Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5372/14.7T8PRT-A.P1.S2
Nº Convencional: 7º SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA
LEGITIMIDADE ACTIVA
LEGITIMIDADE ATIVA
CESSÃO DE CRÉDITOS
REMIÇÃO
OPONIBILIDADE
DEVEDOR
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
FACTOS CONSTITUTIVOS
OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA
DIREITO DE REGRESSO
HABILITAÇÃO DE ADQUIRENTE
CASO JULGADO
FORÇA EXECUTIVA
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 03/01/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÕES SOLIDÁRIAS / SOLIDARIEDADE ENTRE DEVEDORES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CESSÃO DE CRÉDITOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PARTES / DISPOSIÇÕES ESPECIAIS SOBRE EXECUÇÕES.
Doutrina:
-Assunção Cristas, Citação Como Notificação ao Credor Cedido, Cadernos de Direito Privado, p. 58 ss.;
-Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Almedina, Coimbra 1964, p. 23;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código de Processo Civil Anotado, I, 4.ª Edição, p. 538.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 523.º E 577.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - 54.º.
Sumário :
I - A validade de uma sentença condenatória definitiva enquanto título executivo advém-lhe da força de caso julgado.

II - Tendo a credora, em momento anterior à instauração da execução, cedido o crédito exequendo documentado em sentença condenatória a um dos seus devedores solidários (n.º 1 do art. 577.º do CC), há que reconhecer a este a legitimidade activa para demandar dos demais co-devedores a satisfação coerciva do montante que pagou (art. 54.º do CPC), sem necessidade de recurso ao incidente de habilitação, cabendo apenas àquele a alegação dos factos constitutivos.

III - A circunstância de o exequente ter pago à credora parte do montante em dívida não desonera os restantes devedores (art. 523.º do CC), cabendo-lhes liquidar, além do mais, o remanescente do crédito.

IV - Tendo o embargado, ao ser citado para a execução, tido conhecimento da exoneração do exequente feita pela credora originária, o mesmo adquiriu conhecimento de que aquele passou a ser um terceiro e deixara, por efeito da remição parcial da dívida, de ser um devedor daquela, não havendo, por isso, que colocar em causa a validade da cessão.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 7.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.



1. Por apenso à execução que contra si instaurou AA deduziu o executado BB embargos de executado, nos termos que constam a fls. 2 e segs.

Invocou o embargante a inexistência do crédito exequendo, alegando – em síntese – que o exequente AA procedeu ao pagamento da dívida para com a CC, ou de parte dela, e que a cessão de créditos que consta da «Transacção» celebrada entre ambos é nula.

Nos artigos 30.º a 63.º da petição inicial, o Embargante pretende opor meios de defesa ao exercício do direito de regresso por parte do Exequente.

O Embargado apresentou contestação (fls. 20 e segs.), defendendo a improcedência dos embargos.

Realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual, identificado o objecto do litígio e saneado o processo com a afirmação da validade e regularidade da instância, se conheceu do mérito da causa, julgando os embargos improcedentes.

2. Inconformado com tal decisão, dela interpôs o embargante recurso de apelação, onde se pretende que tenha ocorrido violação das normas constantes dos artigos 53º, 54º, do CPC e artigos 334º, 406º nº 2, 577º, 847º, 868º, 869º e 871º do CC. O recorrente pugna pela procedência da apelação, devendo substituir-se a sentença por outra que declare a extinção da Instância executiva, assim considerando a procedência dos Embargos”.

A Relação manteve, contudo, o decidido em 1ª instância.

Ainda inconformado com o decidido, recorre, agora de revista excepcional, o embargante reiterando o pedido formulado. A Formação a que alude o artigo 672º nº 3 do CPC admitiu o recurso.

Foram para tanto apresentadas as seguintes,


Conclusões.


1) A remissão é uma forma de extinção da obrigação pela qual o credor perdoa a dívida do devedor, não pretendendo mais exigi-la. Não podendo ele exigi-la, não pode também transmiti-la para que seja judicialmente reclamada por alguém.

2) A remissão de uma obrigação aproveita aos co-obrigados.

3) Sendo o recorrido co-obrigado como devedor não pode adquirir a qualidade de terceiro para efeitos de aquisição do crédito como cessionário.

4) Elemento típico da cessão de créditos, na configuração do artigo 577º do Código Civil, é que o cessionário seja um terceiro, diferente, por conseguinte, do próprio devedor.

5) É nulo à luz do artigo 280º nº 1 por contraditoriedade com o seu objecto com o nº 1 do artigo 577º o negócio de cessão pelo qual o credor transmite o crédito ao devedor em contrapartida de certo preço ou gratuitamente.

Não houve contra-alegações.

Corridos os vistos legais cumpre decidir.


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    2. FUNDAMENTOS.


  O Tribunal deu como provados os seguintes,


   2.1. Factos.


 2.1.1. A acção executiva à qual está apenso o presente processo de embargos de executado tem por base a sentença proferida no âmbito do processo n.º 1701/05.2TBGDM, já transitada em julgado, com o teor que consta do documento junto a fls. 12-34 do processo executivo e que se dá aqui por integralmente reproduzido.

 2.1.2. Entre CC, S.A. e AA foi celebrado um acordo, intitulado «Transacção», com o teor que consta do documento junto a fls. 5-6 do processo executivo e que se dá aqui por integralmente reproduzido.

 2.1.3. AA pagou a CC, S. A. a quantia de € 100.000,00.


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     2.2. O Direito.


   Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

- Análise dos pontos de discórdia do embargante face ao decidido.

    - O exequente é parte legítima na execução?

    - Ao recorrente não é oponível a cessão de créditos que teve lugar?

       A obrigação exequenda, porque solidária encontra-se remida?


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     2.2.1. Análise dos pontos de discórdia do embargante face ao decidido.


    Correu trâmites no Tribunal Judicial de … uma acção com processo ordinário com o nº 1701/05 intentada por CC, S.A. onde foi obtida a seguinte decisão “Julgo a acção procedente por provada e em consequência:

 a) Declaro reconhecida e válida a resolução do contrato de fornecimento de café e, em consequência:

 b) Condeno os RR. solidariamente a pagarem à Autora a quantia total de € 146.726,00 (€ 76.327,00 correspondente à quantia de 34.915,85, valor da quantia adiantada a título de bonificação por compras no café, bem como ainda à quantia de € 47.854.67, valor respeitante ao preço por promoção e publicidade do café, tudo deduzida da quantia de € 6.443,00 respeitante aos valores de (€ 2.216 + 4227,00) + 70.399,86 a título de indemnização (20.800-1470 × 18,21 × 20%) acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.  

 c) Condeno os RR. a pagarem solidariamente à Autora e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia diária de 30 € por cada dia de atraso na entrega do equipamento – uma máquina de lavar loiça da marca La Spaziale; uma máquina de um grupo Saeco – e após o trânsito em julgado da decisão – artigo 829º-A do Código Civil.

   Trata-se do dispositivo da sentença dada à execução que veio a ser objecto de embargos por parte de BB os quais foram por Acórdão proferido a fls. julgados improcedentes pela Relação do Porto.

    A sentença dada à execução declarou a resolução de um contrato de fornecimento de café e proferiu, como vimos, a condenação solidária dos ali RR. a pagarem à Autora CC, em partes iguais a importância supra-apontada.

    Havendo lugar a uma obrigação solidária, e tal sucede apenas “quando resulta da lei ou vontade das partes, sendo certo que “(…) cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir por si só a prestação integral” artigos 512º e 513º do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - o devedor solidário demandado “pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores”, sendo certo nas relações entre si presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito – artigos 514º e 516º.

   Estatui o artigo 517º que “a solidariedade não impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam por ele conjuntamente demandados.

   2 – De igual direito gozam os credores solidários relativamente ao devedor e este em relação àqueles”. 

    

     O escopo que o exequente visa conseguir com a acção executiva, i.e. alegadamente obter o cumprimento da sentença declaratória, encontra todavia os obstáculos enumerados a fls. 4 deste aresto cabendo de seguida proceder à sua análise em pormenor.  


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   2.2.2.1. O exequente é parte legítima na execução?


   O Título executivo subjacente à execução embargada traduz-se essencialmente na sentença confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto proferida na acção com o nº 1701/05) - cfr. certidão de fls. 94 ss. e 133 ss.

 a) Declaro reconhecida e válida a resolução do contrato de fornecimento de café e, em consequência:

 b) Condeno os RR. solidariamente a pagarem à Autora a quantia total de € 146.726,00 (€ 76.327,00 correspondente à quantia de 34.915,85, valor da quantia adiantada a título de bonificação por compras no café, bem como ainda à quantia de € 47.854.67, valor respeitante ao preço por promoção e publicidade do café, tudo deduzida da quantia de € 6.443,00 respeitante aos valores de (€ 2.216 + 4227,00) + 70.399,86 a título de indemnização (20.800-1470 × 18,21 × 20%) acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento. 

 c) Condeno os RR. a pagarem solidariamente à Autora e ao Estado, em partes iguais, a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia diária de 30 € por cada dia de atraso na entrega do equipamento – uma máquina de lavar loiça da marca La Spaziale; uma máquina de um grupo Saeco – e após o trânsito em julgado da decisão – artigo 829º-A do Código Civil.

    Trata-se do dispositivo da sentença dada à execução que veio a ser objecto de embargos os quais foram por Acórdão proferido a fls.  confirmados pela Relação do Porto.

    A sentença dada à execução declarou a resolução de um contrato de fornecimento de café e proferiu, como vimos, a condenação solidária dos ali RR. a pagarem à Autora CC, em partes iguais a importância supra-apontada.

   Havendo lugar a uma obrigação solidária, e tal sucede apenas “quando resulta da lei ou vontade das partes, sendo certo que “(…) cada um dos devedores responde pela prestação integral e esta a todos libera, ou quando cada um dos credores tem a faculdade de exigir por si só a prestação integral” artigos 512º e 513º do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão os restantes normativos a citar sem menção de origem - o devedor solidário demandado “pode defender-se por todos os meios que pessoalmente lhe competem ou que são comuns a todos os condevedores”, sendo certo que nas relações entre si presume-se que os devedores ou credores solidários comparticipam em partes iguais na dívida ou no crédito, sempre que da relação jurídica entre eles existente não resulte que são diferentes as suas partes, ou que um só deles deve suportar o encargo da dívida ou obter o benefício do crédito – artigos 514º e 516º.

   Estatui o artigo 517º que “a solidariedade não impede que os devedores solidários demandem conjuntamente o credor ou sejam por ele conjuntamente demandados.

    2 – De igual direito gozam os credores solidários relativamente ao devedor e este em relação àqueles.

    

    Questiona o embargante se o exequente é parte legítima na execução; e acrescenta que 1) O recorrido não consta do título nem se habilitou processualmente a tal título; 2) No caso, não pode, pois, o recorrido ser considerado credor e só a pessoa que no título figura como credor pode promover a execução. Tal asserção vem consagrada legalmente no artigo 10º nº 5 do Código de Processo Civil onde pode ler-se que “toda a execução tem por base um título pelo qual se determinam os limites e o fim da acção executiva”. Como refere Lopes Cardoso comentando o artigo 45º nº 1 do Código de Processo Civil revogado, “A acção executiva tem necessariamente de basear-se num documento que nesta espécie de acções corresponde à causa de pedir[1], sendo certo que a respectiva falta dá origem ao indeferimento da execução. Para além da obrigação constante do título ter que ser certa, líquida e exigível, há a notar que, em princípio, “a execução tem que ser promovida pela pessoa que no título executivo figure como credor e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor”. No entanto lê-se no artigo 56º do mesmo Diploma “1 – Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.

 2 – (…)

3 – Quando a execução tenha sido movida apenas contra o terceiro e se reconheça a insuficiência dos bens onerados com a garantia real, pode o exequente requerer, no mesmo processo, o prosseguimento da acção executiva contra o devedor, que é demandado para completa satisfação do crédito exequendo.

   4 – (…)”.

    No caso em análise, estamos em face de uma sentença condenatória nos termos da alínea a) do artigo 703º do Código de Processo Civil e, como decorre da lei, a sua validade como título radica na força de caso julgado que à mesma vem associada, não podendo ser objecto de impugnação. É este o caso da sentença proferida no Processo de embargos de executado nº 1701/05.2TBGDM, já transitada em julgado, como consta do título executivo.

    No entanto não se verifica que o exequente embargado figure no título executivo enquanto tal, ao arrepio do que estatui o artigo 53º do Código de Processo Civil. Todavia a regra apontada comporta excepções, a saber: o artigo 54.º estatui que “1 – Tendo havido sucessão no direito ou na obrigação, deve a execução correr entre os sucessores das pessoas que no título figuram como credor ou devedor da obrigação exequenda; no próprio requerimento para a execução o exequente deduz os factos constitutivos da sucessão.

    2 – (…)

    3 – (…)

    4 – (…)

    

    Resta indagar se os factos alegados e provados o são de molde a que possa concluir-se ter o exequente sucedido nos direitos de exequente AA, o qual havia sido condenado solidariamente com os demais RR. entre os quais o Embargante BB a pagar à CC, SA. a quantia global de € 146.726,00 tendo pago a este a quantia de € 100.000,00; Efectivamente decorre do ponto 2 dos Factos Provados que entre CC e AA foi celebrado um acordo intitulado Transacção, sendo certo que na 2ª cláusula do mesmo com data de 1 de Agosto de 2013 a CC declarou que contra o pagamento da quantia de € 100.000,00 por AA “fica o mesmo desde logo exonerado de quaisquer responsabilidades em relação ao remanescente do pedido”.

     A mesma CC declara também sob a rubrica de “Cessão de crédito”, ceder a AA, a título judicial, “o seu crédito sob os demais RR. nos autos pelo valor remanescente de esc. 146.726,00 – 100.000,00 = 46.726,00 com acréscimo de juros de mora devidos nos termos mencionados no número um antecedente acrescentando que “AA fica inteiramente legitimado a partir deste momento em substituição das PO Primeira outorgante para reclamar em seu nome judicial ou extrajudicialmente – recorrendo a execução judicial de sentença, neste caso dos demais RR. o pagamento de tal remanescente o pagamento de tal remanescente com os acréscimos devidos” – Pontos 5 e 6 do instrumento de transacção inserto a fls. 88 ss.

    O que ocorreu foi que, em virtude da transmissão havida, o embargado ficou por via da lei e do teor da transacção aludida, com legitimidade para intentar a execução contra os demais condenados na sentença dada à execução sem necessidade de recurso ao incidente de habilitação porque a sucessão foi prévia à instauração da execução. Quanto muito era-lhe exigido apenas que declarasse no requerimento executivo os factos constitutivos da sucessão, ónus a que o Alexandre Vaz deu cumprimento como se pode ver do seu requerimento inicial.

     Nesta conformidade improcede a excepção de ilegitimidade do exequente.


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     2.2.2.2. Ao recorrente não é oponível a cessão de créditos que teve lugar?

     A obrigação exequenda, porque solidária encontra-se remida?


   Refere o nº 2 dos Factos provados que entre a CC, S.A e AA, foi celebrado o acordo de transacção junto a fls. 87 ss.

     Essencialmente nesse acordo pode ler-se o seguinte:


1.º


     O ora SO segundo outorgante e demais RR.. nos autos referidos supra foram definitivamente condenados entre o mais a pagar à ora PO a quantia de cento e quarenta e seis euros (€ 146.726,00), acrescida de juros de mora desde a citação até efectivo e integral embolso da mesma;

     

     Exoneração


2.º


    Contra o pagamento efectivo por parte do ora SO (segundo outorgante da quantia de cem mil euros € 100.000.00, fica o mesmo, desde logo exonerado de quaisquer responsabilidades em relação ao remanescente do pedido.

3.º


    Declara a ora PO que à presente data pagou já o ora SO a quantia de 87.500,00 de que se dá expressa quitação.

     A SO irá pagar a restante quantia de € 12.500,00 até ao dia 30 de Outubro de 2013 por via de cheque nº 18…0 sacado sobre a Caixa Geral de Depósitos;


4.º


    Contra o bem pagamento do cheque a PO declara nada mais tendo, por isso a reclamar ao SO a propósito destes autos.


     Cessão de crédito.




    Cedendo-lhe a PO neste acto a título gratuito, o seu crédito sob os demais RR. nos autos pelo valor remanescente (€ 146.726,00 – 100.000,) = € 46.726,00 com acréscimo de juros de mora devidos nos termos mencionados no número 1 antecedente.                                  



    Ficando consequentemente o SO inteiramente legitimado, a partir deste momento em substituição das PO, para reclamar exclusivamente em seu favor, extra-judicial ou judicialmente, – recorrendo a execução judicial de sentença, neste caso – dos demais RR. o pagamento de tal remanescente com os acréscimos devidos.  

      Declaração de ciência.


    Todos os outorgantes leram integralmente este contrato tendo verificado que o mesmo corresponde fielmente às suas intenções de vontade pelo que de inteira e recíproca boa-fé o ratificam e vão assinar sem reservas.


    Rio Tinto 1 de Agosto de 2013.


    Seguem-se as assinaturas.

   

    Poderá dizer-se que por via do aludido acordo reconheceu à CC um crédito sobre os RR. no montante de € 146.726,00. Por seu turno o Réu AA havia sido condenado solidariamente com os demais RR. a pagar àquela a referida quantia assumindo perante a CC o pagamento da importância de € 100.000,00, desonerando-o a credora de quaisquer responsabilidades no tocante ao remanescente do crédito – ou sejam € 46.726,00 acrescidos de juros de mora.

     E quais são as consequências de tal acordo?

    A esta questão reporta-se o artigo 523º do Código Civil onde pode ler-se “A satisfação do direito do credor, por cumprimento, dação em cumprimento, novação, consignação em depósito ou compensação, produz a extinção, relativamente a ele, das obrigações de todos os devedores”. Nas palavras de Pires de Lima e Antunes Varela “à satisfação do direito do credor por cumprimento são equiparadas ao cumprimento todas as formas de satisfação do direito do credor. Em qualquer dos casos a obrigação fica extinta em relação a este mas não em relação aos outros condevedores (artigo 524º).

     Havendo remissão ou confusão estabelecem-se regras especiais nos artigos 864º e 869º.

     Se o credor exigir ou aceitar uma parte da prestação fica extinta a obrigação nessa parte, mas continua solidária em relação à parte restante”[2].

     Por aqui se vê que tendo o Réu AA sido condenado com os demais RR. a pagar a importância devida à CC o pagamento da importância de 146.000,00 e tendo o AA pago daquela importância o montante de € 100.000,00, a credora desonerou-o de quaisquer responsabilidades em relação ao remanescente do crédito, a saber a importância de € 46.726,00, a que acrescem os juros fixados na sentença. Tal não significa, todavia, que os restantes condevedores solidários estejam completamente desobrigados de pagar à credora inicial; teriam desde logo que pagar o direito de regresso do AA pagou, nos termos do artigo 524º do Código de Civil onde pode ler-se que “O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete”.

    Só que e como bem se refere no acórdão da Relação de que se recorre e agora se analisa “o que está em causa na execução não é o direito de regresso devido ao pagamento da quantia restante, ou seja (€ 46.726,00) (€ 146.726,00 - € 100.000,00 = € 46.726,00) que os então RR. foram condenados solidariamente a pagar à então Autora CC, S. A..  

    Com efeito, o exequente, também ele devedor inicial na acção declarativa, não veio, por via executiva, reclamar do executado com ele condevedor da quantia de € 146.726,00 o pagamento da quantia entregue à Autora nessa acção para pagamento parcial da dívida; Como resulta claramente do título executivo AA, ao propor a execução nos moldes por que o fez contra o aqui embargante, visou apenas a cobrança coerciva do remanescente do crédito da sociedade Autora que esta lhe cedeu através do instrumento que as partes designaram por Transacção” fim de citação pags. 140 a 141.

    A cessão do crédito em causa é possível, nos termos do preceituado no artigo 577º nº 1 do Código Civil, onde pode ler-se “O credor pode ceder a terceiro uma parte ou a totalidade do crédito, independentemente do consentimento do devedor, contanto que a cessão não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligado à pessoa do credor”.

    Decorre do exposto, que, para além de existirem nos autos documentos juntos que legitimam a intervenção do exequente enquanto tal, a saber o título executivo e o termo de transacção acima analisado que a completa, haverá ainda a considerar o estatuído no artigo 583º do Código de Processo Civil onde pode ler-se que “1 – A cessão produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite.

    2 – Se, porém, antes da notificação ou aceitação, o devedor pagar ao cedente ou celebrar com ele algum negócio jurídico relativo ao crédito, nem o pagamento nem o negócio é oponível ao cessionário, se este provar que o devedor tinha conhecimento da cessão”. Significa isto que por via de regra só releva a aceitação do devedor.

     O recorrente embargante nega, todavia, a validade da transmissão de créditos uma vez que a remissão embora aproveite a terceiros o certo é que o AA não o é no caso vertente, mas unicamente um simples co-obrigado, sendo certo que, no entender do recorrente, o artigo 577º nº 1 do Código Civil exige para que a cessão possa ter lugar que a cessão se reporte a um terceiro.

     Sucede, porém, que in casu, a partir da sua citação para a execução[3], teve o executado conhecimento da exoneração feita pela CC SA. ao Réu AA, o qual, a partir desse momento, deixou de ser co-obrigado para ser um terceiro. Na lógica deste entendimento teremos de concluir que desde a citação para a execução o exequente embargante ficou ciente da cessão de créditos que havia sido acordada e transmutação da status de co-obrigado do AA em terceiro. Isto é tanto mais relevante quanto é certo que no momento da cessão havida entre o AA e o ora exequente, já este último não era devedor do cedente a dita CC já que a dívida se tinha extinto anteriormente por remissão, nos termos acima abordados.

     Todo o exposto dita assim a negação da revista.



*


   3. DECISÃO.


 Pelo exposto acorda-se em negar a revista

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 01 de Março de 2018


Távora Victor (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira

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[1] Cfr. Lopes Cardoso “Manual da Acção Executiva, Almedina, Coimbra 1964, pag. 23.

[2] Cfr. AA. citados in “Código de Processo Civil Anotado” I, 4ª Edição pag. 538.

[3] Cfr. Assunção Cristas “Citação como notificação ao credor cedido” in “Cadernos de Direito Privado”, pags. 58 ss.