas que a ré invoca para não assumir a responsabilidade para reparação dos danos.

C. É posição do autor que o Tribunal da Relação do Porto aplicou erradamente o direito ao caso concreto, uma vez que, e conforme foi considerado provado (artº. 1.° dos factos provados), o seguro contratado produziu efeitos a partir de 30/4/2006.

D. O contrato que aqui se discute foi celebrado antes da entrada em vigor do novo Regime Jurídico do Contrato de Seguro, aprovado pelo DL 72/2008 de 16/4.

E. Decorre expressamente deste diploma legal, nos seus art.ºs 2.° e 3.°, n.º 1, que o invocado art.º 35.° da nova lei não lhe é aplicável, ao contrário do alegado pela ré unicamente em sede de alegações de recurso, tese que foi sufragada pelo Tribunal da Relação do Porto e quanto a nós mal.

F. Tais art.ºs 2.° e 3.°, n." 1 são claros ao determinarem expressamente que se afasta a aplicação do art.º 35.° aos seguros celebrados em data anterior à entrada em vigor deste diploma legal.

G. A ré não efectuou a comunicação exigida pelo nº 2 do art.º 3.° do aludido diploma legal e até por esta via o citado decreto-lei não se aplica ao contrato em discussão dos autos.

H. Pelo que, mal andou o Tribunal da Relação do Porto ao absolver a ré aplicando ao caso concreto o aludido art.º 35.°, quando o Decreto - Lei 72/2008, de 16 de Abril expressamente afasta a sua aplicação ao contrato de seguro que aqui se discute.

I. No douto acórdão de que se recorre, é ainda referido que o autor em momento algum alegou que não tenha tomado conhecimento das condições particulares do contrato anexas à mesma ou que elas não tenham sido objecto de negociação entre as partes, o que não corresponde à verdade.

J. Ora, os art.ºs 43.° a 87.° da petição inicial versam precisamente sobre o desconhecimento que o autor tinha das cláusulas que a ré invocou para se eximir a assumir a responsabilidade pela reparação dos danos sofridos pelo autor em consequência do sinistro ocorrido na sua habitação, ou seja, contestou o autor a aplicabilidade de todas as cláusulas invocadas pela ré.

K. Alegou o autor na petição inicial que não lhe foram comunicadas quaisquer exclusões ou limitações à reparação de danos em sinistros que viessem a ocorrer na sua habitação.

L. O que veio a ficar demonstrado, conforme bem decidiu o Tribunal de primeira instância.

M. O Tribunal da Relação do Porto, vai mesmo mais longe que a própria ré na protecção dos interesses desta, pois o que esta alegou em sede de contestação no seu art.º 12.° foi que não assumia a reparação dos danos sofridos pelo autor porque estes estavam excluídos nos termos do ponto 2, alínea a) das condições gerais e especiais da apólice e, note-se, foi apenas esta a alegação da ré e nada mais para fundamentar a posição por si adoptada.

N. Alegando no art.º 13.0 da contestação que tal exclusão se aplica uma vez que os danos e prejuízos sofridos pelo autor resultam do "impacto com os objectos que encontrou no trajecto até ao solo, e com este", aquando da queda do espelho que revestia a sanca do teta.

O. Nunca, em momento algum, alegou não ter de assumir a reparação dos danos devido ao não cumprimento do art.º 35 º do DL 72/2008, de 16 de Abril, nem podia pois como já se viu não se aplica tal normativo, nem mesmo invocou qualquer outro motivo para fundamentar a sua posição, somente remeteu para as cláusulas de exclusão.

P. Referiu ainda o Tribunal da Relação do Porto no acórdão de que se recorre, para fundamentar a sua decisão, que o autor juntou aos autos as condições particulares do contrato anexas à mesma, o que não se verifica e não se pode retirar tal conclusão do documento junto pelo autor.

Q. O documento junto a fls. 28 a 30 dos autos, mencionado no acórdão do Tribunal da Relação do Porto trata-se tão só de uma factura recibo enviada pela ré ao autor para que este liquidasse o prémio de seguro referente ao período compreendido entre o dia 30/4/2011 e 29/4/2012 e onde constam as coberturas respeitantes ao seguro.

R. Não se pode retirar daqui que a obrigação que incumbe à ré foi cumprida, que não foi pois a ré não as entregou ao autor, conforme considerou o Tribunal de primeira instância.

S. Foi a ré quem juntou aos autos o clausulado que invoca para se eximir a assumir a sua responsabilidade junto a fls. 58 a 114 dos autos.

T. Conforme bem decidiu o Tribunal de primeira instância, que citamos, "as questões principais a resolver nos presentes autos contendem com a exclusão de cláusulas do contrato de seguro, celebrado entre as partes, por força do DL n.º 446/85 de 25/10; o direito do autor a ser indemnizado pela ré seguradora dos danos patrimoniais ocorridos em consequência do sinistro; e, por fim, o direito do autor a ser indemnizado por danos não patrimoniais."

U. Mas sobre a " ... exclusão de cláusulas do contrato de seguro, celebrado entre as partes, por força do DL n º 446/85 de 25/10 ... ", o Tribunal da Relação do Porto nada disse, remetendo-se ao mais profundo silêncio.

V. Sendo que somos de opinião que este é o ponto fundamental que se deve discutir para a boa decisão da causa.

W. Até porque ao analisarmos a contestação junta pela ré, verificamos que esta nunca alega que o contrato foi celebrado à luz do DL 72/2008, de 16 de Abril (e em boa verdade não poderia fazer pelos motivos expostos), mas antes aceitou que o que aqui se discute é se as cláusulas de exclusão do contrato de seguro por si invocadas, se aplicam por força do DL n.º 446/85 de 25/10.

X. E colocando a discussão no trilho certo, não podemos deixar de referir que não nos podemos esquecer que não está em causa que o clausulado em causa é um contrato com cláusulas pré estabelecidas pela ré, o que esta aliás confessa.

Y. O que ficou demonstrado e provado nos autos é que o autor celebrou um contrato de seguro com a ré sem que lhe tivesse sido explicado o que quer que fosse do teor das inúmeras cláusulas.

Z. E, da análise do documento junto pela ré a fls. 58 a 114 dos autos (condições gerias e especiais), verifica-se que as cláusulas neles constantes estão inscritas em clausulado previamente definido.

AA. A ré sempre sustentou e sustenta a sua posição num documento onde constam as cláusulas contratuais cujo teor era desconhecido do autor, contendo condições gerais e condições particulares, pelo que, atenta a sua composição, verificamos estar perante um contrato de adesão com recurso à inserção de cláusulas contratuais gerais.

BB. Pelo que, face à factualidade dada como não provada pelo Tribunal de primeira instância que considerou não se ter provado que a ré tivesse entregue ao autor as condições gerais, particulares e especiais do contrato em discussão nos autos, que tivesse comunicado o teor de tais cláusulas ao autor e considerou ainda não se ter provado que a ré tivesse explicado o teor das mencionadas cláusulas antes da assinatura do contrato de seguro, bem andou o Tribunal de primeira instância ao decidir da forma que o fez, pois efectivamente a ré não logrou provar que o autor conhecesse todo o conteúdo do contrato de seguro que celebrou com a ré.

CC. Com efeito, o contrato de seguro em discussão está submetido ao regime das Cláusulas Contratuais Gerais previsto no DL 446/85, de 25/10, com as alterações do DL n.º 220/95, de 31/08, e DL n.º 249/99, de 7/07, um vez que estas são cláusulas contratuais gerais sem prévia negociação individual e aceite pela contra parte do utilizador.

DD. Contrato cujo teor o ora recorrido desconhecia e, na verdade, não tomou, em momento algum, conhecimento do seu teor.

EE. Este tipo de contratos de adesão, restringem de forma severa a liberdade de negociação e de estipulação, consistindo o seu traço comum na superação do modelo contratual clássico previsto no art.º 405.° do C. Civil.

FF. No contrato em discussão nos autos, os clientes subordinam-se a cláusulas previamente fixadas, de modo geral e abstracto, para uma série indefinida de efectivos e concretos negócios.

GG. Para que tais cláusulas sejam tidas como aceites pelo utilizador e, como tal, objecto de mútuo acordo entre as partes, terá de ser garantido ao destinatário um perfeito conhecimento prévio de todo o clausulado. O que não se verificou in casu.

HH. O completo e efectivo conhecimento de todo o clausulado é condição essencial para a boa formação da vontade de contratar por parte dos aderentes.

II. Impõe-se à parte responsável pela redacção do contrato de adesão não só o dever de comunicação das cláusulas gerais dos contratos, como também o dever de informação e aclaração do conteúdo e sentido de tais cláusulas contratuais gerais, como imposição elementar decorrente do princípio da boa-fé contratual, como decorre do art.º 5.0 do DL 446/85 de 25/10.

JJ. De acordo com a norma do art.º 5° supra citado, a real integração das cláusulas no contrato singular pressupõe que o proponente as comunique à contraparte.

KK. Torna-se necessário que o utilizador comunique na íntegra à contraparte de modo adequado para, em atenção à importância do contrato e à extensão e complexidade do clausulado, possibilitar o seu completo e efectivo conhecimento pelo cliente.

LL. A lei não se basta com a exigência de transmissão ao aderente das condições gerais, impõe que a sua transmissão seja concretizada de tal modo e com tal antecedência que se abra caminho a uma exigível tomada de conhecimento por parte do parceiro contratual.

MM. É necessário que a comunicação seja feita de tal modo que proporcione à contraparte a possibilidade de um conhecimento completo e efectivo do clausulado, prévio à assinatura do contrato.

NN. No caso em apreço e conforme resulta da factualidade que o Tribunal de primeira instância deu como não provada, jamais o autor foi informado pela ré, parte responsável pela redacção do clausulado, do conteúdo das cláusulas e o que do mesmo decorria.

OO. Para que exista um "contrato de adesão e o aderente possa ter um conhecimento efectivo das cláusulas antes de as subscrever é preciso que as mesmas lhe sejam lidas e explicadas (, . .) a aferição da comunicação terá que ser efectuada no momento em que foi emitida a declaração negocial. A omissão da leitura e explicação do teor das cláusulas contratuais, implica que tais cláusulas se considerem não escritas e, consequentemente, estando excluídas do contrato não sejam oponíveis ao contraente aderente".

PP. É notória a elevada importância que o legislador atribui aos deveres de comunicação das cláusulas contratuais gerais e de informação ao aderente, parte mais fraca da relação contratual, a par da atribuição do ónus da prova da comunicação adequada e efectiva ao contratante que submete a outrem as cláusulas daquele género, do Artº. 5°, nº 3, do RJCCG.

QQ. Precisamente porque as condições gerais do contrato já se encontram impressas, sem hipótese de prévia negociação limitando-se o destinatário, aqui autor, a subscrevê-las e aceitá-las, é que a lei exige efectiva comunicação das mesmas de tal modo que o utilizador tome real conhecimento do seu teor.

RR. Não pode ser considerado como uma comunicação integral e adequada, que tenha possibilitado ao autor analisá-las e conhecer o que nelas está contido, previamente à assinatura do contrato, afirmar que as cláusulas foram comunicadas porque estavam impressas e constam de um documento elaborado pela ré e que lhe terão sido remetidas, sendo que a ré não logrou provar sequer que efectivamente as remeteu via postal para o autor.

SS. Certo é que aquando da assinatura do contrato de seguro, ninguém comunicou e explicou ao autor o teor de todas as cláusulas gerais e particulares, conforme bem se considerou na sentença em apreço.

TT. Em decorrência do disposto no art.º 5°, nºs 1 e 2 do DL 446/85, a integração das cláusulas gerais no contrato está sempre dependente de comunicação ao aderente, comunicação que terá que ser integral e adequada, conducente a um conhecimento completo e efectivo.

UU. A norma do art.º 8°, als. a) e b), do DL 446/85, prevê que as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art.º 5° do mesmo diploma legal se consideram excluídas do contrato.

VV. E, citando o Tribunal de primeira instância, " ... tendo em conta que o autor contestou inicialmente todas as cláusulas excludentes da responsabilidade da ré, por esta invocadas, competia à ré (..) de acordo com a regra do ónus da prova do art. o 5. o, n. o 3 da LCCG, o cumprimento do dever de comunicação ao autor das cláusulas de que ora se pretende prevalecer, nomeadamente quanto às cláusulas 2. o a) e d) das Condições Especiais relativas à garantia de cobertura de Quebra de Vidros e Espelhos. Mas também, como se disse já, quanto à cláusula particular de limitação do valor da mencionada cobertura e correspondente franquia. Nessa medida, tais cláusulas não se podem considerar incluídas no contrato vigente entre as partes. Essa a consequência da aplicabilidade do regime das cláusulas contratuais gerais. "

WW. Ou seja, não tendo a ré comunicado adequadamente o teor das cláusulas constantes das condições gerais e particulares, as mesmas têm de se considerar excluídas do contrato, sendo a consequência imediata da falta de comunicação das cláusulas gerais e particulares do contrato ajuizado, é terem-se as mesmas por excluídas, de acordo com o citado art.º 8°, nº 1, al. a) e b) do Decreto-Lei 446/85 de 25/10.

XX. Pelo que não merece qualquer censura a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância e devendo o presente recurso decidir da mesma forma.

YY. Pelo exposto, face à prova produzida não poderia ter sido outra a decisão na sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância, uma vez que a ré não fez qualquer tipo de prova que cumpriu o previsto pelo art.º 5.° do RJCCG.

ZZ. Devendo por conseguinte ser revogada a apelação do Tribunal da Relação do Porto, por ter procedido a incorrecta subsunção do direito aos factos, incorrendo, destarte, em violação de lei substantiva – cfr. art.º 674.°, n.º 1, aI. a) do C.P.C.—, e ser confirmada a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância”.


Nas contra-alegações, a ré sustentou a manutenção do que vem decidido.


      O recurso foi admitido como revista, com efeito devolutivo.


3. Vem provado o seguinte (transcreve-se do acórdão recorrido:

«1. Na Conservatória do Registo Predial de Espinho, sob o n.º …-K, mediante a ap. 2 de 2006/11/06, a aquisição, por compra, da fracção “K”, correspondente a andar recuado, voltada para Norte, Sul e Poente, destinada a habitação, sita na Rua da …, nº…, 6º andar, encontra-se inscrita a favor do Autor – cf. doc. de fls. 123 a 125, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (A)

2. A fracção autónoma identificada em A) é o local onde o Autor habita, encontrando-se, por isso, toda mobilada. (B)

3. O Autor celebrou com a Ré acordo de seguro, sob a designação “Seguro BB Casa”, para cobertura de danos que pudessem ocorrer no recheio da fracção identificada em A) em caso de incêndio, inundações, danos por água, furto e roubo, com efeitos a partir de 30.04.2006 e titulado pela apólice n.º … – cf. doc. a fls. 28 a 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (C)

4. Do acordo referido em C) consta para a quebra de vidros, antena e painel solar a cobertura de 1.500 € e a franquia de 70 € – cf. doc. a fls. 28 a 30, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (D)

5. Do escrito particular denominado “Seguro BB Casa Segura o seu lar Condições Gerais e Especiais”, nas “Condições Especiais”, sob a epígrafe “Quebra Acidental de Vidros, Espelhos e Pedras Ornamentais, Quebra ou Queda de Antenas; Quebra ou Queda de Painéis Solares”, consta: “1. O que fica garantido: 1.1. Fica garantida a Quebra de Vidros, Espelhos e Pedras Ornamentais. 1.2. A garantia referida no número anterior abrange: a) Estando seguro o Edifício, os danos sofridos por vidros, espelhos, chapas de vidros fixos e pedras ornamentais em consequência de quebra acidental e caso se encontrem no local de risco e sejam propriedade do Tomador ou do Segurado; b) Estando seguro o Recheio, os danos sofridos em vidros móveis. (…) 2. O Que Não Fica Garantido: Não ficam garantidos os danos: a) Que, na sequência de Quebra de Vidros, Espelhos e Pedras ornamentais, sejam causados a quaisquer outros bens seguros; b) Que não consistam em quebra ou fractura; c) Causados directa ou indirectamente por uma fonte de calor; d) Resultantes de defeito do produto, da sua colocação ou de montagem ou desmontagem das peças; e) Causados a bens, objecto desta cobertura, não colocados em suporte adequado; f) Em suportes, caixilhos ou molduras dos bens objecto desta cobertura; g) Em vidros ou espelhos que façam parte de lâmpada ou reclamos, assim como os sofridos por objectos decorativos, cristais de óptica e aparelhos de imagem e som; h) Em veículos automóveis; i) Em serviços de porcelana, de copos ou quaisquer peças de cristalaria; j) Em Garrafas e seus conteúdos; k) Causados no decurso de operações de montagem, desmontagem e reparação ou de quaisquer obras em curso no local seguro” – cf. doc. a fls. 58 a 113, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (E)

6. A sanca do tecto da sala da fracção autónoma identificada em A) tem revestimento de vidro espelhado. (1º)

7. No dia 30 de Maio de 2011, o revestimento referido no ponto anterior caiu, provocando estragos nas paredes, no pavimento e em peças de mobiliário da sala (2º)

8. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6 (correspondente ao ponto 1º da base instrutória), é necessário lavar um tapete em lã, o que importa o custo de € 650. (3º)

9. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário aplicar 10 rolos de “Silk Paper Donghia”, no valor global de € 8 350. (4º)

10. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6 e dos trabalhos necessários à recolocação do vidro espelhado (em antélio, referido no ponto 13), é necessário reparar e pintar o tecto da sala, o que importa o custo de 840. (5º)

11. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário proceder a raspagem, polimento e acabamento a verniz mate de todo o pavimento da sala, em madeira “wengé”, que importa o custo de € 5.775. (6º)

12. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário colocar vidros para portas na sala, o que importa o custo de € 3.600. (7º)

13. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário forrar a sanca da sala a vidro antélio pintado (espelhado), o que importa o custo de € 2 300. (8º)

14. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário proceder à confecção e colocação de cortinas em “riple”, o que importa o custo de € 3.601. (9º)

15. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário substituir dois maples “Brunatti”, no valor global de € 5.660. (10º)

16. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário substituir dois puffs “Brunatti”, no valor de € 3 930. (11º)

17. Em consequência da queda do revestimento referido em 1º), é necessário substituir duas mesas de apoio “Ice”, em laca “canard” e preto, o que importa o custo de € 3 400. (12º)

18. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário restaurar a mesa de centro “Atenas”, com laca marfim e carvalho e pés em inox, o que importa o custo de € 1 980 (13º).

19. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário substituir candeeiros “Ford”, com abat-jour RI “victoria blue”, no valor de € 1 950. (14º)

20. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário substituir candeeiros “Bel Air”, com abat-jour RI “victoria blue”, no valor de € 1 880. (15º)

21. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário restaurar duas jarras azuis de cerâmica “PG”, o que importa o custo de € 600. (16º)

22. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário restaurar dois castiçais de cristal “Bacarat”, o que importa o custo de 460. (17º)

23. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário restaurar uma jarra branca cerâmica “J. Adler”, o que importa o custo de € 190. (18º)

24. Em consequência da queda do revestimento referido no ponto 6, é necessário efectuar transporte e colocar grua, o que importa o custo de € 1 800. (19º)

25. O Autor passa tempo de lazer e recebe visitas na sala referida no ponto 6. (20º)

26. Em consequência de a Ré não ter assumido o pagamento das quantias indicadas nos pontos 8 a 24, o Autor ficou agitado e desolado. (21º)

27. No dia 30 de Maio de 2011, soltou-se um vidro espelhado da sanca do tecto da sala da fracção autónoma identificada em A), o qual se partiu no impacto com os objectos que encontrou no seu trajecto até ao solo e com este. (22º)

28. O vidro espelhado indicado no ponto anterior soltou-se sem acção de ninguém. (23º)

29. O vidro espelhado do tecto referido nos pontos 6 e 27 fora colocado havia cerca de 4 anos. (24º)

30. A ré pagou ao autor, por conta da ocorrência referida no ponto 27, a quantia de € 1.430,00.»


4. Está assim em causa saber se o seguro concretamente contratado entre o autor e a ré abrange os prejuízos alegados pelo autor na petição inicial, ou seja, se, para além da quebra do vidro (espelho) que revestia a sanca do tecto da sala da fracção autónoma do recorrente, cobre ainda os danos causados em outros objectos, com essa queda.

O recorrente insurge-se contra a aplicação ao caso do disposto no artigo 35º da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei nº 72/2008, de 16 de Abril, ”uma vez que o contrato de seguro em discussão nos autos reporta-se a 30/4/2006”.

Esta questão obriga a ter em conta o seguinte:

– É ao autor que cabe o ónus de provar a existência e o conteúdo do contrato, na medida em que alegue um direito decorrente desse contrato (nº 1 do artigo 342º do Código Civil);

– Em contrapartida, é à ré que incumbe o ónus de provar factos impeditivos, modificativos ou extintivos desse direito (nº 2 do mesmo preceito);

– Com a petição inicial, o autor juntou o doc. nº 2, afirmando expressamente que corresponde ao seguro contratado com o a ré, com a apólice nº …, e que “dá como integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais”; diz ainda que, com esse contrato, “contratou a cobertura de danos que pudessem ocorrer, como sejam incêndios, inundações, danos por água, furto ou roubo, bem como danos causados por bens seguros, conforme resulta do documento que se juntou sob o nº 2”;

– Sobre o documento junto pela ré com a contestação, a pág. 58 e segs., designado como “Seguros BB Casa, Condições Gerais e Especiais”, o autor, para além de o impugnar, veio afirmar que “não é parte integrante do contrato de seguro”, que o “seu teor era desconhecido do Autor” e que “não está em lado algum assinado e/ou rubricado pelo Autor, desconhecendo-se assim a sua origem (…), pelo que se impugna o seu teor com as legais consequências”.


5. No documento junto pelo autor para provar a celebração e o conteúdo do contrato diz-se que o mesmo constitui a apólice do contrato de seguro celebrado entre as partes e tem a data de 3 de Maio de 2011. Segundo consta dele próprio, e o autor afirma nas alegações de revista, o contrato em causa tem como “data de início” 30 de Abril de 2006 (“produziu efeitos a partir de”30/4/2006”, conclusão c.); mas refere-se ao período de um ano a contar de 30 de Abril de 2011, “e seguintes”.

O sinistro dos autos ocorreu em 30 de Maio de 2011; o Decreto-Lei nº 72/2008 entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2009 e aplica-se a contratos “celebrados anteriormente que subsistam” nessa data, com as ressalvas do artigo 3º – entre as quais se encontra o artigo 35º da Lei. Mais precisamente: aos contratos “com renovação periódica”, como se admite que seja o caso, o regime de 2008 (com as ressalvas) aplica-se desde a primeira renovação, posterior à entrada em vigor.

Mas o novo regime não é naturalmente aplicável à formação de contratos anteriores (nº 1 do citado artigo 3º da Lei nº 72/2008); nomeadamente, não rege retroactivamente a respectiva forma.

Ora, como se sabe, segundo a lei anterior ao Decreto-Lei nº 72/2008, o contrato de seguro tinha natureza formal. O regime então vigente – nomeadamente, na data em que o contrato dos autos iniciou a produção de efeitos, segundo conta da apólice de fls. 28 e o autor afirma, 30 de Abril de 2006 – constava do artigo 426º do Código Comercial, que exigia a redução a escrito do contrato de seguro num instrumento, a apólice, e que enunciava os pontos que dela tinham de constar,

Entre esses elementos figuravam os pontos essenciais à função e individualização do contrato de seguro (§ único do artigo 426º e respectivos nºs); interessando agora especialmente a definição do “objecto do seguro e a sua natureza e valor”; dos “riscos contra os quais se faz o seguro” e da “quantia segurada”

Tratando-se de um contrato formal, aplicavam-se à respectiva interpretação as regras definidas pelos artigos 236º e 238º do Código Civil e pelos artigos 10º e 11º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro (interpretação das cláusulas contratuais gerais), limitando-se a possibilidade de intervenção do Supremo Tribunal da Justiça, no controlo da interpretação de declarações negociais, à apreciação da observância dos critérios legalmente definidos para o efeito, já que a averiguação da vontade real dos declarantes se situa no domínio da matéria de facto, fora portanto do âmbito do recurso de revista (cfr., a título de exemplo, acórdãos deste Supremo Tribunal de 20 de Maio de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 86/2000.L1.S1 ou de 30 de Setembro de 2010, proc. nº 414/06.2TBPBL.C1.S1).

A Lei do Contrato de Seguro de 2008 deixou de exigir a adopção de forma escrita para a celebração – e, portanto, para a validade – do contrato de seguro; continuou a exigir a redução a escrito da apólice, mas apenas para efeitos de prova (não de validade) do contrato. É o que resulta dos nºs 1 e 2 do artigo 32º da Lei do Contrato de Seguro, especialmente conjugados com os artigos subsequentes. Significa isto, desde logo, que deixou de ser aplicável a regra de interpretação própria dos negócios formais (artigo 238º do Código Civil; mas continuam a valer as especialidades referidas para as cláusulas contratuais gerais; e outras limitações de prova (como, por exemplo, a impossibilidade de substituir a apólice por testemunhas – nº 1 do artigo 393º do Código Civil).

O autor não junta senão o documento de fls. 28; não foi assim oportunamente apresentada prova da configuração inicial do contrato, o que impede que se tenha como provado que o contrato foi celebrado em 2006, produziu efeitos desde 30 de Abril de 2006 ou, sequer, foi celebrado antes da entrada em vigor do DL 72/2008. Tratando-se de um contrato formal, só por documento escrito poderia ser provado. Diga-se que o que consta do nº 3 dos factos provados não obriga o Supremo Tribunal de Justiça a chegar a conclusão diversa, porque está em causa o controlo de normas relativas à forma de declarações negociais, que naturalmente lhe cabe fazer.

Perde assim consistência a afirmação de que o artigo 35º não é aplicável ao caso; no entanto, essa aplicabilidade não é relevante para a apreciação deste recurso.


6. Com efeito, está provado que, à data do sinistro, existia entre as partes um contrato de seguro, correspondente à apólice (parcialmente) junta pelo autor a fls. 28 e seguintes. Apenas parcialmente porque, como consta do próprio texto (e de acordo com a lei em vigor quando a apólice foi emitida, veja-se o artigo 37º da Lei nº 72/2008), integram a apólice “as Condições Gerais e Especiais do Seguro BB Casa…”

A ré juntou o que alegou corresponder a essas condições, a fls. 58 e segs., excepcionado ao pedido formulado pelo autor “as coberturas e exclusões constantes das condições gerais e especiais da apólice, concretamente no ponto 2 alínea A), da garantia «quebra acidental de vidros, espelhos e pedras ornamentais”, cujo texto é “Não ficam garantidos os danos a) Que, na sequência de quebra de vidros, espelhos e pedras ornamentais, sejam causados a quaisquer outros bens seguros” (…) d) Resultantes de defeito do produto, da sua colocação ou de montagem ou desmontagem das peças”. A 1ª Instância considerou essas cláusulas como não incluídas no contrato, louvando-se no disposto nos artigos 6º e 8º do Decreto-Lei nº 446/85, de 25 de Outubro; e aplicou o mesmo regime “à cláusula particular de limitação do valor da (…) cobertura e correspondente franquia”, condenando a ré nos termos já indicados. Considerou que a ré não tinha feito prova, nem “da negociação individualizada”, nem do “cumprimento do dever de comunicação ao autor das cláusulas de que ora se pretende prevalecer”.

Mas esta afirmação não pode manifestamente proceder, no que toca às “coberturas da apólice”, constantes do documento junto pelo autor, quando invoca o contrato de seguro, expressamente dando como reproduzido o conteúdo do documento, na petição inicial (artigo 3º), cujos termos revelam claramente uma negociação individualizada, com observa o acórdão recorrido (“Trata-se, sem dúvida, de cláusulas contratualmente negociadas entre as partes, cujos montantes a pagar pela seguradora em caso de acidente determinaram o valor do prémio, da responsabilidade do segurado” – descrição dos danos com a indicação do limite da cobertura e da franquia

A este respeito, há que esclarecer o seguinte: o autor afirma, nas alegações de recurso, que “o documento junto a fls. 28 a 30 dos autos (…), conforme se alcança pela sua análise, trata-se tão só de uma factura recibo enviada pela ré ao autor para que este liquidasse o prémio de seguro e onde constam as coberturas respeitantes ao seguro” (ponto 20). No entanto, o documento foi junto pelo autor para provar o contrato; e é com base no seu nele que o autor questiona a aplicabilidade do artigo 35º do Decreto-Lei nº 72/2008. Se este documento devesse ser encarado como uma mera “factura recibo” para o efeito de ser liquidado o prémio, e não como parte da apólice, teríamos de concluir que não há prova, nos autos, da celebração do contrato invocado pelo autor; a acção improcederia inevitavelmente.


7. Quer a lei vigente em 2006 – § único do artigo 426º do Código Comercial, nºs 4 e 6 –, quer a lei vigente em 2011 – artigo 37º, nº 2, d) e h) do Decreto –Lei nº 72/2008 –, exigem que conste do texto da apólice a definição de quais os danos que ficam cobertos pelo seguro e de qual o limite de valor, se for convencionado algum limite.

Recorrendo às regras de interpretação do conteúdo da apólice, utilizando apenas, para o efeito, a parte sobre a qual não há divergência que integra o contrato (fls. 28 e segs.), conclui-se facilmente que o contrato cobre o risco de quebra acidental de vidros. Note-se que ambas as instâncias enquadraram neste âmbito o sinistro ocorrido, escrevendo-se mesmo na sentença que “não se vislumbra a aplicabilidade de outra cobertura constante do contrato de seguro” e, no acórdão recorrido, que “os danos ocorridos não se enquadram em qualquer outra cobertura das constantes no aludido quadro, além da quebra de vidros, facto que resulta inequivocamente do documento  nº 2 junto com a petição”.

Só que figura igualmente no texto da apólice que, quanto a esse risco, ficou concretamente estabelecido um “limite de indemnização” de € 1.500,00, com uma franquia de € 70,00; tanto basta para que não possa proceder o pedido formulado pelo autor nesta acção, sem qualquer necessidade de invocar excepções à cobertura.

Sempre se acrescenta, a terminar, que, na apólice de fls. 28, a referência a “R. civil Danos causados por bens seguros” (fl. 29) só aparece para incluir na cobertura do seguro a responsabilidade civil por esses danos; ou seja, como é manifesto, a responsabilidade do segurado por danos causados pelos bens seguros a terceiros; o que não está releva nesta acção.


8. Aqui chegados, torna-se inútil determinar se estão ou não em causa cláusulas contratuais gerais e se foram ou não cumpridos os deveres de comunicação e de informação pela ré.


9. Assim, nega-se provimento ao recurso.


Custas pelo recorrente.



Lisboa, 04 de Dezembro de 2014



Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)


Salazar Casanova


Lopes do Rego