Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1386/15.8T8PVZ.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
EXCESSO DE PRONÚNCIA
RECLAMAÇÃO
Data do Acordão: 12/17/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA /RECURSOS / APELAÇÃO / JULGAMENTO DO RECURSO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 613.º, 615.º E 663.º, N.º 7.
Sumário :
A falta do sumário a que se refere o art. 663.º, n.º 7, do CPC, não acarreta qualquer nulidade ou irregularidade, não sendo também possível arguir a nulidade do sumário elaborado pelo relator.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça




1. Nos presentes autos em que é recorrente AA - Combustíveis e Lubrificantes, Lda e recorridos BB, CC, DD, EE e FF, foi proferido acórdão em 07 de Novembro de 2019 que negou provimento à revista e confirmou o acórdão recorrido.

A recorrente veio reclamar para a conferência, arguindo a nulidade do acórdão, invocando o disposto nos artigos 685º, 666º nºs 1 e 2 e 615º nº 1 alíneas b), c) e d) do CPC.  

Para melhor compreensão da pretensão da recorrente, transcrevemos o seu requerimento:

“No que às nulidades previstas no artigo 615º n,º 1 al b); al.c) e alinea d) do CPC diz respeito:

A necessidade/dever de fundamentação de qualquer decisão judicial não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados.

É certo, por um lado, que o julgador tem a faculdade (poder/dever) para proferir decisões, proceder às averiguações que tiver por convenientes, o que sempre lhe concede um amplo espaço de ponderação, nomeadamente a de aferir, se os elementos de que dispõe são suficientes e bastantes para que profira decisão ou se, ao invés, carece de obter novas informações que lhe permitam a adopção de uma decisão esclarecida e sustentada.

Ocorre que a decisão de que se reclama não contém a fundamentação necessária; de forma clara; sem ambiguidade e perceptível, e ainda, nela existe, omissão de pronúncia, e pronúncia indevida, tudo isto quanto aos diferentes segmentos que constituem o ponto (ii) do Sumário, conforme se passa a elencar.

Em socorro do que se acaba de referir, e por razões que permitem melhor coerência ao raciocínio que procuramos expor, decompomos a conclusão ínsita no ponto (ii) sub judice e que constitui o resultado final da errada construção do referido silogismo judiciário:

Por outro lado, as nulidades da sentença são vícios intrínsecos da formação de uma qualquer peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do artigo. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão, não podendo ser confundidas com hipotéticos erros de julgamento, de facto ou de direito

Na verdade, Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros desse Venerando Supremo Tribunal, é nosso entendimento, e salvo melhor e mais douta opinião que V. Ex.as Doutamente suprirão, de que o julgador, antes de estabilizar, no caso que lhe é submetido, o conteúdo dos conceitos que lhe são propostos, não pode deixar de subsumir os factos aos conceitos, sob pena de se verificar uma subversão do correto método de apreciação, construindo dessa forma um errado silogismo judiciário que redundará, necessariamente, num erro de julgamento, como o é in casu.

Na verdade, é necessário uma observação compreensiva e exaustiva, estribada na lei, sobre a “Figura A” ou a “Figura B”, que lhe são dadas a apreciar, estabilizando o seu conteúdo antes de se operar qualquer subsunção.

No caso de que nos ocupamos, verifica-se, ao nível dos factos estabilizados para os efeitos da sua posterior subsunção às conclusões, um tremendo inexplicável “salto “ nomeadamente do ponto b) dos factos dados como não provados - (na sentença da 1 instância e confirmado pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto)

“(...- ) b) O ruído perturba a autora BB(...)”.

para a conclusão e de que o ponto (ii) do acórdão sub judice, é uma síntese “(...) Afigura-se-nos que o ruído incomodativo, de caracter permanente, que se verifica durante todo o dia e de noite até às 22 horas a que estão sujeitos os autores, quando se encontram no imóvel, prejudica gravemente o seu uso como local destinado a habitação e convívio, a sua tranquilidade e o ambiente, devendo, por isso prevalecer sobre a actividade económica de lavagem de veículos que se encontra integrada num espaço de abastecimento de combustível (...)”.

Na verdade e no fim deste processo, não se vislumbra como se pode retirar o que quer que seja para afirmar onde e como os Autores, - os que não habitam o prédio - e a Autora BB – aquela que efectivamente nele reside, - atenta a síntese conclusiva, do acórdão que ora se reclama vêm ofendidos, de modo ilícito, os seus direitos ínsitos nos artigos 64º e 66º da CRP e os de personalidade previstos nos artigos 70º e ss do CC.

Bem ao invés, o mais que podemos afirmar é que o Tribunal (quer na sentença da 1ª instância quer no acórdão do Tribunal da Relação do Porto) ao estabilizar a premissa de que não restou provado que o ruído produzido pelo equipamento “Jet Wash” perturba a Autora BB, reitera-se, a única Autora que reside no prédio, não pode concluir, com o devido respeito que é muito, que o “tal ruído” é;

(...) um ruído incomodativo (...)

(...) a que estão sujeitos os autores, (...)

(...) prejudica gravemente o seu uso (...)

(...) como local destinado a habitação e convívio, (...)

e,

(...) a sua tranquilidade

Isto posto, e em consequência, também não resistem as conclusões ínsitas em (i) e (iii) ao erro do silogismo judiciário conforme se vem de demonstrar.

Termos em que deve ser proferido acórdão no sentido da inexistência da violação dos direitos dos autores, nomeadamente os ínsitos nos artigos 64º e 66º da Constituição da República Portuguesa e os artigos 70º e seguintes do Código Civil, e consequentemente não se verifica o conflito de direitos a que alude o artigo 335º do Código Civil, pelo que devem por isso ser os réus absolvidos, com que se fará Justiça!”.


Os autores responderam à reclamação, dizendo, em síntese, que “não descortinam o fundamento em que a ré pretende alicerçar a sua reclamação, afigurando-se que nada mais pretendam para além de entravar o andamento do processo”-

 

Cumpre decidir.

2. Importa conhecer da aventada nulidade do acórdão, tal como expresso no requerimento da recorrente.

O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte:

“1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa.

2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes.

3…”.


O artigo 615º (Causas de nulidade da sentença) preceitua o seguinte:

1 - É nula a sentença quando:

a) (…).

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;

c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;

d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.


São estas as alíneas onde a requerente se baseia para invocar a nulidade do acórdão, sempre com referência à alínea (ii) do Sumário, que tem a seguinte redacção:

“Constitui ofensa ilícita do direito ao repouso (que se integra no direito à integridade física e a um ambiente de vida humana sadio e ecologicamente equilibrado e, através destes no direito à saúde e qualidade devida de acordo com os artigos 64º e 66º da Constituição) a actividade de um posto de lavagem de veículos do tipo “Jet Wash” causadora de ruído incomodativo, de carácter permanente e que se verifica das 07h até às 22h a que estão sujeitos os autores, proprietários do prédio contíguo”.


De acordo com o disposto no artigo 663º nº 7 do CPC, aplicável por força do artigo 679º, “o juiz que lavrar o acórdão deve sumariá-lo”.

O sumário a que se refere o artigo 663º nº 7 é da exclusiva responsabilidade do relator e não do colectivo.

A sua falta não acarreta qualquer nulidade ou mera irregularidade, mas também não é possível arguir a nulidade do sumário.

Assim, sem mais delongas, conclui-se que o acórdão não padece dos três vícios apontados, não havendo violação do disposto no artigo 615º nº 1 alíneas b), c) e d) do Código de Processo Civil.


4. Assim, nos termos conjugados dos artigos 666º nºs 1 e 2, 615º nº 1 alíneas b) c) e d) e 679º, todos do Código de Processo Civil, não há que suprir qualquer nulidade, indeferindo o requerimento da recorrente. 

Custas pela requerente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

 

Lisboa, 17.12.2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Maria dos Prazeres Beleza