Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03A4204
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CENTRO COMERCIAL
PROPRIEDADE HORIZONTAL
ASSOCIAÇÃO
Nº do Documento: SJ200403090042041
Data do Acordão: 03/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1041/03
Data: 07/09/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Doutrina: Anot. de M. Henrique Mesquita. - RLJ A. 135, nº 3938 (Mai./Jun. 2006)
Sumário : Um centro comercial instalado num edifício submetido ao regime de propriedade horizontal não passa, por isso, a constituir um condomínio: - aquele constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa e oponível a terceiros; o edifício, objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio.
Um regulamento interno de centro comercial resultante da deliberação dos proprietários lojistas, nesta qualidade, não pode ser um regulamento de condomínio a que a lei atribui força vinculativa;
Um tal regulamento tem natureza meramente obrigacional, constituindo realidade distinta do estatuto do condomínio do edifício em que está instalado e seu regulamento;
O grupo de pessoas, constituído pelos proprietários das lojas, que, reunida em assembleia, o criou, deve entender-se como o substracto pessoal de uma associação de facto, não personalizada (arts. 167º-1 e 168º-1 e 3 C. Civil);
Perante um tal enquadramento, não pode deixar de aceitar-se a regra da livre exoneração ou desvinculação da organização de qualquer dos associados, a todo o tempo (arts. 46º-3 CR e 195º-3 e 181º C. Civ.).
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - "Administração do Centro Comercial ..." intentou acção declarativa contra "A - Sociedade de Comércio e Serviços de Bens Alimentares, S.A.", pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe a quantia de esc. 10 550 817$00, referente a comparticipações (para as despesas comuns necessárias à conservação e fruição das partes comuns, aprovadas em assembleia geral de proprietários das lojas do Centro comercial) vencidas entre Agosto de 1996 e Fevereiro de 1999, inclusive, bem como as comparticipações vincendas, de esc. 352 127$00 mensais até efectivo pagamento, e ainda a sanção pecuniária compulsória de 50% sobre a dívida que se verificar aquando do integral pagamento.
Fundamentando a pretensão a A. alegou, em síntese:
O Centro Comercial Cidade Nova foi criado no ano de 1984, pelos seus construtores e fundadores, duas sociedades comerciais que procederam à elaboração de um Regulamento Interno do Centro Comercial, para disciplinar as suas actividades e relações entre as pessoas, descrevendo as fracções autónomas e suas permilagens, para ser apurada a comparticipação de cada uma das lojas para as despesas comuns e específicas do Centro Comercial, autonomamente, face às permilagens, distintas, da escritura de propriedade horizontal dos edifícios 14 e 15, abrangidos pelo Centro, Regulamento que foi revisto em assembleia geral de proprietários, realizada em 23/06/94, com aprovação da R.;
A Ré é proprietária das lojas 91, 92, 93, 100 e 113 do edifício 15 e é locatária da loja 89, situada no mesmo edifício, tendo a locadora transferido para a locatária a responsabilidade dos seus encargos do condomínio ou outras despesas relativas à loja 89;
Desde 1994, quando adquiriu as lojas, e até Julho de 1996, a Ré sempre comparticipou para as despesas comuns do Centro, na sua quota parte, segundo a permilagem para o efeito determinada;
As 6 lojas da Ré intercomunicam-se, por forma a constituírem um supermercado, que aquela explora, e têm duas portas para o interior do Centro Comercial, que a Ré pode utilizar;
A Ré deixou de pagar as comparticipações mensais a partir de Agosto de 1996 e até ao presente momento.

A R. contestou alegando que não tinha consciência da natureza do Regulamento, julgando que se tratava de um regulamento de condomínio e que a reunião em que o mesmo foi aprovado era uma vulgar reunião de condomínio, que paga as suas contribuições ao condomínio do prédio de acordo com as permilagens atribuídas às suas fracções no título constitutivo da propriedade horizontal, que o único acesso ao supermercado é feito por entradas próprias, com acesso directo à via pública e que nenhum benefício retira a Ré dos serviços prestados pela administração do Centro Comercial.
Acrescenta que pagou durante alguns anos as contribuições para o Centro Comercial apenas e tão só porque estava convencida de que aquelas eram verdadeiras contribuições de condomínio e porque tais contribuições sempre foram reclamadas, pela Administração, a título de "condomínio", até que, em Outubro de 1996, a Ré declarou à Administração do Centro Comercial que considerava terminadas quaisquer relações contratuais porventura existentes entre as partes.
Conclui que o que existe é um contrato de efeitos meramente obrigacionais, que não obriga a R. e seria anulável, por erro. Invoca essa anulabilidade e a validade da revogação ou da denúncia.

Após completa tramitação do processo, o pedido da A. obteve total procedência, decisão que a Relação confirmou.
A Autora, insistindo na pretensão de improcedência da acção, pede revista.
Para o efeito, verteu nas conclusões:
- O "Regulamento Interno" do Centro Comercial, bem como a adesão ao mesmo, têm a natureza de actos comerciais;
- Os efeitos desses contratos são meramente obrigacionais;
- Por virtude do referido "Regulamento" instituiu-se entre os lojistas uma associação irregular ou de facto;
- O denominado "Regulamento Interno" não pode ter por efeito a criação de direitos ou obrigações de carácter real, nem a criação de uma terceira propriedade horizontal incidente sobre dois prédios distintos e já previamente sujeitos a esse regime;
- A R. só aderiu a esse contrato porque estava em erro, cuja essencialidade não podia nem devia ser ignorada pela A.;
- Portanto, tal contrato é anulável, como foi tempestivamente invocado;
- O contrato, sem prazo, foi validamente denunciado pela R., através da carta de 21/02/97, em que reafirma a sua vontade de se desvincular do contrato que consubstancia a associação irregular.

A Ré respondeu, pugnando pela manutenção do julgado.

2. - Para decisão vem colocada a questão da licitude e efeitos da desvinculação efectuada pela Autora do regime estabelecido pelo Regulamento Interno do Centro Comercial.
Tal conhecimento passa pela apreciação das seguintes sub-questões, repostas no recurso:
- Qualificação e natureza jurídica do "Regulamento Interno";
- Erro da Ré na adesão ao "Regulamento" e seus efeitos; e,
- Validade e eficácia da denúncia.
3. - A matéria de facto assente pelas instâncias é a que segue:
1) - O Centro Comercial Cidade Nova foi criado, no ano de 1984, pelos seus fundadores ou empreendedores, as Sociedades comerciais "B-Construção, S.A." e "C, Investimento e Urbanização, S.A.", que construíram os edifícios nos Lotes ..., de sua propriedade, sitos na Rua Luís de Camões, Cidade Nova, Santo António dos Cavaleiros, onde está implantado o Centro Comercial Cidade Nova (resp. quesito 1º);
2) - Ambas aquelas sociedades anónimas procederam à elaboração de um regulamento interno do Centro Comercial, para disciplinar as suas actividades e relações entre as pessoas, descrevendo as fracções autónomas e suas permilagens, para ser apurada a comparticipação de cada uma das lojas para as despesas comuns e específicas do Centro Comercial, autonomamente, face às permilagens da escritura de propriedade horizontal de ambos os edifícios 14 e 15, sendo que, tal regulamento, iria fazer parte integrante dos contratos promessa e das escrituras públicas de compra e venda das 101 lojas do edifício 14, e 25 lojas do edifício 15, de que ainda eram proprietárias (ques. 2º);
3) - Depois, foram as empreendedoras vendendo as lojas e restantes fracções de ambos os edifícios, a vários compradores (resp. ques. 3º);
4) - A "C" foi administradora do Centro Comercial durante os primeiros 5 anos, sucedendo-se depois outras administrações, nomeadas em Assembleia Geral de Proprietários do Centro Comercial (resp. ques. 4º);
5) - O Regulamento interno do Centro Comercial foi revisto e alterado, em Assembleia Geral de proprietários do Centro Comercial, realizada em 23/06/1994, convocada para o efeito, tendo deliberado o novo texto do regulamento interno, que entrou em vigor em 23/07/1994, constante da acta nº. 14 (resp. ques. 5º);
6) - O actual Regulamento Interno, em vigor desde 23/07/1994, foi também aprovado pela ora ré, que se fez representar pelo Sr. F (resp. ques. 6º);
7) - O Regulamento Interno em vigor desde 23/07/1994 (acta nº. 14), tal como o anterior regulamento, também prevê 126 lojas no Centro Comercial Cidade Nova, que se localizam nos pisos menos dois, menos um e zero dos edifícios ...e ... da Rua Luís de Camões, em Santo António dos Cavaleiros, às quais continuaram a ser atribuídas as mesmas permilagens que têm por objecto encontrar o valor ou quota-parte a pagar por cada proprietário para as despesas comuns apenas do Centro Comercial, previamente aprovadas em orçamentos anuais pela Assembleia Geral de Proprietários, podendo cada um transferir tal encargo para terceiros (q. 7º);
8) - As permilagens referidas no regulamento interno são distintas das permilagens inscritas na escritura de propriedade horizontal dos edifícios ... e para cada fracção autónoma, tendo os proprietários de comparticipar para o condomínio do edifício a que a sua loja pertence, apenas na medida da sua utilização (resp. ques. 8º);
9) - A ora Ré é proprietária das lojas 91, 92, 93, 100 e 113, respectivamente fracções autónomas "C", "D", "E", "L" e "FS" do mencionado edifício 15, onde se integra uma parte do Centro Comercial Cidade Nova, descritas na 1ª Conservatória do Registo Predial de Loures sob o nº. 00036, da freguesia de Santo António dos Cavaleiros (al. A) da matéria de facto assente);
10) - A Ré é locatária da loja 89, que corresponde à fracção "A", por contrato de locação financeira, celebrado com "D - Sociedade de Locação Financeira Imobiliária, SA", (al. B) da mat. assente);
11) - Relativamente à loja 89 ou fracção "A", a Locadora "D", que actualmente se denomina "BPI Leasing - Soc. E", transferiu a responsabilidade dos seus encargos do condomínio ou outras despesas para a locatária aqui Ré (al. C));
12) - O edifício 15, tal como o edifício 14, está constituído no regime de propriedade horizontal (al. D) da mat. assente).
13) - As permilagens atribuídas no título constitutivo da propriedade horizontal do lote 15 às fracções "pertencentes" à Ré são, como resulta da inscrição F-1, as seguintes:
· Fracção A 23/1000;
· Fracções C e L 6/1000 cada uma;
· Fracção D 2,75/1000;
· Fracção E 1,5/1000;
· Fracção FS 4/1000 (al. E) da matéria assente);
14) - O Centro Comercial Cidade Nova é composto por 25 lojas do edifício 15, das quais fazem parte as lojas da Ré nºs 89, 91, 92, 93, 100 e 113, desde a sua criação em 1984 e até ao presente momento (ques. 9º);

15) - As referidas 6 lojas da Ré estão integradas no Centro Comercial Cidade Nova, e fazem parte do edifício 15, tal como as restantes 19 lojas (resp. ques. 10º);

16) - Sempre foram consideradas como tal, tanto pelos construtores-proprietários e administradores, ou seja, a "B, S.A." e a "C", como pelos proprietários que adquiriram as 6 lojas, em 1984 e 1985, G e esposa e H e esposa (resp. ques. 11º);

17) - A Ré, em 15/07/94, adquiriu as lojas 91, 92, 93, 100 e 113 e desde 28/02/96 que é locatária da loja 89, por contrato de locação financeira (resp. ques. 12º);

18) - A Ré também aceitou as suas lojas como integradas no Centro Comercial (resp. ques. 13º);
19) - Tal como os anteriores proprietários, desde 1984, a Ré, desde 1994 e até Julho de 1996, sempre comparticipou para as despesas comuns do Centro Comercial Cidade Nova, na sua quota parte, segundo as permilagens para o efeito determinadas no respectivo Regulamento interno (resp. ques. 14º);
20) - A Ré aprovou o actual Regulamento Interno do Centro Comercial, que prevê a medida da contribuição para as despesas comuns do centro comercial, expressas em permilagem, distinta essa comparticipação da que é devida para a parte habitacional do edifício 15 (resp. ques. 15º);

21) - As despesas das partes comuns dos edifícios 14 e 15, ficam a cargo dos condóminos que delas se servem (resp. ques. 16º);
22) - As lojas do Centro Comercial, relativamente à parte dos edifícios 14 e 15, têm despesas próprias e autónomas (resp. ques. 17º);
23) - Os proprietários das lojas do Centro Comercial não se servem nem utilizam as partes comuns que dão acesso às fracções habitacionais dos edifícios 14 e 15, prosseguindo despesas e interesses próprios e autónomos (resp. ques. 18º);

24) - A comparticipação dos proprietários das lojas do Centro Comercial para com o condomínio dos edifícios 14 e 15 a que pertencem, é reduzida e está afecta ao fundo comum de reserva (resp. ques. 19º);
25) - As 5 lojas da Ré com os nºs 89, 91, 92, 93 e 113 intercomunicam-se, por forma a constituírem um supermercado, que aquela explora, com o esclarecimento de que a loja 100 se situa no piso superior e não se intercomunica com as restantes (resp. ques. 20º e 57º);
26) - As lojas da Ré têm três portas para o interior do Centro Comercial, sendo uma que dá acesso ao corredor do piso inferior, outra que dá acesso ao corredor do piso do meio e outra que dá acesso ao corredor do piso superior, com o esclarecimento de que as portas dos pisos inferior e do meio se encontram fechadas há vários anos (resp. aos ques. 21º e 57º);
27) - A loja 89 situa-se no piso inferior, ou seja, piso "2, as lojas 91, 92, 93 e 113, no piso do meio, ou seja, piso "1 e a loja 100 no piso superior, ou seja, piso zero (resp. ques. 22º);
28) - O Centro Comercial tem três pisos sobrepostos, todos ligados e intercomunicáveis pelo seu interior, podendo todas as lojas usufruir das zonas comuns privativas do Centro Comercial, que lhes dão acesso (resp. ques. 23º);
29) - A Ré pode utilizar as três portas das suas lojas que dão para o interior do Centro Comercial, com o esclarecimento de que não utiliza as duas portas das lojas dos pisos inferior e do meio, que compõem o Supermercado, por não as considerar funcionais para um supermercado (resp. ques. 24º);
30) - A Ré não está impedida de utilizar as suas fracções e de se servir das partes comuns, mormente, as descritas no art.º 3º do regulamento interno, e todos os serviços de interesse comum (resp. ques. 25º);
31) - Só os proprietários das lojas do Centro Comercial ou seus procuradores, podem participar e votar nas assembleias gerais do Centro Comercial (resp. ao ques. 26º);

32) - Nos termos do Regulamento Interno, art.º 3º, são partes comuns do Centro Comercial, as instalações de água, electricidade, telefone, gás, ar condicionado, detecção de incêndio e roubo, avisadores acústicos ou luminosos, antenas colectivas exclusivas do empreendimento comercial, elementos decorativos das zonas de circulação, portas de acesso, os corredores e escadas, equipamento eléctrico e electromecânico, as casas de banho e lavabos existentes fora das lojas e respectivo equipamento (resp. ques. 27º);

33) - O Centro Comercial está instalado em edifícios contíguos e tem zonas comuns privativas que permitem o acesso às lojas nele implantadas, com unidade de gestão, que garante a implementação, direcção e coordenação dos serviços comuns, bem como a fiscalização do regulamento interno, tem unidade de horário de funcionamento das diversas lojas, sem prejuízo dos desvios exigidos pela natureza especial de alguns estabelecimentos instalados (resp. ao ques. 28º);
34) - A Ré pode usufruir dos serviços ligados à conservação e restauro dos bens de utilidade comum, bem como da própria localização do Centro, dispondo de serviços administrativos, contabilísticos, de informação, de recepção, de limpeza, segurança e vigilância, anúncios luminosos, letreiros, electricidade, água, telefone, distribuição de correio, parques de estacionamento e arruamentos de acesso (resp. ques. 29º);
35) - A Ré vinha-se atrasando durante alguns meses que antecederam Agosto de 1996, no pagamento das suas comparticipações mensais, para as despesas comuns aprovadas em assembleia geral de proprietários do Centro Comercial Cidade Nova, argumentando com dificuldades económicas, mas ia pagando com um ou dois meses de atraso (resp. ques. 30º);

36) - Não mais pagou a partir de Agosto de 1996, inclusive, e até ao presente momento (resp. ques. 31º);

37) - Nos termos do Regulamento Interno, as despesas do Centro Comercial são suportadas pelos proprietários, de acordo com as permilagens que correspondem às suas lojas, definidas no artº. 2º daquele regulamento (resp. ques. 32º);
38) - A Assembleia Geral de Proprietários das lojas do Centro Comercial Cidade Nova aprovou, em 28/03/1996, o orçamento para o ano de 1996, de esc. 22 135 138$00 (resp. ao ques. 33º);
39) - A Ré esteve presente nessa assembleia (resp. ques. 34º);

40) - Em Assembleia Geral de Proprietários das lojas do Centro Comercial, reunida em 6/05/1997, foi aprovado o orçamento das despesas para o ano de 1997, de esc. 22 074 604$00 (resp. ques. 35º);

41) - Tanto a convocação para Assembleia de 6/05/1997, como o envio da acta nº. 19, foram feitos à Ré (resp. ao ques. 36º);

42) - Essas deliberações não foram objecto de impugnação pela Ré (resp. ques. 37º);

43) - Em Assembleia Geral de Proprietários das lojas do Centro Comercial, reunida em 16/04/1998, foi aprovado o orçamento das despesas para o ano de 1998, de esc. 23 045 412$00 (resp. ao ques. 38º);
44) - Tanto a convocação para a Assembleia de reunião de 16/04/1998, como o envio da acta nº. 20, foram feitos à Ré ( ques. 39º);

45) - Essa acta não foi impugnada pela Ré (resp. ao ques. 40º);

46) - As lojas da Ré têm as seguintes permilagens previstas no Regulamento interno em vigor:
Loja 89........................................103,28/1 000;
Loja 91..........................................25,90/1 000;
Loja 92..........................................12,17/1 000;
Loja 93............................................7,18/1 000;
Loja 100........................................27,45/1 000;
Loja 113........................................17,16/1 000 (ques. 41º).
47) - No ano de 1996, a comparticipação mensal que a Ré deve, quanto à loja 89, é 170 800$00; quanto à loja 91, 42 832$00; quanto à loja 92, 20 126$00; quanto à loja 93, 11 874$00; quanto à loja 100, 45 395$00 e quanto à loja 113, 28 378$00 (resp. ao ques. 42º);
48) - A dívida da Ré, entre Agosto e Dezembro de 1996, totaliza esc. 1 597 025$00 (resp. ques. 43º);
49) - No ano de 1997, a comparticipação mensal da Ré, quanto à loja 89, é 179 338$00; quanto à loja 91, 44 973$00; quanto à loja 92, 21 132$00; quanto à loja 93, 12 467$00; quanto à loja 100, 47 664$00 e quanto à loja 113, 29 796$00 (resp. ques. 44º);
50) - A dívida da Ré, no ano de 1997 (12 meses), totaliza esc. 4 024 440$00 (resp. ao ques. 45º);
51) - No ano de 1998 e em Janeiro e Fevereiro de 1999, a comparticipação mensal da Ré, quanto à loja 89, é 188 304$00; quanto à loja 91, 47 221$00; quanto à loja 92, 22 188$00; quanto à loja 93, 13 090$00; quanto à loja 100, 50 047$00 e quanto à loja 113, 31 285$00 (resp. ao ques. 46º);
52) - A dívida da Ré, entre Janeiro de 1998 e Fevereiro de 1999 (14 meses) totaliza esc. 4 929 890$00 (ques. 47º);
53) - O montante total das comparticipações mensais devidas pela Ré em 1998, relativamente a todas as lojas, é de esc. 352 135$00 (resp. ao ques. 48º), a corrigir consoante o que vier a caber à Ré, segundo os valores orçamentais a aprovar anualmente (resp. ques. 49º);
54) - Sobre as comparticipações mensais vincendas, a partir de 8/03/99 e até integral pagamento, tem a Ré de pagar sanções pecuniárias de 50% (resp. ques. 50º);

55) - A Ré adquiriu cinco fracções em 15 de Julho de 1994, não se fazendo nas escrituras de compra e venda das referidas fracções qualquer menção expressa à sua integração no Centro Comercial, nem qualquer menção ao respectivo Regulamento interno (resp. ao ques. 51º);
56) - Também na escritura de compra e venda e locação financeira relativa à fracção autónoma designada pela letra "A", celebrada em 28/02/96, nenhuma referência expressa é feita à integração da fracção no Centro Comercial, nem é feita menção ao respectivo regulamento interno (resp. ques. 53º);
57) - A Ré paga as suas contribuições ao condomínio do prédio supra identificado (ques. 55º);
58) - O acesso ao supermercado da Ré é feito por entradas próprias, com acesso directo à via pública (resp. ques. 58º);
59) - Nenhum movimento de público se faz directamente entre o interior do Centro Comercial e o supermercado da Ré e vice-versa (59º);
59-A) - Nenhum benefício retira a R. dos serviços prestados pela administração do Centro Comercial (resp. a 60.º, adit. pela Relação);
59-B - Não existem nenhumas partes comuns do Centro Comercial de que a R. "usufrua" ou delas retire qualquer utilidade (61.º, adit.);
60) - As duas portas que estabeleciam comunicação entre o supermercado da Ré e o Centro Comercial há vários anos que se encontram fechadas, sem qualquer uso (resp. ques. 62º);
61) - As mesmas não foram consideradas aptas pela Ré ao trânsito do público em geral (resp. 63º);
62) - O Supermercado da Ré dispõe de contadores próprios de água, electricidade e telefone, bem como de equipamentos próprios de detecção de incêndios e alarme e de casas de banho e instalações sanitárias próprias (resp. ques. 64º);
63) - A Ré pagou durante alguns anos as contribuições para o Centro Comercial convencida de que se tratavam de contribuições de condomínio (resp. 65º);
64) - Tais contribuições sempre foram reclamadas pela Administração do Centro, a título de condomínio (resp. ques. 66º);
65) - A partir de determinada altura, a Ré empreendeu diligências com vista a esclarecer a sua posição face ao Centro Comercial (resp. 70º);
66) - A Ré solicitou à Administração do Centro Comercial o envio dos documentos que clarificassem a situação, bem como a realização de uma reunião destinada a discutir e aclarar as relações entre as partes (resp. ques. 71º);
67) - A administração do Centro Comercial enviou à Ré as actas das Assembleias Gerais de Proprietários, para além do Regulamento em vigor, bem como cópia da licença de utilização referente às lojas da Ré (q. 72º);
68) - A licença de utilização não menciona qualquer centro comercial (resp. ao ques. 73º);
69) - Apesar de ter sido pedida pela Ré a realização de uma reunião com a actual Administração do Centro Comercial, com vista à resolução consensual do assunto, tal reunião não veio a concretizar-se (ques. 75º);
70) - As 6 fracções autónomas da Ré não se encontram fisicamente separadas do resto do Centro Comercial, e a interligação entre elas é possível (resp. ques. 76º);

71) - O acesso às lojas da Ré pode ser feito pelo interior do Centro Comercial, por corredores no piso inferior, no piso médio e no piso superior, onde a Ré dispõe de três portas em alumínio e vidro, distribuídas por cada um dos pisos, estando as dos pisos inferior e do meio fechadas, por não serem consideradas aptas pela Ré ao trânsito do público em geral (resp. ques. 77º);
72) - A Ré, na sequência de interpelação do Ilustre mandatário forense da A., enviou a esta uma carta datada de 21 de Fevereiro de 1997, na qual reafirma expressamente que "... consideramos rescindida a nossa ligação ao centro comercial e nomeadamente a qualquer acordo que possa ter existido..." (al. F) da matéria assente);
73) - Perante a insistência da Ré, por carta que escreveu à Administração, ora A. em 21/02/97, veio a Administração responder-lhe em 25/02/97, mantendo a sua posição e considerando a obrigação de a Ré contribuir para as despesas comuns do Centro comercial (resp. ques. 78º);

74) - A A. não viu necessidade de qualquer reunião, por considerar que tudo foi esclarecido pelo telefone e por cartas (resp. ao ques. 79º).

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - O Regulamento Interno - qualificação e natureza jurídicas.

Encontra-se adquirido nos autos que os dois edifícios construídos contiguamente e designados por lote 14 e lote 15 se encontram, como prédios autónomos, constituídos em regime de propriedade horizontal.

Desde a sua construção esses edifícios encontram-se interligados ao nível dos pisos 0, -1 e -2, cujo espaço é ocupado pelo Centro Comercial, constituído por 126 lojas - 101 no lote 14 e 25 no lote 15 -, que são outras tantas fracções autónomas dos edifícios e às quais o Regulamento Interno do Centro Comercial atribuiu permilagem diferente da constante nos títulos constitutivos da propriedade horizontal dos edifícios.

Pode assim concluir-se, como já se refere no acórdão recorrido, que os titulares das fracções destinadas ao Centro Comercial detêm uma sobreposição de duas qualidades: - enquanto donos das fracções autónomas, estão sujeitos ao regime da propriedade horizontal e à disciplina estabelecida no Regulamento do condomínio e na lei quanto à sua participação no uso, fruição e conservação das partes comuns e inerentes despesas, nos termos previstos nos arts. 1429.º-A e 1424.º C. Civil; - enquanto lojistas, poderão estar sujeitos a um outro regulamento, como o Regulamento Interno, que foi elaborado para regular as relações dos lojistas entre si.
Aqui chegados, importa tentar pôr em destaque algumas notas distintivas no sentido da caracterização da natureza do Regulamento Interno.

A propriedade horizontal apresenta-se como uma figura jurídica autónoma integrada por "um misto incindível" de propriedade singular sobre uma parte determinada do prédio e de compropriedade sobre outras partes funcionalmente ligadas àquela. O condomínio traduz justamente essa situação de que são titulares os condóminos, como declarado no art. 1420.º C. Civil.
O estatuto da propriedade horizontal é fixado pela lei, que prevê um conjunto de normas imperativas, pelo título constitutivo e pelo regulamento do condomínio.

O regulamento de condomínio corporiza um conjunto de regras destinadas a disciplinar as relações entre os condóminos no tocante ao gozo, conservação e administração do edifício, ou seja, é elemento da «definição concreta do estatuto do direito real de propriedade horizontal» destinado a prevenir e resolver eventuais situações de conflito emergentes da posição de cada um dos condóminos, enquanto titular simultâneo de um direito singular de propriedade e de comproprietário das partes comuns (cfr. SANDRA PASSINHAS, "A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal", 81).

Referindo-se ao estatuto de um direito real, como o é a propriedade horizontal, e disciplinando as relações entre condóminos, independentemente das pessoas que, em cada momento, sejam titulares dos direitos, o regulamento tem como sujeitos dos direitos e obrigações que prevê os condóminos, enquanto titulares do direito real misto incindível, apresentando incidência e eficácia propter rem.
Quando aprovado pela assembleia de condóminos, o regulamento é uma deliberação normativa disciplinadora da relação condominial.

O conjunto dos condóminos a que a lei (art. 1430.º) comete a administração das partes comuns e a feitura do regulamento do condomínio, tem sido assimilada a uma associação não personalizada, tal como prevista nos arts. 195.º a 198.º C. Civil.
No condomínio é possível encontrar, com efeito, um grupo de pessoas (os condóminos - substracto pessoal), que prossegue interesse colectivo determinado e duradouro, com um conjunto de bens (e fundos) com afectação específica, tudo apoiado numa organização. Daí a aplicabilidade, no que for compatível com o estatuto condominial, do regime das associações sem personalidade jurídica (cfr. SANDRA PASSINHAS, ob. cit., 180 e ss.; ARMINDO RIBEIRO MENDES, ROA, 1970, A. 30, 69).

O Regulamento Interno do Centro Comercial contém, efectivamente, várias semelhanças e pontos de contacto com que caracteriza um regulamento de condomínio.
Inexiste, em Portugal, um regime jurídico sistematizado tendo por objecto os denominados Centros Comerciais. Não é mesmo possível, a partir das escassas referências legais, encontrar um conceito definidor dessa realidade jurídica comercial essencialmente caracterizada pela afectação de um espaço físico, com uma área e número de lojas mínimos, a ramos de comércio e prestação de serviços diversificados, com serviços comuns às lojas nele instaladas e submetido a uma gestão unitária.

Porém, o que aqui interessa pôr em destaque, não é tanto qual seja conceito e regime jurídico do Centro Comercial mas, antes, aquilo que ele não é. E, seguramente, como se afirma no douto parecer junto aos autos, o Centro Comercial, criado por um acto jurídico como um ente comercial, goza de um estatuto que assenta necessariamente na autonomia privada, tratando-se sempre de um regime meramente obrigacional.
É certo, acrescentamos nós, que a autonomia privada também pode intervir no acto jurídico constitutivo da propriedade horizontal, moldando-lhe o estatuto e interferindo na fixação do conteúdo do direito real, mas, por via dos efeitos do registo da escritura, tornam-se vinculativas para os titulares do direito real (condóminos), nele se incorporando.

Um centro comercial instalado num edifício constituído em propriedade horizontal não passa, por isso, a constituir um condomínio: - aquele, constitui uma realidade de natureza económica e comercial não submetida a qualquer regulamentação imperativa ou oponível a terceiros; - - o edifício, objecto de propriedade horizontal, vive sujeito a um estatuto real, consubstanciado em imperativas regras do condomínio.
Vigora para este o estatuto de natureza real a que são inerentes as regras da legalidade de reconhecimento e sujeição ao princípio da taxatividade, ou seja, a proibição de figuras de natureza real não tipificadas ou previstas pelo legislador, com o conteúdo também por ele balizado.

Ora, como também conclui o Ilustre Professor signatário do mencionado parecer, um estatuto de natureza real, porque é dotado de eficácia erga omnes, não pode aplicar-se a relações de natureza obrigacional, que produzem apenas efeitos inter partes, não devendo os terceiros ser atingidos, sem o seu consentimento, pelo regime estabelecido por uma relação de cariz meramente obrigacional.

O Regulamento Interno do Centro Comercial Cidade Nova de Julho de 1994, em vigor, tem uma origem interna - resulta de deliberação da assembleia dos proprietários lojistas.
Como tal, não provém de declarações de vontade e vinculação dos condóminos do edifício, ou dos edifícios, em estabelecimento de regras disciplinadoras sobre o uso de coisas comuns e repartição de despesas segundo os direitos e obrigações respeitantes a cada condómino, mas provém, tão só, de proprietários de fracções de uma parte do edifício, de cada edifício, na sua qualidade de lojistas.

Um tal ordenamento, assim destinado a disciplinar a actividade dos lojistas, fora e para além do que corresponde ao uso das coisas comuns do edifício - direitos incindíveis e compropriedade indivisível (art. 1420.º) -, não é, não pode ser, um regulamento de condomínio a que a lei atribui força vinculativa, enquanto conjunto de direitos e obrigações ligadas ao estatuto do direito real - a propriedade singular e a compropriedade que integram o condomínio.

A existência do Regulamento do condomínio é obrigatória e dele, enquanto condóminos, devem participar os donos das fracções destinadas a comércio e integradas no Centro Comercial, mas a disciplina, regulamentação e gestão dos serviços e interesses comuns dos lojistas, proprietários ou não das fracções-lojas é coisa diferente que não tem de se situar no âmbito das relações condominiais, nomeadamente quando a totalidade do edifício não está afecta à instalação do Centro Comercial.

Reafirma-se, pois, a natureza meramente obrigacional do estatuto do Centro Comercial Cidade Nova, corporizado no seu Regulamento Interno, como realidade jurídica distinta do estatuto do condomínio dos edifícios em que está instalado e seu regulamento.

Tal como já se deixou adiantado a propósito do condomínio, o grupo de pessoas constituído pelos proprietários das lojas, que se reuniu em assembleia e criou o Regulamento Interno do Centro Comercial, deve entender-se como o substracto pessoal de uma associação, encontrando-se presentes, e agora à semelhança do que sucede com o condomínio, os demais elementos caracterizadores da figura, designadamente a prossecução de uma actividade destinada a satisfazer um interesse colectivo, de forma organizada e mediante a afectação de certos bens e fundos (elementos pessoal, teleológico e organizatório).
Encontramo-nos, pois, perante uma associação de facto, não personalizada, já que não foram respeitados os necessários requisitos de forma (arts. 167.º-1 e 168.º-1 e 3 C. Civil).
Os direitos e obrigações dos proprietários/lojistas, enquanto associados devem, assim, reger-se pelo estatutos, aqui o Regulamento Interno, e pelas disposições que regem as associações sem personalidade jurídica (arts. 195.º e ss. C. Civil) e, subsidiariamente, por expressa remissão do art. 195.º-1, as normas relativas às associações (arts. 167.º a 188.º) que não pressuponham a personalidade.

4. 2. - O erro da Ré na adesão ao Regulamento e seus efeitos.

A Recorrente insiste na anulabilidade «do contrato» - adesão ao Regulamento - a pretexto de que só aderiu ao contrato por estar convencida de que estava a cumprir obrigações impostas pela lei aos condóminos e não espontaneamente e por vontade própria, resultando dos factos provados que a essencialidade desse erro não podia nem devia ser ignorada pela Autora, sendo que a arguição é tempestiva por se encontrar em incumprimento desde Agosto de 1996 até hoje.

Está assim posta em causa a validade da declaração negocial da Ré ao votar favoravelmente o Regulamento Interno e, depois, em sua execução ao satisfazer as prestações a que se obrigara.

A Relação, depois de admitir ter a R. laborado em erro e de o subsumir à previsão do art. 251.º C. Civil - erro sobre o objecto imediato do negócio -, qualificação que a Recorrente não põe em causa, afastou a sua relevância por não concorrer o requisito conhecimento da essencialidade, ao que acresceria a caducidade do direito de arguir o vício por ter cessado o erro aquando da reunião tida com a A. em Outubro de 1996 em que foi posto termo às relações existentes entre as Partes (37 e 40 da contestação).

Liminarmente, dir-se-á que, percorrida a matéria alegada na contestação em que se alude ao erro (artigos 31.º a 44.º), nada se encontra relativamente ao conhecimento ou à obrigação de conhecimento, pela Autora, de estar a Ré em erro, e, consequentemente, sobre a importância do mesmo para esta, tal como nada se encontra sobre a eventual violação das regras da boa fé no comportamento da Autora.
Isto para dizer que, visando os recursos a reapreciação das decisões impugnadas (art. 676.º CPC), não se irá além do conhecimento das questões levantadas nas conclusões formuladas pela Recorrente, deixando de fora o possível enquadramento do erro na previsão do n.º 2 do art. 252.º - erro sobre a base do negócio - cujos pressupostos, fixados no art. 437.º, não foram de todo alegados.


Como vem pressuposto, estamos perante um caso de erro, que recai sobre o objecto imediato do negócio, enquanto "representação inexacta de uma qualquer circunstância de facto ou de direito que foi determinante na decisão de efectuar o negócio" de modo que, "se estivesse esclarecido acerca dessa circunstância - se tivesse exacto conhecimento da realidade - o declarante não teria realizado qualquer negócio ou não teria realizado o negócio nos termos em que o celebrou" (MOTA PINTO, "Teoria Geral do Direito Civil", 3.ª ed., 505) - art. 251.º C. Civil.

O erro que atinja os motivos determinantes da vontade quanto ao objecto do negócio torna este anulável se o declaratário conhecia ou devia conhecer a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que incidiu o erro - art. 247 ex vi do art. 251.º cit..
Exige, pois, a lei, como requisitos de relevância do vício:
- A essencialidade, para o declarante, do elemento sobre o erro;
- O conhecimento ou o dever de conhecer essa essencialidade pelo declaratário.

De salientar que a lei não exige o conhecimento ou a cognoscibilidade do erro. Basta-se, como escreve MOTA PINTO (ob. cit., 497), criticando a solução legal, com o conhecimento ou cognoscibilidade da essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, «embora esse conhecimento possa não ter suscitado ao declaratário qualquer suspeita ou dúvida acerca da correspondência entre a vontade real e a declarada».
Por outro lado, consistindo a essencialidade em ter o erro um papel "decisivo" na determinação da vontade do declarante, de sorte que se ele conhecesse a realidade não teria querido concluir o negócio, não é necessário que o erro tenha sido a única causa da declaração, sendo suficiente que tenha contratado também por causa do erro, desde que, sem ele, não o tivesse feito.

À luz destas regras e princípios não nos merece censura a posição assumida na decisão recorrida quanto à ausência do duplo requisito de essencialidade.

Com efeito, repete-se, nada se alegou ou provou sobre o conhecimento da A. sobre a informação de que dispunha a R. aquando da deliberação que aprovou o Regulamento, ou posteriormente, sobre a ciência que tinha à cerca do que eram as convicções da R. ou os pressupostos em que fazia assentar as suas decisões, etc..

Não se trata, sequer, de interpretar e aplicar o conceito de essencialidade do elemento sobre que incidiu o erro, mas da sua cognoscibilidade pela Ré.

Trata-se, sim, de saber - directamente ou através de ilações a retirar da conduta das partes, reflectida na matéria de facto provada, emitindo um mero juízo de facto, e sobre factos, relativo ao conhecimento da essencialidade do elemento para a outra parte - se o declaratário conhece ou não conhece, sendo que o conhecimento ou o dever de não ignorar se podem inferir do acervo circunstancial envolvente do negócio.
A Relação respondeu negativamente a esta questão, que é de facto, e os elementos dos autos não autorizam solução diferente.

Não concorrem, pois, os requisitos de relevância do invocado erro.

Irrelevando o vício invocado, desnecessário se torna, agora, apreciar a tempestividade da arguição.

Dir-se-á, de qualquer modo, que ao desencadear com a sua declaração de rescisão ou desvinculação operada através da carta de 21/2/97, uma situação de efectivo incumprimento, invocando apenas "não ter qualquer benefício com a organização", a Ré destruiu o vínculo jurídico que ligava as Partes, deixando nas mãos da Autora, ora Recorrida, a quem se não imputa incumprimento das obrigações a que estava vinculada para com a Ré, a faculdade de daí retirar as consequências jurídicas que tivesse por adequadas.
Ora, uma vez que, apesar dos efeitos retroactivos da destruição, o negócio anulável produz os seus efeitos, como um negócio válido, enquanto não for anulado, o procedimento da Ré traduziu-se na destruição do negócio válido e a produzir efeitos, sem que, e antes de, ter invocado o vício que seria uma outra causa de destruição.
Assim, ao invocar a anulabilidade anos depois de ter posto termo ao vínculo existente e válido, a Ré já não estava de forma alguma em tempo de arguir a anulabilidade porque, pelo menos, o negócio tinha sido cumprido pelo devedor até ao momento em que a própria R. lhe tinha posto fim (art. 762.º-1 C. Civil).

4. 3. - Validade e eficácia da denúncia.

No acórdão impugnado julgou-se inválida a denúncia com fundamento na similitude entre a realidade contemplada no Regulamento Interno do Centro Comercial Cidade Nova e as que podem constituir-se em regime de propriedade horizontal, a justificar a aplicação do respectivo regime, como, de resto, o próprio Regulamento prevê em sede de preenchimento de lacunas.

Foi, pois, com base na semelhança e paralelismo de situações que acabou por se convocar o regime imperativo de não desvinculação típico do condomínio, para aplicar idêntica proibição de desvinculação do Centro Comercial aos proprietários da lojas nele integradas.

Não é esse, a nosso ver, o caminho acertado.
Como já se disse, o enquadramento jurídico do substracto formado pelo conjunto dos proprietários-lojistas e pela organização em que se constituiu, cabe na figura de associação sem personalidade jurídica.
E, perante um tal enquadramento - de resto não divergente do que cabe ao condomínio, não fora a intervenção da natureza real deste e a incompatibilidade daí decorrente com o regime jurídico das associações -, não pode deixar de aceitar-se a regra da livre exoneração ou desvinculação da organização dos associados a todo o tempo, sem prejuízo da sua responsabilidade por todas as prestações relativas ao tempo em que foi membro da associação - art. 46.º-3 da Constituição da República e art. 181.º C. Civ. ex vi do seu art. 195.º-3.

A "rescisão da ligação ao Centro Comercial" e aos acordos existentes efectuada pela Ré através da carta datada 21 de Fevereiro de 1997, de que a Autora tomou conhecimento pelo menos em 25 do mesmo mês é, assim, válida e eficaz a partir desta data, sem prejuízo da responsabilidade pelo pagamento das prestações devidas até então.

4. 4. - Mérito da causa.

Aqui chegados importa retirar as consequências quanto ao mérito dos pedidos.

Concretizando e aplicando aos factos provados a solução de direito proposta, terá a Ré de pagar à Autora as prestações devidas desde Agosto de 1996 até Fevereiro de 1997, inclusive.
Como vem provado, a dívida relativa a 1996 totaliza esc. 1 597 025$00, correspondendo os dois meses de 1997 a esc. 670 740$00 (4 204 440$00: 12X2), o que perfaz a quantia global de esc. 2 267 765$00.
A esse montante acresce o da sanção indemnizatória pecuniária pela mora, convencionada no art. 9.º. al. b) do Regulamento, de 50% do valor em dívida, ou seja, esc. 1 133 882$50.

Ascende o débito total da R. para com a A. a esc. 3 401 647$50 ou € 16 967,35.

5. - Decisão.

Em conformidade com o que ficou exposto, decide-se:

- Conceder parcialmente a revista;
- Revogar a decisão impugnada;
- Julgar a acção parcialmente procedente e consequentemente: condenar a Ré-recorrente a pagar à Autora a quantia de € 16 967,35 (dezasseis mil, novecentos e sessenta e sete euros e trinta e cinco cêntimos), absolvendo do pedido quanto ao mais peticionado;
- Condenar nas custas ambas as Partes, na proporção do respectivo vencimento.

Lisboa, 9 de Março de 2004
Alves Velho
Moreira Camilo
Lopes Pinto