Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
376/10.1TBLNH.L1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: CATARINA SERRA
Descritores: POSSE
CORPUS
ANIMUS
DETENÇÃO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
Data do Acordão: 01/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS COISAS / POSSE / CONSERVAÇÃO DA POSSE.
Doutrina:
- Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 336;
- Manuel Rodrigues, A posse, Estudo de Direito Civil português, Coimbra, Coimbra Editora, 1940, p. 199 e ss.;
- Oliveira Ascensão, Direito Civil , Reais, Coimbra, Coimbra Editora, 1993,5.ª Edição, p. 84 e 90;
- Orlando de Carvalho, Introdução à posse, Revista de Legislação e de Jurisprudência, 1989, n.º 3780, p. 68;
- Rui Mascarenhas Ataíde, Sobre a distinção entre posse e detenção, Revista da Ordem dos Advogados, 2015, V.. I / II, p. 79 e 80;
- Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Parede, Principia, 2013,3.ª Edição, p. 324 e 326;
- Luís Filipe Pires de Sousa,Prova por presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013, 2.ª Edição;
- Pires de Lima, Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 8 e 32.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO1257.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 30-06-2011, PROCESSO N.º 6450/05.9TBSXL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-11-2013, PROCESSO N.º 74/07.3TCGMR.G1.S1;
- DE 29-01-2014, PROCESSO N.º 208/06.5TBARC.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-07-2016, PROCESSO N.º 377/09.2TBACB,L1.S1.
Sumário :

I. Tradicionalmente, o instituto da posse caracteriza-se pela existência de dois elementos: o corpus (elemento objectivo) e o animus (elemento subjectivo), existindo, não obstante, divergências quanto ao que deve entender-se por cada uma destas noções.

II. A noção de corpus que parece mais adequada em face do artigo 1257.º, n.º 1, do CC é a que exige que, mais do que a “materialidade”, a posse se manifeste enquanto “relação social” entre a pessoa e o bem.

III. Entendido o corpus naquela acepção, é inconcebível que uma temporária desligação material afecte ou, muito menos, desfaça a relação estabelecida ao longo do tempo entre o possuidor e a coisa.

IV. As presunções judiciais constituem um instrumento idóneo para provar certos factos – os factos de natureza psicológica que, por esta sua natureza, é especialmente difícil serem provados por outros meios, como acontece, justamente, quanto ao animus da posse.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA


I. RELATÓRIO

Recorrentes: AA e BB

Recorridos: CC e DD

AA e BB instauraram acção declarativa com processo sumário em 15.06.2010 contra CC, pedindo:

a) Ser declarado e a R condenada a reconhecer o direito de propriedade dos AA sobre o prédio urbano, aludido nos arts. 1º a 5º deste articulado, livre de quaisquer ónus ou encargos;

b) Ser a R condenada a abster-se da prática de qualquer acto que afecte o direito de propriedade dos AA sobre tal prédio ou que afecte ou diminua o seu gozo;

c) Ser a R condenada a restituir /entregar aos AA, livre e devoluto de pessoas e bens, o prédio urbano aludido nos arts. 1º a 5º deste articulado;

d) Ser a R condenada a pagar aos AA uma indemnização no montante de 30.000,00 € relativa ao prejuízo que lhes causou pela ocupação abusiva e com a respectiva privação do seu uso nos últimos 5 anos, acrescida dos juros legais contados a partir da citação da R até efectivo e integral pagamento;

e) Ser a R condenada a pagar aos AA a quantia de 500,00 € por cada mês que decorrer desde apresente data até à entrega, livre e devoluta de pessoas e bens do mesmo prédio urbano, acrescida dos juros legais que se vencerem, em relação a cada uma das referidas quantias, a contar a partir do último dia da cada mês que sobrevier até efectivo e integral pagamento”.

A Ré contestou e reconveio, pedindo o reconhecimento do seu direito a ser indemnizada pelo valor das benfeitorias e ainda que adquiriu o prédio por usucapião, bem como a condenação dos autores por litigância de má fé.

Os autores responderam, reiterando que desconhecem a que título vem a Ré ocupando o prédio e pugnaram pela improcedência da reconvenção.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, em 19.11.2017, foi proferida sentença (fls. 690 dos autos) em que se “julga a acção parcialmente procedente e improcedente a reconvenção e, em consequência:

a) Se condenam os RR. a reconhecer o direito de propriedade dos AA. sobre o prédio urbano, situado em ..., composto de casa de habitação de r/c e 1º andar, com 95 m2, de pendência, com 61 m2, e logradouro com 460 m2, descrito sob o nº....da freguesia da … na Conservatória do Registo Predial da …;

b) Se condena a R. a restituir aos AA. o prédio indicado em a);

c) Se absolve a R. do mais peticionado;

d) Se absolvem os AA. do pedido reconvencional;

e) Não se condenam os AA. por litigância de má-fé;

f) Se condena R. no pagamento das custas, tendo em conta que, conforme resulta do despacho de fls. 157 (refª. 986050), o valor da pretensão indemnizatória aduzida pelos AA, não foi considerado para efeitos de fixação do valor da acção/ causa”.

Inconformada, apelou a Ré para o Tribunal da Relação de Lisboa, pugnando pela anulação da parte da sentença do tribunal a quo em que havia improcedido o seu pedido reconvencional, absolvendo os Autores de reconhecerem a aquisição por usucapião, a seu favor, do prédio em causa, substituindo-a por acórdão que condenasse os Autores a reconhecerem a aquisição por usucapião, a seu favor, do prédio em causa.

O Tribunal da Relação de Lisboa, decidiu, em Acórdão de 10.05.2018 (fls. 732 dos autos):

1 - julgar improcedente a acção absolvendo-se a apelada dos pedidos formulados na petição inicial;

2 - declarar que a apelante adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio urbano situado em ..., composto de casa de habitação de r/c e 1º andar, com 95 m2, de pendência, com 61 m2, e logradouro com 460 m2, descrito sob o nº....da freguesia da ... na Conservatória do Registo Predial da ...;

3 - manter o decidido na alínea e) do dispositivo da sentença recorrida;

4 - condenar os apelados nas custas, tendo em consideração o despacho de fls. 157 como referido na 2º parte da alínea f) do dispositivo da sentença recorrida”.

Irresignados, vieram, por seu turno, os Autores e Apelados interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela revogação do Acórdão recorrido e, consequentemente, pela improcedência do pedido reconvencional formulado pela reconvinte.

As conclusões das alegações dos Recorrentes são as seguintes:

“1.ª: A R aceitou a condenação da douta sentença proferida a reconhecer o direito de propriedade dos AA ora Recorrentes (al. a)), a restituir-lhes o prédio em causa nos presentes autos (al. b)), pois peticionou ao Venerando Tribunal da Relação apenas a anulação da decisão na parte em que improcedeu o pedido reconvencional (al. d)).

2.ª: No recurso de apelação interposto sobre matéria de direito a apelante não deu cumprimento ao estipulado no art. 639º nº 2 als. a) e b) do CPC, na medida em que não indicou as normas jurídicas violadas, nem apontou o sentido em que no seu entender tais normas deveriam ser interpretadas e a este respeito não se pronunciou o acórdão em recurso;

3.º: Considerando que o Tribunal a quo não conheceu questão que devia apreciar e conheceu de outras de que não podia tomar conhecimento, o acórdão recorrido encontra-se ferido de nulidade, que expressamente se invoca para todos os devidos e legais efeitos - art.s 615º, nº 1, al. d), 666º e 674º, nº 1, al. c), todos do CPC.

4.ª: Os AA. intentaram ação de reivindicação contra a R. invocando o seu direito de propriedade sobre o imóvel identificado em 1) dos factos provados (Podes transcrevê-los)[1].

5.ª: Beneficiavam da presunção derivada do registo - artº 7º do C. R. Predial.

6.ª: A R. reconveio, nos termos que se referiram no corpo destas alegações, alegando que estava na posse do imóvel desde 1980, e que entrou (ela e o marido) na mesma, após terem acordado com EE, com quem o ex-marido da reconvinte negociara a venda do imóvel e a quem os AA. concederam poderes para proceder à negociação e venda do imóvel, tendo-lhe entregado, após acordarem quanto à compra, a quantia de um milhão e duzentos e cinquenta mil escudos, não se tendo realizado a acordada escritura de compra e venda, por ter caducado a procuração que os AA. alegadamente haviam conferido ao referido EE, pedindo ao Tribunal que reconhecesse que adquirira o imóvel por usucapião.

7.ª: Além de ter resultado provado que « …» - factos provados de 19) -, dessa alegação da R. apenas se provou que «…» - factos provados de 10).

8.ª: Para fazer valer o seu direito, a R. invocou o “corpus” sobre o identificado prédio ao longo dos anos, mas não o “animus” em que baseia o seu pedido reconvencional.

9.ª: O Tribunal de 1ª Instância, com base na factualidade provada e na fundamentação acima transcrita, considerou, como não provado qualquer dos elementos, quer o objetivo (corpus), quer o subjetivo (animus) da posse.

10.ª: Por sua vez, o acórdão recorrido, com base na mesma factualidade, julgou procedente a reconvenção e reconheceu ter a recorrida adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre o imóvel, por ter entendido que dos factos provados resultava que os atos por ela praticados sobre o imóvel se mostravam preenchidos os referidos dois elementos da posse, recorrendo, no que respeita ao elemento psicológico, à presunção judicial (artº 349º do CC) e legal (artº 1252º, nº 2, do CC).

11.ª: No nosso entendimento, foi a decisão da 1ª Instância, que fez correta subsunção dos factos provados aos preceitos legais atinentes à posse e, como tal, deve ser repristinada por esse Colendo Tribunal.

12.ª: Efetivamente, apesar de a recorrida exercer sobre o imóvel o poder de facto a que aludem os factos provados de 12) a 18), esse poder de facto é o de mera detentora ou possuidora precária, desde logo porque o imóvel lhe foi entregue por quem não tinha poderes para dele dispor, já que os AA. são os titulares inscritos sobre o imóvel e eles não conferiram poderes a EE para negociar a venda do imóvel - factos provados de 1) e 19) -, o mesmo é dizer que ela não provou o elemento objetivo da posse.

13.ª: Assim sendo, os atos praticados pela recorrida sobre o imóvel, enquanto mera detentora ou possuidora precária, não poderiam levar a que ela adquirisse por usucapião, a propriedade do imóvel, a não ser que lograsse provar ter havido inversão do título de posse - artº 1290º do Código Civil -, o que nem sequer alegou, pelo que não podia, como não logrou, provar essa inversão.

14.ª: Mas, também falece o elemento subjetivo da posse, ou animus.

15.ª: Na verdade, tendo a recorrida alegado que «A Ré vem exercendo publicamente os direitos inerentes à propriedade, cuidando e zelando do imóvel» - artº 50º da contestação -, tal factualidade não consta dos factos provados, pois a mesma não os logrou provar, pelo contrário, demonstrou convictamente em sede de audiência de julgamento que sabia não ser a proprietária.

16.ª: Daí que, não provada tal factualidade, que foi submetida a discussão probatória, não podia o acórdão recorrido, com recurso a presunção judicial ao abrigo do disposto no art. 349º do Código Civil, considerar provado o animus possidendi, pois as aludidas presunções não constituem meios de prova, mas meros processos lógicos mentais ou afirmações formados em regras da experiência.

17.ª: É que se, submetida a discussão, o julgador dá como não provada determinada factualidade, como sucedeu no caso, é ilógico e contraditório tê-la como provada apenas com base em simples presunção com base nas regras da experiência.

18.ª: Por outro lado, a presunção constante do artº 1252º, nº 2, do Código Civil, apenas funciona em situações de dúvida.

19.ª: E, no caso, além de inexistir qualquer dúvida, já que, como se referiu, a recorrida não logrou provar sequer o que alegara no art. 50º da contestação, que exercia os direitos inerentes à propriedade, o citado art. 1252º, nº 2, ressalva o disposto no nº 2 do art. 1257º do Código Civil, que estabelece que “Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou”.

20.ª: O sentido útil desta ressalva legal é a de que a presunção em causa não poderá ser invocada quando se prove, como é nosso entendimento acima expresso, que a posse se iniciou como precária porque, então, por força daquele preceito, tem de se presumir que a posse continua como tal.

Sem prescindir,

21.ª: Ao contrário do entendimento seguido no acórdão recorrido, não se encontra provado, como se impunha para efeitos de reconhecer à R. a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre o imóvel, o decurso ininterrupto do prazo de vinte anos, que foi o considerado necessário para o efeito de ela usucapir, porque se estava perante posse de má fé, não titulada e não registada.

22.ª: Admitindo-se, mas não se concedendo, que a posse se iniciou em 1980, tendo a presente ação sido instaurada em 2010/06/15, pareceria, prima facie, que, à data da instauração da ação já havia decorrido o prazo de vinte anos.

23.ª: Mas, como se referiu, o prazo em causa deve decorrer de forma ininterrupta.

24.ª: Se cerca de 1990 a R deixou de residir na casa, apenas tendo regressado em 1991, o período de separação dos cônjuges configura perda da posse por abandono nos termos do art. 1267 nº 1 a) do Código Civil, não se aplicando o disposto no art. 318º nº 1 al. a), pelo que em 2010 não haviam ainda decorrido 20 anos.

Acresce que:

25.ª: Resultante de alegação da própria recorrida no art. 14º da contestação, que juntou certidão da Conservatória do Registo Predial relativa ao imóvel está provado que 'Por apresentação de 13.12.1989, entretanto caducada, foi registada em relação ao imóvel dito em 1) a pendência de uma acção movida por AA e BB contra DD e CC pedindo que 'os Réus reconheçam os autores como legítimos proprietários do prédio' e que 'Por apresentação de 13.6.1994, entretanto caducada, foi registada em relação ao imóvel dito em 1) a pendência de uma acção movida por AA e BB contra DD e CC pedindo que 'os réus reconheçam os autores como legítimos proprietários do prédio, abrirem mão dele e entregarem-nos aos autores' [factos provados factos de 8) e 9)].

26.ª: E tendo a própria recorrida juntado aos autos certidões das ações em causa, conforme supra alegado, delas resultando que a mesma foi devidamente citada, pois juntou procuração a favor de mandatário, apresentou contestação e juntou documentos, podendo as datas das citações ser obtidas mediante solicitação de certidão do Proc. nº 100/88 – ação sumária, que correu termos no Tribunal Judicial da ... e Proc. nº 146/94 – Ação ordinária, que correu termos no Circulo Judicial do Tribunal Judicial de Torres Vedras.

27.ª: Os factos constantes dessas certidões, não obstante não constarem dos factos provados, não podem deixar de ser atendidos na decisão, porque se trata de documentos autênticos, nos termos previstos no artº 607º, nº 4, do Código de Processo Civil, e não o foram no acórdão recorrido.

28.ª: Assim sendo, a citação da R. para os termos das referidas ações interrompeu todo o prazo decorrido até à citação, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo – art.s 326º e 327º do Código Civil, aplicáveis por força do art. 1292º do mesmo diploma legal -, o mesmo é dizer que não decorreu, nem antes, nem depois da instauração das ações, ininterruptamente o prazo de vinte anos indispensável à aquisição por usucapião, pela recorrida, do direito de propriedade do imóvel.

29.ª: Daí que, também por este fundamento, o acórdão recorrido não possa subsistir, devendo esse Colendo Tribunal proferir acórdão a julgar improcedente a reconvenção.

30.º: A decisão recorrida violou, entre outros, os art.s 326º, 327º, 1251º, 1252º, nº 2, 1253º, al. a), 1257º, nº 2, 1263º, al. a), 1268º, 1287º, 1290º, 1292º e 1296º do Código Civil, e os art.s 607º, nº 4 e 639º, nº 2 als. a) e b), do Código de Processo Civil”.

Tendo sido arguida a nulidade do Acórdão, a mesma foi apreciada, tendo os três Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa acordado, em conferência, em 20.09.2018, que era “ostensiva a falta de razão dos recorrentes na arguição da nulidade” e decidido mantido o Acórdão nos seus precisos termos (fls. 790 dos autos).


Sendo o objecto do recurso, para lá das questões de conhecimento oficioso, delimitado pelas conclusões do recorrente, as questões a decidir, in casu, são:

1.ª) se o Acórdão recorrido enferma da nulidade invocada nos termos dos artigos 615.º, nº 1, al. d), 666º e 674º, nº 1, al. c), todos do CPC; e

2.ª) se a Recorrida adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio.


                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

OS FACTOS

São os seguintes os factos que vêm provados no Acórdão recorrido:

1) Na Conservatória do Registo Predial da ..., por apresentação de 11.12.1974, está inscrita a aquisição, por compra, a favor de AA e BB do prédio urbano, situado em ..., composto de casa de habitação de r/c e 1º andar, com 95 m2, de pendência, com 61 m2, e logradouro com 460 m2, a confrontar do norte com FF, do sul com carreiro, do nascente com GG e do poente com estrada nacional, descrito sob o nº....da freguesia da ....
2) A R. BB ocupa e frui o prédio dito em 1).
3) Por carta datada de 13.4.2010, dirigida à R. e remetida para a Rua …, n.º …, ..., … ..., os AA., por intermédio de advogado, solicitaram a entrega, no prazo de 30 dias, do imóvel referido em 1).
4) Por carta datada de 13.4.2010, dirigida à R. e remetida para a Rua Dr. HH, n.º …, … ..., os AA., por intermédio de advogado, solicitaram a entrega, no prazo de 30 dias, do imóvel referido em 1).
5) As cartas referidas em 3) e 4) não foram levantadas pela destinatária.
6) Os AA. nunca mantiveram qualquer contacto com a R.
7) Os AA. não autorizaram a ocupação referida em 2).
8) Por apresentação de 13.12.1989, entretanto caducada, foi registada em relação ao imóvel dito em 1) a pendência de uma acção movida por AA e BB contra DD e CC pedindo que “os Réus reconheçam os autores como legítimos proprietários do prédio”.
9) Por apresentação de 13.6.1994, entretanto caducada, foi registada em relação ao imóvel dito em 1) a pendência de uma acção movida por AA e BB contra DD e CC pedindo que “os réus reconheçam os autores como legítimos proprietários do prédio, abrirem mão dele e entregarem-nos aos autores”.
10) Há sensivelmente 30 anos, EE, irmão do A., negociou com DD a venda do prédio referido em 1).
11) Concomitantemente, o prédio dito em 1) foi entregue à R. e a DD, então casados entre si, por EE.
12) Entre sensivelmente 1980 e a data em que se separou de DD, por volta de 1990, a R. e o este habitaram exclusivamente no imóvel referido em 1), nele dormindo e fazendo refeições, cuidando da casa e provendo à realização de obras e à sua manutenção.
13) Aquando da separação, DD permaneceu no imóvel referido em 1), ao qual a R. regressou meses mais tarde, depois da mudança dele para outra habitação, nele residindo desde então.
14) As condutas referidas em 12) e 13) foram sempre desenvolvidas à vista de todos.
15) Depois de receberem o imóvel referido em 1) a R. e DD procederam à limpeza do mesmo e do terreno adjacente, limpando-o de silvas e mato.
16) E substituíram portas e janelas, deterioradas, construíram uma casa de banho, restauraram a cozinha, onde colocaram lava loiça e bancada, fizeram nova canalização de água e esgotos e arranjaram o terraço, despendendo montante não concretamente apurado.
17) Mais tarde a R. e DD construíram um telheiro no imóvel indicado em 1).
18) Depois de regressar ao imóvel, conforme referido em 13), a R. mandou pintar o interior da habitação referida em 1), procedeu a uma intervenção na instalação eléctrica e colocou tecto falso nas divisões do 1º andar despendendo montante não apurado.
19) Os AA. não conferiram poderes a EE para negociar a venda do imóvel aludido em 1).
20) Em 1989 os AA. já se encontravam emigrados nos EUA, apenas se tendo deslocado a ... desde então poucas vezes.
21) EE não entregou aos AA. qualquer quantia por si recebida de DD por conta da venda do imóvel aludido em 1).
22) A Ré tem-se comportado com animus de proprietária do prédio[2].

O DIREITO

Como se disse, a 1.ª questão respeita a saber se o Acórdão recorrido enferma da nulidade invocada nos termos dos artigos 615.º, nº 1, al. d), 666º e 674º, nº 1, al. c), todos do CPC.

Para sustentar tal nulidade, alegaram os Recorrentes que o Tribunal a quo não conheceu de questão que devia apreciar e conheceu de outras de que não podia tomar conhecimento.

A questão que, segundo os Recorrentes, o Tribunal a quo não conheceu e deveria ter conhecido é a de a Apelante (ora Recorrida) não ter dado cumprimento ao determinado no art. 639.º n.º 2, als. a) e b), do CPC (ónus de indicação das normas jurídicas violadas e do sentido com que deviam ter sido interpretadas e aplicadas).

Ora, como bem salienta o Tribunal a quo no Acórdão que conheceu da nulidade, a Apelante refere-se expressamente ao artigo 1261.º do CC [conclusão L) das alegações de apelação], apoiando nesta norma a sua pretensão em ser reconhecida como possuidora, através de posse pacífica e de boa fé, e como adquirente, por usucapião, do direito de propriedade sobre o prédio [conclusões M) a T) das alegações de apelação]. Não pode, assim, entender-se ter havido um incumprimento, por parte da Apelante, do ónus de alegar e formular conclusões que coubesse ao Tribunal sancionar, pelo que não se censura o Tribunal recorrido quando não atribuiu relevância às alegações em contrário apresentadas pelos Apelados.

As questões que o Tribunal a quo conheceu e não deveria ter conhecido são as respeitantes à titularidade do direito de propriedade dos Apelados sobre o prédio e à obrigação da Apelante de restituir-lhes tal prédio. No entender dos Recorrentes e Apelados, estas questões teriam ficado de fora do objecto da apelação, uma vez que a Apelante apenas peticionou a anulação da decisão na parte em que improcedeu o seu pedido reconvencional.

O Tribunal da Relação de Lisboa deu conta desta deficiência / insuficiência da alegação da Apelante, mas, como se explica no Acórdão recorrido e se reitera no Acórdão que conheceu da nulidade, considerou-a – e bem – irrelevante. De facto, o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio à Apelante, conforme peticionado, é inconciliável com o reconhecimento – a manutenção do reconhecimento – do direito de propriedade aos Apelados bem como com a existência de uma obrigação de restituição a cargo da Apelante, pelo que não pode deixar de entender-se que o pedido desta encerra, por necessidade lógica, não só um pedido de revogação do segmento decisório constante da al. d) (absolvição dos Autores do pedido reconvencional) mas também dos segmentos decisórios constantes das als. a) e b) (condenação da Ré no reconhecimento do direito de propriedade dos Autores e na obrigação de restituição do prédio a estes).

Tudo visto, decide-se julgar o Acórdão recorrido isento de nulidade pelos fundamentos alegados.

Aprecie-se agora a 2.º questão, ou seja, se a Recorrida adquiriu por usucapião o direito de propriedade sobre o prédio.

Diga-se, antes de mais, que não se põe em causa a existência de uma presunção de titularidade do direito de propriedade do prédio dos autos a favor dos Autores (ora Recorrentes) AA e BB, derivada do registo da aquisição [facto 1) da factualidade provada], ao abrigo do artigo 7.º do Código do Registo Predial[3]. Sucede que esta presunção é só uma presunção e o direito de propriedade não deverá ser reconhecido a estes se da (restante) factualidade provada resultar que outro(s) é (são) o(s) proprietário(s)[4].

No caso concreto, verifica-se que a Ré (ora Recorrida), CC, se arroga a aquisição do direito de propriedade do prédio por usucapião e que o Tribunal da Relação de Lisboa lho reconheceu, com base no exercício de posse não titulada, de má fé, pacífica, pública por período superior a vinte anos. Terá o Tribunal recorrido procedido bem ao decidir neste sentido?

Para contrariar a decisão do Douto Tribunal a quo, contrapuseram os Recorrentes, essencialmente, um primeiro bloco de argumentos:

1.º) não há posse “boa” (i.e., relevante) para usucapião porque não se verifica o elemento objectivo da posse (o corpus), configurando-se uma situação de posse precária ou simples detenção; e

2.º) não há posse “boa” (i.e., relevante) para usucapião porque não se verifica o elemento subjectivo da posse (o animus).

Veja-se se, então, em primeiro lugar, se existia posse “boa” para usucapião ou, se, pelo contrário, faltava ao poder de facto (comprovadamente) exercido pela Recorrida alguma coisa que fosse necessária para a sua qualificação como tal.

Como lembra Rui Pinto Duarte, “[a]cerca da posse debatem-se duas conceções doutrinárias básicas. Uma é dita 'subjetivista' por sustentar que a posse envolve, para além da materialidade da situação em que consiste, um elemento de cariz subjetivo, consistente numa intenção. A outra é dita 'objetivista', por se contentar com a materialidade da situação”, caracterizando-se a primeira pela exigência de dois elementos – “elementos esses tradicionalmente designados por corpus e animus” – e entendendo “a maioria da Doutrina e a quase totalidade da Jurisprudência […] que o Código Civil acolhe [esta] conceção da posse[5].

Entre as normas mais invocadas para sustentar este entendimento contam-se as normas do artigo 1251.º e 1253.º do CC, contendo, de forma mais ou menos directa, respectivamente, as definições legais de posse e de mera detenção[6]. No artigo 1251.º do CC define-se posse como “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real”. A definição de simples detenção ou posse precária é susceptível de ser encontrada no – inferida do – artigo 1253.º do CC, que qualifica como detentores ou possuidores precários “a) os que exercem o poder de facto sem intenção de agir como beneficiários do direito; b) os que simplesmente se aproveitam da tolerância do titular do direito; c) os representantes ou mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuam em nome de outrem”.

A relevância da distinção entre as situações de possuidor e mero detentor não é de todo despicienda, cumprindo destacar a relevância para efeitos de usucapião: só o possuidor é susceptível de usucapir, como se conclui pela leitura do disposto nos artigos 1287.º e 1290.º do CC. A verdade é que existem divergências quanto àquilo que deve procurar-se e verificar-se nos casos concretos para que se possa concluir que existe posse em sentido próprio, ou seja, existem divergências quanto à noção de corpus e quanto à noção de animus (animus possidendi).

Partindo da noção de corpus que parece mais adequada em face do artigo 1257.º, n.º 1, do CC[7] (aquela que exige que, mais do que a mencionada “materialidade”[8], a posse se manifeste enquanto “relação social” entre a pessoa e o bem[9]), é patente que, face aos factos 12) a 18) da factualidade provada, não falta, no caso concreto, o corpus da posse. Está provado que a Recorrida praticou diversos actos materiais sobre o prédio e que se estabeleceu já, ao longo do tempo, uma relação de tal modo sólida entre o prédio e a esfera da Recorrida que é dispensável, em rigor, a prática – a prática continuada – de actos materiais para que se verifique o corpus da posse[10].

Dito isto, aprecie-se a alegação dos Recorrentes de que faltaria, na situação em apreço, o elemento subjectivo da posse (o animus). Na explicitação deste segundo argumento, o raciocínio dos Recorrentes torna-se difícil de acompanhar e, como se demonstrará, não permite dar-lhes razão. No entender dos Recorrentes, não podia o Tribunal recorrido ter dado o animus como provado com base numa qualquer presunção judicial e na presunção legal do artigo 1252.º, n.º 2, do CC.

Não podia ter dado o animus como provado com base numa qualquer presunção judicial “pois as aludidas presunções não constituem meios de prova, mas meros processos lógicos mentais ou afirmações formados em regras da experiência”. Além disso, “se o julgador dá como não provada determinada factualidade, como sucedeu no caso, é ilógico e contraditório tê-la como provada apenas com base em simples presunção com base nas regras da experiência”.

É verdade que as presunções judiciais são processos lógicos baseados em regras da experiência – mais precisamente processos lógicos de tipo abdutivo, ou seja, “um tipo particular de indução que tem por objecto descobrir o passado[11]. Ao contrário do que afirmam os Recorrentes, porém, elas constituem um instrumento plenamente idóneo e até bastante frequente para provar certos factos – os factos de natureza psicológica que, por esta sua natureza, é especialmente difícil serem provados por outros meios[12], como acontece, justamente, quanto ao animus da posse.

Acontece que só seria permitido a este Supremo Tribunal sindicar o uso da presunção judicial pelo Tribunal da Relação se este ofendesse alguma norma legal, padecesse de evidente ilogicidade ou partisse de factos não provados[13]. Ora, não se vislumbra – nem é invocado – que o uso da presunção judicial tenha acarretado violação de norma legal[14]. Não se detectam, tão-pouco, sinais de ilogicidade nem de exorbitância da factualidade provada. Bem pelo contrário, a presunção parte expressamente dos factos provados [factos 12) a 18) da factualidade provada] e corresponde a um raciocínio que respeita as regras da lógica e da experiência. Não existe, em síntese, erro ou violação de regras de direito probatório substantivo nem ilogicidade no juízo de inferência ou desconformidade com os factos provados, pelo que o resultado probatório obtido pelo Tribunal recorrido com apoio na presunção judicial não é sindicável por este Supremo Tribunal[15].

Não podia ter dado o animus como provado – continuam os Recorrentes – com base na presunção legal do artigo 1252.º, n.º 2, do CC. Isto, desde logo, porque esta apenas funciona em caso de dúvida e, no caso, não havia dúvida de que a Recorrida não exercia a posse com animus; depois, porque a norma do artigo 1252.º, n.º 2, do CC ressalva o disposto no artigo 1257.º, n.º 2, do CC, o que significa que a presunção não pode ser invocada “quando se prove (…) que a posse se iniciou como precária porque, então, por força daquele preceito, tem de se presumir que a posse continua como tal”.

Aqui os Recorrentes parecem laborar num mal-entendido. A presunção legal consagrada no artigo 1252.º, n.º 2, do CC não é, de facto, invocada com vista a dar como provado o animus. Por um lado, e como se viu, o animus (já) foi dado como provado por funcionamento de uma presunção judicial. Por outro lado, a presunção legal consagrada no artigo 1252.º, n.º 2, do CC nunca poderia conduzir a tal resultado, porquanto o que se determina é tão-só que “[e]m caso de dúvida, [se] presume[…] a posse naquele que exerce o poder de facto, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 1257.º”, ou seja, que se presume a posse em nome de quem exerce o poder de facto. A presunção é invocada, sim, com o intuito de dar como provada a posse em nome da Recorrida, em virtude de esta vir exercendo um poder de facto sobre o prédio. Cabia aos Recorrentes produzir prova de que, apesar do exercício deste poder de facto, a Recorrida não era possuidora em nome próprio mas sim, por exemplo, ao abrigo de um contrato de arrendamento, como arrendatária, de depósito, como depositária, de comodato, como comodatária, etc.[16]. Essa prova não foi, contudo, produzida, pelo que se deu – e bem – por provada a posse da (em nome da) Recorrida. Por fim, quanto à ressalva contida na parte final da norma do artigo 1252.º, n.º 2, do CC, remetendo para o artigo 1257.º, n.º 2, do CC e que, alegadamente, seria impeditiva do funcionamento da presunção, ela não releva para o caso, porque, como decorre amplamente da factualidade provada, a Recorrida foi possuidora desde o início.

Contrapuseram ainda os Recorrentes que, a admitir-se que existe posse “boa” para usucapião, o exercício desta não teria sido ininterrupto [teria havido “perda de posse por abandono” nos termos do artigo 1267.º, n.º 1, al. a), do CC] e por isso não teria decorrido o tempo necessário para se concretizar aquela aquisição por usucapião. Acresce que “a citação da R. (…) interrompeu todo o prazo decorrido até à citação, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo – art.s 326º e 327º do Código Civil, aplicáveis por força do art. 1292º do mesmo diploma legal -, o mesmo é dizer que não decorreu, nem antes, nem depois da instauração das ações, ininterruptamente o prazo de vinte anos indispensável à aquisição por usucapião, pela recorrida, do direito de propriedade do imóvel”. Os factos que, segundo os Recorrentes, demonstrariam a citação “não obstante não constarem dos factos provados, não podem deixar de ser atendidos na decisão”.

A estes argumentos responde-se com as palavras – e subscrevendo as palavras – do Douto Tribunal recorrido: “[d]ecorre dos factos provados que a posse da apelante [se] iniciou sensivelmente em 1980, tendo sempre habitado nesse prédio excepto durante alguns meses quando, por volta de 1990, esteve separada do seu então marido que depois mudou para outra habitação. Por isso, o período de separação dos cônjuges não configura perda da posse por abandono nos termos do art. 1267º nº 1 a) do Código Civil nem constitui causa de suspensão da posse prevista (cfr art. 318º, “ex vi” do art. 1292º). Por outro lado, como negaram os apelados terem instaurado as referidas acções e não está provado que a apelante foi citada no âmbito daquelas, a posse não foi interrompida antes da citação da apelante nos presentes autos (cfr art. 323º). Por quanto se disse, à data da instauração da acção já tinha, há muito, decorrido aquele prazo de 20 anos”.

A isto apenas se acrescenta, em primeiro lugar, que o abandono relevante para se configurar a hipótese da perda da posse prevista no artigo 1267.º do CC pressupõe um acto material, praticado intencionalmente de rejeição da coisa[17], “um acto de vontade material, mediante o qual o possuidor demonstra, inequivocamente, a intenção de cessar o seu poder de facto sobre a coisa[18], o que, manifestamente, não sucedeu no caso em apreço,. Será, em segundo lugar, importante expressar a ideia de que, em consonância com a concepção de posse acima propugnada, nunca se conceberia que uma temporária desligação material fosse susceptível de afectar ou, muito menos, desfazer a relação estabelecida ao longo do tempo entre a Recorrida e o prédio.

Perante a factualidade provada e a interpretação das normas aplicáveis, impõe-se, enfim, confirmar a conclusão a que chegou o Douto Tribunal a quo – de que a Recorrida exerceu uma posse não titulada (cfr. artigo 1259.º, a contrario sensu, do CC), de má fé (cfr. artigo 1260.º, n.º 2, do CC), pacífica ou sem violência (cfr. artigo 1261.º do CC) e pública (cfr. artigo 1262.º do CC). Não sendo a posse registada e tendo decorrido, entre a data do seu início (1980) e a data da presente acção (2010), um período superior a vinte anos, estão reunidas todas as condições para a Recorrida ter adquirido, por usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio dos autos (cfr. artigo 1296.º, 2.ª parte, do CC), devendo este, em conformidade, ser-lhe judicialmente reconhecido.

                                                           *


III. DECISÃO

Pelo exposto, nega-se provimento à revista e confirma-se o acórdão recorrido.

                                                           *

Custas pelos Recorrentes.

                                                           *

                                          LISBOA, 29 de Janeiro de 2019

                                                            

Catarina Serra (Relatora)

Fonseca Ramos

Ana Paula Boularot

__________________

[1] A manutenção da parte entre parênteses na versão final das conclusões das alegações (bem como a não transcrição de certos factos provados, por exemplo, na conclusão 7.ª) dever-se-á provavelmente a um lapso, a que não se atribui relevância.
[2] Este último facto acresce aos factos que vinham dados como provados pela 1.ª instância, tendo sido dado como provado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, por presunção judicial. O raciocínio presuntivo tem por base os factos provados 12) a 18).
[3] Onde se diz que “[o] registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
[4] Como se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.11.2013, Proc. 74/07.3TCGMR.G1.S1: “[u]m dos mais importantes efeitos substantivos do registo é o da atribuição ao seu titular da presunção da titularidade do direito. Por força de um dos seus princípios orientadores, o da presunção da verdade registal, ou da exactidão do registo, também chamado da fé pública registal, o que consta do registo é juridicamente existente e, consequentemente, quem aparece no registo como titular de um direito real sobre um bem imóvel é o seu verdadeiro titular, podendo, portanto, dispor desse direito. Trata-se de uma presunção juris tantum, naquelas duas vertentes, que pode, todavia, ser destruída por prova em contrário – art. 7.º do Código do Registo Predial”.
[5] Cfr. Rui Pinto Duarte, Curso de Direitos Reais, Parede, Principia, 2013 (3.ª edição), p. 324 e p. 326 (interpolação nossa; sublinhados do autor).
[6] A relação entre os dois elementos tradicionais da posse e a contraposição posse / detenção é – bem – apresentada por Rui Mascarenhas Ataíde (“Sobre a distinção entre posse e detenção”, in: Revista da Ordem dos Advogados, 2015, vols. I / II, pp. 79-80) ( : “[o] problema central em torno do qual se ergueram as modernas teorias da posse consiste em apurar se a posse se basta com o controlo fáctico de uma coisa corpórea em termos correspondentes ao exercício de um direito real (ou de outra natureza, desde que tenha por objeto aquele tipo de coisas) e que se exprime pelo conceito de corpus ou se, além dessa atuação, é ainda necessário que o exercente aja com uma determinada intencionalidade específica (animus). A distinção entre posse e detenção representaria o normal corolário destes enunciados nucleares. De acordo com a primeira linha de orientação, havendo corpus, existe posse a não ser que a situação seja legalmente desqualificada para simples detenção, enquanto a segunda corrente de pensamento considera que não basta o corpus à existência de posse, exigindo, para a diferenciar da detenção, que a atuação material seja comandada por um certo propósito do agente”.
[7] Para dizer a verdade, é difícil aceitar que seja possível (ou inteiramente correcto) decompor a posse nestes dois elementos, ou seja, que estes possam genuinamente ser autonomizados, propendendo-se mais para a ideia de que “não existe corpus sem animus nem animus sem corpus” (cfr. Orlando de Carvalho, “Introdução à posse”, in: Revista de Legislação e de Jurisprudência, 1989, n.º 3780, p. 68); tão-pouco se vê interesse dogmático ou prático nisso. Mas siga-se aqui a opinião tradicional e veja-se se, no caso concreto, existe o corpus e o animus.
[8] Sobre esta “materialidade” (a necessidade de o possuidor exercer sobre a coisa actos de gozo material ou real) cfr., por todos, Manuel Rodrigues, A posse – Estudo de Direito Civil português, Coimbra, Coimbra Editora, 1940, pp. 199 e s.
[9] Cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, Coimbra, Coimbra Editora, 1993 (5.ª edição), p. 84. Valoriza esta tese o disposto no artigo 1257.º, n.º 1, do CC, do qual resulta que a posse se mantém não apenas enquanto durar a situação correspondente ao exercício do direito mas ainda enquanto existir a possibilidade de a continuar.
[10] É suficiente um estado de facto em que não surjam obstáculos a essa actuação. Cfr. Oliveira Ascensão, Direito Civil – Reais, cit., p. 90.
[11] A afirmação (e a sugestiva expressão) é de Luís Filipe Pires de Sousa [Prova por presunção no Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2013 (2.ª edição)].
[12] Neste sentido cfr., só para um exemplo, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.07.2016, Proc. 377/09.2TBACB,L1.S1.
[13] Cfr. o Acórdão ult. cit.
[14] Relativamente às presunções judiciais, há sempre que observar o disposto no artigo 351.º do CC. Aí se estabelece que ela só é admissível “nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”. São aplicáveis, em particular, as normas dos artigos 392.º e 393.º do CC, respeitantes à admissibilidade e à inadmissibilidade da prova testemunhal. Interpretando estas normas, é possível dizer, pela positiva, que a prova testemunhal e, consequentemente, as presunções judiciais são admissíveis sempre que não sejam directa ou indirectamente afastadas e não esteja em causa uma declaração negocial que tenha de ser reduzida a escrito ou necessite de ser provada por escrito ou um facto plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. Ora, é manifesto que, no caso em apreço, não se configura nenhuma das hipóteses em que a lei veda o recurso à prova testemunhal e, por remissão, às presunção judiciais.
[15] Com o mesmo raciocínio a propósito das presunções judiciais, veja-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.01.2014, Proc. 208/06.5TBARC.P1.S1, ou, pela positiva, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.06.2011, Proc. 6450/05.9TBSXL.L1.S1, onde se diz que (só) “[c]abe no âmbito de um recurso de revista e nos poderes cognitivos que nele exerce o STJ controlar se a Relação extravasou os poderes de substituição ao tribunal recorrido na valoração da matéria de facto que resultam do preceituado no nº1 do art. 712º e, bem assim, se fez ou não um uso processualmente legítimo das presunções naturais, cuja substância ou conteúdo se não está, desta forma, a pretender sindicar” (disponíveis em www.dgsi.pt).
[16] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III (Artigos 1251.º a 1575.º), Coimbra, Coimbra Editora, 1987, p. 8.
[17] Cfr. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III (Artigos 1251.º a 1575.º), cit., p. 32.
[18] Cfr. Henrique Sousa Antunes, Direitos Reais, Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, 2017, p. 336.