Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
214/14.6T8BJA.E1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: BENFEITORIAS
PRINCÍPIO DA PRECLUSÃO
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
RECONVENÇÃO
EMBARGOS DE EXECUTADO
DIREITO DE RETENÇÃO
EXECUÇÃO PARA ENTREGA DE COISA CERTA
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
CASO JULGADO MATERIAL
ENTREGA JUDICIAL DE BENS
EXTINÇÃO DE DIREITOS
RENÚNCIA
DECLARAÇÃO TÁCITA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 06/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE UMA DAS REVISTAS E PREJUDICADA A OUTRA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / GARANTIAS ESPECIAIS DAS OBRIGAÇÕES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTÂNCIA - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / ARTICULADOS / CONTESTAÇÃO - PROCESSO DE EXECUÇÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Processo de Execução, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1982, 541-542.
- Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, 435.
- Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, 394.
- Castro Mendes, Direito Processual Civil (Acção Executiva), Edição da A.A.F.D. de Lisboa, 1971, 213, nota (1); Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil, 178.
- Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, 721.
- Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2004, 379-380.
- Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 1999, 619-620.
- Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, 394, 402 e 495.
- Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil” Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, 783-784.
- Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Processo Civil, 2.ª ed., 568, 579 e 586.
- Vaz Serra, «Direito de Retenção», in B.M.J. n.º 65, 243.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 309.º, 482.º, 670.º, N.º 3, ALÍNEA A), 758.º, 759.º, 761.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 266.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEA B), 573.º, 619.º, N.º 1, 621.º, 860.º, N.º 3.
Legislação Comunitária:

Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 15.01.1981, PROCESSO N.º 068778, CUJO SUMÁRIO SE ENCONTRA ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 17.03.2003, PROCESSO N.º 03B3091, ACESSÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 10.10.2012, PROC. N.º 1999/11.7TBGMR. G1.S1
-DE 29.05.2014, PROC. N.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT:
Sumário :
I. O direito a benfeitorias, ainda que emergente da relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art.º 266.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

II. A não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos do caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no artigo 573.º do mesmo Código, dado, neste caso, não se tratar dum meio excetivo intrínseco ao direito à restituição da coisa.   

III. De igual modo, sucede nos casos em que o executado demandado em sede de execução para entrega de coisa certa, deixe de invocar o direito a benfeitorias em relação a essa coisa como fundamento dos embargos.

IV. Todavia, se o executado for demandado em execução para entrega de coisa certa e não invocar ou não lhe for já permitido invocar o direito a benfeitorias que autorizem a retenção da coisa, uma vez efetuada a entrega judicial, com tal entrega extingue-se o direito de retenção de que porventura gozasse, nos termos do artigo 761.º, parte final, do CC.

V. Nessas circunstâncias, aquela não invocação equivale a uma renúncia tácita do direito de retenção, sem prejuízo da subsistência do direito a benfeitorias que lhe estiver associado, agora desprovido daquela garantia.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA e cônjuge BB, CC e cônjuge DD e ainda EE intentaram, em junho de 2000, uma ação, executiva para entrega de coisa certa, que correu termos sob o n.º 128/00, contra FF e GG, fundada em denúncia extrajudicial de um contrato de arrendamento rural, pedindo a passagem de mandado de despejo dos seguintes prédios:

a) – Prédio rústico, sito na freguesia de …, no município de Serpa, inscrito na respetiva matriz, sob o artigo n.º 10… da Secção E, e parte urbana inscrito na matriz da mesma freguesia sob os artigos 861.º e 863.º, denominado “Monte da R…”;

b) – Prédio rústico, sito na mesma freguesia e município, inscrito na matriz sob o art. 13… da Secção E, e parte urbana inscrita sob o artigo 939, denominado "B… e Á…. L…;

c) – Prédio rústico, sito na mesma freguesia e município, inscrito na matriz sob o artigo 11 da Secção E, denominado “B…. da R….”;

d) – Prédio rústico, sito na mesma freguesia e município, inscrito na respetiva matriz, sob o artigo 1…9 da Secção E e parte urbana sob o artigo 1204°, denominado “H… da R…”.

Os ali demandados deduziram embargos de executado (nos autos apensos n.º 128-A/00), a invocar a inexistência e inexequibilidade do título, a inexigibilidade e incerteza da obrigação e a falta de pressuposto processual essencial.

Para tanto, alegaram que: os embargados não possuíam qualquer título executivo; não fora respeitado o prazo de denúncia previsto na lei; não fora cumprida qualquer fase extrajudicial.

Foi então proferido o despacho saneador reproduzido a fls. 134-142, datado de 30/03/2001, a conhecer dos embargos, tendo estes sido julgados procedentes, mas esta decisão foi revogada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora reproduzido a fls. 147-159, datado de 31/01/2002, do qual foi interposta revista para o STJ que não foi admitida (fls. 317).  

2. Posteriormente, em 04/03/2002, vieram os ali executados/embargantes FF e GG intentar a presente ação declarativa, sob a forma de processo ordinário - então autuada sob o n.º 92/2002 e hoje correndo sob o n.º 214/14.6T8BJA - contra AA e cônjuge BB, CC e cônjuge DD e ainda contra EE, a pedir que:

a) - Fosse reconhecido e declarado que a carta de denúncia escrita pela mãe dos RR. ao A. marido é extemporânea, sendo nula e de nenhum efeito, não respeitando a antecedência legal;

b) - Fosse reconhecido e declarado que, não podendo o A. opôr-se à denúncia nos termos da lei, os R.R. só podiam obter título executivo de denúncia através de ação judicial própria;

c) – Fossem os R.R. condenados a reconhecer que aquela denúncia só poderia proceder eventualmente para 15 de agosto de 2006;

d) – Fosse reconhecido o direito de indemnização por benfeitorias dos AA., com base no enriquecimento no valor de € 319.000,00 e os RR. condenados a pagarem aos AA. aquele valor;

e) - Fosse reconhecido o direito de retenção dos A.A. sobre os referidos imóveis, pelo valor das benfeitorias, constituindo garantia a ser exercida enquanto não lhes forem pagas as quantias respetivas.

Relativamente aos três primeiros pedidos formulados na ação principal n.º 92/2002, os AA. alegaram, em síntese, que:

. Em 10/04/1987 tomaram de arrendamento a HH três prédios rústicos e quatro prédios urbanos, contrato esse iniciado em 15/ 08/1986 e celebrado por um período de 6 anos, renovável por períodos de 3 anos, no âmbito da Lei n.º 76/77, de 29 de setembro, então em vigor;

. Em 18/01/1989, o A. marido e o então senhorio procederam a um aditamento ao contrato inicial, alterando o prazo para 20 anos a contar do início do contrato a alterando o montante da renda inicial;

. Em 1998 a então senhoria dos prédios escreveu ao A. marido dizendo que não estava interessada na renovação do contrato, denunciando o mesmo e pedindo a sua devolução até 15/08/1999;

. O A. marido, insurgindo-se com esta missiva, procedeu à notificação judicial avulsa da mãe dos R.R.;

. A carta escrita pela mãe dos RR não respeitou o prazo de 18 meses de antecedência relativamente ao termo do prazo ou da sua renovação – artigos 5.º, 18.º n.º 1, al. b), da LAR - , que a lei, nestes casos, não consente qualquer oposição pelo que, sem que o A. marido tivesse anuído à entrega só restaria aos RR a proposição da acção competente, não tendo existido qualquer fase extrajudicial.

3. Os RR. contestaram aquela ação, alegando, no que diz respeito aos três primeiros pedidos formulados, a existência de um recurso pendente no Tribunal da Relação de Évora, na sequência da decisão proferida nos autos de embargo de executado apensos à execução n.º 128/00, no qual foi decidido que a denúncia operou os seus efeitos por falta de oposição dos arrendatários.

Invocaram também exceção de caso julgado, de litispendência e preclusão do direito a deduzir os pedidos formulados, em virtude da existência dos autos de embargos de executado apensos aos autos de execução em que foi pedida a passagem de mandados de despejo.

4. Em resposta, os AA. vieram sustentar que foi interposto recurso de revista com julgamento ampliado para uniformização de jurisprudência, relativamente ao acórdão proferido nos autos de embargo, reafirmando a inexistência de qualquer título executivo, não havendo pois qualquer situação de caso julgado ou litispendência.

5. Em sede de audiência preliminar realizada em 02/03/2004, foi proferido o despacho saneador de fls. 402-410 a julgar:

i) - procedente a exceção do caso julgado quanto aos pedidos formulados em a), b) e c), com a consequente absolvição dos réus da instância nessa parte;

ii) - improcedentes as exceções de litispendência e de caso julgado quanto aos pedidos formulados nas alíneas d) e e) do petitório;

iii) – improcedente a exceção de preclusão do direito dos A.A..

No mais, prosseguiram os autos para julgamento com a seleção da matéria de facto tida por relevante.

6. Os R.R. recorreram das referidas decisões que julgaram improcedentes as exceções de litispendência e de caso julgado relativamente aos pedidos formulados em d) e e), bem como a exceção de preclusão do direito dos A.A., tendo tais recursos sido admitidos com subida diferida conforme despacho de fls. 456.   

7. Já depois disso, foi intentada outra ação sob o n.º 183/06.6TBSRP, cujo autos foram apensados ao presente processo com o n.º 92-B/2002, em que figuram como autores AA e mulher BB, CC e mulher DD e EE e como réus FF e GG, a pedir que estes fossem condenados a pagar àqueles:

a) - uma indemnização devida pela perda das ajudas previstas no Regulamento de Aplicação da Intervenção «Medidas Agro-Ambientais», no valor de € 71.671,20;

b) - uma indemnização devida pelos prejuízos causados com a perda dos lucros decorrentes da produção de azeite, no valor de € 41.967,47;

c) - uma indemnização devida pela perda das ajudas concedidas pela produção de azeite no valor de € 48.917,90;

d) - uma indemnização devida pela perda das ajudas complementares à produção de azeite, no valor de € 3.644,08;

e) - uma indemnização devida pela perda dos lucros decorrentes da produção de culturas arvenses, nos anos agrícolas de 2004/2005 e de 2005/2006, no valor de € 4.836,35;

f) - uma indemnização devida pela perda de apoios concedidos à produção de culturas arvenses, no valor de € 13.757.56;

g) - uma indemnização devida pela perda da ajuda complementar aos produtores de culturas arvenses, no valor de € 1.007,86;

h) - uma indemnização devida pelos prejuízos decorrentes da impossibilidade de implementação do projeto de turismo rural, no valor de € 50.480,82;

i) - uma indemnização devida pela ocupação ilícita do imóvel desde 1998/1999 até 19 de maio de 2003, no valor de € 21.634,16;

l) – os juros sobre as quantias em dívida, até ao seu efetivo e integral pagamento.

Mais tarde, os ali autores ampliaram a causa de pedir e o pedido requerendo a condenação dos réus em mais € 47.080,00 correspondente à que gastaram na recuperação dos imóveis.


8. Prosseguindo a causa e realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 1913-1940, datada de 25/03/2014, em que:

A – Foi julgada parcialmente procedente a ação n.º 92/2002, decidindo-se:

a) – reconhecer o direito de indemnização por benfeitorias dos A.A. no valor de € 161.921,20, condenando-se os RR. a pagar àqueles tal quantia;

b) - reconhecer aos A.A. o direito de retenção dos imóveis pelo valor das benfeitorias.

c) - absolver os RR. dos restantes pedidos;

B – E foi julgada improcedente a ação n.º 92-B/2002 (anterior n.º 183/ 06.6TBSRP), com a consequente absolvição dos ali réus de todos os pedidos formulados.

9. AA e outros, réus na ação principal e autores na ação apensa, recorreram dessa sentença para o Tribunal da Relação de Évora que, através do acórdão proferido a fls. 2266-2292, datado de 16/06/2016, revogou as decisões da 1.ª instância que tinham julgado improcedentes as exceções de caso julgado e preclusão do direito, julgando-as, por sua vez procedentes com a consequente absolvição dos R.R. da instância e, por via disso, prejudicado o conhecimento das questões suscitadas no âmbito do recurso interposto da sentença final.

10. Inconformados com tal decisão, FF e GG, autores na ação principal, vêm pedir revista, juntando o parecer de fls. 2316-2334, que dão por integralmente reproduzido, na base formula as seguintes conclusões:

1.ª - No ordenamento jurídico português, por regra o intérprete deve privilegiar os direitos substantivos na sua compaginação com os requisitos meramente adjetivos ou processuais, tendo a prevalência destes sobre aqueles carácter absolutamente excecional;

2.ª - O cerne da questão sub judice não é o direito de retenção mas sim o direito que aos ora recorrentes assiste de reclamarem os valores das despesas que efetuaram e se integraram nos prédios, valorizando-os, que têm o carácter de um direito patrimonial privado;

3.ª - A nossa Constituição garante esse direito às benfeitorias, peticionadas pelos ora recorrentes na presente ação declarativa de condenação, no n.º 1 do seu artigo 62.º;

4.ª - E este direito dos ora recorrentes às benfeitorias, porque decorre também duma atividade empresarial fundada num vínculo contratual, goza cumulativamente da garantia consignada no n.º 1 do artigo 86.º da nossa Constituição.

5.ª - A filosofia interpretava contida no acórdão recorrido e consagrada na sua parte final decisória, viola flagrantemente os princípios da garantia de acesso aos tribunais e de que a todo o direito corresponde uma acção contidos no artigo 2.º do CPC e consagrados no artigo 20.º da nossa Constituição.

6.ª - O acórdão recorrido assenta num conceito de caso julgado que viola o artigo 581.º (atual) do CPC (antigo artigo 498.º) porquanto não existe nenhuma decisão judicial anterior à proferida pela 1.ª instância nos presentes autos que tenha apreciado o direito às benfeitorias dos ora recorrentes.

7.ª - O n.º 3 do artigo 929.º do CPC em vigor foi introduzido ex novo pelo Dec.-Lei n.º 199/2003, de 10/09, que, no n.º 3 do seu artigo 4.º, salvaguardou a entrada em vigor desta norma para 15/09/ 2003, não se aplicando, por isso, nem à execução nem aos embargos que subjazem à presente ação.

8.ª - O acórdão recorrido funda-se reiteradamente no dito n.º 3 do art.º 929.º que, como é notório, não se pode ter em conta nos presentes autos, cometendo assim um erro manifesto na aplicação da lei.

9.ª - No caso presente aplica-se o artigo 929.º, na redação anterior a 15/09/2003, atrás transcrito, que não prevê qualquer limitação relativamente ao direito às benfeitorias a peticionar pelo executado.

10.ª - Mesmo que o n.º 3 do artigo 929.º do CPC fosse aplicável nos presentes autos, o que se não admite e apenas se considera para efeitos de mera exposição de raciocínio, não é aceitável a interpretação que sobre ele é tecida no acórdão recorrido pois, como já se disse, viola multiplamente a nossa Constituição, nomeadamente nos seus artigos 20.º, 62.º e 86.º.

    Pedem os Recorrentes que seja revogado o acórdão recorrido e se mantenha a sentença de 1.ª instância.

11. Também inconformados, AA e cônjuge BB, CC e cônjuge DD e ainda EE, réus na ação principal e autores na ação apensa, vêm pedir revista, formulando as seguintes conclusões:

1.ª - Vem o presente recurso interposto do acórdão de 16/06/2016 nos termos do qual apenas se decidiu:

"(...) julgar procedentes os recursos das decisões que julgaram improcedentes as excepções de caso julgado e preclusão do direito e em consequência das mesmas, julgando procedentes tais excepções de caso julgado e preclusão do direito, absolvendo os RR. da instância."

2.ª - Além de tais recursos das decisões do saneador que julgaram improcedentes as exceções de caso julgado e preclusão respeitantes à ação n.º 92/2002, foi ainda interposto recurso da sentença final no que respeita não só à mencionada ação n.º 92/2002 mas também à ação n.º 92-B/2002, o qual não foi objeto de pronúncia por parte do Tribunal a quo;

   3.ª - Note-se que, os presentes autos têm origem em duas ações:

  (i) - n.º 92/2002, intentada por FF e GG contra AA e cônjuge BB, CC e cônjuge DD e ainda EE;

  (ii) - n.º 92-B/2002, na qual são são AA. os aqui Recorrentes AA e cônjuge BB, CC e cônjuge DD e ainda EE

e RR. FF e GG.

4.ª - Pelo que a decisão de absolvição da instância constante do acórdão em apreço respeita mais especificamente aos aqui Recorrentes, RR. na ação n.º 92/2002;

5.ª - E certo é que FF e GG se mantêm como RR. na instância a que respeita a ação n.º 92-B/2002, a qual foi "julgada totalmente improcedente” na sentença final que absolveu tais RR. de todos os pedidos formulados pelos aqui Recorrentes, AA. naquela ação;

6.ª - Por esta razão, foi interposto recurso, pelos aqui Recorrentes da referida sentença final, nos termos do qual estes peticionaram que fosse revogada a sentença proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-se a mesma por outra que considere, na ação n.º 92/2002 e n.º 92-B/2002, totalmente improcedentes os pedidos formulados pelos Recorridos e que condene os Recorridos nos pedidos formulados pelos Recorrentes;

7.ª - A este respeito, referiu o Tribunal recorrido que "Também foi interposto recurso da sentença final, mas para facilitar a exposição da nossa decisão, só após análise dos recursos das decisões sobre as exceções, nos debruçaremos sobre tal recurso";

8.ª - Sucede que, a final, o acórdão em apreço apenas se pronuncia sobre os recursos interpostos das decisões do saneador sobre as exceções - os quais respeitam à ação n.º 92/2002;

9.ª - Tendo - apenas - decidido "julgar procedentes os recursos das decisões que julgaram improcedentes as exceções de caso julgado e preclusão do direito e em consequência das mesmas, julgando procedentes tais exceções de caso julgado e preclusão do direito, absolvendo os RR. da instância", ou seja, absolvendo os aqui Recorrentes da instância a que respeita a ação n.º 92/2002, na qual os mesmos figuram enquanto RR.;

10.ª - Já quanto ao recurso interposto pelos aqui Recorrentes da decisão final, no que respeita à ação n.º 92-B/2002 - na qual os Recorrentes figuram como AA. e no âmbito do qual os mesmos peticionam a condenação dos RR. aqui Recorridos - o mesmo não foi objeto de análise, pronúncia nem decisão por parte do Tribunal da Relação de Évora, não obstante o mesmo ter mencionado que "após análise dos recursos das decisões sobre as exceções, nos debruçaremos sobre tal recurso";

11.ª - Ora, não se tendo debruçado sobre tal recurso no acórdão em apreço e equacionando a possibilidade de tal recurso não vir a ser apreciado em acórdão autónomo, forçados somos a concluir que o acórdão sub judice é nulo por omissão de pronúncia, nos termos do disposto nos artigos 666.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1 alínea d), ambos do CPC;

12.ª - Face ao exposto, requer-se, caso o Tribunal da Relação de Évora não proceda à reforma do acórdão suprindo a referida nulidade que aqui se deixa arguida, nos termos do disposto nos artigos 666.º n.º 1 e 2, e 617.º, n.º 2, ambos do CPC, se reconheça a nulidade do acórdão proferido, ordenando a anulação do mesmo, bem como a sua reforma, nos termos do disposto no artigo 668.º do CPC, de modo a que este se "debruce" e pronuncie sobre o recurso interposto pelos aqui Recorrentes da sentença final de modo a suprir a referida nulidade de omissão de pronúncia;

        

     Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

                          

      II – Delimitação do objeto do recurso


Tendo as ações sido propostas, respetivamente em 2002 e 2006 e o acórdão recorrido proferido em 16/06/2016, é aplicável à presente revista o atual regime recursório com a ressalva do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do CPC, nos termos do artigo 7.º, n.º 1, do Lei n.º 41/2013, de 26-06.  


Como é sabido, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.


Assim, das conclusões dos Recorrentes colhem-se as seguintes questões:


A – No âmbito da revista interposta por FF e GG, autores na ação principal, a questão de saber se devem improceder as exceções de caso julgado e de preclusão relativamente ao direito a benfeitorias e ao respetivo direito de retenção por eles invocados, como sustentam;


B – No âmbito da revista interposta por AA e outros, autores na ação apensa, a questão da invocada omissão de pronúncia sobre a decisão da 1.ª instância que julgou improcedente a ação n.º 92-B/2002.


     III – Fundamentação   


1. Quanto ao mérito da revista interposta por FF e GG


Antes de mais, importa reter que, no âmbito da ação principal n.º 92/2002, correndo agora termos sob o n.º 214/14.6T8BJA, os A.A. FF e GG peticionaram, além do mais, que sobre os prédios objeto de despejo no âmbito da execução para entrega de coisa certa n.º 128/00:   

a) – lhes fosse reconhecido o direito de indemnização por benfeitorias com base no enriquecimento, no valor de € 319.000,00, condenando-se os R.R. no pagamento daquele valor;

b) – lhes fossem também reconhecido o direito de retenção sobre os referidos prédios, pelo valor das benfeitorias, constituindo garantia a ser exercida enquanto não lhes forem pagas as quantias respetivas.

     Por seu turno, os ali R.R. invocaram a exceção de caso julgado e a preclusão desses direitos em virtude da decisão que julgara improcedente ao embargos de executado deduzidos por aqueles autores contra a execução de entrega de coisa certa que correu termos sob o n.º 128/00.

      Na 1.ª instância, tais exceções foram julgadas improcedentes, em sede do despacho saneador, tendo então sido interposto recurso de tais decisões pelos mesmos R.R.

      Entretanto a ação prosseguiu, sendo proferida sentença final na qual foi reconhecido aos A.A.:

a) – o direito de indemnização por benfeitorias no valor de € 161.921,20, condenando-se os RR. a pagar-lhes tal quantia;

b) – e também o direito de retenção dos imóveis pelo valor daquelas benfeitorias.

      Tendo os ali réus recorrido tanto dos segmentos decisórios do despacho saneador que julgaram improcedentes a exceção de caso julgado e a preclusão daqueles direitos, como da sentença final, o Tribunal da Relação revogou aqueles segmentos decisórios, julgando procedentes tais exceções e, em consequência disso, absolvendo os ali réus da instância e, por via disso, prejudicadas as demais questões suscitadas naquele recurso.

       É, pois, esta decisão revogatória que aqui está em causa.

        

      Ora, sob tal questão, no acórdão recorrido, tecem-se as seguintes considerações:

«Sabemos que em 2000, os aqui RR. pediram em tribunal a passagem de mandado de despejo dos prédios em causa – Execução para entrega de coisa certa) e os aqui AA. deduziram Embargos de Executado onde não invocaram o direito a benfeitorias, nem o direito de retenção. 

Esses Embargos foram julgados improcedentes por decisão já transitada em julgado.

Foi ordenado o despejo e entregues as chaves dos prédios.

Pretendem os então embargantes invocar agora nesta acção direitos que poderiam ter exercido na acção inicial.

Quid Juris?

Avançamos desde já que, no nosso entendimento, não o podem fazer (ao contrário do que foi entendido na decisão recorrida).

Vejamos porquê:

No que toca à execução para entrega de coisa certa determinava o art. 929.º, n.º 1, que “o executado pode deduzir oposição pelos motivos especificados nos artigos 814.º, 815.º e 816.º, na parte aplicável, e com fundamento em benfeitorias”.  

Na acção executiva pode falar-se em ónus de excepcionar do mesmo modo que na acção declarativa, na medida em que está prevista a Oposição à Execução, que é o meio idóneo para a alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam a defesa. 

É nesta Oposição – com natureza declarativa - que o executado deve invocar os fundamentos de que disponha para se opor à pretensão do exequente, sob pena de não poder intentar outra acção para o efeito.

E isso justifica-se pelo respeito devido ao caso julgado, formado pela sentença da Oposição e no âmbito do qual se devem considerar abrangidos todos os meios de defesa – designadamente as excepções – que podiam ter sido invocados, ainda que o não tenham sido.

Com efeito, nos termos do então art. 489.º do CPC, toda a defesa devia (e ainda hoje é assim) ser deduzida na contestação, exceptuados os incidentes que a lei mande deduzir em separado, bem como as excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes, ou que a lei expressamente admita passado esse momento ou de que se deva conhecer oficiosamente, sob pena de ficarem precludidos tais direitos, o que emana do princípio da eventualidade ou da preclusão, no sentido de exigir do réu a exposição de todas as matérias de defesa de forma cumulada e alternativa, fundamenta-se na ideia de “preclusão consumativa”, exigindo-se que a defesa seja apresentada de uma só vez (vícios formais e questões de mérito que no seu entender sejam pertinentes para a solução definitiva do litígio, sob pena de não poder alegá-las posteriormente.

Ou seja, devem esgotar-se na discussão de todos os argumentes existentes factuais e jurídicos referentes àquela relação jurídica, para que a decisão realmente vincule as partes e traga segurança.

O conteúdo do caso julgado não se resume aos meios de defesa que o réu deduziu, mas mesmo aos que ele não chegou a deduzir e até aos que ele poderia ter deduzido com base num direito seu.

Como se pode ler no Ac. STJ de 29.05.2014, proc. n.º 1722/12.9TBBCL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt: “vale a máxima, segundo a qual o caso julgado “cobre o deduzido e o dedutível” ou “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debet”.

Esta posição está em sintonia com o entendimento de Castro Mendes, in “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, pág. 178.

Com efeito, o caso julgado abrange não só aquilo que foi objecto de controvérsia na acção, mas também os assuntos ou factos que o réu tinha o ónus de trazer à colação.

Só assim se consegue a paz jurídica sobre a situação em causa, não fazendo sentido que, anos depois, se reabra a discussão com questões que já existiam à data da 1.ª acção. 

Note-se que, os AA. tiveram no âmbito dos Embargos a possibilidade de exercer os seus direitos, pelo que alegam, já existentes à data e não o fizeram.

Como diz Lopes do Rego “Comentários ao Código de Processo Civil”, Almedina, 1999, página 620: “desde que tenha tido oportunidade processual para o fazer – “maxime” porque tal direito não é de considerar superveniente, relativamente ao momento em que era oportuno deduzi-lo na ação declaratória – considera-se o mesmo precludido – não podendo ser invocado no âmbito da execução»

Também a este propósito, se conclui no Ac. do STJ de 10.10.2012, Proc. nº 1999/11.7TBGMR.G1.S1: «constitui uma grave violação da estabilidade da relação jurídica definida pela sentença transitada em julgado a posterior dedução daquela mesma pretensão fundada em factos materiais que na ocasião já se haviam verificado e que, sem qualquer inconveniente ou prejuízo para o direito material, poderiam ter sido alegados, discutidos e apreciados em toda a sua extensão na primeira acção.

(…) Fazendo-o, teriam permitido que a sentença apreciasse em toda a extensão a realidade emergente dos factos apurados, para efeitos de confirmar ou infirmar o juízo sobre a existência e a titularidade do direito de propriedade inerente à faixa de terreno litigada ou para afirmar ou negar, com base em todos os factores pertinentes, a obrigação de restituição dessa faixa e de demolição da construção que sobre a mesma fora erigida.

Pensamos que o sistema não pode admitir, sem limites, a discussão eterna de questões jurídicas.

Ou, como se pode ler no Ac. do STJ de 10.10.2012, proc. nº 1999/11.7TBGMR. G1.S1:

“ a autoridade de caso julgado inerente à sentença, efeito que visa preservar o prestígio dos Tribunais e a certeza ou segurança jurídica, evitando a instabilidade das relações jurídicas.

   (…) Trata-se de solução para que igualmente aponta Teixeira de Sousa quando refere que com o trânsito em julgado da sentença “ficam precludidos todos os factos que poderiam ter sido invocados como fundamento de uma contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada”, o que se funda em razões atinentes com a boa administração da justiça, com a funcionalidade dos tribunais e com a salvaguarda da paz social, ficando excluída a possibilidade de confrontar o tribunal com “toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada” (Estudos sobre o Processo Civil, 2ª ed., págs. 568, 579 e 586).

Ideia igualmente acentuada por Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, vol. III, pág. 394, e por Mariana França Gouveia, Causa de Pedir na Acção Declarativa, págs. 394, 402 e 495.

Aliás, no nosso modesto entender, nas acções executivas para entrega de coisa certa, o direito de retenção da coisa traduz um ónus processual e a falta de alegação do mesmo gera a sua preclusão.

Se assim não fosse, assistiríamos a uma reversão da ordem de entrega que transitou em julgado, pondo em causa a sua autoridade com a invocação de fundamentos omitidos antes pelas partes e já invocáveis na altura.   

Com efeito, ainda que na Oposição à execução os ora AA. tivessem contestado o direito de entrega invocado pelos ora RR., tinham o ónus de se defender em toda a extensão de tal pretensão, ainda que de forma subordinada ou eventual, prevenindo a hipótese – que acabou por se concretizar - de vencer a posição invocada pela contraparte.

Se é pedida a entrega do prédio e se os oponentes entendiam que tinham o direito de retenção (directamente ligado ao pedido de entrega) era aí que o deveriam ter invocado, pois vir mais tarde invocar tal direito, na presente acção, mais não é do que paralisar a decisão anterior de entrega.

Os pedidos em causa afectam toda a relação jurídica controvertida tal como a mesma é apresentada no tribunal e, assim, põe em crise a autoridade de caso julgado da sentença, já transitada, proferida na acção primitiva, que entendeu inexistirem obstáculos à entrega dos prédios.

Salvo melhor opinião e com todo o respeito, pensamos que a decisão recorrida se concentrou apenas no direito a benfeitorias, esquecendo que o mesmo nesta acção não vêm só, mas sim ligado ao direito de retenção e por isso está intimamente conexo com a Execução e Oposição anteriores.

A segurança jurídica não pode consentir que, após a prolação de uma decisão de entrega transitada em julgado, a parte vencida possa instaurar outra acção em que alegue factos, não invocados na acção anterior, que teriam inviabilizado a procedência da primeira causa.

Desta forma, pensamos que nas acções executivas para entrega de coisa certa, o direito de retenção da coisa traduz um ónus processual e a falta de alegação do mesmo nessa sede, gera a sua preclusão.

Se assim não fosse, assistiríamos a reversão da ordem de entrega, que transitou em julgado, pondo em causa a sua autoridade, com a invocação de fundamentos omitidos anteriormente pelas partes, apesar de já existentes na altura.      

Decorre do exposto que se mostrava impedido o prosseguimento da acção, por via da autoridade de caso julgado projectada pela sentença judicial proferida nos Embargos.

Sendo suficiente o mencionado princípio da preclusão da dedução da defesa para conduzir, por si só, à improcedência de todos os pedidos (principais e subsidiários) é de considerar prejudicado o conhecimento das demais questões, inclusivamente o conhecimento do recurso relativo á sentença final.»  


Todavia, os Recorrentes FF e GG, na linha do parecer junto a fls. 2316-2334, sustentam que a questão se deve centrar no direito às benfeitorias, para mais decorrentes de atividade empresarial, como tal revestido da garantia patrimonial decorrente dos artigos 62.º, n.º 1, e 86.º, n.º 1, da Constituição. Por outro lado, refutam que esse direito tenha sido alcançado pelo caso julgado ou por preclusão em virtude da improcedência dos embargos de executado deduzidos contra a execução para entrega de coisa certa que correu termos sob o n.º 128/00.


Vejamos.


Ainda no domínio do CPC na versão precedente à Revisão de 95/96, introduzida pelos Dec.-Leis n.º 329-A/95, de 12-12, e n.º 180/96, de 25-09, o respetivo artigo 929.º, n.º 1, previa como fundamento específico de embargos à execução para entrega de coisa certa, a invocação de benfeitorias a que o executado tivesse direito.

E o n.º 2 daquele normativo prescrevia que:

Se as benfeitorias autorizarem a retenção, o recebimento dos embargos suspende a execução até ao embolso da importância das benfeitorias, salvo se o exequente depositar ou caucionar a quantia pedida.

    Sobre tal fundamento, Alberto dos Reis considerava que o mesmo só era aplicável quando, não sendo admissível o levantamento das benfeitorias, houvesse lugar à correspetiva indemnização, admitindo que o fosse mesmo nos casos em que as benfeitorias não autorizassem a retenção[1].

       Assim, segundo aquele Autor, no termos do normativo transcrito, o recebimento dos embargos por benfeitorias providas de direito de retenção suspendiam a execução da entrega da coisa até que o embargante fosse embolsado da quantia a esse título liquidada, mas o exequente podia fazer seguir a execução, caucionando tal quantia. Por sua vez, o recebimento dos embargos que não autorizassem a retenção só suspendiam a execução se o executado/embargante prestasse caução, podendo, no entanto o exequente também fazer seguir a execução, caucionando a quantia pedida por benfeitorias.[2]

     Também Castro Mendes[3], seguindo o mesmo entendimento, quanto ao fundamento de benfeitorias invocado em embargos à execução de entrega de coisa certa, considerava que:

«Este caso é um caso de reconvenção em acção executiva […]. Se o tribunal reconhecer o direito às benfeitorias, parece que ele possa ser executado na própria execução para entrega de coisa certa.» .

            

Com a Revisão do CPC de 95/96, procurando-se clarificar dúvidas que então se suscitavam, foi alterado o n.º 2 e aditado um n.º 3 ao citado artigo 929.º, que ficaram com o seguinte teor:

2. Se o exequente caucionar a quantia pedida a título de benfeitorias, o recebimento dos embargos não suspende o prosseguimento da execução

3. Os embargos com fundamento em benfeitorias não serão admitidos quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.


Posteriormente, o Dec.-Lei n.º 199/2003, de 10/09, em vigor desde 15/09/2003 e só aplicável aos processos instaurados após esta data, deu aos transcritos n.º 2 e 3 a seguinte redação:

2. Se o exequente caucionar a quantia pedida a título de benfeitorias, o recebimento da oposição não suspende o prosseguimento da execução.

3. A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.

    Assim, esta alteração veio somente adaptar a terminologia destes normativos à então nova designação de “oposição à execução” em vez da precedente designação de “embargos de executado”.


     Diferentemente do que era sustentado pela doutrina tradicional, há quem defenda que o direito a indemnização por benfeitorias só pode fundar a oposição à execução para entrega de coisa certa quando importe direito de retenção, como exceção peremtória que é em face da pretensão executiva de entrega, já que a invocação de benfeitorias sem direito de retenção se reconduziria a um pedido reconvencional não permitido em sede de oposição à execução[4].

     Porém, outros continuam a sustentar a admissão da invocação de benfeitorias independentemente do correspetivo direito de retenção. Por exemplo, Lopes do Rego, considera que o regime decorrente da revisão de 95/96 veio desvincular tal invocação do direito de retenção, posto que a caução do valor das benfeitorias pelo exequente garante a quantia reclamada, a este título, pelo executado, concedam elas ou não o direito de retenção[5].

     Seja como for, não se divisa base legal que imponha a invocação do direito a benfeitorias como fundamento da oposição à execução de entrega de coisa certa sob pena de preclusão desse direito, como também não se impõe a sua dedução por via reconvencional em sede de ação declarativa. De resto, a defesa por reconvenção é, em regra, de natureza facultativa, como decorre do disposto no n.º 1 do art.º 266.º correspondente ao anterior 274.º do CPC[6].

     Porém, se o executado lançar mão desse fundamento em oposição à execução, sobre a decisão de mérito nesse âmbito proferida afigura-se que recairá o efeito de caso julgado material nos termos gerais.

     Nesta linha de entendimento, não se sufraga a tese do acórdão recorrido quando considera que a não invocação do direito a benfeitorias como fundamento de embargos à execução de entrega de coisa certa fica alcançada pelo caso julgado ou pelo efeito preclusivo dos meios de defesa não deduzidos.

Com efeito, o direito a benfeitorias, ainda que emergente da mesma relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art.º 266.º, n.º 2, alínea b), do CPC. De resto, o próprio direito a benfeitorias está ainda sujeito a prescrição, discutindo-se até se será de aplicar o prazo de 20 anos da prescrição ordinária (art.º 309.º do CC)[7] ou o prazo de três anos previsto para o enriquecimento sem causa (art.º 482.º do CC)[8].  

Nessa conformidade, a não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos de caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no artigo 573.º do mesmo Código, dado, neste caso, não se tratar dum meio excetivo intrínseco ao direito à restituição da coisa.    

De igual modo, sucederá nos casos em que o executado demandado em sede de execução para entrega de coisa certa, deixe de invocar o direito a benfeitorias em relação a essa coisa como fundamento dos embargos, tanto nos casos em que o direito a benfeitorias esteja garantido pelo direito de retenção, como nos casos em que o não esteja. 

Basta pensar na hipótese de execução de sentença condenatória de entrega de coisa, em que o executado não tenha oportunamente feito valer, na ação declarativa, o seu direito a benfeitorias. Nesta situação, está vedada a invocação do direito a benfeitorias como fundamento de embargos àquela execução, nos termos do n.º 3 do atual artigo 860.º correspondente ao anterior artigo 929.º do CPC. Não obstante isso, não fica precludido o seu direito a benfeitorias, que poderá ser exercido em ação própria.      

Todavia, se o executado for demandado em execução para entrega de coisa certa e não invocar ou não lhe for já permitido invocar o direito a benfeitorias que autorizem a retenção da coisa, uma vez efetuada a entrega judicial, afigura-se que com tal entrega se extingue o direito de retenção de que porventura gozasse, nos termos do artigo 761.º, parte final, do CC.

Não se ignora que a entrega prevista no citado normativo, como causa própria de extinção do direito de retenção, tem como fundamento subjacente a renúncia tácita por parte do retentor, o que implica tratar-se de entrega voluntária, não relevando para tal, por exemplo, os atos de esbulho[9]. Em relação a estes é lícito ao retentor recuperar a coisa, lançando mão dos meios possessórios, nos termos do artigo 670.º, n.º 3, alínea a), aplicável por força dos artigos 758.º e 759.º do CC[10]. Também se a entrega for obtida com base em vício de vontade, nomeadamente por coação, será admissível a sua recuperação através da competente ação anulatória.

Tratando-se, no entanto, de entrega judicial a que o retentor não opôs oportunamente, como lhe era facultado, o direito de retenção, é forçoso concluir que o não uso dessa faculdade equivale a renúncia tácita deste direito real de garantia e portanto extintiva do mesmo, nos termos do artigo 761.º do CC, sem prejuízo da subsistência do direito a benfeitorias que lhe estiver associado, mas agora desprovido daquela garantia.       


     No caso em apreço, os prédios em referência foram objeto de uma anterior execução de despejo em que os ali executados não invocaram nem o pretenso direito a benfeitorias nem o respetivo direito de retenção relativamente àqueles prédios, não tendo, por isso, sido proferida qualquer decisão com força de caso julgado material sobre tais direitos.

      No entanto, com a entrega judicial desses prédios, ocorrida em 02/ 05/2006, como se refere na sentença da 1.ª instância (fls. 1932), extinguiu-se o eventual direito de retenção que garantisse o pretenso direito às benfeitorias dos A.A., nos termos do já citado artigo 761.º, parte final, do CC.

     Todavia, essa extinção do direito de retenção não tem o efeito de precludir o alegado direito às benfeitorias, para cujo exercício os seus titulares dispõem do competente direito de ação.

    Nesta circunstâncias, não é de manter a decisão recorrida na parte em que julgou procedentes as exceções de caso julgado e de preclusão do alegado direito às benfeitorias, havendo assim que julgar improcedente tais exceções quanto a esse direito.

     Nessa medida, não se podem também ter por prejudicadas as demais questões suscitadas no recurso de apelação da sentença final interposto por AA e outros, como réus na ação 92/2002 e autores na ação apensa n.º 92/2002.


2. Quanto à questão da omissão de pronúncia suscitada na revista interposta por AA e outros


Os Recorrentes AA e outros invocaram a omissão de pronúncia do acórdão recorrido quanto às questões suscitadas na apelação sobre o segmento decisório da sentença da 1.ª instância que julgou improcedente os pedidos de indemnização por eles formulados no âmbito da ação apensa n.º 92-B/2002 contra FF e GG.

Ora, na sentença da 1.ª instância, foi considerado que os pedidos fundados em danos que os autores da ação principal causaram aos ali réus, por não lhes terem feito a entrega do locado na data em que entendiam devida, improcediam, independentemente da ocorrência desses danos, por não ser ilícita a ocupação, já que justificada pelo direito de retenção (fls. 1938). E os demais pedidos, foram também julgados improcedentes por não existir qualquer obrigação de indemnização contratual ou extracontratual (fls. 1939).

Por sua vez, o acórdão recorrido considerou, bem ou mal, também prejudicadas todas as questões suscitadas na apelação interposta por aqueles Recorrentes em virtude da solução dada às exceções de caso julgado e de preclusão dos direitos dos autores da ação n.º 92/2002.  


Sucede que a conclusão a que se chegou no ponto precedente no sentido de julgar improcedentes as exceções de caso julgado e de preclusão quanto ao invocado direito a benfeitorias, impõe o conhecimento, por parte da Relação, do objeto da apelação da sentença final, seja quanto ao efetivo direito às benfeitorias e ao direito de retenção que, nessa base, porventura lhe assistiria até à entrega judicial ocorrida em 02/05/2006, seja quanto às pretensões indemnizatórias peticionadas na ação n.º 92-B/2002, dependentes ou não da existência daquele direito de retenção.       


IV - Decisão

Pelo exposto, acorda-se em:

A – Conceder, parcialmente, a revista interposta por FF e GG, decidindo-se:

a) - Revogar o segmento decisório do acórdão recorrido que julgou procedentes as exceções de caso julgado e de preclusão do peticionado direito às benfeitorias e julgar tais exceções improcedentes;

b) – Confirmar o segmento decisório do acórdão recorrido sobre a preclusão do direito de retenção com a entrega judicial dos prédios em causa;

c) – Em consequência disso, determinar que os autos baixem à Relação para conhecer do objeto da apelação interposta da sentença da 1.ª instância no respeitante ao direito às benfeitorias ali reconhecido e ao direito de retenção até à sobredita entrega judicial, bem como quanto ao impugnado segmento decisório daquela sentença que julgou improcedente a ação n.º 92-B/2002;

B – Considerar, por via disso, prejudicado o objeto da revista interposta por AA e outros.

 As custas devidas pela revista interposta por FF e GG ficam a cargo das partes, na proporção de 1/3 para os Recorrentes e 2/3 para os Recorridos.

As custas devidas pela revista interposta por AA e outros são devidas a final na proporção do decaimento das partes.  

                                              

Lisboa, 8 de junho de 2017

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

João Luís Marques Bernardo

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[1] In Processo de Execução; Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1982, pp 541-542.
[2] No mesmo sentido, vide Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1987, p. 721.
[3] In Direito Processual Civil (Acção Executiva), Edição da AAFD de Lisboa, 1971, p. 213, nota (1).
[4] Neste sentido, vide Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da Reforma, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2004, pp. 379-380 e Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 11.ª Edição, 2009, p. 435.    
[5] In Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, Almedina, 1999, pp. 619-620.
[6] Um caso excecional de reconvenção sob pena de preclusão será o previsto no art.º 921.º, n.º 1, do CPC, no âmbito da consignação em depósito, quando o credor impugnar o depósito por entender que é maior ou diverso o objeto da prestação devida.
[7] Neste sentido, vide acórdão do STJ, de 15/01/1981, relatado pelo Juiz Cons. Moreira da Silva, no processo n.º 068778, cujo sumário se encontra acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[8] Neste sentido, vide acórdão do STJ, de 17/03/2003, relatado pelo Juiz Cons. Duarte Soares, no processo n.º 03B3091, acessível na Internet – http://www.dgsi.pt/jstj.
[9] A este propósito, vide Estudo de Vaz Serra, Direito de Retenção, in BMJ n.º 65, p. 243, e Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, Coimbra Editora, 1987, pp. 783-784.   
[10] Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p. 784.