Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B1880
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOITINHO DE ALMEIDA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
REQUISITOS
DIVÓRCIO POR MÚTUO CONSENTIMENTO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: SJ200507120018802
Data do Acordão: 07/12/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 4220/03
Data: 03/20/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - O processo regulado nos artigos 1094.° e seguintes do Código de Processo Civil é aplicável à dissolução do casamento por mútuo consentimento, realizada em sede administrativa.
II - A prova de que não se verificam os requisitos das alíneas b) a e) do artigo 1096 do mesmo Código compete ao requerido, devendo, em caso de dúvida, considerar-se preenchidos.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


1. A pediu a revisão e confirmação da decisão, proferida em 30 de Outubro de 1984, da Conservatória do Registo Civil do Bairro Leninski de Kiev, Ucrânia, que dissolveu o seu casamento com B, contraído em 18 de Janeiro de 1980.

Juntamente com a petição inicial apresentou o documento de fls. 8 (traduzido a fls.9) emanado daquela Conservatória, de que consta ter o casamento sido dissolvido e feita a inscrição n°324. Mais se acrescenta ficar o Requerente com o apelido .
e sua ex-mulher, com o apelido de ...

Citada a Requerida, enviou esta ao Tribunal a carta de fls. 14 onde se referem diligências para o registo do filho de ambos, em Portugal, e se não contesta o requerido.
Por despacho de fls.16 foi o Recorrente notificado para apresentar a sentença revidenda pois o documento de fls. 9 se limita a atestar a dissolução do casamento.
Informou o Requerente que os divórcios na Ucrânia têm como único documento o apresentado a fls.9.
Foi então solicitada à Embaixada e Consulado da Ucrânia informação sobre se o documento de fls.9 tem o valor de sentença de divórcio. Apesar de várias insistências, não foi obtida resposta.
Por acórdão de 10 de Março, a Relação de Lisboa julgou improcedente a acção, negando a revisão e confirmação pedidas.
Inconformado recorreu A para este Tribunal, concluindo as alegações da sua revista nos seguintes termos:

1. Por conseguinte, o requerente é um digno cidadão português, que quer pura e simplesmente regularizar a sua situação e nada mais que isso. Não podendo ele antever que passados 21 anos, teria "problemas" com um documento original, autêntico e emitido numa única via, por um Estado Soberano, como era a antiga U.R.S.S.. Devendo este ser respeitado nesse sentido, como também o conteúdo das Decisões emanadas pelas suas instituições e Conservatórias.

2. Consequentemente, fica demonstrado que o respectivo documento, a Decisão da Conservatória do Registo Civil do Bairro Leninski de Kiev, na antiga U.R.S.S. é suficiente para a respectiva Revisão e Confirmação da Sentença Estrangeira de Divórcio. Pois contem todos os requisitos e foram respeitados todos os preceitos processuais, para que tal se verifique.

3. Assim, por estarem reunidos elementos, deverá ser confirmado o que foi referido neste Recurso de Revista, devendo o mesmo ser aceite, não dando provimento ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa e deverá ser concedida a Revisão e Confirmação da Sentença Estrangeira de Divórcio.

Cumpre decidir.
2. A presente revisão de sentença estrangeira é necessária pois a República da Ucrânia não é parte da XVIII Convenção de Haia, que dispensa a revisão e confirmação das sentenças de divórcio e de separação de pessoas e bens.
Entendeu o acórdão recorrido que o documento de fls.9 se limita a constatar a dissolução do casamento, ignorando-se se tem o valor de sentença.

A este respeito importa observar que, em muitos Estados, a dissolução do casamento por mútuo consentimento é feita em sede administrativa e que o processo regulado nos artigos 1094° e seguintes do Código de Processo Civil é, neste caso, aplicável (vejam-se, entre outros, o acórdão do STJ de 16 de Dezembro de 1999, revista n°55/99 e os acórdãos da Relação do Porto de 12 de Julho de 1983, na Col.Jur., 1983,IV,221, da Relação de Lisboa, de 10 de Julho de 1984, no BMJ,346,304, da Relação de Lisboa, de 3 de Junho de 1993, no BMJ,428,671 e da mesma Relação, de 28 de Janeiro de 1999, na Col.Jur., 1999,I,99).

Ora, tudo leva a admitir ser este o caso pois o documento de fls.9 é emanado de uma Conservatória de Registo Civil e constata a dissolução do casamento. Ouvida a Requerida, endereçou esta uma carta ao Tribunal donde resulta que nada tem a opor ao pedido de revisão.
Não subsistem dúvidas quanto à autenticidade do mencionado documento nem quanto à compreensão do decidido , verificando-se, assim, o requisito da confirmação previsto na alínea a) do artigo 1096°, do Código de Processo Civil. E, quanto aos requisitos das alíneas b) a e), tem este Tribunal entendido que a prova de que não se verificam compete ao requerido, devendo, em caso de dúvida, considerar-se preenchidos (acórdão de 23 de Março de 2000, processo n°89/00). E a decisão em causa em nada colide com princípios da ordem pública internacional do Estado Português (alínea f)).

Nestas condições, concede-se a revista julgando procedente o pedido de revisão e confirmação da decisão que decretou o divórcio.
Sem custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2005
Moitinho de Almeida,
Ferreira de Almeida,
Abílio Vasconcelos .