Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2321/11.8TVLSB.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: COOPERATIVA
RELAÇÕES JURÍDICAS
MEMBROS COOPERANTES
JUROS CIVIS
JUROS COMERCIAIS
Data do Acordão: 04/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO COMERCIAL –CONTRATOS ESPECIAIS DO COMÉRCIO / DISPOSIÇÕES GERAIS.
Doutrina:
- Paulo Olavo Cunha, Direito Comercial E Do Mercado, 2.ª Edição, p. 71.
Legislação Nacional:
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGO 102.º, N.º 1.
CÓDIGO COOPERATIVO (CCOOP): - ARTIGO 2.º.
CONSTITUIÇÃO DAS ENTIDADES DE GESTÃO COLECTIVA DO DIREITO DE AUTOR E CONEXOS, APROVADA PELA LEI N.º 83/2001, DE 03 DE AGOSTO.
ENTIDADES DE GESTÃO COLETIVA DO DIREITO DE AUTOR E DOS DIREITOS CONEXOS, APROVADA PELA LEI N.º 26/2015, DE 14 DE ABRIL.
Sumário :

I Nos termos do disposto no artigo 2° do Código Cooperativo, as cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.

II A SPA, é uma entidade gestão colectiva do direito de autor, cuja organização e funcionamento se rege pelo disposto na Lei 83/2001, de 3 de Agosto, aplicável à data da instauração da acção, actualmente substituída pela Lei 26/2015 de 14 de Abril, a qual, constituída que se encontra como cooperativa, tem como objecto, além do mais, a gestão dos direitos patrimoniais que lhe foram confiados pela Autora, aqui Recorrente, em relação a  algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos

III De acordo com o disposto no art. 102° do Código Comercial, há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais que for de convenção ou direito vencerem-se e nos casos especiais fixados no presente código, acrescentando o seu  §1°., que a taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.

IV A relação existente entre a Autora e a Ré não não configura uma transacção comercial, nem uma situação que envolva uma comercialidade bilateral ou uma empresarialidade bilateral, estando apenas perante uma situação de exigibilidade de um pagamento que resulta de uma relação estatutária entre as partes, de natureza meramente civilistica.

V Por outro lado, também não resultou demonstrado que tivesse sido estipulada por escrito, a exigibilidade de uma taxa de juros comerciais, pelo que, a taxa de juros a aplicar in casu, será a dos juros civis moratórios às respectivas taxas legais.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I V, LIMITADA, intentou a acção ordinária contra a SOCIEDADE PORTUGUESA DE AUTORES, CRL, pedindo a sua condenação a estornar a conta-corrente que mantém com a Autora anulando os débitos, efectuados com as datas de 22 de Julho de 2011 e 19 de Outubro de 2010, creditando esses mesmos valores aos mesmos exactos títulos ou causas e datas e tornando-os para ela disponíveis, valores que especifica, bem como, creditar na conta-corrente que mantém com a Autora, os juros moratórios vencidos até à data de interposição da acção, às taxas aplicáveis às obrigações comerciais e nos juros vincendos com as mesmas taxas.

Alegou que ao abrigo de qualquer das versões dos estatutos da Ré, bem como dos seus regulamentos tinha, e continua a ter, os direitos de receber os proveitos advenientes dos direitos autorais relativos a utilização e exploração das obras de cujos direitos sejam titulares a que a cooperativa em sua representação haja cobrado e bem assim, sobre eles receber adiantamentos, mantendo a Ré um registo de tais movimentos em conta-corrente e nos termos dos quais a SPA inscreve a crédito da Autora os proveitos dos direitos apurados e a débito desta os adiantamentos que lhe são feitos por conta daqueles e os recebimentos de direitos já determinados.

Por correio electrónico foi a Autora informada que a Ré havia procedido aos registos a débito no registo em forma de conta-corrente que identificou sendo que anteriormente a ré havia creditado cada um daqueles valores aos mesmos títulos à Autora.

Na sequencia daqueles débitos a Ré pagou e/ou creditou tais valores em conta-correntes que mantém com terceiros seus beneficiários e/ou cooperadores, beneficiando aquele em prejuízo da autora.

Citada contestou a Ré, alegando que efectivamente durante anos e com base em documentação apresentada pela Autora distribuiu a esta direitos de autor. Porém, em 2010 uma outra entidade entregou à Ré documentos novos que analisados determinaram que a mesma concluísse que a autora não tinha legitimidade para receber estes direitos mas sim esta entidade, a C, Lda. Nessa conformidade a Ré decidiu creditar a esta entidade o valor antes distribuído à Autora, retirando-o a esta.

A Ré deduziu incidente de chamamento de C, Lda, o qual foi admitido a fls. 292 dos autos, como intervenção acessória.

Citada a Interveniente veio apresentar articulado próprio onde pugna por ser considerada como titular dos direitos reclamados nos autos, absolvendo-se a Ré do pedido.

Alegou para o efeito, a existência de um contrato que se encontra depositado na Ré e que a habilita para representar em Portugal as obras de publicidade das marcas especificadas nesses contratos.

Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé no segmento do seu articulado, onde impugna os documentos depositados na SPA.

A autora replicou em relação aos articulados apresentados pela Ré e pela Interveniente.

A final veio a ser proferida sentença a julgar a acção procedente com a condenação da Ré Sociedade Portuguesa de Autores, CRL, no pedido.

Inconformada recorreu a Chamada, tendo a Autora requerido a ampliação do objecto do recurso, vindo a Apelação interposta a ser julgada improcedente e foi alterada a sentença proferida, no segmento dos juros, condenando-se a ré Sociedade Portuguesa de Autores, CRL, a pagar à Autora, V, Limitada, os juros de mora civis, vencidos e vincendos desde a propositura da acção até integral pagamento da quantia devida, às respectivas taxas legais, no mais se mantendo a sentença proferida, julgando-se prejudicado o conhecimento da ampliação do objecto do recurso, apresentado a título subsidiário pela Autora.

Irresignada com este desfecho recorreu a Autora, de Revista, apresentando as seguintes conclusões:

- A ora revidente é uma sociedade comercial e o seu crédito sobre a R. e revidida SPA, reclamado nos presentes autos advém no prosseguimento da sua actividade comercial determinada no respectivo objecto social (cfr. factos provados a), j) e l));

- Razões pelas quais ao crédito da revidente sobre a revidida SPA se deve aplicar, como foi peticionado e decidido em 1.ª instância, o disposto no § 3.º do art. 102° do código comercial e, consequentemente, sobre o seu montante de capital corram e se vençam juros às taxas para as quais remete esse mesmo preceito, tendo o mesmo sido violado.

Nas contra alegações a Ré, SPA, pugnou pela manutenção do julgado.

Porque a Relatora entendeu que a questão de direito a decidir revestia simplicidade, produziu decisão sumária, da qual a Autora/Recorrente vem reclamar para a Conferência, aduzindo em apertada síntese as seguintes razões:

- A relação jurídica da revidente, como cooperador da Ré e revidida, não é a causa do direito de crédito que faz valer na presente acção. O que explica o aparecimento desse crédito é a relação jurídica de mandato, cometido pela A. à R. para a comercialização, por via da concessão onerosa do direito de utilizar as suas obras e edições ou, melhor, das obras e edições que gere e sub-edita, pela qual a R. é remunerada pela A. (comissão de gestão correspondente a 28% dos preços arrecadados pela utilizações licenciadas).

- Esse mandato é comercial porque a R. foi encarregue pela A. de praticar os actos de concessão onerosa do direito a certas utilizações das obras e edições a terceiros, actividade para a qual se organizou  empresarialmente,   exerce   profissionalmente   e  com   vista   a   colher   os   resultados económicos.

- É o que resulta da conjugação dos art. 230º, 5º e 231º  e seguintes  do C. Comercial e, ainda da capacidade para a sua prática que este mesmo código lhe atribui.

- A perspectiva legalmente relevante e resultante do C. Comercial não só não mudou ao longo dos tempos, como até se viu reforçada pelo acquis comunitário, originariamente provindo da Directiva n.° 2000/35/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Julho, que, transposta para o direito pátrio, deu origem ao D.L. 32/2003, de 1 7 de Fevereiro e, posteriormente, trazido pelos ventos da Directiva n.° 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de Fevereiro e que, por sua vez, se viu luso transposta pelo D.L. 62/2013, de 10 de Maio.

- Em qualquer dessas Directivas e nas correspondentes transposições legais, o conceito de empresa passa a ser objecto de definição legal que, convenhamos, é bem mais ampla que a resultante do art. 230 do C. Comercial; uma entidade que desenvolva uma actividade económica autónoma.

- Por outro lado, em ambas Directivas e correspondentes diplomas legais portugueses, se opta pela definição legal de transacções comerciais como a transacção entre empresas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração.

- Em suma, deve entender-se que a relação creditícia sub iudice é uma transacção comercial, estabelecida entre empresas, tal como resulta do direito do C. Comercial citado e, ainda dos D.L. 32/2003 e D.L. 62/2013, pelo que a mora no cumprimento da obrigação de prestar a correspondente remuneração ao credor gera, para o inadimplente, a obrigação acessória de pagamento àquele, de juros comerciais previstos no direito do art. 102, § 3.° e § 5.° e calculados pela aplicação das taxas sucessivamente fixadas pelos Avisos emitidos para o efeito.

Na resposta a Ré/recorrida, pugna pela manutenção do decidido.

II O problema suscitado na reclamação é o mesmo que já havia sido suscitado na impugnação recursiva, isto é, a Autora/Recorrente e aqui Reclamante, não se conforma com a taxa de juros entendida como aplicável ao seu crédito sobre a Ré SPA.

Na decisão singular lê-se:

«[II] A questão única a conhecer no presente recurso é a de saber, afinal das contas, que taxa de juro deverá ser aplicável à obrigação da Ré, se a civil, como decidido ficou, se a comercial, como se sentenciou em primeiro grau.

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

A) A A. é uma sociedade comercial …., com o capital social de €: 55.000,00, integralmente realizado e cujo objecto social consiste na produção, edição e comercialização de fonogramas e videogramas, editora musical, agência artística e promotora de espectáculos.

B) A R. SPA é uma pessoa colectiva, sob a forma de cooperativa, constituída para a gestão e defesa do direito de autor, tendo-lhe sido reconhecida personalidade jurídica por força do disposto no artigo 1.° do Decreto n.° 10.860, de 22 de Junho de 1925, matriculada na C.R.C. sob o n.°: 500257841.

C) A SPA encontra-se registada como entidade de gestão colectiva do direito de autor, junto da Inspecção-Geral das Actividades Culturais (doravante, a «IGAC»), nos termos da Lei n.° 83/2001, de 3 de Agosto (doravante, a «Lei das Entidades de Gestão Colectiva» ou «LEGC»), sendo-lhe reconhecida utilidade pública nos termos do disposto no art.° 8.° de tal diploma.

D) A SPA encontra-se registada como entidade de gestão colectiva do direito de autor, tendo mais de 20.000 autores inscritos, declarando, além disso, representar, em Portugal e no estrangeiro, mais de 3.000.000 de autores e gerindo os respectivos direitos.

E) A SPA encontra-se filiada na CISAC, a mais antiga e única, representativa associação de entidades de gestão colectiva espalhadas por vários países.

F) A SPA, segundo informação disponível no seu próprio site, tem acordos de reciprocidade celebrados com mais de 200 entidades congéneres, incluindo as entidades de gestão colectiva do direito de autor com o reportório mais utilizado e importante, nomeadamente as norte-americanas ASCAP e a BMI.

G) A SPA explora o repertório dos autores que representa directa ou indirectamente, quer cobrando junto dos utilizadores desse repertório as remunerações equitativas legalmente devidas por essa utilização, quer autorizando - e fixando as contrapartidas devidas por essa autorização - ou proibindo a utilização de tal repertório, quando a lei faz depender tal utilização da autorização do autor.

H) De 15/06/1989 e até 31/12/2007, a A., gozou do estatuto regulamentar de beneficiária dos serviços da ré.

I) Após a aprovação e entrada em vigor dos novos Estatutos da R., a A. adquiriu, a partir de Janeiro de 2008, a qualidade de cooperadora da R., enquanto Editora Musical.

J) A A., ao abrigo de qualquer das versões dos estatutos da R., bem como os seus regulamentos, tinha e continua a ter, designadamente, os direitos de receber os proveitos advenientes dos direitos autorais relativos a utilização e exploração das obras de cujos direitos sejam titulares e que a cooperativa em sua representação haja cobrado e bem assim, sobre eles receber adiantamentos.

L) Para tanto, A. e R. mantêm o registo de tais movimentos em forma de conta-corrente e nos termos dos quais a SPA inscreve a crédito da A. os proveitos dos direitos apurados e a débito desta os adiamentos que lhe são feitos por conta daqueles e os recebimentos de direitos já determinados.

M) Por comunicação enviada por correio electrónico pela R. à autora, em 8/8/2011, aquela declarou a esta haver procedido aos registos a débito, no registo em forma de conta-corrente que esta mantém com aquela, todos com data-valor de 22/7/2011, seguintes:

i. €:23.027,73 (vinte e três mil e vinte e sete euros e setenta e três cêntimos) relativos a distribuição de cue-sheets publicitários - RTP 2003 a 2009;

ii. €:87.232,61 (oitenta e sete mil duzentos e trinta e dois euros e sessenta e um cêntimos) relativos a distribuição de cue-sheets publicitários - SIC 2004 a 2009;

iii. €:29.107,38 (vinte e nove mil cento e sete euros e trinta e oito cêntimos) relativos a distribuição de cue-sheets publicitários - TVI 2004 02009; num total de 139.637,72 (cento e trinta e nove mil seiscentos e trinta e sete euros e setenta e dois cêntimos).

N) Também por comunicação enviada por correio electrónico pela R. à A., em 26/11/2010, aquela declarou a esta haver procedido aos registos a débito, no registo em forma de conta-corrente que esta mantém com aquela, todos com data-valor de 19/10/2010, seguintes:

i. €:1.542,87 (mil quinhentos e quarenta e dois euros e oitenta e sete cêntimos) relativos a distribuição de cue-sheets publicitários - RTP 2004 a 2008;

ii. €:6.234,61 (seis mil duzentos e trinta e quatro euros e sessenta e um cêntimos) relativos a distribuição de cue-sheets publicitários - s/c 2004 a 2008;

iii. €:1.819,71 (mil oitocentos e dezanove euros e setenta e um cêntimos) relativos a distribuição de cue-sheets publicitários - TVI 2004 a 2008, num total de 9.597,19 (nove mil quinhentos e noventa e sete euros e dezanove cêntimos);

O) Anteriormente às datas de cada um dos débitos referidos nas alíneas anteriores a R. havia creditado cada um daqueles mesmos valores e aos mesmos títulos à A.

P) E a R. havia efectuado tais créditos com fundamento no registo da representação de tais obras feito pela A. junto daquela, acompanhado dos documentos titulardes dos respectivos direitos e nas declarações de utilização de obras que lhe haviam sido comunicadas pela A. e confirmadas por aquela, ao longo dos anos de 2003 a 2009, inclusive. Q) Com efeito, pelo menos desde 2003 até 2009, ambos inclusive, a R. apurava e enviava, anualmente à A. uma listagem de movimentos de cue-sheets de publicidade exibidos nas emissões de televisão da RTP, SIC e TVI.

R) Por carta enviada pela A. à R. em 12/9/2011 e por esta recebida a 13/9/2011, aquela declarou:

(i) rejeitar todos e cada um daqueles sobreditos débitos;

(ii) anunciou recorrer à via judicial para reposição dos seus direitos, se a mesma R. o não fizesse voluntariamente nos 30 dias seguintes e, finalmente,

(iii) interpelou a R., nos termos e para os efeitos dos direitos e acção a que aludem os art. 573 e s.s. do C. Civil para, no prazo de 15 dias, remeter à A. cópias dos documentos em poder dela, que entendessem sustentar a decisão de efectuar os mencionados débitos, bem como os correspondentes lançamentos a crédito, com identificação dos terceiros que deles hajam beneficiado e dos documentos por estes apresentados como fundamento para tais créditos.

S) A ré representa directamente os autores que se inscrevem nos seus serviços, e representa indirectamente os autores inscritos nas sociedades de autores estrangeiras com quem celebra contratos de representação recíproca.

T) Por via dessa representação, directa e indirecta, a ré representa, em território português, autores de todo o mundo.

U) No exercício da sua actividade a ré concede autorizações a terceiros para as mais diversas utilizações de obras protegidas pelo direito de autor.

V) E como contrapartida dessas autorizações a ré cobra direitos de autor, cujo valor (entre outras condições contratuais) é por si determinado, no exercício do direito exclusivo de definir as condições de utilização da obra, designadamente o tempo, o lugar e o preço.

X) Uma vez cobrados os direitos de autor a ré distribui os valores cobrados pelos titulares de direito das obras por si geridas.

Z) Por vezes o autor cede a terceiros, no todo ou em parte, os direitos que lhe pertencem, ficando esses terceiros titulares de exploração económica da obra. AA) Os direitos relativos a guião/texto e realização das obras, bem como dos relativos à música das obras publicitárias, constantes de doc.s 1 a 8, juntos a fls. 16 a 233, e cuja utilização por terceiros gera, para estes, a obrigação de pagar quantias em dinheiro à R. e, para esta, a obrigação de distribuir os mesmos valores, deduzidos da comissão, à autora, são da titularidade e/ou representação desta, para efeitos de percepção de tais proveitos, pelo menos, no período de tempo compreendido entre 2003 e 2009, ambos inclusive.

BB) Quantias essas que a R. cobrou dos terceiros utilizadores e que, primeiramente, pagou à A, vindo, agora, a debitá-las à mesma.

CC) Desde 1998, a C é a sociedade habilitada em Portugal para representar as obras de publicidade das marcas especificadas nos documentos juntos a fls. 270 e 271.

DD) Qualquer alteração da obra /produção, realização e música relativa às obras de publicidade referidas na alínea anterior tem que ser autorizada previamente pelos titulares dos direitos de autor ou seus legítimos representantes.

EE) Qualquer agência de publicidade que pretenda adaptar esses spots, deverá ter sempre a autorização da C através da ora R. que a representa para tal finalidade.

FF) Sendo que, tais adaptações não conferem a quem as executa quaisquer direitos, salvo se a C assim o definir previamente.

GG) O contrato referido em CC) especifica as marcas.

HE) Depois, as obras dessas marcas são fornecidas pelas diferentes empresas representadas à C, em folhas separadas (folhas de obra e cue sheets) e que identificam as obras, os seus autores bem como a denominação dos spots publicitários na origem.

II) Esta documentação é depois depositada na SPA.

JJ) Todos os anúncios das marcas que a chamada representa, são produzidos na essência nos Estados Unidos, sendo os realizadores, autores da música e produtores do guião encomendados por essas marcas no regime de 'buy out' prática comum naquele país.

LL) Essa encomenda, negociada e paga por valores acordados entre as partes, o supra mencionado 'buy out' engloba todos os direitos (produtor, realizador e compositor da música) que deste modo são repassados para as empresas que representantes dessas marcas, na circunstância a Litchfield.

MM) As obras publicitárias são transmitidas ao público, fundamentalmente, através da radiodifusão.

NN) Para que tal seja possível, a ré celebra contratos, em representação dos autores seus membros, com os diversos operadores de radiodifusão.

00) Nos termos desses contratos a ré autoriza a radiodifusão de obras musicais e literário-musicais.

PP) E cobra, em representação dos autores, um determinado valor, como contrapartida das autorizações concedidas a esses operadores de radiodifusão.

QQ) A autora apresentou e depositou na ré os instrumentos de contratos celebrados entre aquela e as diversas agências de publicidade e ainda outros celebrados com realizadores, que produziram e realizaram, spots publicitários para radiodifusão e, nalguns casos, exibição cinematográfica, em Portugal e pelos quais aquelas cederam a esta os direitos autorais de realização e guião e texto nos anos de 2003 a 2009.

RR) A ré no início de cada ano envia à autora e outras representadas suas, como a chamada, listagens com os spots publicitários radiodifundidos, no ano precedente, pelos três canais televisivos generalistas — RTP, SIC e TVI — em conformidade com a informação recolhida por ela, por intermédio de empresas de monitorização das emissões.

SS) A autora a partir dessas listagens enviadas pela ré e com base ainda nas declarações a si fornecidas pela agências de publicidade e dos realizadores dos respectivos filmes ou vídeos, identifica as obras e os respectivos autores das partes integrantes desses spots sobre as quais é titular de direitos autorais referidos supra.

TT) Em relação às obras musicais a autora através das informações que lhe são fornecidas pelas agências de publicidade verifica quais as que, de entre aquelas obras, integraram ou foram incluídas nos spots radiodifundidos constantes das listagens enviadas pela ré.

UU) Após envia à ré declarações contendo os detalhes identificativos dos spots, obras que os integrem, como guião e/ou texto, realizador e sendo o caso, obras musicais e respectivos autores.

VV) Em 2010 a chamada enviou para a ré uma adenda a um contrato anteriormente celebrado conforme documento junto a fls.270 e 271, cujo teor se dá por reproduzido do qual resultava que esta representava as obras de publicidade das marcas aí identificadas.

XX) As obras publicitárias relativamente às quais a autora reclama direitos de autor referem as marcas identificadas na adenda a que se reporta a alínea anterior.

ZZ) Por virtude da situação referida em VV) a ré decidiu creditar à chamada os valores antes distribuídos à e referidos em M) e N).

Vejamos então.

Lê-se no Acórdão recorrido, no que tange à problemática em tela:

«[R]esta-nos aquilatar se no caso vertente serão de aplicar juros comerciais à ré. Ora, resulta da factualidade assente que a autora é uma sociedade comercial, sendo a R. SPA, uma pessoa colectiva, sob a forma de cooperativa.

A SPA encontra-se registada como entidade de gestão colectiva do direito de autor, sendo-lhe reconhecida utilidade pública.

Com efeito, nos termos do disposto no art. 2° do Código Cooperativo, as cooperativas são pessoas colectivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.

De acordo com o disposto no art. 102° do Código Comercial, há lugar ao decurso e contagem de juros em todos os actos comerciais que for de convenção ou direito vencerem-se e nos casos especiais fixados no presente código.

Dispondo o seu §1°., que a taxa de juros comerciais só pode ser fixada por escrito.

Na situação concreta, não estaremos propriamente numa situação de transacção comercial, numa situação que envolva uma comercialidade bilateral ou uma empresarialidade bilateral, mas tão só, numa situação de exigibilidade de um pagamento resultante de uma relação estatutária entre a ré e a autora.

Por outro lado, também não resultou demonstrado que tivesse sido estipulada por escrito, a exigibilidade de uma taxa de juros comerciais, pelo que, a taxa de juros a aplicar in casu, será a dos juros civis moratórios às respectivas taxas legais.».

A Recorrida, SPA, é uma entidade gestão colectiva do direito de autor, cuja organização e funcionamento se rege pelo disposto na Lei 83/2001, de 3 de Agosto, aplicável à data da instauração da acção, actualmente substituída pela Lei 26/2015 de 14 de Abril, a qual, constituída que se encontra como cooperativa, tem como objecto, além do mais, a gestão dos direitos patrimoniais que lhe foram confiados pela Autora, aqui Recorrente, em relação a a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos, como deflui da materialidade assente nas alíneas G), H), I), J), S), T), U), V), X), Z) e QQ).

Não obstante a Ré tenha exercido os direitos de autor da Autora/Recorrente, cujo pagamento lhe foi ordenado e que não está em causa nesta impugnação, trata-se de uma entidade sem fins lucrativos, sobre a qual incidia o dever – que no caso dos autos se apurou ter sido incumprido – de repartir os réditos resultantes do exercício da sua actividade de gestionária, para a qual sua cooperante aqui Recorrente, a havia incumbido.

Estamos assim perante uma actividade de cariz não comercial e por isso, todos os rendimentos obtidos no seu exercício não estão geram interesses compagináveis com o preceituado no artigo 102º do CComercial, normativo este que se aplica, apenas, aos actos comerciais.

Assim sendo, parece que não podem restar quaisquer dúvidas, que a taxa de juros a aplicar à mora ocorrida no pagamento dos valores devidos pela Ré/Recorrida à Autora, é a dos juros civis, tal como se concluiu no Aresto impugnado.

Soçobram, pois as conclusões.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada na decisão de segundo grau.»

Começamos por dizer que não existem quaisquer razões que infirmem o raciocínio assim expendido.

Sempre acrescentamos, ex abundanti.

Dispõe o artigo 230º, nº5 do CComercial que:

«Haver-se-ão por comerciais as empresas, singulares ou colectivas, que se propuserem:

(…)

5.º Editar, publicar ou vender obras científicas, literárias ou artísticas;».

Acrecenta o corpo do artigo 231º do mesmo diploma:

«Dá-se mandato comercial quando alguma pessoa se encarrega de praticar um ou mais

actos de comércio por mandado de outrem.».

A Reclamante quer fazer decorrer dos mencionados normativos uma relação comercial existente com a Ré/Reclamada, pois, na sua tese a relação jurídica como cooperadora da Ré não é a causa do direito de crédito que faz valer na presente acção, sendo que o que explica o aparecimento desse crédito é a relação jurídica de mandato que lhe cometeu para a comercialização, por via da concessão onerosa do direito de utilizar as suas obras e edições ou, melhor, das obras e edições que gere e sub-edita, pela qual a Ré é por si remunerada (comissão de gestão correspondente a 28% dos preços arrecadados pela utilizações licenciadas); esse mandato é comercial porque a Ré foi encarregue pela Reclamante de praticar os actos de concessão onerosa do direito a certas utilizações das obras e edições a terceiros, actividade para a qual se organizou  empresarialmente,   exerce   profissionalmente   e  com   vista   a   colher   os   resultados económicos.

Falece-lhe, contudo, a argumentação.

Como deflui das alíneas A) a J) da materialidade assente, a Ré, aqui Reclamada é uma cooperativa cujo objecto consiste, além do mais, na gestão dos direitos patrimoniais dos seus sócios em relação a determinadas categorias de obras, entre eles os da Autora/Reclamante, a qual detinha a qualidade de cooperante daquela, sendo certo que como decorre inequivocamente do artigo 2º, nº1 do CCooperativo  «As cooperativas são pessoas coletivas autónomas, de livre constituição, de capital e composição variáveis, que, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, visam, sem fins lucrativos, a satisfação das necessidades e aspirações económicas, sociais ou culturais daqueles.».

Quer dizer, a actividade da cooperativa desenvolve-se em beneficio dos seus cooperantes, sem qualquer fim lucrativo, o que desde logo briga com a noção de empresa aludida no nº5 do artigo 230º do CComercial, onde a Reclamante pretende enquadrar a função da Reclamada e que a transcende em absoluto, bem como a transcende, a existência entre ambas de uma relação contratual de mandato comercial.

O objecto da Ré, aqui Reclamada, não tem qualquer correspondência com a o da noção de empresa proveniente da transposição das Directivas de direito comunitário, as quais têm na sua base a concepção do exercício de actos de comércio, cfr Paulo Olavo Cunha, Direito Comercial E Do Mercado, 2ª edição, 71.

Nos termos dos Estatutos da Ré, segundo os quais se desenvolvia e regulava a actividade entre ambas, a Autora tinha direito a « receber os proveitos advenientes dos direitos autorais relativos a utilização e exploração das obras de cujos direitos sejam titulares e que a cooperativa em sua representação haja cobrado e bem assim, sobre eles receber adiantamentos», direitos esses advenientes do cumprimento por aquela dos deveres decorrentes do seu compromisso para com os cooperantes, cfr artigo 6º do Estatuto, vg:

«[b)] Proporcionar, através da cooperação e entreajuda dos seus membros, com obediência aos princípios cooperativos, a satisfação das suas necessidades culturais, económicas e sociais, para o que realizará todos os actos e operações necessários;

c) Promover e assegurar a união de todos os autores e demais titulares de direito de obras intelectuais, quer para defesa dos seus direitos, tanto de natureza patrimonial como moral, neste último caso quando assim lhe seja requerido, quer; para satisfação e melhoria dos seus legítimos interesses";

d) Defender e fomentar a liberdade de criação cultural e científica, contribuindo para a dignificação e desalienação do trabalho intelectual sob todas as formas; "

g) Gerir em representação dos seus cooperadores e beneficiários e bem assim das entidades estrangeiras a que se refere o n.° 3 do artigo 5º, as obras e prestações de cujos direitos sejam titulares, independentemente do seu género, forma e expressão, mérito e objectivo, qualquer que seja o modo de utilização e exploração ou o processo técnico, analógico ou digital, da sua reprodução, distribuição ou comunicação, actualmente conhecido ou que de futuro o venha a ser, no limite dos direitos e/ou utilizações confiados pelos cooperadores e beneficiários, de acordo com as definições constantes do n.° 3 do artigo 7º».

Todo este relacionamento existente entre as partes, Autora e Ré, se afasta da específica actividade comercial quer em sentido económico, quer em sentido jurídico, desde logo por estar afastada, à partida, qualquer possibilidade de ganho por banda da Ré, sendo o lucro que constitui o apanágio do comércio.

Não se verificando qualquer assomo de actividade/relacionamento lucrativa(o), mostra-se impossível a aplicação de juros á taxa comercial aos créditos/débitos existentes entre as partes.

III Destarte, indefere-se a reclamação, mantendo-se a decisão singular que negou a Revista.

Custas pela Reclamante com taxa de justiça em 3 Ucs

Lisboa, 9 DE Abril de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Fernando Pinto de Almeida

José Rainho