Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
247/10.4TTVIS.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO
ÍNDÍCIOS DE SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
DIRECTOR GERAL
PODER DE DIRECÇÃO
PODER DISCIPLINAR
Data do Acordão: 09/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - NEGÓCIO JURÍDICO - CONTRATOS
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO
Doutrina: - Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, parte II, 3.ª Edição, pg. 32.
- Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, in ‘Comentário às Leis do Trabalho’, Vol. I, Lex., anotação ao art. 1.º da LCT.
- Menezes Cordeiro,‘Manual de Direito do Trabalho’.
- Monteiro Fernandes, ‘Direito do Trabalho’, 10.ª Edição, pgs. 131-132; 13.ª Edição, pg. 146, 261, 263.
- Pedro Romano Martinez, ‘Direito do Trabalho’, 2.ª edição, Almedina, pg. 292-294.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 405.º, N.º 1, 1154.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 664.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 19-05-2010, PROC. 295/07.9TTPRT.S, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT;
-DE 4/5/2011, REVISTA N.º 3304706.5TTLSB.L1.S1;
-DE 9/2/2012, NA REVISTA N.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1;
-DE 8/5/2012, REVISTA N.º 539/09.2TTALM.L1.S1.
Sumário : I - A distinção entre o contrato de trabalho e o contrato de prestação de serviço assenta em dois elementos essenciais: o objecto, por um lado, e o tipo de relacionamento entre os outorgantes, por outro.
Enquanto o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento diferenciador específico, a subordinação jurídica do trabalhador, materializada no poder do empregador de conformar a prestação contratada, mediante ordens, instruções ou directivas, no contrato de prestação de serviço o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, sujeição a instruções ou direcção de execução da outra parte.

II - Perante a dificuldade em concretizar os elementos que permitam a “arrumação”, directa e segura, desta ou daquela situação de facto numa ou noutra das hipóteses legais referidas em I, concretamente por não ser fácil, em tantos casos, alcançar o que quiseram as partes e, concretamente, se/e como se manifesta o átimo diferenciador dos dois institutos – a subordinação jurídica –, tal desiderato, se não se alcança directamente pelo método subsuntivo, há-de atingir-se pelo chamado método tipológico, recolhendo, conferindo e interpretando os indícios susceptíveis de permitirem, casuisticamente, uma indagação de comportamentos em conformidade, perseguindo os indícios negociais internos e externos, sem esquecer que cada indício tem um valor relativo, prevalecendo o que conjugadamente resulte preponderante num juízo final de globalidade.

III - Por mais difusa que seja a manifestação da autoridade, do poder dominial do empregador, nas suas diversas manifestações, daí não decorre, e menos necessariamente, que, mesmo sendo meramente potencial, o mesmo não exista, porquanto, se no que tange ao exercício prático do poder conformativo da prestação, o seu âmbito e intensidade são muito variáveis, por contenderem com a maior ou menor (in)dependência técnica/científica do trabalhador, o mesmo se diga relativamente ao poder disciplinar: quanto maior for a relação de proximidade/identidade com o empregador, enquanto consequência da efectiva delegação de poderes, menos tangível se torna a direcção patronal, sem embargo de reacção disciplinar sempre que a conduta, em situações-limite, redunde em incumprimento contratual ou se revele desconforme com as ordens, instruções e regras fundamentais do funcionamento da empresa.

IV - É de qualificar como contrato de trabalho o vínculo que ligou o A. à R. quando está demonstrado que: ao A. foram atribuídas, desde 1993, funções de chefia e coordenação próprias da categoria de Director Geral, passando o mesmo a responder apenas perante o Provedor da R.; o A. desempenhava as suas funções, em gabinete próprio, na sede da R., fazendo uso dos equipamentos que para o efeito ali foram por esta instalados, dentro do horário de funcionamento da mesma; o A. auferia uma remuneração mensal previamente determinada, com actualização indexada ao aumento dos funcionários da R. e gozava, anualmente, um mês de férias, pago pela R., não sobrelevando, assim, e neste contexto, para efeitos qualificativos do vínculo, os factos, também demonstrados, de o A. não receber subsídio de férias e de Natal e de auferir proventos económicos de outras actividades.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                           I

1.

AA, casado, com os demais sinais dos Autos, intentou, no Tribunal do Trabalho de Viseu, em 24.3.2010, a presente acção declarativa, com processo comum, contra «Santa Casa da Misericórdia de ...», pedindo que esta seja condenada a:

a) Reconhecer que esteve ao seu serviço como trabalhador por conta de outrem, desde 1993;

b) Reconhecer que desempenhava as funções de Director-Geral;

c) Reconhecer que o despediu com efeitos a partir de 30 de Março de 2009;

d) Reconhecer que o despedimento é ilícito;

e) Reintegrá-lo, ou a pagar-lhe a indemnização legal, conforme a opção que este venha a fazer;

f) Pagar-lhe a retribuição referente ao trabalho prestado no mês de Março de 2009, no valor de € 3.348,00;

 g) Pagar-lhe a retribuição já vencida, no valor de € 3.348,00 e as vincendas até ao trânsito em julgado da sentença;

h) Pagar-lhe os subsídios de Natal referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95, e os referentes aos anos de 1993 a 1998, a liquidar em execução de sentença;

i) Pagar-lhe os subsídios de férias referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95 e os referentes aos anos de 1993 a 1998 a liquidar em execução de sentença;

 j) Pagar-lhe a quantia de € 6.696,00, a título de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2009 e respectivo subsídio;

k) Pagar-lhe a quantia de € 1.826,18, a título de proporcionais de férias e de subsídio de férias pelo trabalho prestado em 2009;

l) Pagar-lhe a quantia de € 837,00, a título de proporcional de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2009;

m) Pagar-lhe os juros, à taxa supletiva legal, sobre as quantias devidas, que se venham a vencer desde a data da citação até integral pagamento.

Alegou para o efeito, em resumo útil, que esteve ao serviço da ré desde 01-01-1988, tendo formalizado o acordo a que chegaram, assinando em 02 de Fevereiro de 1988 um contrato de ‘prestação de serviços’, passando a desempenhar para a Ré as funções que constam da Cl.ª 1.ª de tal acordo, e mantendo-se ininterruptamente ao serviço da Ré desde 01 de Janeiro de 1988 até 30 de Março de 2009.

Ao longo dos anos a relação profissional com a Ré evoluiu, sendo que a Ré lhe foi solicitando cada vez mais apoio, passando a abarcar outras áreas de conhecimento que não só as da engenharia, pelo que a partir de 1993 e até à cessação do contrato, por vontade do então provedor da Ré e por deliberação da Mesa Administrativa, passou a desempenhar as funções de Director-geral da Ré, tendo-lhe sido atribuído um gabinete na sede desta, onde passou a desempenhar funções segundo o horário de funcionamento da Ré e fazendo uso dos equipamentos que ali foram instalados pela mesma.

No dia 01 de Janeiro de 1999 foi celebrado novo contrato denominado de ‘prestação de serviços’, onde ficou a constar que exercia a sua actividade nas áreas administrativa, financeira e obras da Ré, referindo-se algumas das funções a exercer e estabelecendo-se a remuneração mensal ilíquida de 470.940$00, que seria actualizada anualmente em função da percentagem de aumento que fosse estabelecido para os restantes funcionários da Ré, acrescida de 1%.

Exercia as suas funções na sede da Ré, dentro do horário de funcionamento desta, embora com liberdade de organização do tempo de trabalho, estando integrado na estrutura organizativa da Ré, dando instruções aos outros funcionários, com quem reunia e exercendo as demais funções que lhe eram distribuídas pela Ré, que discrimina, respondendo apenas perante o Sr. Provedor.

Assim, pese embora a denominação dada aos contratos celebrados, os mesmos são verdadeiros contratos de trabalho por conta de outrem, pelo que a comunicação que lhe foi feita pela Ré, a fazer cessar o contrato, configura um despedimento ilícito, sendo que esta lhe deve ainda os créditos salariais peticionados.

Contestou a Ré, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.

Aduziu argumentos no sentido de não ser o contrato firmado reconduzível à qualificação de contrato de trabalho.

Sustentou que se tratou de um contrato de prestação de serviço e não de trabalho, sendo que tais contratos foram celebrados com vontade livremente formada de ambas as partes e plenamente assumida, pois, ao longo do período de execução de tais contratos, o autor desempenhou apenas trabalhos específicos e próprios da sua profissão de engenheiro civil.

Impugna assim os factos invocados pelo autor na petição inicial, invocando ainda que este age em abuso de direito, porquanto assinou os contratos plenamente consciente do que estava a assinar e só veio pô-los em causa passados 20 anos. E que, caso assim não se entenda, sempre será de considerar que a comunicação que foi feita ao Autor configura um despedimento fundado na extinção do posto de trabalho do Autor.

Mais declarou opor-se à reintegração do autor, atentas as concretas funções e tarefas por aquele desempenhadas, sendo o seu regresso perturbador para o seu funcionamento.

Discutida a causa, proferiu-se sentença que julgou a acção parcialmente procedente, condenando a Ré a reconhecer que o A. esteve ao seu serviço como trabalhador por conta de outrem, desde 1993; a reconhecer que o A. desempenhava as funções de Director-Geral; a reconhecer que a R. despediu o A. com efeitos a partir de 30 de Março de 2009, sendo tal despedimento ilícito; a reintegrar o A. no mesmo estabelecimento, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade; a pagar ao A. o valor das retribuições que este deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção, ou seja desde 24/02/2009 e até ao trânsito em julgado da presente sentença, sendo que a tais retribuições, terão que ser feitas as deduções previstas nos n.º 2, als. a) e c) do art. 390.º do Código do Trabalho; a pagar ao A. a retribuição referente ao trabalho prestado no mês de Março de 2009, no valor de € 3.348,00; a pagar ao A. os subsídios de Natal referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95 e os referentes aos anos de 1996 a 1998, no valor a liquidar em incidente de liquidação após a sentença; a pagar ao A. os subsídios de férias referentes aos anos de 1999 a 2008, no valor de € 28.706,95 e os referentes aos anos de 1993 a 1998 no valor a liquidar em incidente de liquidação após a sentença; a pagar ao A. a quantia de € 6.696,00 a título de férias vencidas em 01 de Janeiro de 2009 e respectivo subsídio; a pagar ao A. a quantia de € 2.511,00, a título de proporcionais de férias, de subsídio de férias e de subsídio de Natal pelo trabalho prestado em 2009; a pagar ao A. os juros, à taxa legal de 4%, sobre as quantias devidas, desde a citação, ocorrida em 25-03-2010 e até integral pagamento.

No mais, absolveu a Ré do restante pedido contra ela formulado pelo autor.

2.

Inconformada, a R. apelou da decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, pelo Acórdão prolatado a fls. 230-253 dos Autos, julgou improcedente o recurso, com um voto de vencido.

É dessa deliberação que, ainda irresignada, a R. vem pedir Revista, terminando a respectiva alegação com as seguintes conclusões:

1 - Consagra o art. 1.º da LCT e 1152.º do C.C. (onde se define o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta) e o art. 1154.º do C.C. (onde se dá a noção de contrato de prestação de serviço: “aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição”).

2 - Atento os factos provados sob os itens 15, 46, 47, 48, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62, tal factualidade afasta decisivamente a qualificação do contrato, celebrado entre a A. e a Ré como de trabalho.

3 - A doutrina e jurisprudência têm-se debruçado, abundantemente, sobre a distinção entre o contrato de trabalho e contrato de prestação de serviço, definindo critérios que hão-de ajudar a estabelecer tal distinção.

4 - Deram-se como factos provados que o Autor tinha total autonomia técnica e científica na execução das tarefas que a Ré lhe incumbia, não cumpria horário de trabalho, ausentava-se quando queria e como queria, sem dar explicações a ninguém; o Autor não estava sujeito ao controle de assiduidade, a sua ausência ao serviço não implicava para o Autor qualquer medida sancionatória, não o sujeitavam ao poder disciplinar da Ré.

5 - A Ré provou indícios suficientemente fortes de molde a caracterizar, com segurança, que a relação contratual celebrada com o Autor integra um contrato de prestação de serviço como nos é definido pelo art. 1154.º do Cód. Civil.

6 - No caso dos autos não existe a subordinação jurídica, "pedra de toque" diferenciador do contrato de trabalho do de prestação de serviço: os elementos apurados apontam para a sua não existência, nomeadamente, a não vinculação a horário de trabalho, o não recebimento das férias (o Autor recebeu sempre 12 meses por ano), o não recebimento de subsídios de férias e de Natal, a prestação de actividade em regime de não exclusividade, a não inscrição do Autor na Segurança Social; o Autor sempre esteve colectado como trabalhador independente, percebendo a recibo verde; o não constar do quadro de pessoal, nem do mapa de férias... e ainda os termos do escrito do contrato celebrado.

7 - Resulta ainda provado, elemento não despiciendo para caracterizar a relação contratual celebrada entre o Autor e a Ré, que no caso dos autos também não existia a subordinação económica: o Autor não estava economicamente dependente da Ré, não carecia dos rendimentos do trabalho prestado à Ré para satisfazer as suas necessidades quotidianas.

8 - É também entendimento da doutrina e jurisprudência que, na subordinação jurídica e económica, esta dupla anda, em regra, a par, cumulando o trabalhador a condição de sujeito juridicamente subordinado e economicamente dependente, não se devendo ignorar esta tendencial tendência.

9 - Encontra-se provado que o Autor desenvolvia, paralelamente à desenvolvida para Ré, intensa actividade profissional para terceiros (era perito avaliador e engenheiro civil) nomeadamente para a BB, S.A., (em áreas relacionadas com a instrução e avaliação de prédios a expropriar) para a ... - CC, S.A., para o IPPAR - Instituto Português do Património Arquitectónico e para o Tribunal da Relação de Coimbra (como perito nos processos de expropriação litigiosa) e judicial da Comarca de Viseu e várias outras entidades identificadas através do número de contribuinte fiscal constantes das declarações de IRS dos anos de 2005, 2006 e 2007, juntas aos Autos pelo Autor.

10 - A intensa actividade profissional desenvolvida pelo Autor como engenheiro civil, com gabinete próprio de engenharia e como perito avaliador, não lhe permitia trabalhar em regime de exclusividade para a Ré, tendo o seu tempo quase todo absorvido nas deslocações aos locais a expropriar, nas deslocações ao Porto e aos Tribunais, nas deslocações aos julgamentos, na elaboração de autos de medição e relatórios periciais.

11 - Nas declarações de IRS, provenientes do exercício profissional, o Autor declarou de rendimentos:

•    No ano de 2005, a quantia de € 109.355,63, processada por 6 entidades;

•    No ano de 2006, a quantia de € 191.783,23, processada por 9 entidades.

•    No ano de 2007, a quantia de € 98.874,50, paga por 5 entidades.

12 - A declaração de IRS comprova os rendimentos anualmente auferidos e declarados pelo Autor ao Fisco, os serviços a quem foram prestados, os montantes de IRS retidos, e comprova também a situação profissional do Autor, colectado como trabalhador independente, a recibo verde.

13 - Ante este quadro fáctico, afigura-se à Ré que não se fez uma correcta análise dos factos e adequado enquadramento legal ao concluir que a relação contratual celebrada entre o Autor e a Ré tipifica um contrato de trabalho.

14 - Globalmente analisados e ponderados os indícios, estes são insuficientes em ordem a convencer da existência de subordinação jurídica, sendo que o douto acórdão se fundamenta em meros juízos conclusivos.

15 - Resumindo, da análise conjugada destes elementos "uma vez que não podem ser apreciados isoladamente, como se retira do Acórdão do STJ de 23.01.2008 relativo ao processo 07S3667, e do Acórdão do STJ de 17.10.2007 relativo ao processo 07S2187 (www.dgsi.pt), e atendendo à situação concreta em análise, a qualificação jurídica do contrato estabelecida entre as partes não pode deixar de ser a de prestação de serviço".

16 - Assim, entende a Recorrente que, ao decidir como decidiu, o Tribunal "a quo" interpretou e aplicou incorrectamente as normas substantivas relativas ao contrato de trabalho, nomeadamente o disposto nos artigos 10.º e 12.º do Código do Trabalho, 405.º, 1052.º e 1057.º do Código Civil, ao considerar ter existido um contrato de trabalho entre as partes, pois tal qualificação foi feita sem se efectuar prova bastante de estarem reunidos os elementos necessários para tanto, atendendo ao caso em concreto.

19 - Desta forma, o Acórdão do Tribunal "a quo" deve ser revogado.

Termina perorando que o recurso seja julgado procedente e em consequência ser revogada a decisão e substituída por outra onde se absolva a Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor.

                                           __

O recorrido contra-alegou concluindo, por sua vez:

- Os factos provados dão sentido ao entendimento de que o Recorrido fazia parte integrante da estrutura organizativa da Recorrente;

- Os factos provados demonstram, sem margem para dúvidas, que a Recorrente dispôs, ao longo dos anos, como lhe conveio, do tempo de trabalho, das suas capacidades e dos conhecimentos do Recorrido em seu benefício, atribuindo-lhe as funções mais díspares, a maior parte das quais nada tinham a ver com a sua formação académica de base;

- Sopesados os factos provados, os Senhores Juízes concluíram pela existência de subordinação jurídica do Recorrido em relação à Recorrente, logo pela existência de um contrato de trabalho;

- A Recorrente sobrevaloriza alguns aspectos, mas não olha para os factos no seu todo;

- Nas decisões anteriormente proferidas no processo foi feita correcta apreciação dos factos e a solução jurídica está de acordo com aquilo que a lei determina, pelo deverá ser mantida, como é de Justiça.

                                           __

Já neste Supremo Tribunal a Exm.ª Procurador-Geral Adjunto tomou posição, emitindo proficiente ‘parecer’ em que, sopesando globalmente a factualidade descrita, a que se reporta, propendeu no sentido de que os indícios enunciados apontam para a existência de uma relação de tipo laboral.

Disso notificadas as partes, não foi oferecida qualquer resposta.

Corridos os vistos devidos, cumpre analisar, ponderar e decidir.

                                           _

3.

A única questão suscitada consiste em determinar qual a natureza jurídica do vínculo contratual estabelecido entre as partes: contrato de trabalho ou contrato de prestação de serviço.

Tudo visto.

                                           II –

                             Dos Fundamentos.

A – De Facto.

Vem dada como provada, das Instâncias, a seguinte factualidade:

1 - A Ré é uma Instituição Particular de Solidariedade Social, que tem como actividade principal a prestação de cuidados ao nível da infância e da terceira idade.

2 - O Autor esteve ao serviço da Ré desde 1 de Janeiro de 1988 sendo então Provedor o Sr. Eng. DD.

3 - Para formalizar o acordo a que o Autor e a Ré chegaram, foi assinado, no dia 2 de Fevereiro de 1988, um contrato que denominaram de contrato de prestação de serviços, conforme documento de fls. 23 a 25, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4 - Na sequência de tal contrato o Autor passou a desempenhar para a Ré as funções que constam da Cl.ª 1.ª de tal contrato, que aqui se dá por reproduzida.

5 - O Autor manteve-se ininterruptamente ao serviço da Ré, desde 1 de Janeiro de 1988 até 30 de Março de 2009.

6 - A relação profissional do Autor com a Ré evoluiu e esta, com o passar dos anos, solicitou ao Autor cada vez mais apoio, que passou a abarcar outras áreas do conhecimento que não só as da engenharia.

7 - A partir de 1993, e até à cessação do contrato, por vontade do Sr. Provedor, Dr. EE, e por deliberação da Mesa Administrativa, o Autor passou a desempenhar as funções de Director-Geral, e como tal reconhecido interna e externamente.

8 - Ao Autor foi atribuído um gabinete de trabalho na sede da Ré, onde aquele passou a desempenhar as suas funções, fazendo uso dos equipamentos que para o feito ali foram instalados pela Ré.

9 - Na senda do aprofundamento das relações, no dia 1 de Janeiro de 1999 foi celebrado novo contrato, denominado de contrato de prestação de serviços, nos termos do documento de fls. 26 a 28, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

10 - Neste contrato ficou a constar na cláusula 2.ª que o Autor exerceria a sua actividade nas áreas administrativa, financeira e obras da Santa Casa da Misericórdia, competindo-lhe, nomeadamente:

- Optimização dos recursos humanos;

- Avaliação da situação financeira;

- Supervisão dos custos e garantia da utilização racional dos recursos;

- Estudo, organização e métodos que visem uma melhor gestão dos meios e recursos existentes;

- Estudos, pareceres de construção civil e pequenos projectos que não necessitem de licenciamento camarário;

- Concepção e realização de planos de obras;

- Estimativas de custos e orçamentos;

- Planos de trabalho e especificações;

- Obtenção de aprovação dos planos junto dos serviços públicos;

- Coordenação e supervisão de operações, à medida que os trabalhos se executarem;

- Elaboração de processos que visem a obtenção de comparticipações ou subsídios;

- Informação periódica da Mesa, através da apreciação da gestão da Misericórdia e de relatórios adequados, sobre as várias áreas de actuação.

11 - Na data da celebração do contrato a remuneração mensal ilíquida foi estabelecida em 470.940$00.

12 - Mais ficou estabelecido que a remuneração do Autor seria actualizada anualmente em função da percentagem de aumento que fosse estabelecido para os restantes funcionários da Misericórdia, acrescida de 1%, conforme cláusula 6.ª de tal contrato.

13 - Foi estabelecido ainda que as funções contratadas seriam desempenhadas na sede da ora Ré, dentro do horário de funcionamento desta.

14 - O local de trabalho do Autor, por vontade da Ré, onde o Autor desempenhava as suas funções era na sede desta, pelo menos desde 1993.

15 - Desde 1993, o Autor passou a desempenhar as suas funções no horário de funcionamento dos serviços administrativos da Ré, pese embora, dada a sua categoria profissional, sempre tenha gozado de total liberdade de organização como se tivesse isenção de horário de trabalho, ainda que esta nunca tenha sido formalizada.

16 - A partir de 1993, a Ré atribuiu ao Autor um gabinete de trabalho no edifício onde funcionam os serviços administrativos da Ré, onde contactava com os demais trabalhadores ao serviço e onde era contactado, como qualquer outro profissional ao serviço da Ré, pelas pessoas que consigo queriam falar.

17 - A partir de 1993, dadas as funções Director Geral, o Autor estava perfeitamente integrado na estrutura organizativa da Ré.

18 - As pessoas que consigo queriam falar dirigiam-se aos serviços administrativos da Ré e pediam para falar com o Autor, da mesma forma que o faziam com qualquer outro quadro superior da Ré.

19 - O Autor dava instruções e ordens, por escrito ou verbalmente, pelo menos aos responsáveis das diversas valências da Ré, que promoviam o seu cumprimento, bem como frequentemente dava ordens directamente aos funcionários dos diversos serviços da Ré, que estes cumpriam, dada a autoridade de que o Autor, enquanto director geral, estava investido.

20 - Sempre que necessário, o Autor convocava reuniões com os responsáveis das diversas valências (Jardins infantis, Lares da Terceira Idade, Obras, etc.), nas quais eram tomadas decisões que estes cumpriam, ou faziam cumprir, dada a autoridade de que o Autor, enquanto Director Geral, estava investido.

21 - Enquanto a Ré deteve a posse e exploração do ‘Hotel ...’, o que aconteceu, entre os anos de 1996 e 1999, era este o responsável pela gestão da dita unidade hoteleira.

22 - Reunia regularmente com o Director do Hotel, a quem dava, directamente, todas as ordens e instruções que entendia necessárias, que este cumpria, ou fazia cumprir, dada a autoridade de que o Autor, enquanto Director Geral, estava investido.

23 - Quando se processou a transferência da exploração para a Ré, o Autor participou na renegociação com os trabalhadores das novas condições de trabalho, o mesmo acontecendo com as empresas de Leasing e ALD, nomeadamente no que se refere às condições de manutenção dos equipamentos.

24 - O Autor esteve inicialmente envolvido na transferência da Farmácia da Ré para o novo local, tendo estado como responsável pela gestão de tal farmácia pelo menos durante cerca de dois a quatro meses, tendo negociado a compra de equipamentos e negociado com os fornecedores todos os produtos, medicamentos e outros, bem como as condições de fornecimento e pagamento de tais produtos, tendo deixado de o fazer após esse período.

25 - No exercício das funções que lhes estavam definidas, o Autor fez parte de uma comissão com vista à análise e compra do mobiliário para a abertura da residência Rainha ..., propriedade da Ré.

26 - Enquanto esteve ao serviço da Ré, o Autor procedeu ao longo dos anos à renegociação dos contratos com os diversos fornecedores da Ré, no que se refere a produtos alimentares e consumíveis destinados às diversas valências, com maior relevância financeira, procurando desta forma obter melhores preços e condições de fornecimento e pagamento.

27 - Genericamente, o Autor tomava decisões sobre todas as questões das áreas que lhe estavam atribuídas.

28 - O Autor dava ordens aos responsáveis das diversas valências.

29 - O Autor, contrariamente aos demais trabalhadores da Ré, não tinha nenhum superior hierárquico, respondia apenas perante o Sr. Provedor.

30 - O Autor era possuidor de chave da porta principal da Sede/Serviços Administrativos Centrais da Misericórdia, de chave do portão de acesso ao estacionamento privado, de comando de abertura do automatismo de acesso ao estacionamento e de chave da farmácia da Misericórdia.

31 - O Autor possuía password de acesso registada no sistema de segurança da Ré, condição de acesso de que só gozavam 4 ou 5 pessoas do quadro de pessoal da Ré.

32 - Pelo menos desde o início de 2009 o Autor começou a ser confrontado verbalmente com algumas manifestações da parte de alguns responsáveis da Ré, que indiciavam a intenção de pôr termo à relação profissional do Autor, a coberto da redução da remuneração.

33 - O Autor manifestou verbalmente aos Membros da Mesa Administrativa a sua discordância, e, no dia 18 de Fevereiro de 2009, tendo em vista clarificar a situação, enviou à Ré uma carta, dirigida ao Sr. Provedor, dando-‑lhe conta da sua posição, conforme documento de fls. 29 a 30, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

34 - As funções que foram sendo atribuídas ao Autor na estrutura organizativa da Ré extravasavam já há muitos anos as habilitações académicas do Autor, pelo que, por fim, estavam já muito para além dos aspectos ligados à engenharia civil.

35 - O Autor era o responsável pela organização e funcionamento das várias valências da Ré, nomeadamente infância e terceira idade, nomeadamente em áreas que tinham a ver com a gestão de pessoas e equipamentos.

36 - A retribuição mensalmente paga ao Autor por parte da Ré foi sendo sucessivamente actualizada ao longo dos anos em que esteve ao serviço.

37 - A Ré procedia anualmente à actualização da remuneração do Autor e ao pagamento de retroactivos, de forma a que a retribuição fosse actualizada com efeitos a Janeiro de cada ano.

38 - O Autor auferiu mensalmente as seguintes quantias:

1999 – 2.349,04 € (470.940$00);

2000 – 2.489,98 € (499.196$00);

2001 – 2.626,93 € (526.652$00);

2002 – 2.752,00 €;

2003 – 2.828,00 €;

2004 – 2.913,00 €;

2005 – 3.015,00 €;

2006 – 3.168,00 €;

2007 – 3.217,00 €;

2008 – 3.348,00 €

2009 – 3.348,00 €.

39 - O Autor, nos anos de 1993 a 1998, auferiu retribuições que variaram mensalmente entre os 298.236$00 e os 470.940$00.

40 - O Autor, ao longo dos anos, desempenhou funções de direcção ou chefia na estrutura orgânica da Ré.

41 - O mobiliário, equipamentos, instrumentos de trabalho e consumíveis utilizados pelo Autor na sua actividade eram propriedade da Ré.

42 - O Autor gozava férias anualmente, durante pelo menos um mês, e todos os anos lhe eram pagas 12 remunerações mensais, ou seja o próprio mês em que o Autor não estava ao serviço.

43 - A Ré, por carta de 12 de Março de 2009, comunicou ao Autor a denúncia do contrato a partir de 30 de Março do mesmo ano, conforme documento de fls. 31, cujo teor aqui se dá aqui como integralmente reproduzido.

44 - O Autor, na data aludida no n.º 43, auferia a retribuição mensal de € 3.348,00.

45 - A Ré, à data da comunicação aludida no nº 43, nada pagou ao Autor, nem sequer o trabalho prestado no próprio mês de Março.

46 - Entre 1993 e a data da comunicação aludida no n.º 43 nada foi pago ao Autor a título de subsídio de Natal.

47 - Os trabalhadores da Ré sempre auferiram, em Dezembro de cada ano, um Subsídio de Natal.

48 - A Ré também nada pagou ao Autor a título de Subsídio de Férias nos anos de 1993 e seguintes.

49 - No ano de 2009, o Autor já não chegou a gozar férias, na medida em que o contrato de trabalho cessou no final do mês de Março.

50 - O Autor, que é perito da lista oficial da lista oficial na área da sua formação profissional, para além das funções desempenhadas para a Ré e paralelamente com estas, efectuava serviços para outras entidades, nomeadamente para a “BB, SA” e o Tribunal da Relação de Coimbra, em áreas relacionadas com a instrução e avaliação de prédios a expropriar, factos que eram do conhecimento da Ré.

51 - O Autor deslocava-se, por vezes, à cidade do Porto, para executar os trabalhos da sua especialidade para a cliente ‘BB, S.A.’

52 - O Autor ausentava-se quando queria, por vezes sem dar explicações a ninguém.

53 - O Autor, no ano de 2007, declarou, na sua declaração anual de rendimentos, um rendimento líquido de € 94.874,56 proveniente do exercício da sua actividade profissional.

54 - O Autor tinha por vezes reuniões de trabalho com os colegas para a elaboração de peritagens solicitadas pelos Tribunais e por outras entidades, no seu gabinete de trabalho na sede da Ré.

55 - O Autor desempenhava as suas funções de acordo com o seu conhecimento e saber.

56 - O Autor não cumpria horário de trabalho fixo.

57 - Sempre que faltou, e foram algumas vezes, atenta a restante actividade desenvolvida pelo Autor, não lhe foram marcadas faltas injustificadas, nem a Ré desencadeou acção disciplinar.

58 - Ao serviço da Ré existem trabalhadores que outorgaram com a Ré contratos de trabalho subordinado, que constam no quadro de pessoal, nos mapas de férias, a quem são efectuados descontos para a Segurança Social, que cumprem horário de trabalho (com início e termo das suas funções), que gozam férias, que recebem o respectivo subsídio de férias e subsídio de Natal e que no final de cada mês assinam o recibo de salário correspondente ao salário que lhes é pago.

59 - A Ré tem também ao seu serviço outras pessoas, nomeadamente médicos, enfermeiros e advogado e o Autor, que celebraram contrato de prestação de serviços que no final do mês emitem o chamado recibo verde, os quais nunca constaram dos quadros de pessoal, nem do mapa de férias.

60 - O Autor, até à data da comunicação aludida em 33, não apresentou à Ré qualquer reclamação sobre as suas condições de trabalho, marcação de férias e seu gozo, nem pela falta de descontos para a Segurança Social relativamente às remunerações que a Ré efectuou ao Autor.

61 - O Autor é um cidadão habilitado com o curso superior em Engenharia Civil.

62 - O Autor até à data da comunicação aludida no nº 33 nunca reclamou da Ré o pagamento de férias, subsídio de férias e de Natal, nem por não constar no quadro de pessoal da Ré, nos mapas de férias, tendo sempre emitido e assinado recibos verdes.

                                           ___

As partes não impugnaram o quadro de facto assim estabelecido, pelo que, não se prefigurando qualquer das situações a que se reporta o n.º 3 do art. 729.º do C.P.C., é com base nele que se resolve a questão colocada no presente recurso.

                                            __

2 – Os Factos e o Direito.

Conhecendo.

Coincidiram as Instâncias no entendimento de que o vínculo jurídico em controvérsia se configura como uma relação de trabalho por conta de outrem.

Não fora o voto de vencido aposto no Acórdão sob protesto (fls. 253 dos Autos) e a decisão nele proclamada, que julgou improcedente a apelação, não teria sido admitida em revista, como resulta do preceituado n.º 3 do art. 721.º do C.P.C., com a redacção aportada pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, aqui aplicável.

Não convencida da bondade dos fundamentos que suportam a decisão em crise, argumenta a Recorrente, basicamente, que os factos provados – maxime os seleccionados sob os itens 15, 46, 47, 48 e 50 a 62 – afastam decisivamente a qualificação do contrato celebrado entre A. e R. como de trabalho, no pressuposto de que o A. tinha total autonomia técnica e científica na execução das tarefas que a R. lhe incumbira, não existindo subordinação jurídica, o elemento diferenciador das duas figuras contratuais em confronto.

Tudo visto, não devemos avançar sem deixar assinalado que a situação a dilucidar tem contornos de assumido melindre, demandando ponderada reflexão na eleição dos indícios/indicadores prevalecentes.

Ter-se-á alcançado, na deliberação revidenda, a solução consentânea?

É o que vamos verificar.

Na abordagem, tratamento e solução da temática equacionada, o Acórdão ora sub judicio expendeu a seguinte fundamentação jurídica (transcrevem-se os passos mais relevantes):

«Está em causa indagação sobre a qualificação do acordo celebrado, entre o autor e a ré, como contrato de trabalho, tal como defende o autor. Já a ré defende que o contrato em causa era um contrato de prestação de serviço.

Está em causa um período de vigência contratual entre 1993 e 30 de Março de 2009, como se analisou na sentença recorrida.

(…)

A questão tem de ser resolvida com base nos elementos apurados, interpretando os dados disponíveis a partir da vontade das partes, bem como a partir da execução e do desenvolvimento do acordo, verificando se, apesar de tudo, os dados relacionados com estes últimos aspectos (execução e desenvolvimento do contrato) estão em desconformidade com a vontade que tenha sido declarada.

O artigo 1152.º do Código Civil e o art. 1.º da referida LCT definem o contrato de trabalho como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

No caso concreto, os factos revelam que, em 1988, as partes celebraram um acordo escrito que denominaram “contrato de prestação de serviços”.

Mas a relação foi evoluindo (facto 6.) …

 A ré, com o passar dos anos, solicitou ao autor cada vez mais apoio, noutras áreas que não as estritamente relacionadas com a sua formação técnica (engenharia).

É assim que (factos 7. e 8.), a partir de 1993 e até à cessação do contrato, o autor passou a desempenhar as funções de Director Geral, e como tal reconhecido interna e externamente, sendo-lhe atribuído um gabinete de trabalho na sede da ré, onde passou a desempenhar as suas funções, fazendo uso dos equipamentos que para o feito ali foram instalados pela mesma ré.

 E (facto 9.), no dia 1 de Janeiro de 1999, foi mesmo celebrado novo contrato, também denominado de ‘contrato de prestação de serviços’.

Não importando a qualificação que as partes lhe deram (ou seja, o ‘nomen juris’ do contrato, já que o que importa é aquilo que ele, na realidade, juridicamente é, nos limites da lei, considerando o disposto nos artigos 405.º n.º 1 do Código Civil e 664.º do Código de Processo Civil), tais declarações contratuais poderiam, apesar de tudo, iluminar a indagação necessária à qualificação a fazer.

Mas devemos notar que no segundo contrato escrito é já referido, na cláusula 1.ª, que a ré admite o autor “ao seu serviço sendo atribuída a categoria de Eng. Civil”.

Ora, deve dizer-se que este tipo de cláusula, com a atribuição de categoria profissional, é característica dos contratos de trabalho, nos quais o trabalhador se submete à direcção de empregador, sendo este quem orienta a disponibilidade daquele para a actividade que organiza.

Como refere Menezes Cordeiro (‘Manual de Direito do Trabalho’) no confronto entre as figuras contrato de prestação de serviço e contrato de trabalho verificam-se duas diferenças essenciais: “na prestação de serviço trata-se de proporcionar certo resultado do trabalho, enquanto no trabalho se refere o prestar uma actividade; na prestação de serviços não há qualquer referência à “autoridade e direcção...” de outrem.”

Ou seja, no contrato de trabalho é a actividade do trabalhador que é adquirida pelo outro contratante que a organiza e dirige com vista à obtenção de um resultado para além do contrato. Ao invés, na prestação de serviço o que a outra parte adquire é o resultado de uma actividade (1154.º do Código Civil).

Todavia, é certo que, na medida em que toda a actividade conduz a um resultado, não é fácil discernir, muitas vezes, qual a natureza da prestação efectivamente adquirida.

Importa, pois, acentuar sempre a observação sobre os momentos da execução e do desenvolvimento do contrato.

Podemos afirmar, da matéria de facto provada, que o objecto da prestação era a actividade (facto 10.) nas áreas administrativa, financeira e obras da Santa Casa da Misericórdia, competindo ao autor, nomeadamente as seguintes funções: optimização dos recursos humanos; avaliação da situação financeira; supervisão dos custos e garantia da utilização racional dos recursos; estudo, organização e métodos que visem uma melhor gestão dos meios e recursos existentes; estudos, pareceres de construção civil e pequenos projectos que não necessitem de licenciamento camarário; concepção e realização de planos de obras; estimativas de custos e orçamentos; planos de trabalho e especificações; obtenção de aprovação dos planos junto dos serviços públicos; coordenação e supervisão de operações, à medida que os trabalhos se executarem; elaboração de processos que visem a obtenção de comparticipações ou subsídios; informação periódica da Mesa, através da apreciação da gestão da Misericórdia e de relatórios adequados, sobre as várias áreas de actuação.

Mas também as mais próximas de Director-Geral, que iam muito além daquelas, implicando que (facto 18.) as pessoas que consigo queriam falar dirigiam-se aos serviços administrativos da ré e pediam para falar com o autor da mesma forma que o faziam com qualquer outro quadro superior da ré, como as que se prendiam (facto 19.) com a emissão de instruções e ordens, por escrito ou verbalmente pelo menos aos responsáveis das diversas valências da ré, bem aos funcionários dos diversos serviços da ré “que estes cumpriam dada a autoridade de que o Autor, enquanto director geral estava investido”, com (facto 20.) a convocação de reuniões com os responsáveis das diversas valências (Jardins infantis, Lares da Terceira Idade, Obras, etc.), nas quais eram tomadas decisões que estes cumpriam, ou faziam cumprir, “dada a autoridade de que o Autor, enquanto Director Geral, estava investido”, com (factos 21., 22. e 23.) a responsabilidade pela gestão do Hotel ..., reunindo regularmente com o Director do Hotel a quem dava, directamente, todas as ordens e instruções que entendia necessárias, “que este cumpria, ou fazia cumprir, dada a autoridade de que o Autor, enquanto Director Geral, estava investido”, com (facto 24.) a gestão da Farmácia da ré, com (facto 26.) a renegociação dos contratos com os diversos fornecedores da ré, no que se refere a produtos alimentares e consumíveis destinados às diversas valências, com (facto 27.) as decisões sobre todas as questões das áreas que lhe estavam atribuídas, com a responsabilidade, em suma, pela organização e funcionamento das várias valências da ré, nomeadamente infância e terceira idade, em áreas que tinham a ver com a gestão de pessoas e equipamentos, designadamente (facto 35.).

É claro que importa observar se em tal actividade – uma vez que é o que nuclearmente caracteriza o contrato de trabalho – ocorria subordinação jurídica, traduzida no dever do trabalhador prestar a actividade segundo as ordens, direcção e fiscalização do empregador.

A subordinação jurídica, elemento identificador do contrato de trabalho, implica uma posição de supremacia do empregador e a correlativa posição de sujeição do trabalhador, cuja conduta está necessariamente dependente das ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem.

O empregador tem os poderes determinativo e conformativo da prestação de trabalho, quer atribuindo uma função geral ao trabalhador na empresa, quer determinando-lhe concretas operações executivas, correspondendo a esses poderes os poderes regulamentar e disciplinar.

Como se refere no Ac. do STJ de 19-05-2010, entre outros, (disponível em www.dgsi.pt, proc. 295/07.9TTPRT.S1), “a subordinação traduz-se na possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste, e deduz-se de factos indiciários, todos a apreciar em concreto e na sua interdependência, sendo os mais significativos: a sujeição do trabalhador a um horário de trabalho; o local de trabalho situar-se nas instalações do empregador ou onde ele determinar; existência de controlo do modo da prestação do trabalho; obediência às ordens e sujeição à disciplina imposta pelo empregador; propriedade dos instrumentos de trabalho por parte do empregador; retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês; exclusividade de prestação do trabalho a uma única entidade”.

Ora, tratando-se de funções de chefia ou de coordenação, é evidente que elas implicam uma prévia delegação da estrutura que dirige a organização, num quadro por ela definido, a tal “possibilidade de a entidade patronal orientar e dirigir a actividade laboral em si mesma e ou de dar instruções ao próprio trabalhador com vista à prossecução dos fins a atingir com a actividade deste”.

 Provou-se efectivamente que (facto 29.) o autor, não tendo nenhum superior hierárquico, respondia (apenas) perante o Provedor da ré.

Podemos constatar, pois, indiciariamente, a existência de verdadeira subordinação jurídica, consistindo esta em o empregador poder, de algum modo, orientar a actividade em si mesma.

Mas seguindo o método de busca tipológico acima referido (quando procedemos à transcrição do Ac. do STJ acima referido), verificamos que se retira da matéria de facto que o autor tinha uma aproximação a um verdadeiro horário de trabalho.

Ficou provado (factos 13. e 15.) que foi estabelecido entre as partes que as funções do autor seriam desempenhadas na sede da ré e dentro do horário de funcionamento desta e que, desde 1993, o autor passou a desempenhar as suas funções no horário de funcionamento dos serviços administrativos da ré, pese embora, dada a sua categoria profissional, sempre tenha gozado de total liberdade de organização como se tivesse isenção de horário de trabalho, ainda que esta nunca tenha sido formalizada.

Pelo que a circunstância de (facto 56.) não cumprir horário de trabalho fixo fica desvalorizada no que toca à organização do tempo de trabalho.

No que toca ao local do trabalho e instrumentos de trabalho, verificamos que ele utilizava os da ré, o que se traduz num indício muito relevante na busca da laboralidade de um contrato (factos 8., 13., 16. e 42.).

Por outro lado, provou-se que o autor não recebia subsídios de férias ou de Natal, como também é próprio do contrato de trabalho, nem estava abrangido por regime previdencial laboral.

E no que toca à remuneração, verificamos que o autor tinha uma remuneração estabelecida ao mês, portanto em função do tempo de trabalho, tinha a actualização do seu salário indexada ao aumento dos funcionários da ré (factos 12. e 37.) e anualmente gozava férias, durante pelo menos um mês, e todos os anos lhe eram pagas 12 remunerações mensais, ou seja, o próprio mês em que o autor não estava ao serviço (facto 42.).

 Factos que são indícios da laboralidade do contrato, porque são próprios do contrato de trabalho, ajustando-se menos à situação de contrato de prestação de serviço.

 É certo que se provou que ao autor não eram pagos subsídios de férias e de Natal. Mas esta circunstância, a nosso ver, não descaracteriza todos os outros índices, sobretudo tendo em conta a, apesar de tudo, elevada remuneração mensal do autor.

Também é certo que se provou que o autor se ausentava quando queria, por vezes sem dar explicações a ninguém e sempre que faltou, e foram algumas vezes atenta a restante actividade desenvolvida pelo autor, não lhe foram marcadas faltas injustificadas, nem a Ré desencadeou acção disciplinar (facto 52. e 57.).

Mas tendo em conta a latitude de cumprimento de horários de trabalho que é normalmente dada, nos contratos de trabalho, a trabalhadores com posições de topo nas organizações, este facto (…não) leva a afastar a laboralidade do contrato, sendo antes de considerar com normalidade, perante o concreto desempenho funcional na relação contratual.

A apelante sustenta ainda que deve atender-se, a favor da sua posição, que a prestação de actividade do autor era em regime de não exclusividade e que não existia subordinação económica, no sentido que o autor não estava economicamente dependente da ré para satisfazer as suas necessidades quotidianas.

É certo que é um indício normal nos contratos de trabalho o que se relaciona com a dependência económica do trabalhador em relação ao empregador.

 Não está provado que o autor dependia em exclusivo, economicamente, da ré.

 Está até provado que (factos 50. e 51.) o autor, que é perito da lista oficial na área da sua formação profissional, para além das funções desempenhadas para a Ré e paralelamente com estas, efectuava serviços para outras entidades, nomeadamente para a “BB, SA” e para o Tribunal da Relação de Coimbra, em áreas relacionadas com a instrução e avaliação de prédios a expropriar, deslocando-se por vezes à cidade do Porto para executar os trabalhos da sua especialidade para a cliente BB, S.A.

 E também está provado que (facto 53.) o autor, no ano de 2007, declarou, na sua declaração anual de rendimentos, um rendimento líquido de € 94.874,56 proveniente do exercício da sua actividade profissional, o que é mais do dobro do que aquilo que auferiu pela actividade na ré.

Entendemos, contudo, que essa situação não desvaloriza a força dos demais índices de laboralidade.

A exclusividade não é essencial para a caracterização de um contrato como contrato de trabalho, sendo apenas um indício, como se disse, e a actividade para terceiros não parece ser mais do que a prestação ocasional de serviços solicitados/encomendados.

Por outro lado, os rendimentos declarados no ano de 2007 referem-se apenas a um único ano, sendo que a relação das partes se estendeu por mais de quinze anos.

 O valor da remuneração do autor ao serviço da ré era – já o dissemos – elevado, dentro dos valores pagos a um quadro de topo na média nacional, pelo que podemos concluir que seria uma importante fonte de rendimento do autor, como tal fonte de dependência económica.

Também desvalorizamos, para a apreciação do caso, a circunstância do autor estar colectado como trabalhador independente e não constar do quadro de pessoal da ré. Como se disse na sentença recorrida, tal circunstancialismo era apenas “consentâneo com os contratos que foram celebrados nos termos da denominação que lhe foi dada”.

Ou seja, concluímos que se manifestam no caso fortes indícios de laboralidade do contrato mantido entre as partes, suficientemente consistentes para se afirmar que tal contrato se deve qualificar como contrato de trabalho, ao contrário do que defende a apelante.»

                                                                       __

Tudo revisto e ponderado, não podemos deixar de secundar as considerações transcritas, que reflectem uma adequada e criteriosa interpretação dos elementos de facto relevantes, com eleição, a final, da solução que se tem por acertada.

Reforçando a sóbria fundamentação averbada à análise dos indicadores mais significativos, constante da detalhada explanação que vimos de compulsar, aditaremos apenas as notas que vão no seguimento, (evitando tanto quanto possível a redundância), assente que ao identificado quadro normativo de subsunção nada há a acrescentar.

Como escrevemos no Acórdão de 4 de Maio de 2011, tirado na Revista n.º 3304706.5TTLSB.L1.S1, e mais recentemente no Acórdão de 8 de Maio de 2012, in Revista n.º 539/09.2TTALM.L1.S1, resumindo o que é afinal consabido e pacificamente reiterado nas deliberações deste Supremo Tribunal e Secção, a distinção entre as duas figuras típicas dilemáticas assenta em dois elementos essenciais: o objecto, por um lado, e o tipo de relacionamento entre os outorgantes, por outro.

Assim, em tese, o contrato de trabalho tem como objecto a prestação de uma actividade e, como elemento diferenciador específico, a subordinação jurídica do trabalhador, materializada no poder do empregador de conformar a prestação contratada, mediante ordens, instruções ou directivas.

(O binómio domínio do empregador/subordinação do trabalhador constitui a moldura típica do desenvolvimento do vínculo laboral e evidencia o conteúdo complexo da posição jurídica de cada uma das partes nessa relação, nas expressivas palavras de Maria do Rosário Palma Ramalho, ‘Direito do Trabalho’, parte II, 3.ª Edição, pg. 32).

No contrato de prestação de serviço, pelo contrário, o devedor/prestador compromete-se à realização ou obtenção de um resultado, que alcança por si, sem interferência, sujeição a instruções ou direcção de execução da outra parte.

No primeiro (contrato de trabalho), existe uma relação intersubjectiva de subordinação; no segundo, de autonomia.

Todavia, a dinâmica da vida, também reflectida no domínio contratual[1] (onde pontifica o princípio da liberdade negocial, por via do qual é conferida às partes autonomia para conformarem as suas relações contratuais, induzindo a que, quando isso não seja expressa e claramente assumido, e haja que o determinar, se tenha de surpreender ao que realmente quiseram os outorgantes vincular-se, com vista à identificação do regime aplicável à actividade que uma pessoa presta a outra), adensa, em muitas circunstâncias, a dificuldade em concretizar os elementos que permitam a ‘arrumação’, directa e segura, desta ou daquela situação de facto numa ou noutra das faladas hipóteses legais, concretamente por não ser fácil, em tantos casos, alcançar o que quiseram as partes e, concretamente, se/e como se manifesta o átimo diferenciador dos dois institutos, a subordinação jurídica, que aqui buscamos.

Não constituindo os dois dilemáticos institutos tipos contratuais puros, (podendo partilhar reciprocamente, em maior ou menor medida, algumas das suas características), há situações de facto cuja hibridez torna ainda mais complexa, como no caso, a operação de identificação do quid que os distingue.

Porém, se tal desiderato se não alcança directamente pelo método subsuntivo, há-de atingir-se com o recurso a juízos de aproximação, viabilizados pelo chamado método tipológico, recolhendo, conferindo e interpretando os indícios susceptíveis de permitirem, casuisticamente, uma indagação de comportamentos em conformidade.

Nos casos-limite é prática jurisprudencial aceite – reflectindo as indicações da doutrina mais qualificada nesse sentido – a de, na implementação do referido método, perseguir os chamados indícios negociais internos e externos[2], sem esquecer que cada indício tem um valor relativo, prevalecendo o que conjugadamente resulte preponderante num juízo final de globalidade.

Foi essa a realizada operação, que analisámos circunstanciadamente, e que – interpretando bem a normatividade pressuposta, como também a entendemos – não suscita censura.

Soçobram, por isso, necessariamente, os argumentos aduzidos, em contrário, pela Recorrente – sem menoscabo, naturalmente, pela patente empenho manifestado na sua contraposição.

Com efeito – referimo-nos, na sequência, e esquematicamente, apenas às razões maiores que vêm por si esgrimidas, em reedição, ancoradas genericamente nos pontos de facto elencados na conclusão 2.ª do respectivo rol, porque o essencial se mostra já dito – sempre se (re)lembra, por exemplo o que consta precisamente no item 15.º da FF[3], (de que a Recorrente lança mão e que não abonaria, desde logo, a consistência da sua tese): …desde 1993 o A. passou a desempenhar as suas funções no horário de funcionamento dos serviços administrativos da Ré, pese embora, dada a sua categoria profissional, sempre tenha gozado de total liberdade de organização, liberdade de movimentos essa que funcionava …como se o mesmo tivesse isenção de horário de trabalho, ainda que esta nunca tenha sido formalizada.

E também se dirá, como acima se adiantou, que não são as demais circunstâncias de facto convocadas pela Recorrente – todas elas analisadas e sopesadas no proferido juízo de globalidade – que bastam para, no balanço, fazer prevalecer a pretendida autonomia da prestação.

Assim, não o é a alegada circunstância de nada ter sido pago ao A. a título de subsídios de Natal ou de férias – assente, não obstante, que gozava um mês de férias, recebendo a retribuição correspondente;

Nem o facto de ter realizado outras actividades, paralelamente, em intervenções que, além do mais, tanto quanto se percebe, seriam avulsas/não regulares, embora rentáveis (o A. começou a trabalhar para a R. em 1988 e, ainda assim, ao longo dos 20 anos por que perdurou a relação, só há notícia de ganhos na actividade desenvolvida fora da R. no ano de 2007 (…) – cfr. item 53 da FF), sabido que, como também se deixou consignado no Acórdão sub judicio, a exclusividade e dependência económica, sendo indícios da existência de uma relação de trabalho subordinado, não são essenciais à sua caracterização;

 Como não o é, sem mais – e por óbvias razões, avivando o referido teor do item 15.º… – o facto de as respectivas ausências/faltas não terem sido dadas como injustificadas pela R., que por isso não desencadeou qualquer acção disciplinar;

Nem ainda o facto de não constar do quadro de pessoal, (havendo trabalhadores regularmente vinculados por contrato de trabalho e outros servidores que celebraram com a R. contratos de prestação de serviço);

E, menos, por fim, que o A. nunca antes tenha reclamado das suas condições de trabalho, marcação de férias e seu gozo, etc.

Não são essas circunstâncias que, repetimos, descontextualizadas do conjunto das demais, sobrelevam na pretendida caracterização do convénio como um típico contrato de prestação de serviço, concretamente por não significarem, como se pretendeu, uma segura inexistência de subordinação jurídica.

Quanto a esta, é determinante considerar e reter o seguinte.

Por mais difusa que seja a manifestação da autoridade, do poder dominial do empregador, nas suas diversas manifestações[4] – com o reverso, a correspondente subordinação jurídica – daí não decorre, e menos necessariamente, que, mesmo sendo meramente potencial, o mesmo não exista.

Se, por exemplo, no que tange ao exercício prático do poder conformativo da prestação, o seu âmbito e intensidade são muito variáveis, por contenderem com a maior ou menor (in)dependência técnica/científica do trabalhador, como refere Monteiro Fernandes (ibidem, pg. 263), o mesmo se diga relativamente ao exercício do poder disciplinar: quanto maior for a relação de proximidade/identidade com o empregador, enquanto consequência da efectiva delegação de poderes (ao A. foram cometidas as funções de Director Geral da Ré, com a amplitude das funções acima descritas, passando a estar integrado na estrutura organizativa da mesma a partir de 1993, como factualizado em 17. da FF), menos tangível se torna a autoridade e direcção patronal, sem embargo de reacção disciplinar sempre que a conduta, em situações-limite, redunde em incumprimento contratual ou se revele desconforme com as ordens, instruções e regras fundamentais do funcionamento da empresa.

Discorrendo sobre o conceito de subordinação (jurídica), construída pela doutrina como um estado de heterodeterminação em que o prestador do trabalho se coloca, sustenta o Autor citado[5] que…nem assim fica o julgador munido de instrumentos suficientes e seguros para a qualificação do caso concreto.

Usando ainda as suas palavras, basta pensar que, em geral, a ‘autoridade e direcção’ do empregador se apresentam como meros elementos potenciais; a verificação da sua existência traduz-se, empiricamente, num juízo de possibilidade e não de realidade. E nos casos em que a autonomia técnica se tenha por intocável, mais difusa ainda se torna a viabilidade de um tal juízo. Neste plano, a subordinação é um conceito-tipo que se determina por um conjunto de características.

No mesmo sentido vão as desenvolvidas reflexões constantes da anotação ao art. 1.º da LCT, in ‘Comentário às Leis do Trabalho’, Vol. I, Lex, da autoria de Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e A. Nunes de Carvalho, cuja pertinência e actualidade se mantêm:

‘Para caracterizar uma situação laboral como de trabalho subordinado é fundamental a existência da faculdade patronal de orientar e dirigir o cumprimento do débito laboral. Esta faculdade está sempre presente, pode a todo o tempo ser exercida, determinando uma inflexão no modo de realização da prestação, mas permanece, naturalmente, como virtualidade, como possibilidade. Assim, indagar se a situação é de trabalho subordinado corresponde a procurar pela existência desta faculdade…que pode subsistir sem que seja actuada’. (Enfatizámos).

Ante a factualizada evolução na execução do contrato, a que nos reportamos, com a extensão da actividade inicialmente contratada a culminar com a atribuição, a partir de 1993, das funções (de chefia e coordenação) próprias da categoria de Director Geral, o A. passou a responder apenas perante o Provedor da Ré.

Não se diga que tal quadro exclui a pressuposta subordinação jurídica, na dilucidada dimensão.

Pelo contrário. Tratando-se de funções ao mais alto nível, em estrutura empresarial/organizativa do credor da prestação, o seu exercício não pode deixar de estar sempre, ao menos potencialmente, dependente da faculdade do empregador de lhe imprimir, se assim o entender, um sentido diverso, em função da prossecução dos seus objectivos.

É patente a existência dessa falada faculdade, mesmo que não visivelmente actuada.

À difusa presença do poder/autoridade do empregador corresponde a reversa subordinação jurídica, tudo como bem se ponderou na fundamentação do Acórdão revidendo.

                                           ___

Crendo tudo ter tratado, do essencial, vamos terminar.

Ante o que vem de ser dito, soçobram necessariamente as razões que enformam as asserções conclusivas da motivação do recurso.

                                                         __

                                           III –

                                     DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar a Revista, confirmando o Acórdão recorrido.

As custas seriam devidas pela R., que beneficia de isenção subjectiva.

                                           __

Anexa-se sumário.

(Art. 713.º/7 do C.P.C.)

                                           ***

Lisboa, 12 de Setembro de 2012

Fernandes da Silva (Relator)

Gonçalves Rocha

Leones Dantas

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[1] - Acompanhando a reflexão do Prof. Pedro Romano Martinez (‘Direito do Trabalho’, 2.ª edição, Almedina, pg. 292-294), invocada, a propósito, pelo Exm.º Procurador-Geral Adjunto (Tribunal da Relação de Coimbra) no Parecer a fls. 221-222.
[2] - Vide o Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, de 9.2.2012, na Revista n.º 2178/07.3TTLSB.L1.S1.
[3]  - FF = Fundamentação de Facto.
[4]  - Segundo Monteiro Fernandes (‘Direito do Trabalho’, 13.ª Edição, pg. 261), a situação subsequente à celebração de um contrato de trabalho permite identificar quatro vectores da posição jurídica do empregador: um poder determinativo da função; um poder conformativo da prestação; um poder regulamentar e um poder disciplinar.
[5] - Na 10.ª Edição da sua obra, pgs. 131-132, pensamento que mantém na 13.ª Edição da mesma, a pgs. 146.