Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1289/08.2PHLRS.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: VÍCIOS DO ARTº 410 CPP
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
COMPARTICIPAÇÃO
NULIDADE DE ACÓRDÃO
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: DECLARADA A NULIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO DEVENDO SER PROFERIDO NOVO ACÓRDÃO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA / NULIDADE DA SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / AUTORIA.
Doutrina:
- Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra Editora, 1974, p. 204 e ss.;
- Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Editorial Verbo, 1994, Volume III, p. 111;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição revista, 2007, Volume I, p. 516 ; Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª Edição, Volume II, anotações ao artigo 205.°;
- Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Tomo III, 2007, anotações III e IV ao artigo 205.º;
- Oliveira Mendes, Henriques Gaspar et alii, Código de Processo Penal comentado, Almedina, 2016, comentário ao artigo 379.º;
- Paulo Saragoça da Matta, A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coorden. científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, p. 255;
- Pinto de Albuquerque, Comentário do CPP, Católica Editora, anotação ao artigo 428.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 374.º, N.º 2, 379.º, N.ºS 1, ALÍNEA A) E 2, 402.º, 403.º, 410.º, N.ºS 2 E 3, 412.º, 425.º, N.º 4 E 434.º.
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 26.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º, N.º 1.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS HUMANOS (CEDH): - ARTIGO 6.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 7/95, IN DR-I, DE 28-12-1995;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 87/12.3SGLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 15-12-2011, PROCESSO N.º 17/09.0TELSB.L1.S1;
- DE 23-11-2016, PROCESSO N.º 2039/14.0JAPRT.P1.S1, IN SASTJ, SECÇÃO CRIMINAL, ANO DE 2016, WWW.STJ.T;
- DE 29-04-2015, PROCESSO N.º 791/12.6GAALQ.L2.S1, WWW.DGSI.PT;
- DE 02-10-2014, PROCESSO N.º 87/12.3SGLSB.L1.S1,IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-11-2017, PROCESSO N.º 22/14.4PEFUN.L1.S1;
- DE 16-03-2005, PROCESSO N.º 5P662, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 11-02-2017, PROCESSO N.º 227/07.4JAPRT.P2.S1;
- DE 10-04-2007, PROCESSO N.º 83/03.1TALLE.E1.S1;
- DE 03-10-2007, PROCESSO N.º 1779/07;
- DE 16-03-2005, PROCESSO N.º 662/05;
- DE 13-02-1992, IN CJ, ANO XVII, TOMO I, P. 36;
- DE 22-03-2017, PROCESSO N.º 873/12.4PAVNF.G1.S1;
- DE 22-06-2017, PROCESSO N.º 119/12.5TALSA.C1.S1.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 64/2006;
- ACÓRDÃO N.º 659/2011;
- ACÓRDÃO N.º 290/2014.
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS HUMANOS (TEDH):

- DE 09-07-2007, CASO TATISHVILI C. RÚSSIA.
Sumário :

I - Nos termos do art. 434.º do CPP, o recurso interposto para o STJ de acórdãos do tribunal da Relação visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios da decisão recorrida e de nulidades não sanadas, nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.
II - Para além disso, por virtude da alteração ao n.º 2 do artigo 379.º do CPP, introduzida pela Lei 20/2013, de 21-02, deve o STJ, no âmbito dos seus poderes de cognição em matéria de direito, conhecer das nulidades da sentença recorrida a que se refere o n.º 1 do mesmo preceito, aplicável aos acórdãos do tribunal da Relação proferido em recurso ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, mediante arguição ou oficiosamente, de modo a obter-se o seu suprimento, evitando-se que, apesar de reexaminadas por tribunais superiores, possam subsistir sentenças inquinadas de vícios geradores de nulidade.
III - Como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Tribunal, não estando em causa o objecto do processo, mas a decisão recorrida, impõe-se que, por dupla via de remissão dos arts. 425.º, n.º 4, e 379.º do CPP, as exigências de pronúncia e fundamentação dos acórdãos dos tribunais da Relação, proferidos em recurso, decorrentes da aplicação do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, devam sofrer as adaptações devidas, em função do objecto e do âmbito do recurso.
IV - O dever de fundamentação, na dimensão que lhe é conferida enquanto princípio fundamental decorrente do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, e como manifestação do direito a um processo equitativo, nos termos do artigo 6.º da CEDH, implica que o tribunal da Relação, conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga procedente ou improcedente o recurso, nomeadamente que, ao pronunciar-se sobre alegada nulidade de fundamentação da sentença, verifique o cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, sem prejuízo de, em caso de adesão aos fundamentos da decisão recorrida, a fundamentação se bastar com a enunciação das razões da concordância, assim se conferindo efectividade à garantia do recurso em matéria de facto.
V - Do dever de fundamentação da sentença condenatória decorre que a decisão sobre matéria de facto, por si mesma ou depois de corrigida em recurso, proceda à indicação dos factos e das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, com o necessário exame crítico destas, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou a impugná-la de forma eficiente. É o exame crítico das provas que credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão, os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador.
VI - O que estava em causa no recurso para a Relação era a questão de saber se o acórdão condenatório satisfaz devidamente o dever de fundamentação nos termos exigidos pelo n.º 2 do art. 374.º do CPP, explicitando-se, assim, as bases e o modo como, no raciocínio lógico da argumentação, o tribunal concluiu que os arguidos participaram nos factos de que resultou a morte da vítima, querendo e realizando esse resultado, em conjunto e em comparticipação com outras pessoas não identificadas, tal como descrito nos factos provados, ou se, não contendo essa explicitação, se encontra ferido de nulidade, nos termos previstos no art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
VII - A explicitação dos fundamentos da decisão, com exame crítico das provas, quanto à comparticipação dos arguidos na acção de tirar a vida à vítima e aos elementos subjectivos do tipo de ilícito, assume crucial importância, na medida em que se trata de constituir as bases de facto para se poder concluir que os arguidos devem ser punidos como co-autores do homicídio, por se demonstrar que tomaram parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (artigo 26.º do Código Penal), o que os recorrentes contestam.
VIII - Apreciando a nulidade invocada, o tribunal da Relação limita-se a adoptar a fundamentação do acórdão da 1.ª instância, não sendo possível, no que directamente releva para a decisão de direito sobre a questão da co-autoria, extrair do texto da fundamentação, sem incursão na apreciação das provas, as razões por que estão considerados provados o elemento subjectivo do tipo de ilícito, a formação do acordo inicial entre os arguidos e outros elementos do grupo para matar a vítima, como modo de levar a efeito a “vingança” que moveu a acção do grupo em que os arguidos se incluíam, bem como a participação dos arguidos em toda a acção que decorre a partir desse momento inicial em execução de uma vontade conjunta destinada a produzir a morte da vítima, como resultado visado por essa acção em que os arguidos participam conjuntamente, entre si e com outros.
IX - Sendo os acórdãos das instâncias omissos a este respeito, não estando demonstradas as razões pelas quais as instâncias consideram provados estes aspectos da matéria de facto, de modo a poder considerar-se cumprido o dever de fundamentação, impõe-se concluir que, nesta parte, o acórdão recorrido se mostra ferido de uma nulidade de fundamentação, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), correspondentemente aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, a qual, devendo ser declarada, não pode ser suprida por este Tribunal, por respeitar a matéria de facto subtraída à sua competência.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. Pelo Juízo Central Criminal de Loures, Comarca de Lisboa Norte, foi proferido acórdão no qual foi decidido:

a) Condenar o arguido AA, como co-autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 26.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas h), todos do Código Penal, na pena de 13 (treze) anos de prisão

b) Condenar o arguido BB, como co-autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 26.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas h), todos do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos e 9 (nove) meses de prisão;

c) Condenar o arguido CC, como co-autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 26.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas h), todos do Código Penal, na pena de 14 (catorze) anos de prisão;

d) Condenar o arguido DD, como co-autor material de um crime de homicídio qualificado, previsto e punido pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 26.º, 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, alíneas h), todos do Código Penal, na pena de 13 (treze) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2.  Desse acórdão, recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação do Lisboa, o qual, por acórdão de 26.9.2017, negou provimento aos recursos, confirmando o acórdão recorrido.

3.  Inconformados, vêm agora os arguidos recorrer desta decisão do tribunal da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça.

a) Recurso do arguido AA

O recorrente AA identifica o objecto do recurso no ponto 7 da motivação, nos seguintes termos:

«A) O presente recurso visa a análise do ilícito em que o arguido foi condenado, ou seja, num homicídio qualificado em co-autoria, e na primeira fase o presente recurso analisará se a prova produzida leva ou não à conclusão de que houve co-autoria.

B) Numa segunda fase do presente recurso tentar-se-á demonstrar se houve, atenta a matéria de facto gravada, a mesma pode levar à decisão de imputar tal factualidade ao ora recorrente a título de homicídio qualificado, ou seja, pois que se assim não for, estaremos perante um erro na apreciação da matéria de facto.

C) Na terceira fase do recurso que ora se apresenta demonstrar-se-á que houve um erro na aplicação do direito atenta a forma e a matéria provada, bem como a prova gravada.

D) Igualmente, e caso houvesse, ilícito penal, nos presentes autos, o que se aceita apenas por mera cautela de patrocínio, a não aplicação do regime de jovens delinquentes ao caso concreto, é também um erro na aplicação do direito».

Desenvolve, de seguida, a sua motivação, concluindo (transcrição):

«A) O presente recurso tem a sua génese no acórdão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte – Loures – JCriminal – J1 e que no que aos factos de que foi condenado por aquele acórdão, teve tal condenação confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. (…)

C) O presente recurso visa demonstrar que não poderia ter sido proferida decisão:

•   De que houve co-autoria na prática do ilícito.

•   Pois que a matéria e os testemunhos gravados e que alicerçam a matéria de facto provada, não permitem que tal possa acontecer e por outro lado não pode tal matéria levar à imputação ao arguido do crime de homicídio qualificado, estaremos perante um erro na apreciação da matéria de facto e um erro na aplicação do direito.

D) Quanto a co-autoria que foi considerada provada no douto acórdão, a mesma necessita de elementos fulcrais para que a mesma possa ser dada como provada e elas são a intervenção directa na fase de execução do crime, o acordo para a realização conjunta do facto e o domínio funcional do facto.

E) Ora, a co-autoria baseia-se na distribuição funcional dos papéis em que há uma resolução conjunta e as contribuições individuais completam-se num todo unitário, sendo o resultado imputado a todos os participantes.

F) Já a cumplicidade pressupõe um mero auxílio material ou mural a facto doloso praticado por outrem, pelo que ao cúmplice fica a faltar um elemento fundamental da co-autoria, o domínio do facto típico. E tal situação é perfeitamente explicável no acórdão do STJ 148/10.3SCLSB.L1.S1., consultável em www.dgsi.pt.

•   “A exigência legal, no art.º 26.º, do CP, de o co-autor para ser punível ter que tomar parte directa na execução com os outros, torna manifestamente imprescindível a sua actuação durante a execução da acção típica, ou seja depois de alguns co-autores terem cometido actos de execução, não podendo limitar-se a actos preparatórios, o que não teria o mínimo de correspondência na lei, com cabimento só por aplicação analógica, que seria vedada pelo princípio “nullum criminem, nulla poena sine lege stricta “, que é um corolário do princípio da legalidade, segundo Maria da Conceição Valdágua, op. cit. 133.

•   Os actos preparatórios, salvo casos contados, não são puníveis precisamente porque não sendo na generalidade conhecidos não produzem, ainda, uma impressão juridicamente abaladora, mas já o são os actos de execução, aqueles que significam por em movimento um processo de tal natureza.

•   E estes têm a dimensão esclarecida no art.º 22.º do CP, para punibilidade da tentativa; enquanto preenchem um elemento constitutivo do tipo; forem idóneos a produzir o resultado típico, ou que, segundo a experiência comum, e salvo circunstâncias imprevisíveis forem de natureza a fazer esperar que se sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores – n.º 2 a), b) e c). Em concreto ao que ao recorrente diz respeito, a matéria de facto dada como provada sob os números 2, 3, 4, 10, 11,12,13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27 e 28, não têm qualquer sustentação, sendo meras suposições e deduções do Tribunal “a quo” que não tem matéria de facto a sustentá-las.

•   A única sustentação é referida pelo Tribunal “a quo” quando refere “A testemunha identifica – dando características físicas correctas - o --, o --, o --, o --, o -- e o -- como sendo pessoas que conhece e que entraram na casa da vítima, alguns com armas de fogo e que a abandonam a fugir.”

•   Aliás, veja-se que o douto acórdão refere sobre a arma que foi usada no homicídio o seguinte: “No entanto, mesmo esta arma não permite apontar os autores dos factos pois que existem cartuchos da mesma junto ao lote 2 mas os tiros no interior são de uma arma diferente, mormente uma 7,65 mm., arma esta nunca apreendida.”

•   Ora, no aspecto objectivo a contribuição de cada co-autor deve ter uma determinada importância funcional no papel que levou à realização de um plano conjunto, o domínio funcional do facto e a este respeito, veja-se o acórdão do STJ de 24/03/2011 Proc. 322/08.2TARGR.L1.S1 – 3, no qual se refere que é indispensável uma decisão conjunta e uma execução conjunta da decisão, o acordo entre os agentes pode ser expresso ou tácito, prévio ou não à execução do facto.

•   E tal situação levanta a questão se o AA não tivesse ido, o homicídio não teria ocorrido? Ou seja, a colaboração que o recorrente teve no estádio da execução era um pressuposto indispensável à realização do evento?

•   Julgamos que não, sendo que o acórdão jamais consegue revelar qual o grau de intervenção de AA, se é que tal ocorreu.

•   Jamais se sabe no douto acórdão se o AA esteve na cozinha, bem como se saiu antes dou depois dos identificados ou do conjunto dos não identificados.

•   Ou seja, o douto acórdão não demonstra o acordo sobre o plano comum da execução do facto, a execução conjunta e o domínio funcional do facto, o que como explica Maria da Conceição Santana Valdágua, são elementos constitutivos essenciais da co-autoria no Direito Penal Português.

•   O douto acórdão adoptou uma solução global, a qual é inadmissível no Direito Penal Português e o qual viola os artigos 29.º nr. 1 e 3 da CRP e o artigo 1.º nr. 3 do CP.

•   O douto acórdão não logrou provar o plano, a necessidade de intervenção do recorrente, a intenção de atingir aquele resultado e de toda a relevância para a decisão em causa que o ora recorrente tenha intervindo na execução do tipo legal de crime em análise.

G) Não provou igualmente – embora tal nem fosse punível – que o recorrente fosse elemento participativo na quebra das janelas por onde viriam a entrar as pessoas que participaram nos factos em análise

H) E tais factos teriam de ser factos típicos – aqui o homicídio – pois teriam que ser factos idóneos a causar a morte ou que a natureza de tal facto fizesse esperar a morte – artigo 22.º nr. 2 do CP.

I)É que o co-autor tem que tomar parte directa na execução do facto ou dos factos de que resulte a acção global e assim sendo o resultado. A este respeito veja-se acórdão do STJ de 18/10/2006.

J) E não podemos deixar de nestas conclusões referir mais uma vez a conclusão do acórdão do STJ 148/10.3SCLSB.L1.S1conclui que:

•   ”A exigência legal, no art.º 26.º, do CP, de o co-autor para ser punível ter que tomar parte directa na execução com os outros, torna manifestamente imprescindível a sua actuação durante a execução da acção típica, ou seja depois de alguns co-autores terem cometido actos de execução, não podendo limitar-se a actos preparatórios, o que não teria o mínimo de correspondência na lei, com cabimento só por aplicação analógica, que seria vedada pelo princípio “nullum criminem, nulla poena sine lege stricta“, que é um corolário do princípio da legalidade, segundo Maria da Conceição Valdágua, op. cit. 133. Os actos preparatórios, salvo casos contados, não são puníveis precisamente porque não sendo na generalidade conhecidos não produzem, ainda, uma impressão juridicamente abaladora, mas já o são os actos de execução, aqueles que significam por em movimento um processo de tal natureza.

•   E estes têm a dimensão esclarecida no art.º 22.º do CP, para punibilidade da tentativa; enquanto preenchem um elemento constitutivo do tipo; forem idóneos a produzir o resultado típico, ou que, segundo a experiência comum, e salvo circunstâncias imprevisíveis forem de natureza a fazer esperar que se sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores – n.º 2 a), b) e c).”

K) Assim, o acórdão recorrido ao aplicar tal doutrina e jurisprudência de forma errada, dando-lhe significado bem mais diverso e amplo do que se pode retirar do caso concreto, violou os artigos 26º e 22º do CP ao considerar que o recorrente é comparticipante na forma de co-autor.

L) O douto acórdão tem uma deficiente fundamentação da matéria de facto dada como assente. E de tal maneira assim é que, o douto acórdão recorrido fundamentou a matéria de facto da seguinte forma: “Já quanto à autoria dos disparos que levaram à morte de EE a questão não é tão linear. A testemunha ouvida - FF, que conhece os arguidos do bairro - refere que houve, na sequência dos disparos feitos na discoteca, um ajuntamento de várias dezenas de pessoas junto à casa de EE e que foram feitos disparos e arremessos de pedras para a mesma. Esta testemunha refere que não consegue identificar quem quer que fosse. As demais testemunhas, que não GG, respeitam ao incidente da discoteca e dizem nada ter visto deste segundo incidente ou são elementos policiais que não podem depor sobre estes factos por não os haverem presenciado. A única testemunha ocular que referiu inequivocamente quem foram os agentes dos crimes foi a testemunha GG, ouvida em declarações para memória futura. Acontece que tal testemunha não voluntariou informação com respeito à identificação a qual surge apenas e só por via da leitura das declarações prestadas em inquérito, obtida que foi a concordância dos intervenientes (fls. 76 e 80). A identificação que a testemunha faz foi a muito custo sendo que quanto ao primeiro episódio é inconclusiva e quanto ao segundo episódio estava no exterior e não viu o sucedido no interior da casa. Contudo, a testemunha, nas declarações que lhe foram lidas (pois que foi obtida a prévia anuência do Ministério Público e da defesa), é peremptória a referir que “ de repente alguém disse ‘vamos lá, foram eles’, sendo que começaram a caminhar para a parte de cima do bairro. Quando chegou ao lote 2 verificou que as pessoas estavam a arremessar pedras contra as janelas da residência do rés-do-chão, onde viviam o HH e o II (…) A dada altura foi surpreendido por disparos de arma de fogo proveniente do lado de dentro da residência dos gémeos. Revela que alguns dos indivíduos que se encontravam no exterior empunhavam aramas de fogo, pelo que responderam ao fogo atingindo as janelas da habitação. Após terem destruído uma das janelas um grupo de indivíduos entrou para o interior da habitação. Perguntado, refere que alguns dos indivíduos empunhavam armas de fogo. Questionado refere que viu entrar o ..., o .., o .., o ..., o .. e o .. e outros indivíduos que não conseguiu reconhecer (…) Acrescenta que logo ouviu gritos vindos do interior da habitação. (…) refere que alguns dos indivíduos que entraram pela janela empunhavam armas de fogo (…)” (sublinhado nosso). Ora, estas declarações não foram desmentidas por ninguém. Quem quer que fosse as pôs em causa e elas próprias são suportadas pelo depoimento da testemunha FF que descreve o ambiente fora da casa da vítima.”

M) Utilizando apenas as declarações de GG para determinar o modo, tempo e lugar da ocorrência dos factos e fundamentar a intervenção dos autores, sendo que, este não refere nem identifica ninguém que estivesse a arremessar pedras, que empunhasse armas, ou que tenha feito disparos, sendo que a forma como as declarações foram “obtidas” em que o juiz de 1ª Instância – Presidente do Colectivo – ameaça a testemunha com um processo crime e tenta intimidar a mesma de forma a que esta siga o caminho por si pretendido, como se demonstra nas declarações que foram feitas e que se transcreveram supra pela fulcral importância, não permitem, alicerçar as conclusões e as decisões que as mesmas tiveram no acórdão de 1ª Instância e que foram confirmadas pelo Tribunal da Relação e que salvo melhor opinião, devem por V.Exas. ser analisadas, nos termos que tal é permitido, atento o artigo 410.º nr. 2 al. a), b) e c) do C.P.P.

N) Até porque estes, conforme é referido no douto acórdão pela testemunha vieram de dentro da residência dos gémeos “Quando chegou ao lote 2 verificou que as pessoas estavam a arremessar pedras contra as janelas da residência do rés-do-chão, onde viviam o HH e o II (…) A dada altura foi surpreendido por disparos de arma de fogo proveniente do lado de dentro da residência dos gémeos.”

O) E sobre tal factualidade não se pronunciou o douto acórdão que ignorou tal ocorrência quando se vincula às declarações desta em parte e não no seu todo, e da forma supra descrita.

P) Os factos teriam ocorrido se não tivessem existido disparos do interior da habitação? Se tal não tivesse acontecido teria havido entrada na habitação?

Q) Por outro lado, e tendo ocorrido tal qual a testemunha refere e é incrementado no douto acórdão, afastada fica a teoria de premeditação do alegado grupo em função do que aconteceu em festa.

R) O exame crítico das provas deve indicar no mínimo as razões de ciência que na perspectiva do Tribunal ora recorrido foram importantes na convicção do Tribunal. A este respeito veja-se o que diz Germano Marques da Silva que é contrário à decisão do Tribunal recorrido que limita-se a concluir que se A e B entraram na habitação e C morreu, A e B são homicidas.

S) Tal fundamentação em que se faz um insuficiente exame crítico viola o estatuído no artigo 374º nr. 2 do CPP e acarreta a nulidade do acórdão nos termos do artigo 379º nr. 1 al. a) também do mesmo preceito legal.

T) O douto acórdão faz a destrinça entre factos provados e não provados, mas, não imputa factos concretos ao aqui recorrente e os que o faz fá-lo de forma genérica e incongruente. Senão vejamos:

•   “Após se munirem de armas, entre as quais uma pistola de calibre 7.65mm, espingardas-caçadeiras e facas dirigiram-se, na companhia de outras pessoas cuja identidade se não logrou apurar, para a residência de EE e II Vaz, sita no rés-do-chão do Lote ...” Quem levava facas? Quem levava espingardas caçadeiras? Quem levava uma pistola de calibre 7.65? O Arguido AA empunhava alguma arma? Desconhece-se...

•   “Ali chegados, os indivíduos atiraram pedras e desferiram tiros na direcção da casa de EE, logrando assim destruir a janela da sala de estar.” O ora recorrente AA atirou pedras? Desconhece-se....

•   “15. Em seguida, os ditos indivíduos procuraram EE munidos de armas de fogo e facas.” Mais uma vez, AA ia munido com alguma arma? Desconhece-se...

•   “16. Porque EE se refugiara na cozinha da habitação, trancando a porta, os indivíduos, entre os quais os arguidos BB, CC, AA e JJ, com recurso a disparos de arma de fogo e a pontapés, arrombaram a porta e entraram naquela divisão, onde EE se encontrava, junto à janela, no chão.” Não se entende como pôde o douto tribunal assim concluir quando o mesmo refere sob a epígrafe “Fundamentação da matéria de facto” que: “Convém esclarecer que no interior da residência, depois dos disparos não foi possível preservar o local do crime. Efectivamente, como referiu a testemunha .., inspector da P.J., o local do crime foi corrompido pelas pessoas, muitas familiares, que acorreram à casa da vítima HH pelo que tudo foi mexido e remexido”.

  Coloca-se então a questão... Não havendo testemunhas do ocorrendo dentro da habitação, não sendo possível preservar o local do crime e, consequentemente, obter prova, como pode o douto acórdão concluir como concluiu, de forma inequívoca que AA com recurso a disparos de arma de fogo e a pontapés, arrombou a porta e entrou naquela divisão?

•   “17. Ali chegados, os tais indivíduos, entre os quais os arguidos BB, CC, AA e JJ, em número muito superior ao do ofendido, empunharam as armas de fogo que consigo traziam, dirigiram-nas a EE e efectuaram diversos disparos.” Igual questão se coloca quanto a este facto... Não havendo testemunhas do ocorrendo dentro da habitação, não sendo possível preservar o local do crime e, consequentemente, obter prova, como pode o douto acórdão concluir como concluiu, de forma inequívoca que AA empunharam as armas de fogo que consigo traziam, dirigiram-nas a EE e efectuaram diversos disparos?

•   “21. Um ou vários dos indivíduos, entre os quais estavam os arguidos BB, CC, AA e JJ, desferiram ainda um golpe com uma faca na face de EE, que lhe provocou ferida incisa com início na raiz da pálpebra superior direita, oblíqua para baixo e para a direita, medindo 2,1 cms.” AA desferiu algum golpe?

•   “31. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.”Atento o já anteriormente exposto, não podia concluir, como concluiu, pela ação do ora recorrente que determinou a perda de vida de EE.

U) Não há no douto acórdão prova directa dos factos nem sequer de forma concisa se explicita o raciocínio lógico – dedutivo, a necessária afirmação dos meios de prova que levou a tal convicção do Tribunal e tal impedia a bem da Justiça que o resultado dos presentes autos não fosse aquele que veio a ser decretado na sentença ora recorrida. Na verdade, tal leva à insuficiência de fundamentação e nos termos do já alegados e do estatuído nos artigo 374º nr. 2 e 379 nr. 1 al. a), ambos do CPP, geram a nulidade do acórdão.

V) E se tudo o que atrás foi dito, sobre a não demonstração e a não possibilidade de imputação dos ilícitos e da sua forma, sempre se diga que não há um grau de certeza e como tal deve ser aplicado o instituto do “in dubio por reo”.

Y) O arguido e ora recorrente tinha até ao momento do primeiro acórdão, como medida de coacção, o termo de identidade e residência;

X) O arguido cumpriu todas as obrigações derivadas de tal medida;

Z) O arguido é natural de ..., veio para Portugal em pequeno, tendo mais 4 irmãos, uns germanos e um uterino;

AA) Teve contacto com o sistema de administração de justiça penal em 2012, tendo sido condenado a uma pena de multa sem habilitação legal, pediu substituição por trabalho comunitário e cumpriu tal medida sem registo de anomalias.

BB) Embora tardiamente, completou o 12º ano de escolaridade;

CC) Tem uma relação de namoro de 10 anos e não foram detectados problemas ao nível relacional com os progenitores;

DD) De todos os co-arguidos, apenas ainda mantém relações de amizade com LL e MM.

EE) Embora vivendo num bairro de comportamentos desviantes e delitivos, manteve-se sempre afastado do grupo de pares que levassem ao contacto com instâncias de controlo formal na adolescência;

FF) E hoje continua a aparentar não se identificar com trajectórias delitivas e desviantes, possuindo ainda valoração adequada sobre o lícito e o ilícito;

GG) Relativamente aos co-arguidos, desviou-se da maior parte dos mesmos por divergências de trajectórias e evitando estilo de vida delitivo.

HH) Teve 4 condenações, sendo que duas delas posteriores à prática dos factos, mas tanto as posteriores como as anteriores são todas crimes estradais, não havendo qualquer outro inquérito ou processo onde tenha que responder, não havendo portanto passado ou inquérito de crimes violentos.

II) O arguido à data dos factos estava nas condições de lhe ser aplicada as atenuantes do artigo 9º do CP, bem como das regras determinadas pelo Decreto-Lei 401/82 de 23 de Setembro, bem como o estatuído nos artigos 71º e 72º do CP, todas elas regras que foram violadas no douto acórdão;

JJ) Há que atender a que o nosso sistema é bem mais ressocializador que punitivo, olhando sempre à reintegração na sociedade e à capacidade de ressocialização do jovem.

KK) E a atenuação especial prevista no artigo 4º do Decreto-Lei 401/82, aplicado e quantificado de acordo com os artigos 72º e 73º do CP, demonstram estarmos perante uma situação de atenuação especial, fora da cláusula geral, conforme for decidido no acórdão de 12/07/2000, BMJ 499, 199.

LL) Ora, ao decidir não aplicar tal regime especial de jovens bem como a atenuação especial, atentos os factos pessoais do recorrente, violou o douto acórdão o estatuído nos artigos 4º e 9º do Decreto-Lei 401/82 e os artigos 72º e 73º do CP. Pois que, o recorrente não se enquadra em nenhum normativo que exclua a aplicação do regime especial para jovens, conforme pretende fazer crer o acórdão recorrido.

MM) E tal aconteceu quando o douto acórdão não olhando à situação pessoal do recorrente, ao seu CRC e ao relatório da DGRSP, conclui que “desde a comissão dos factos até hoje cometeram os arguidos uma miríade de crimes, alguns deles com acrescida violência, o que impede que se faça, quanto a eles, uma prognose de que a pena imposta em medida inferior à “geral” auxilie a sua reinserção.”

NN) Chegando ao cúmulo de emitir um juízo de prognose negativa quando refere e passamos a citar “ora os arguidos remeteram-se ao silêncio, pelo que não se pode concluir que neguem o depoimento da testemunha, mesmo quando confrontados com tal depoimento em plena sala, os arguidos nada disseram. No mais ninguém refere que haja visto o sucedido quanto mais coisa diferente.

OO) E a factualidade demonstrada no acórdão leva-nos a acreditar que resultavam vantagens para a reinserção social do recorrente nos termos já referidos e contrariamente ao vertido no acórdão de que se recorre, Veja-se a este respeito o acórdão 03P2843, consultável em www.dgsi.pt.

Nestes termos e nos melhores de Direito (...) deve o presente recurso proceder, na sua totalidade, tudo com as legais consequências (…).»

b) Recurso do arguido BB

O arguido BB motiva o recurso concluindo (transcrição):

«I – O recorrente foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 26º, 131º e 132º, n.º 1 e 2, alíneas h), todos do Código Penal na pena de 14 (catorze) anos e 9 (nove) meses de prisão.

II Em momento algum da audiência de discussão e julgamento se provou que o Fábio Pinto juntamente com os restantes arguidos decidiram-se vingar.

III - Nenhuma testemunha, incluindo GG, referiu que o arguido Fábio Pinto estivesse no local nessa data e hora e munidos, de facas, armas ou pedras, nem o douto acórdão fundamenta.

IV – Das várias testemunhas ouvidas em julgamento nenhuma falou o nome ou alcunha do Recorrente!

V - Nem o douto Tribunal nas suas motivações conseguiu como deveria fundamentar a sua decisão porque deu como provados estes factos, pois para além de não se ter produzido qualquer a prova, para além de um depoimento, contraditório, da testemunha GG que prestou depoimento para memória futura no dia 26 de Fevereiro de 2016, registado entre as 11:05:43 e as 11:25:41, após a identificação pelo Mmº Juiz dos arguidos do processo aos 17:14 pergunta ”… não conhece estas pessoas, ... (referindo-se à alcunha de BB)?” testemunha: Não, não estou a ver…” Mmº Juiz: “Não conhece as pessoas, não viu tiroteio…”

     Foi lido o auto de depoimento prestado na Polícia Judiciária registado entre as 11:25:43 e as 12:05:01 confrontado com as discrepâncias do depoimento a testemunha afirma: ”Hoje não se recorda do que disse nem da forma como entraram em casa…”

VI – Nem o douto Tribunal da Relação conseguiu fundamentar e responder ao recurso do recorrente mantendo a posição do Tribunal da primeira instância.

VII – Vejam Senhores Juízes Conselheiros, a testemunha, não reconheceu o Recorrente e até “que tem ideia que não lhe deram nada a ler e foi pressionado a assinar o auto pelo polícias” diz desconhecer o que seja uma 6:35 e tendo em consideração que era de noite e havia tanta gente e tudo se passa tão rápido, veja-se aos 19:28 “ele diz que não sabe o que é uma arma 6:35 e refere que não conhece as pessoas que estão em julgamento… Mmº Juiz eu não tenho dúvidas de que está a mentir nalgum sítio…” (registado aos 24:41); Questionado por que razão disse aqueles nomes já que não conhecia as pessoas e se foram sido indicado pelos polícias, esclareceu aos 24:33 “os polícias estavam a dizer os nomes” aos 28:18”os polícias fizeram pressão para assinar”.

VIII -O Mmº Juiz determina a extracção de certidão por falsidade de depoimento, e é com este depoimento que o douto Tribunal não acredita por ter mais de duas ou três versões dos factos não sabendo qual a verdadeira, isto é se alguma for verdadeira, que o primeiro depoimento foi feito perante a polícia judiciária de forma no mínimo “estranha” desacompanhada de quaisquer meios de prova que poderiam, ou não, corroborar o tal depoimento… enfim condena-se e pronto!

IX – A testemunha nunca referiu o nome do arguido BB, nem o reconheceu! Aliás, não foi feito qualquer reconhecimento fotográfico ou pessoal para confirmar as declarações para memória futura. Nem tão pouco na fase de inquérito, nem na audiência em que prestou declarações para memória futura, que obedece às regras dos arts. 352.º, 356.º, 363.º e 364.º por remissão do art. 277.º, n.º 6 do C.P.P. nulidade que desde já se argui.

X - Ora, e não serve de fundamentação o facto dos arguidos terem exercido o seu direito ao silêncio para o depoimento da testemunha se mostrar credível por não contraditado pelos arguidos… sob pena de violação deste direito pois se não os pode beneficiar também não os pode prejudicar, nos termos do art. 61.º do C.P.P.

XI - firma ainda o douto acórdão que “Aquando da sua inquirição a testemunha foi claríssima: no momento em que prestava depoimento não se recordava mas quando prestou depoimento na PJ não teve quaisquer dúvidas.” Lamentavelmente, como pudermos reparar foi tão clara que à noite estando tudo escuro afirmou ver armas e descreve-las de forma exaustiva e pormenorizada indicando até o nome delas, mas nunca foi capaz de indicar os nomes nem identificar o arguido Fábio Pinto! Convenhamos, andou muito mal o douto Tribunal a quo nessa sua afirmação na tentativa desesperada de arranjar um culpado para uma morte.

XII – A descrição feita do individuo de alcunha ... não corresponde ao arguido BB e o seu depoimento não foi corroborado por nenhuma testemunha, ou qualquer outra prova. Ao contrário do que afirma o douto acórdão “A testemunha identifica – dando características físicas correctas - o .., o .., o .., o .., o .. e o .. como sendo pessoas que conhece e que entraram na casa da vítima, alguns com armas de fogo e que a abandonam a fugir.

XIII - Quantas mais pessoas há com essa e outras alcunhas? Saliente-se que o BB nem tão pouco residia no Bairro e mais identifica o tal ... como sendo um jovem de estatura média e forte com cerca de 1, 70, o BB é alto tem mais de 1,80! São pormenores muito importantes que o douto Tribunal omitiu e que o Douto Tribunal da Relação também não respondeu e omitiu esta questão levantada pelo Recorrente.

XIII - Pelo exposto o douto acórdão padece ainda de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1 al. c), do CPP, por violação do art. 355.º, do mesmo código, na verdade as declarações para memória futura não estar seguido de reconhecimento fotográfico ou pessoal.

XIV - O douto acórdão padece de insuficiência da fundamentação prevista no art. 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º 5 do C. P. P., nulidade que desde já se argui.

XV - Subsiste, assim, pelo menos a dúvida, não poderia o Tribunal a quo dar como provada a participação do arguido nos factos, apesar do disposto no artigo 127.º, do Cód. Proc. Penal, certo é que tal livre apreciação da prova pressupõe, antes de mais, que exista prova; na verdade, livre convicção não e de forma alguma igual a livre arbítrio do julgador.

XVI - Esse critério, como se sabe, é o princípio in dubio pro reo, por força do qual essa dúvida nunca poderá será valorada em desfavor do arguido (art.32.º da CRP). Com efeito, em processo penal não há presunções de culpa, sendo certo que uma condenação há-de basear-se sempre num juízo de certeza, assente necessariamente em dados objectivos não bastando, a este propósito, meros juízos de maior ou menor razoabilidade sobre determinada realidade, sem o suficiente suporte objectivo na prova produzida.

XVII - Todos os sujeitos processuais, Advogados e Digna Procuradora da República, nas suas alegações, no dia 8 de Março de 2017, registada entre as entre as 15:46:27 e as 16:22:12, concluíram pela aplicação do in dúbio pro reo - tendo em especial consideração ao minuto 2 onde a Exma. Senhora Procuradora República faz essa referência. Não se percebe esta decisão nem o adiamento no próprio dia que estava designada para a leitura invocando a necessidade de reunir… E mais uma vez o Tribunal da Relação também não respondeu, novamente uma omissão de pronúncia.

XVIII - Com o devido respeito andou mal o douto Tribunal a quo deverão os pontos supra mencionados serem alterados e consequentemente, deverá o arguido BB absolvido do crime de homicídio qualificado, na forma consumada, p. e p. no artigo 131.º e 132.º n.º 1, e 2, al. h) do Código Penal. Conclui-se assim pela violação do disposto nos arts. 125.º e 127.º, do Cód. Proc. Penal e do princípio do “in dubio pro reo”, artigo 32.º da C.R.P.

Violaram-se: os artigos 29.º, 32.º da CRP, 26.º, 131.º, 132.º, n.º 1 e 2 al. h) do C.P, 125.º, 127.º, 379.º, 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º 5, do C. P. P

Termos em que (...) deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência, deverá ser alterada a decisão absolvendo-se o arguido, do crime de homicídio qualificado que vem condenado (…)».

c) Recurso do arguido CC

O recorrente CC delimita o âmbito do recurso a duas questões: insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e erro notório na apreciação da prova (parte A da motivação).

Conclui a motivação dizendo (transcrição):

«1.       O recorrente foi condenado na pena 14 (catorze) anos de prisão pela prática, em coautoria material, de um crime de homicídio qualificado previsto e punido pelas disposições conjugadas constantes dos artigos 26.º, 131.º e 132.º n.ºs 1 e 2 alíneas h), todos do Código Penal.

2.  A decisão recorrida estribou-se, quase exclusivamente, nas declarações de uma testemunha – GG – ouvida na própria audiência de julgamento para memória futura e sem serem corroboradas por qualquer outro meio de prova.

3.  A testemunha foi também confrontada com o depoimento que prestou aos órgãos de polícia criminal.

4.  O Tribunal a quo constatou a existência de discrepâncias entre ambos os depoimentos que considerou não terem sido dissipadas em audiência de julgamento.

5.  O que originou a prolação de despacho, a fls. 1542, no sentido de ser instaurado à testemunha procedimento criminal pela prática de um crime de falso depoimento.

6.  Sem que tenha destrinçado quais eram as declarações verdadeiras e as falsas.

7.  Ou seja, o Tribunal não se apercebeu, nestes autos, de qual era a verdade material.

8.  Pelo que não poderia ter condenado os arguidos, devendo antes absolvê-los por força da aplicação do princípio in dubio pro reo.

9.  Mesmo que assim não se considerasse, este depoimento – qualquer que seja o segmento que releva para a verdade material – foi proferido sob intensa coação do Sr. Juiz presidente do coletivo, que várias vezes ameaçou diretamente a testemunha com a instauração de um processo-crime, quando as suas declarações não corroboravam o depoimento prestado perante a Policia Judiciária e que, aparentemente, constituía a verdade previamente determinada.

10.  Pelo que foi gravemente afetada a liberdade de depoimento dessa testemunha.

11.  Devendo, por isso, ser considerado nulo, nos termos do art. 126.º n.º 1 do CPP.

12.  Ainda que assim não se considerasse o recorrente deveria ter sido absolvido por evidente insuficiência de matéria probatória e erro na apreciação da prova.

13.  É que em nenhum momento, a matéria probatória aceite pelo tribunal permite imputar a quem quer que seja a determinação de matar, nem sequer a adesão, prévia ou não, a esse projeto.

14.  Como também não permite sequer concluir pelas causas e condições da morte.

Normas violadas

Da Constituição da República Portuguesa: art. 32.º n.ºs 2 e 8

Do Código do Processo Penal: arts. 126.º n.º 1, 410.º, n.ºs 2, als. a) e c)

Do Código Penal: art. 26.º

Termos em que (...) deverá ser dado provimento ao presente recurso e o Acórdão recorrido revogado, e substituído por outro que absolva o Recorrente (…)».

d) Recurso do arguido DD

O recorrente JJ identifica o “objecto do recurso” como sendo o “erro na aplicação do direito”, dizendo (em “II – Do Objecto do Recurso”):

“a)       O recorrente considera ter havido erro grave na aplicação do direito atenta a forma e a matéria provada, bem como a prova gravada.

b)  Caso assim não se entenda, o que se aceita apenas por mera cautela processual e de patrocínio, a não aplicação do regime de jovens delinquentes ao caso concreto, é também um erro na aplicação do direito”.

Conclui a sua motivação nos seguintes termos (transcrição):

«1.  Na sequência do exposto e bem sabendo que o âmbito dos recursos encontra-se delimitado em função das questões sumariadas pelo recorrente nas conclusões extraídas da respectiva motivação, sem prejuízo, no entanto, das questões que sejam de conhecimento oficioso, como se extrai do disposto no art. 412.º, n.º 1 e 2 e no art. 432.º, n.º 1, al. c) do Código de Processo penal.

     Vejamos:

I.  O Tribunal Coletivo a quo alicerçou a sua convicção na prova, nomeadamente nas
- Declarações para memória futura da testemunha GG, ouvido para o efeito a 26.02.2016;
- No certificado do registo criminal do arguido, ora recorrente;
- E pelos relatórios sociais.

II.   Conforme Acórdão do Tribunal de Primeira Instância: “Apenas a prova produzida em Audiência vale para efeitos da formação da convicção do Tribunal”

III.  O tribunal de 1.ª instância alicerçou e fundamentou a sua convicção e consequente condenação nas declarações para memória futura, base essencial e única.

IV.  Após o que, o tribunal se recorreu, com concordância de todos os intervenientes da leitura das declarações prestadas no inquérito perante a PJ, órgão de polícia criminal.

V. O tribunal a quo distingue dois momentos, dizendo que quanto ao segundo episódio, que interessa nesta situação, a testemunha (ÚNICA testemunha) estava no exterior e não viu o sucedido no interior da casa.

VI.    Conforme acórdão do Tribunal a quo: “A testemunha ouvida – FF, que conhece os arguidos do bairro – refere que houve, na sequência dos disparos feitos na discoteca, um ajuntamento de várias dezenas de pessoas junto à casa de EE e que foram feitos disparos e arremessos de pedras para a mesma. Esta testemunha refere que não consegue identificar quem quer que fosse”.

VII.   “As demais testemunhas, que não GG, respeitam ao incidente da discoteca e dizem nada ter visto deste segundo incidente ou são elementos policiais que não podem depor sobre estes factos por não os haver presenciado”.

VIII. Continua o tribunal a quo: “A única testemunha ocular que referiu inequivocamente quem foram os agentes dos crimes foi a testemunha GG, ouvida em declarações para memória futura.”

IX.    Não se consegue percecionar como o tribunal pode chegar a esta conclusão.

X. Em nenhum momento das suas declarações, a testemunha afirma expressa ou implicitamente, que viu o crime a ser praticado.

XI.    Nem mesmo nas declarações prestadas na Policia judiciária.

XII.   A testemunha referiu sim, que apenas viu entrar na residência dos ofendidos, o .., o .., o .., o .., o .. e o .. e outros indivíduos que não conseguiu reconhecer.

XIII. Não conseguiu precisar quantos eram aqueles que não conseguiu reconhecer.

XIV. A testemunha não referiu esses nomes de livre e espontânea vontade, nem os confirmou.

XV.   Essa identificação foi feita, não pelas declarações da testemunha em memória futura, mas antes pela leitura das declarações prestadas na policia judiciaria,

XVI. Após a leitura das suas declarações, o mesmo, nas declarações para memoria futura (gravadas e constantes em 11:24 m e 12:04 do dia 26 de fevereiro), insiste de imediato que:

i.   “Os agentes da PJ não lhe deram o que estava escrito para confirmar e ler, obrigando-o a assinar;

ii.  Disse no min 24:45 que “foram os polícias que me disseram os nomes”;

iii. Aos 14:00 m disse também que não tem a certeza de quem entrou na janela;

iv. E continuou a dizer que não conhece os arguidos pelo nome;

v.  “Não se recorda que o que está escrito foi o que disse” – 17:13m

XVII.  Para além do mais e é fortemente indiciário de que a testemunha não foi confrontada com as suas declarações antes de assinar, pois refere também que estava no exterior, sendo de conclusão fácil que não viu o que se passou no interior da residência da vítima.

XVIII. Estranhando-se mais ainda, a caracterização desta testemunha como sendo a única testemunha ocular do crime.

XIX.   Ou seja, condenou-se o arguido a uma pena de prisão de 13 anos e 6 meses, com uma única testemunha:

XX.     Que não presenciou;

XXI.   Que estava a ser ouvida não em audiência de julgamento, mas em declarações para memoria futura,

XXII.  Que negou conhece-los e que os nomes que foram lidos pelo juiz a quo lhe foram transmitidos na policia judiciária;

XXIII.  E mais, que foi indiciado pelo crime de falsas declarações!

XXIV.  Ficando na duvida qual o momento em que as eventuais falsas declarações foram prestadas: parece que o tribunal a quo ficou com a certeza de que foram prestadas falsas declarações no dia das declarações para memória futura. Pergunta-se: com que base ou fundamento?

XXV.  A testemunha, quanto ao ora recorrente, referiu, nas declarações lidas que prestou nas declarações para memória futura, que o viu entrar com uma arma de fogo de canos serrados, só com um cano.

XXVI.   Ademais, em instâncias de um mandatário de um dos arguidos, a testemunha respondeu claramente que nunca viu uma caçadeira de canos cerrados. Como a podia ter identificado nas declarações na P.J? E de forma tão específica indicando o número de canos, a acrescer a confusão natural dadas as circunstancias no local?

XXVII. Da máxima importância ainda que, após busca na casa do ora recorrente, DD, não foi encontrada qualquer arma de fogo.

XXVIII.   Ainda que assim fosse, é de estranhar que uma pessoa que entra no espaço com uma caçadeira, independentemente do número de canos, que é um objeto volumoso e pouco discreto, leve também consigo a arma utilizada efetivamente no crime, pois que não era aquela.

XXIX.            Nem ficou claro se na casa dos ofendidos estava alguém ou/e se nos andares superiores do prédio dos ofendidos se encontravam alguma/s pessoa/s que fosse/m para a habitação dos mesmos.

XXX.  O tribunal a quo não pode condenar estes arguidos, nomeadamente, o ora recorrente, com base nas declarações para memória futura, como prova única, quando dita para a ata o seguinte:

“Existindo discrepâncias notórias no depoimento da testemunha de fls. 66 a 80 dos autos e aquele prestado no dia de hoje, não tendo sido, a nosso ver, dissipadas e/ou explicadas as discrepâncias existentes, indicia-se a pratica por parte da testemunha de um crime de falsidade de depoimento e, nesta conformidade, ordena-se a extração de certidão da presente ata, das declarações constantes de fls. 76 a 80, que seja feita cópia das declarações prestadas pela ora testemunha e tudo seja remetido ao ministério publico para instauração de procedimento criminal.”

XXXI. Estamos sem sombra de dúvida perante um caso de obrigatoriedade de aplicação do princípio básico e basilar do direito processual penal do in dúbio pro reu.

XXXII. A Aplicação do princípio do in dubio pro reo justificaria a absolvição do Recorrente!

XXXIII.         Não pode o Recorrente aceitar que numa situação em que o Tribunal a quo reconhece não saber quem tinha armas, quem disparou e quem foi o autor do tiro fatal, sendo confirmado pelo Tribunal da Relação que aceita que o Recorrente, por ter, no seu entender, contribuído para a prática do crime perpetrado, desconhecendo em que medida e de que forma, cumpra uma pena de prisão de 13 anos e seis meses.

XXXIV. O Tribunal da Relação, assim como o Tribunal da Primeira Instância, não sabem até à presente data qual o papel de DD no crime praticado, se é que o teve, nem dos demais arguidos condenados, mas apenas porque a testemunha afirma, após leitura das declarações prestadas na PJ, nas suas declarações para memoria futura, tê-lo visto a entrar no prédio que, relembramos, tem ainda pessoas a habitar nos andares superiores, pelo que quem pressionou o gatilho tanto pode ter sido algum dos agora arguidos como até alguém que estivesse nos andares superiores e não entrasse, apenas descesse, para além de que estariam dezenas de pessoas na rua exaltadas.

XXXV. Conforme assinala Damião da Cunha, “parece adquirido genericamente que, num processo de estrutura acusatória, a audiência de julgamento e em especial a produção da prova assume o lugar central no processo penal. A produção da prova que deve servir para fundamentar a convicção do julgador, tem de ser a realizada na audiência e segundo os princípios naturais de um processo de estrutura acusatória: os princípios da imediação, da oralidade e da contraditoriedade na produção da prova”

XXXVI.     É esta claramente a solução prevista no n.º1 do artigo 355.º do Código de Processo Penal: “Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência”.

XXXVII.   Como o STJ já teve oportunidade de esclarecer, num registo não totalmente coincidente com o da doutrina, o n.º 1 do citado artigo 355.º visa “tão só evitar que o tribunal possa formar a sua convicção, alicerçando-se em material probatório não apresentado e junto ao processo pelos diversos intervenientes e relativamente ao qual não tenha sido exercido o principio do contraditório” - Ac. de 25-2-1993, BMJ n.º 424, pág. 541-542 (cfr., no mesmo sentido, os Acs. do STJ de 4-6-2003, proc.º n.º 519/03-3ª, SASTJ n.º 72, 56, de 2-7-2003, proc.º n.º 1802/03-3ª, SASTJ n.º73, 119 e de 29-11-2006, Colectânea de Jurisprudência-Acs do STJ., Ano XIV, tomo 3, pág. 235).

XXXVIII.  “Se a prova não foi produzida ou examinada em audiência não pode valer para o efeito da formação da convicção do julgador nem deve ser invocada na fundamentação da sentença ou do acórdão” - cfr. Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Lisboa, 2007, Universidade Católica Editora, pág. 875.

XXXIX.  A circunstância de ter sido admitida a antecipação da prova e de esta ter sido realizada não implica, necessariamente, que a mesma venha a ser valorada pelo tribunal, em audiência de julgamento, após a leitura do respectivo auto e subsequente debate contraditório.

XL.     Pode, na verdade, ocorrer uma multiplicidade de circunstâncias ou factores que conduza à ineficácia ou inutilização da prova antecipada produzida.

XLI.    Quer a doutrina, de forma praticamente unânime, quer um importante sector jurisprudencial, claramente maioritário ao nível das Relações, têm exigido que as declarações para memória futura, para que possam ser valoradas, sejam efectivamente lidas em audiência e, consequentemente, submetidas a debate contraditório.

XLII.  Cfr. Ac. do STJ de 22-09-2005, proc.º n.º 2239/05-5ª, rel. Arménio Sottomayor, sum.º in www.pgdlisboa.pt, Ac. da Rel. do Porto de 18-4-2001, (rel. Manso Rainho), Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, tomo 2, pág. 228, Ac. da Rel. do Porto de 4-7-2001 (rel. Conceição Gomes), Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, tomo 4, pág. 222, Acs. da Rel. do Porto de 17-11- 2004, proc.º n.º 0414002, rel. Élia São Pedro, de 22-3-2006, proc.º n.º 0544312, rel. António Gama, ambos in www.dgsi.pt, Ac. da Rel. de Coimbra de 6-4-2005, Colectânea de Jurisprudência, ano XXX, tomo 2, pág. 44, os Acs da Rel. de Guimarães de 29-1-2007, proc.º n.º 2232/06-2ª secção, rel. Maria Augusta Fernandes (não publicado), de 9-11-2009, proc.º n.º 37107.8TAFAF.G1, rel. Fernando Ventura [que se refere à “opção legislativa de introduzir a prova no conhecimento do(s) julgador(es) e sujeitos processuais através da sua leitura e reprodução”] e de 7-2-2011, proc.º n.º 224/07.OGAPTL, rel. Luísa Arantes.

XLIII. Quanto a depoimentos e declarações de intervenientes processuais, reduzidas a escrito, afigura-se-nos ser absolutamente necessária a sua leitura pública.

XLIV. Em face das disposições conjugadas dos artigos 355.º, n.º2 e 356.º, n.º 2, alínea a), afigura-se-nos, pois, que para o efeito de as declarações para memória futura poderem ser tomadas em conta em julgamento se revela absolutamente necessário que em audiência de julgamento se efective a leitura integral de tais declarações cujo conteúdo poderá, depois, ser confrontado com as demais declarações dos intervenientes em julgamento, que as podem contraditar.

XLV.  A leitura das declarações para memória futura, em audiência, visa suprir a ausência da pessoa declarante e é, assim, uma exigência inelutável dos princípios da imediação, do contraditório e da publicidade.

XLVI. No douto Ac. da Rel. de Guimarães de 29-1-2007, proc.º n.º 2232/06-2ª secção, rel. Maria Augusta Fernandes (não publicado), chama-se também a atenção para um argumento de natureza literal, que se não vê referido na demais jurisprudência: «Cremos resultar do n.º1, parte final, do artigo transcrito [artigo 271.º] que para poder ser tomado em consideração o depoimento para memória futura tem que ser lido no julgamento. Só assim se compreende que a lei refira ‘ser tomado em conta no julgamento’ em vez de ‘ser valorada na decisão da causa’»

XLVII.  Ac. da Rel. do Porto de 4-7-2001 (rel. Conceição Gomes), Colectânea de Jurisprudência, ano XXVI, tomo 4, pág. 224: “ (…) uma coisa é a produção de prova antecipada, perante um juiz, e com obediência ao princípio do contraditório, outra coisa é o exame dessa prova na audiência de julgamento. E esse exame, pressupõe que, se as pessoas que prestaram antecipadamente o seu depoimento não puderem estar presentes na audiência, tais declarações têm de ser lidas publicamente na audiência de julgamento, de forma a que os sujeitos processuais tenham conhecimento de que o tribunal examinou em audiência de julgamento essa prova produzida antecipadamente, e que na sua convicção levou em conta tais depoimentos.”

XLVIII.          Na situação que se recorre passa-se precisamente desta forma relatada neste acórdão, devendo terem sido obrigatoriamente lidas as declarações para exame dessa prova na audiência de julgamento.

XLIX. Assim, uma vez lidas e submetidas a debate contraditório, as declarações para memória futura são livremente valoradas pelo juiz (artigo 127.º), podendo fundamentar uma condenação (Apenas desta forma!)

L. Relembre-se que estas declarações foram a única prova valorada que levou á condenação!

LI.       Quod non est in actiis, non est in mundi – O que não está nos autos não existe.

LII.     A contrario, não sendo lidas e sendo a única prova existente, deve absolver-se por falta de prova.

LIII.    Não se pode condenar a penas desta gravidade pessoas com base e fundamentando essa condenação apenas numa prova testemunhal decorrente da leitura das declarações lidas da testemunha e sendo declarações para memória futura que não foram examinadas nem lidas em audiência de julgamento, quando a mesma refere ter sido coagida a assinar o que nem sequer leu.

LIV.    Não cremos que seja justo que a prova assim produzida leve à conclusão que o arguido/recorrente foi coautor do crime que lhe foi imputado.

LV.     Em última análise deveria, tal como promovido inclusive, nas suas alegações pelo Digníssimo Magistrado do Ministério Público ser o arguido, ora recorrente, absolvido em consagração dos princípios fundamentais constitucionalmente consagrados como são os princípios da presunção da inocência e do in dúbio pro reu.

LVI.    Do princípio resulta ainda, entre muitas outras consequências, a inadmissibilidade de qualquer espécie de culpabilidade por associação ou coletiva e que todo o acusado tenha o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular.

LVII.  Sendo inadmissível perante uma ordem jurídica inspirada por um critério superior de liberdade, assente no valor da pessoa humana.

LVIII. A condenação penal, a pena, é um castigo destinado a resgatar a culpa do delinquente pelo que é de todo inaceitável a condenação sem a certeza moral da culpabilidade a redimir; é inaceitável que, numa sociedade em que o valor primeiro é a pessoa humana, a condenação penal não tenha por fundamento a certeza da culpa do condenado e possa servir como simples instrumento de intimação, como diz Germano Marques da Silva, in princípios fundamentais do processo penal.

LIX.    Tendo este princípio que ser valorado a favor do arguido.

LX.     Assim sendo, não se pode valorar para condenar a pena de prisão, uma pessoa, apenas com base nas declarações lidas em declarações para memoria futura, que não foram lidas ou examinadas em audiência de julgamento, onde, aliás a prova é feita, declarações essas na policia judiciária, sem contraditório, e com a certeza que a testemunha refere insistentemente que não conhece nenhum arguido pelo nome e que ao mesmo não foi lido nem dado a ler o que assinou.

LXI.    Assim sendo, parece-nos de concluir que a dúvida inicial terá que considerar-se como dúvida que se manteve a final.

LXII.  Impondo a absolvição do condenado ora recorrente já que a condenação significaria a consagração de um ónus da prova a seu cargo, contrário ao princípio da presunção da inocência.

LXIII. O inquérito policial é procedimento meramente informativo que não se submete ao crivo do contraditório e no qual não se garante ao indiciado o exercício da ampla defesa.

LXIV. Em todos os casos de persistência de dúvida razoável após a produção da prova o tribunal tem de decidir no sentido mais favorável ao arguido (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, vol. I, pp. 215).

LXV.  Rui Patrício entende que o princípio do “in dubio pro reo”, enquanto corolário mais vasto da presunção de inocência, assume dois objectivos essenciais: a obrigatoriedade da emanação de uma decisão judicial e por outro lado, numa qualquer situação de dúvida face ao sentido da prova produzida, há um dever de decidir em prol da absolvição do acusado.

LXVI. Como tal e em consequência do que ficou explicito, Rui Patrício refere-se ao princípio do “in dubio pro reo” como um expediente que funciona nas situações em que fracassa ou se mostra insuficiente a prova realizada no sentido de ilidir a presunção de inocência de que goza sempre e ainda o acusado, devendo por isso este ser absolvido quando a prova realizada não é suficiente para formar uma convicção segura de culpabilidade, na mente do julgador.

LXVII.    Tal é assim por força do princípio da presunção de inocência que exonera o arguido de qualquer esforço em provar a sua inocência, devendo o julgador presumi-la (e demais actores processuais) até que se produza prova em contrário suficientemente forte e inequívoca para uma sentença condenatória justa.

LXVIII.   O princípio “in dubio pro reo” apenas se manifesta no momento em que o julgador tem que emitir uma decisão final sobre determinada factualidade absolutória ou condenatória – seja na forma de sentença em fase de julgamento, seja na forma de despacho de acusação ou de pronúncia, nas fases de inquérito e instrução

LXIX. Alexandra Vilela conclui por isso dizendo, que o princípio da presunção de inocência se traduz, em ultima instância, num verdadeiro direito subjectivo “a serem considerados inocentes enquanto não se produza prova bastante acerca da sua culpabilidade”.

LXX.  Ora, nos termos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça datado 12 de março do 2009, que ora se transcreve parcialmente para melhor compreensão:

LXXI. “Não existindo um ónus de prova que recaia sobre os intervenientes processuais e devendo o tribunal investigar autonomamente a verdade, deverá este não desfavorecer o arguido sempre que não logre a prova do facto; isto porque o princípio in dubio pro reo, uma das vertentes que o princípio constitucional da presunção de inocência (art. 32.º, n.º 2, 1.ª parte, da CRP) contempla, impõe uma orientação vinculativa dirigida ao juiz no caso da persistência de uma dúvida sobre os factos: em tal situação, o tribunal tem de decidir pro reo.

LXXII.    À data dos factos o ora recorrente tinha 19 anos de idade e era primário.

LXXIII.   O tribunal de 1.ª instância justifica a não aplicação deste regime ao ora recorrente por “o tempo se ter encarregue de que a aplicação do regime penal para jovens de nada serviria”

LXXIV.   Com o devido respeito, o ora recorrente, em 2008, data dos factos, tinha como se disse 19 anos, na data da sua condenação, em 2017, o mesmo tem 27 anos e já cumpriu uma pena de prisão por roubo.

LXXV.    Sendo que o mesmo acabou o 12.º ano no estabelecimento prisional, demonstrando o seu interesse em ter novas oportunidades de vida e ser reintegrado na sociedade.

LXXVI.   Havia saído há cerca de 8 meses, após ter cumprido a pena.

LXXVII. Não tem mais processos pendentes.

LXXVIII.       Vive com a namorada e 4 filhos da mesma.

LXXIX. Durante a sua liberdade trabalhou incessantemente nas mudanças e nas obras, encontrando-se a pintar o mercado da Encarnação na data em que foi preso preventivamente à ordem deste processo, no dia da leitura do acórdão.

LXXX.  O regime especial dos jovens delinquentes fundamenta-se num direito não sancionatório mas reeducador, não se verificando factos que façam concluir que um jovem de 19 anos (à data da prática dos factos), embora tenha sofrido já uma condenação anterior, mas por factos completamente diversos, do ora em apreço, não significará que tenha uma personalidade adversa á ressocialização, sendo por isso, seriamente de crer que a atenuação especial da pena funcionará como estimulo à reinserção social do jovem e ao seu afastamento de comportamentos desviantes.

LXXXI. Continuando com a sua vida familiar e social, a trabalhar, conforme tinha após a sua libertação.

LXXXII.    Recaindo sobre o recorrente, face ao exposto, um juízo de prognose futura favorável.

LXXXIII. Conforme Acórdão STJ, datado de 29.04.2009, 6/08.1PXLSB.S1, 3ª SECÇÃO, RAUL BORGES, “é de conceder sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo em tais circunstâncias obrigatória e oficiosa; impõe se justifique a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, deve ser fundamentada a não aplicação.”

LXXXIV.  Desta feita, e apenas por mera cautela de patrocínio, caso hipoteticamente o ora recorrente não seja absolvido, deveria a pena ser especialmente atenuada nos termos dos arts. 72.º e 73.º do Código penal.

LXXXV.  Sendo o limite máximo da pena de prisão reduzido de um terço.

LXXXVI.  Só desta forma se considerando certa, adequada e justa.

Nestes termos, e nos demais de Direito, tendo em conta todo o exposto, deverão (...) conceder provimento ao presente Recurso, revogando o acórdão Recorrido, absolvendo o recorrente (…)».

4. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413.º, n.º 1, do CPP, respondeu o Ministério Público no tribunal da Relação, dizendo o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em conclusões (transcrição):

«1.ª – Sendo comum a todos os recursos interpostos pelos arguidos AA, BB, CC e JJ, há que dizer que todos alegam sobre a matéria de facto, o que não cai no âmbito da competência do STJ conhecer, face ao disposto no art.º 434.º do CPP, sendo que não se vislumbra a ocorrência de qualquer dos vícios do art.º 410.º, n.º 2 do CPP, sendo evidente a autoria imputada ao arguido AA, que este entende não resultar dos factos provados, por ter intervindo directamente na execução do crime;

2.ª – Também comum aos arguidos AA, CC e DD é o facto de “deverem” beneficiar do regime penal especial para jovens, que se lhes não foi aplicado porque, ainda que não tenha sido o único motivo, praticaram crimes “depois” do dos autos, com os quais estão em concurso;

3.ª - Com efeito, entende-se que, quanto ao comportamento posterior à prática dos factos, apenas dever-se-á atender aos que lhes forem favoráveis, posto que, a nosso ver, só dessa forma, numa interpretação teleológica, se entenderá a especialidade ali prevista de beneficiarem de eventual reparação do dano provocado pelo crime, até porque, se assim não fosse, bastaria ao legislador ali estabelecer que se devem atender a todas as circunstâncias anteriores e posteriores à prática dos factos;

4.ª – Por outro lado, no comportamento posterior não devem ser englobados os crimes praticados depois do dos autos, já que, salvo melhor opinião, aqueles 3 arguidos não podem ser prejudicados pela demora do julgamento em detrimento de outros que, face à celeridade do seu julgamento, não são prejudicados por essa agravante por desconhecimento atempado do respectivo julgador;

5.ª – Por outro lado, os arguidos, atendendo-se aos crimes praticados depois do dos autos, com os quais, aliás, este está em concurso (mais flagrantemente no caso do arguido DD), contribuindo para o agravamento da pena, como aconteceu com os aludidos arguidos AA, CC e DD, ora recorrentes, estão a ser punidos mais do que uma vez porque, apesar de já terem sofrido penas por esses crimes praticados depois do dos autos, havendo necessidade de se proceder a eventuais cúmulos de penas, voltam a sofrer uma punição extra, que no caso em apreço se traduziu por ser uma das causas para, de forma relevante, não beneficiarem do regime penal especial para jovens (como claramente resulta do acórdão recorrido), violando-se, assim, o princípio ne bis in idem salvaguardado no art.º 29.º, n.º 5 da CRP, pelo que o art.º 71.º, n.º 2, al. e) do C. Penal será inconstitucional na interpretação de que se deve atender como agravante o comportamento posterior à prática do crime e que se traduz na condenação por crimes praticados depois daquele; 

6.ª – Por outro lado, o art.º 71.º, n.º 2, al. e) citado é inconstitucional porque, ao não se aplicar o regime penal especial para jovens aos arguidos AA, CC e DD, ora recorrentes, por, além de outros motivos, prática de crimes posteriores à dos autos, está a violar o disposto no art.º 29.º, n.º 4 da CRP, dado que não se atende ao momento em que o crime foi praticado, mas sim a momento posterior para não se permitir a dita atenuação especial;

7.ª – Em todo o caso, há sempre que atender à gravidade do crime praticado, pelo que as penas concretas devem responder às exigências de prevenção geral e especial, como se decidiu e alertou no acórdão recorrido, não repugnando, em todo o caso, que os aludidos 3 arguidos recorrentes, AA, CC e DD vejam as suas penas ser especialmente atenuadas por força do regime penal especial para jovens. 

8.ª – Face ao exposto, entende-se que o recurso de BB não merece provimento, sendo que os dos restantes, AA, CC e DD, merecem provimento parcial no que à medida da pena concreta dizem respeito».

5. Foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do CPP, tendo a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitido parecer nos seguintes termos (transcrição):

«Os arguidos AA, nascido [...] e DD, nascido em ..., vêm recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido em 26/9/2017 pelo Tribunal da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso que haviam interposto do acórdão condenatório da 1ª instância, pela coautoria do crime de homicídio qualificado, mantendo-o integralmente. (…)

No acórdão proferido em recurso no Tribunal da Relação de Lisboa foram mantidas as condenações e penas por autoria daquele crime.

a) O arguido/recorrente AA depois de uma muito longa motivação apresenta umas conclusões excessivamente grandes em que, resumidamente impugna no seu recurso a matéria de facto, questiona a fundamentação baseada em declarações de uma das testemunhas, comparando-a com umas outras, bem como visa a co-autoria e a cumplicidade e suscita algumas nulidades do art. 374.º, n.º 2, p. no art. 379.º, n.º 1, al. a) do CPP. Por fim defende a aplicação da atenuação da medida da pena p. nos arts. 4.º e 9.º do dec-lei 401/82, 72.º e 73.º do CP, especialmente por não ter sido atendida a sua situação pessoal e a sua não aplicação se basear em argumentação genérica para todos os arguidos.

b) O arguido/recorrente BB nas conclusões da sua motivação também sucintamente impugna a ausência de prova sobre a matéria de facto de onde resulta a sua condenação, suscita a nulidade sobre omissão de pronúncia e havendo insuficiência de fundamentação e aplicação do princípio in dubio pro reo considerando violados os arts. 26.º, 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, al. h), [do CP e] 125.º, 127.º, 379.º, 374.º e 97.º, n.º 5 CPP.

c) O arguido CC igualmente impugna a matéria de facto defendendo haver insuficiência para a decisão sobre matéria de facto, erro notório na apreciação da prova, considerando violado o art. 32.º, n.º 2 e 8 da Constituição, arts. 126.º, n.º 1, 410.º, n.º 2, al. a) e c) do CPP e 26.º do CP.

d) O arguido DD também invoca a não aplicação do direito quer nos factos provados quer nos não provados e defende a aplicação da presunção da inocência e in dubio pro reo para ser absolvido e se isso não se verificar alerta para o facto de ter 19 anos na data dos factos devendo por isso ser aplicado o regime especial para jovens com pena especial atenuada e ser reduzida pelo menos de um terço.

e) O MºPº junto do Tribunal da Relação de Lisboa através do sr. Procurador-Geral-Adjunto respondeu defendendo que este acórdão do tribunal da relação é irrecorrível relativamente à matéria de facto tal como os arguidos tentaram defender (art. 434.º CP) mas já quanto à não aplicação da atenuação especial que os arguidos/recorrentes também suscitam defende a sua aplicação, também porque o acórdão condenatório interpretou e aplicou erradamente a al. e) do n.º 2 do art. 71.° do CP, quando os tribunais só podem ter em conta a conduta posterior dos arguidos para ser considerada como atenuante na sua culpa.

Por isso e com boa e fundamentada argumentação defende que todos os arguidos são duplamente condenados por já terem sofrido condenações com crimes cometidos posteriormente, sofrendo uma punição extra que serviu para não ser aplicada o regime especial para jovens. E esta interpretação e aplicação do art. 71.°, n.º 2, al. e) do CP é inconstitucional por violação do art. 29.º, n.º 4, da Constituição.

Concordamos inteiramente com o defendido pelo do sr. Procurador-Geral Adjunto na sua resposta ao recurso interposto pelos arguidos.

1 - Também nos parece pois que os recursos interpostos pelos arguidos do acórdão da relação deverão ser rejeitados parcialmente por versarem matéria de facto, independentemente de o Supremo Tribunal o poder fazer de mote próprio.

1.2 - É que os recursos dos acórdãos das relações interpostos para o Supremo Tribunal de justiça só podem ter por finalidade o reexame da matéria de direito sobre decisões recorríveis que forem objecto do recurso e já não sobre matéria de facto incluindo os vícios p. no art. 410.º do CPP.

Sem prejuízo e excecionalmente o STJ, como tribunal de revista, por sua iniciativa (oficiosamente), conhece dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do CPP que possam verificar-se no acórdão da relação e que não foram objecto do recurso interposto pelos arguidos.

Algumas das considerações defendidas pelos arguidos/recorrentes que envolvem directamente matéria de facto não poderão ser objecto de recurso interposto do acórdão do tribunal da relação por ser irrecorrível nessa vertente.

1.3 - A arguição de nulidades sobre matéria de facto provada terá de integrar uma qualquer nulidade absoluta p. no art. 119.º do CPP e referida no n.º 3 do art. 410.º do CPP, para poderem ser apreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.

E as nulidades do acórdão da relação suscitadas ao abrigo dos arts. 374.º e 379.º do CPP, pelo mesmo fundamento podem também ser objecto do recurso para o STJ.

Só não poderiam estas nulidades ser objecto de recurso, segundo consideramos, se a decisão condenatória fosse irrecorrível por ter sido aplicada uma pena igualou inferior a 8 anos de prisão na 1.ª instância e tivesse sido mantida essa decisão condenatória no recurso para o tribunal da relação.

2 - Dentro das questões das nulidades suscitadas, o Supremo Tribunal de Justiça também pode conhecer de vícios p. no art. 410.º, n.º 2 do CPP, conhecimento este oficioso como tem sido jurisprudencialmente decidido no Supremo Tribunal (Ac. de Fixação de Jurisprudência do STJ de 10/10/1995).

E perante esta possibilidade não podemos deixar de dar realce a algumas questões da matéria de facto que nos parece dela decorrerem nomeadamente omissões que resultarão de fácil percepção, que poderão ser apreciadas porque estão transcritas no acórdão recorrido.

2.1 - Por um lado é dado como provado que no dia 17 de Agosto de 2008 depois da contenda numa festa originada por cidadãos não identificados pela 4h e 30m, com disparos de armas que atingiram pelo menos quatro dos intervenientes que foram parar ao hospital, um número indeterminado de indivíduos que estavam nessa festa “entre os quais os agora 4 arguidos AA, BB, CC e DD decidiram vingar-se e dirigiram-se à residência dos irmãos EE e II (rés-do-chão), que se situava na mesma ..., munidos de armas (espingarda, caçadeiras, uma pistola 7,65 mm e facas) ”.

Quando lá chegaram os indivíduos atiraram pedras e desferiram tiros destruindo a janela da sala de estar e como a residência estava cercada por um número indeterminado de indivíduos, entre os quais os quatro arguidos, aproveitaram-se da janela bem como da porta para se introduzirem na casa do EE e irmão.

2.1.1 - Aqui chegados podemos concluir que estes factos foram dados como provados porque algumas das testemunhas o comprovaram ou assim é referido na fundamentação.

2.2 - Por outro lado é ainda dado como provado que depois todos os “ditos indivíduos” procuraram o EE munido de armas de fogo e facas (p.15).

E ainda que o mesmo EE “se refugiou na cozinha da habitação, trancando a porta, mas que os indivíduos, entre os quais os quatro arguidos arrombaram a porta disparando armas de fogo e pontapés e encontraram o arguido EE, junto à janela, no chão”.

Mas estes factos provados não têm qualquer referência na fundamentação da matéria de facto, pois além do mais, ninguém que se encontrava no interior da casa, falou.

Contudo é do conhecimento comum que uma pessoa dentro da sua casa a ser procurada por um número elevado de pessoas, não se iria “esconder” na cozinha trancando a porta e aguardaria a entrada deles “à força” no local ficando à sua espera completamente exposto no chão junto à janela quando a podia ter utilizado para fugir, pois tinha a mesma possibilidade que todos os perseguidores tiveram para entrar na sua residência.

E basta ler com atenção o que a fundamentação refere sobre as declarações do inspector da PJ sobre não ter sido possível preservar o local do crime.

De qualquer modo verifica-se uma total omissão sobre o modo como esta matéria de facto foi encontrada e fixada, o que obsta ao conhecimento de factos provados neste contexto.

2.3- Esta omissão constitui uma nulidade que deverá ser declarada nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), pois há violação do disposto no art. 374.º, n.º 2 do CPP - sobre estes factos provados não há qualquer indicação e exame de provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sobre o desenvolvimento dos acontecimentos dentro da residência da vítima que foi atingida apenas por dois únicos projécteis (tal como consta na matéria de facto p. 19 e 20) e por uma arma branca na cara (2,5 cm).

Seguindo o Comentário do Cons. Oliveira Mendes, no art. 374.º do CPP Comentado, 1 a ed. – “A lei impõe, pois, que o tribunal não só dê a conhecer os factos provados como não provados, para o que os deve enumerar, ou seja, indicar um a um, mas também explicite expressamente o porquê da opção (decisão) tomada, o que se alcança através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, isto é, dando a conhecer as razões pelas quais valorou ou não valorou as provas e a forma como as interpretou, impondo, ainda, obviamente, o tratamento jurídico dos factos apurados (...)”.

Ou ainda o comentário ao art. 379.º (fls. 1183):

"Quanto ao seu conhecimento pelo tribunal de recurso a lei, mediante a alteração introduzida em 1998, com o aditamento do n. º 2, estabelece-se que «as nulidades da sentença devem ser arguidas ou conhecidas em recurso», o que não pode deixar de significar que o tribunal de recurso, independentemente de arguição, está obrigado a conhecê-las.

A letra da lei é unívoca: «as nulidades da sentença devem ser ... conhecidas em recurso». Como se refere no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de Outubro de 2010, proferido no Processo n.º 70/07.0JBLSB.Ll.S1, “as nulidades da sentença, conquanto não sejam insanáveis, uma vez que não incluídas nas nulidades previstas no artigo 119.º do CPP, são cognoscíveis em recurso, mesmo que não arguidas, visto que as nulidades da sentença enumeradas no artigo 379.º n.º 1, têm regime próprio e diferenciado do regime geral das nulidades dos restantes acto processuais.”

2.4 - Esta omissão, em princípio, só poderá ser suprida pelo tribunal da 1.ª instância como o tribunal da relação, deveria ter decidido, porque é do conhecimento oficioso.

No entanto se for considerado muito eventualmente, como nos parece poder ser, que o tribunal da 1.ª instância não teve/teria elementos para preencher a omissão como poderia resulta da restante indicação e exame das provas então só poderiam resultar factos muito sintéticos sobre a actuação dos arguidos como autores do crime de homicídio e a sua condenação, pelo menos de crime qualificado, poderia não ocorrer.

3. - Noutras circunstâncias o objecto dos recursos dos arguidos/recorrentes sempre poderia ser apreciado/decidido sobre as questões de direito suscitadas sobre o crime de homicídio qualificado, medida da pena e aplicação do Regime Especial para Jovens também conforme o defendido pelo MP.

Assim e por tudo isto parece-nos que o recurso dos arguidos AA, BB, CC e DD deverão ser rejeitados parcialmente quando versam sobre matéria de facto.

No entanto também nos parece que deverá ser declarada oficiosamente a nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia (art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a) do CPP) porque só depois de resolvida esta questão poderá ser apreciada quer a medida da pena aplicada por autoria do crime de homicídio qualificado e a aplicação da atenuação especial da pena a cada um dos arguidos/recorrentes, que nos parece dever só beneficiar aos três arguidos que na data da prática do crime tinham 19 e 20 anos, mas que nos termos do art.º 402 do CPP poderá /deverá atingir o arguido Fábio Pinto quanto à pena, quando o mesmo crime ocorreu há quase 11 anos».

6. Notificados para responder, nos termos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, os arguidos nada disseram.

7. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso é julgado em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

II. Fundamentação

8. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigos 402.º, 403.º e 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal ad quem quanto a vícios da decisão recorrida e a nulidades não sanadas, a que se refere o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995).

9. Nos termos do artigo 434.º do CPP, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º.

Dispõe o artigo 400.º, n.º 1, al. c), do CPP que não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações que não conheçam, a final, do objecto do processo (artigos 339.º, n.º 4, 368.º e 369.º do CPP). O recurso está, todavia, limitado pela natureza e pela medida da pena de prisão aplicada: sendo aplicada pena privativa da liberdade, dependerá dos limites e condições previstas nas alíneas e) e f) do mesmo preceito. Por sua vez, o artigo 432.º do CPP estabelece que se recorre para este Tribunal de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas Relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

Da conjugação destas disposições resulta, como tem sido sublinhado pela jurisprudência deste Tribunal, que só é admissível recurso de acórdãos das Relações que apliquem penas superiores a 8 anos de prisão ou penas superiores a 5 anos e não superiores a 8 anos em caso de não confirmação da decisão da 1.ª instância.

Este regime de recursos para o STJ efectiva, de forma adequada, a garantia do duplo grau de jurisdição, traduzida no direito de reapreciação da questão por um tribunal superior, quer quanto a matéria de facto, quer quanto a matéria de direito, consagrada no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (cfr. Gomes Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª edição revista, 2007, Vol. I, p. 516), enquanto componente do direito de defesa em processo penal, reconhecida em instrumentos internacionais que vigoram na ordem interna e vinculam internacionalmente o Estado Português ao sistema internacional de protecção dos direitos fundamentais.

Como tem sido repetido pelo Tribunal Constitucional, em jurisprudência firme, o artigo 32.º, n.º 1, da Constituição “não consagra a garantia de um triplo grau de jurisdição”, isto é, de “um duplo grau de recurso”, “em relação a quaisquer decisões condenatórias” (cfr., por todos, os acórdãos 64/2006, 659/2011 e 290/2014).

Querendo impugnar a decisão em matéria de facto – ou querendo arguir os vícios da decisão a que se refere o artigo 410.º do CPP (como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal – cfr., por todos, o acórdão de 2.10.2014, no Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1, e jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt) – e em matéria de direito, devem os sujeitos processuais utilizar a via de recurso para o tribunal da Relação (artigo 428.º do CPP), qualquer que seja a pena aplicada.

Em caso de recurso para o tribunal da Relação, é ainda possível o recurso da decisão da Relação para o STJ, limitado a questões de direito (artigo 432.º e 434.º).

O conhecimento do recurso implica que, no âmbito da sua competência, este Tribunal aprecie e decida, oficiosamente ou a pedido do recorrente, todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso, com vista à boa decisão deste, incluindo as nulidades da decisão recorrida, as quais, sendo admissível recurso, nele devem ser arguidas, sem prejuízo daqueles poderes de conhecimento oficioso, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 2, aplicável com as devidas adaptações ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP,

A limitação do recurso ao reexame da matéria de direito não impede, ainda, este Tribunal de conhecer oficiosamente dos vícios da decisão recorrida a que se refere o n.º 2 do artigo 410.º do CPP – insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova – se eles resultarem do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência, e se a sua sanação se revelar necessária à boa aplicação do direito, como este Tribunal vem de há muito afirmando em jurisprudência constante, neste âmbito se situando também a apreciação, por este Tribunal, do respeito pelo princípio in dubio pro reo (neste sentido, por todos, cfr. o acórdão de 15,12,2011, Proc. 17/09.0TELSB.L1.S1, relator Cons. Raul Borges, e abundante jurisprudência nele citada). Trata-se, como se tem insistido, de vícios da decisão, revelados no texto da decisão e a partir dele, não de erros de julgamento da matéria de facto, nomeadamente de apreciação das provas, cujo conhecimento se encontra subtraído a este Tribunal.

É o que expressamente estipula o artigo 434.º do CPP, segundo o qual, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 410.º, o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.

10. É, pois, na presença do regime legal sumariamente descrito, que seguidamente se passa a apreciar e decidir dos recursos interpostos, que têm por objecto o acórdão da Relação que lhes aplicou penas superiores a 8 anos de prisão, no âmbito da competência deste Tribunal – reexame da matéria de direito (artigo 434.º do CPP), abrangendo as questões do conhecimento que lhes digam respeito –, excluindo-se, por conseguinte, as questões relacionadas com a matéria de facto, da competência daquele tribunal (artigos 427.º e 428.º do CPP).

Factos

11. O tribunal da Relação manteve inalterados os seguintes factos provados no acórdão de 1.ª instância, que assim se mostram fixados:

«1. Na madrugada do dia 17 de Agosto de 2008 decorreu, numa loja abandonada nas traseiras do Lote 7..., uma festa africana.

2. Pelas 04 horas e 30 desse dia, alguns indivíduos não identificados deslocaram-se à dita festa e tentaram na mesma entrar no que foram impedidos por outros, também não identificados, tendo-se gerado uma discussão entre eles.

3. Após o que alguns dos indivíduos, designadamente o que pretendiam entrar, ausentaram-se do local.

4. Algum tempo depois, um número indeterminado de pessoas cuja identidade se não logrou apurar, empunhando espingardas-caçadeiras, aproximaram-se das traseiras do lote ....

5. Tais pessoas saíram das viaturas, apontaram as referidas armas na direcção das pessoas que se encontravam à porta da loja onde decorria a festa e dispararam diversos disparos de arma de fogo com as caçadeiras que empunhavam, vindo a atingir NN no braço direito e no abdómen, provocando-lhe as seguintes lesões: feridas transfixivas do braço direito, que tiveram de ser suturadas; ferida abdominal com orifício de entrada no flanco direito e de saída no flanco esquerdo, com hemoperitoneu; ferida transfixiva do cólon ascendente, com orifício de entrada posterior e de saída anterior, junto ao bordo mesentérico, com laceração do mesocólon ascendente; quatro perfurações duplas (orifícios de entrada e de saída) aos 60, 75, 180 cm do ângulo de Treitz do intestino delgado; hematoma superficial da ansa jejunal aos 45 cm do ângulo de Treitz.

6. Para tratamento das lesões abdominais teve NN teve de ser submetido a laparotomia, com enterrafias nas perfurações encontradas aos 60, 75 e 180 cm do ângulo de Treitz, com enterectomia segmentar aos 150 cm, por haver desvascularização da ansa por lesão do mesentério adjacente, e com duas colorrafias ao nível do cólon ascendente.

7. Tendo permanecido internado desde 17 de Agosto de 2008 até 16 de Setembro de 2008.

8. Atingido também foi OO no hemitórax direito e coxa direita, com porta da entrada na face antero-lateral e inferior do hemitórax direito, provocando-lhe as seguintes lesões: traumatismo abdominal e laceração hepática extensa, afectando os segmentos 1, 2, 4 e 8, com os projécteis alojados no 7.º arco costal e na asa do i1íaco, o que causou em OO hemoperitoneu, pneumotórax e hemopneumotórax, com necessidade de drenagem, por o ofendido se encontrar já com derrame pleural, em dessaturação, polipneia e anemia, tendo havido a necessidade de receber uma transfusão de sangue.

9. Igualmente atingido foi PP no terço superior da face antero-interna do braço esquerdo, provocando-lhe ferida punctiforme e Inácio Ângelo Gomes na perna direita, com três portas de entrada e duas portas de saída.

10. Após os referidos disparos, suspeitando ser EE o autor dos disparos iniciais, de imediato um número indeterminado de indivíduos, entre os quais, os arguidos BB, CC, AA e DD, decidiram vingar-se.

11. Após se munirem de armas, entre as quais uma pistola de calibre 7.65mm, espingardas-caçadeiras e facas dirigiram-se, na companhia de outras pessoas cuja identidade se não logrou apurar, para a residência de EE e II , sita no rés-do-chão do Lote ....

12. Ali chegados, os indivíduos atiraram pedras e desferiram tiros na direcção da casa de EE, logrando assim destruir a janela da sala de estar.

13. Um dos tiros disparados foi-o por pessoa não identificada com uma arma de fogo, de tipo caçadeira, com dois canos paralelos, serrados, com o comprimento total de 68,5 cm, entre os quais 42,5 cm de cano, de calibre 12 mm, com o fuste e coronha em madeira, tendo inscrito num dos canos Casa J. Uriguen - Eibar (Spain) e o número 61623.

14. Encontrando-se aquela residência cercada por dezenas de pessoas, um número indeterminado de indivíduos, entre os quais BB, CC, AA e DD, aproveitaram a janela que previamente haviam destruído, bem como a porta para se introduzirem na casa de EE.

15. Em seguida, os ditos indivíduos procuraram EE munidos de armas de fogo e facas.

16. Porque EE se refugiara na cozinha da habitação, trancando a porta, os indivíduos, entre os quais os arguidos BB, CC, AA e DD, com recurso a disparos de arma de fogo e a pontapés, arrombaram a porta e entraram naquela divisão, onde EE se encontrava, junto à janela, no chão.

17. Ali chegados, os tais indivíduos, entre os quais os arguidos BB, CC, AA e JJ, em número muito superior ao do ofendido, empunharam as armas de fogo que consigo traziam, dirigiram-nas a EE e efectuaram diversos disparos.

18. Um dos quais atingiu EE na região peri-umbilical esquerda, quadrante infero-externo, situado 6 cms para baixo e para a esquerda do umbigo, com um diâmetro de 8 mm e uma orla de contusão excêntrica, mais marcada no quadrante supero-externo, onde mede cerca de 2mm, correspondendo ao orifício de entrada do projéctil.

19. Tal disparo provocou em EE hemoperitoneu, feridas perfuro-contundentes, transfixivas, dos intestinos, do músculo psoas ilíaca direito e da artéria ilíaca direita, com perfuração fractura da base da asa ilíaca direita, bem como infiltração sanguínea dos órgãos da pequena bacia e vísceras anemiadas tendo o projéctil sido recuperado na musculatura glútea direita.

20. E outro na face antero-externa da perna esquerda, situado 35 cms acima da planta do pé, com um diâmetro médio de cerca de 6 mm e uma orla de contusão concêntrica, medindo 1 mm, correspondendo ao orifício de entrada do projéctil, que causou no falecido fractura-perfuração do perónio esquerdo, orientada para cima, para trás e para dentro, tendo sido recuperado o projéctil, de 7,65 mm, no osso.

21. Um ou vários dos indivíduos, entre os quais estavam os arguidos BB, CC, AA e DD, desferiram ainda um golpe com uma faca na face de EE, que lhe provocou ferida incisa com início na raiz da pálpebra superior direita, oblíqua para baixo e para a direita, medindo 2,1 cms.

22. As supra referidas lesões traumáticas abdominais graves e a hemorragia interna dela decorrente foram a causa directa e necessária da morte de EE.

23. Os arguidos BB, CC, AA e JJ, introduziram-se na casa do EE. Em seguida, procuraram EE munidos de armas de fogo e facas.

24. Ao irem ao encontro de EE com o intuito de se vingarem do mesmo, munidos de armas de fogo, pedras e facas, os arguidos BB, CC, AA e DD conheciam a potencialidade letal de tais instrumentos.

25. Bem como sabiam que ao desferirem disparos de arma de fogo na direcção do corpo de EE, mormente do seu abdómen, que bem sabiam alojar órgãos vitais, tal era adequado a provocar-lhe a morte, propósito com que agiram e que lograram.

26. Não obstante EE estar sozinho.

27. Os arguidos agiram em comunhão de esforços, visando vingar-se, tirando-lhe para o efeito a vida, de EE.

28. Aproveitando-se da superioridade numérica que exibiam e das armas que empunhavam. (…)».

12. A decisão em matéria de facto vem fundamentada nos seguintes termos (decisão da 1.ª instância, mantida inalterada pelo tribunal da Relação):

«Fundamentação da matéria de facto

É consabido que (…) apenas a prova produzida em audiência vale para efeitos da formação da convicção do Tribunal.

No caso concreto dúvidas não restam, pelas perícias médicas, que as vítimas foram atingidas e que uma delas – o EE – perdeu a vida em razão dos disparos.

Também da perícia da P.J. resulta que diversos disparos foram efectuados no interior da casa da vítima mortal, designadamente na porta da cozinha, o que indicia que a vítima ali se refugiou mas sem sucesso pois que foi alvejado na mesma.

Questão diferente é o saber da autoria dos factos.

Assim, e no que respeita aos tiros disparados na festa, as testemunhas inquiridas em audiência (as que foi possível inquirir) e que poderiam ter presenciado os factos declararam que não conseguiam identificar os agentes dos factos referindo todos que ou nada viram ou que estava muita gente e que não conseguiam identificar com precisão os autores dos disparos.

Sem delongas teremos de dizer que não se logrou fazer prova da autoria dos disparos não obstante as tentativas feitas nesse sentido.

Já quanto à autoria dos disparos que levaram à morte de EE a questão não é tão linear.

A testemunha ouvida - FF, que conhece os arguidos do bairro - refere que houve, na sequência dos disparos feitos na discoteca, um ajuntamento de várias dezenas de pessoas junto à casa de EE e que foram feitos disparos e arremessos de pedras para a mesma.

Esta testemunha refere que não consegue identificar quem quer que fosse.

As demais testemunhas, que não GG, respeitam ao incidente da discoteca e dizem nada ter visto deste segundo incidente ou são elementos policiais que não podem depor sobre estes factos por não os haverem presenciado.

A única testemunha ocular que referiu inequivocamente quem foram os agentes dos crimes foi a testemunha GG, ouvida em declarações para memória futura.

Acontece que tal testemunha não voluntariou informação com respeito à identificação a qual surge apenas e só por via da leitura das declarações prestadas em inquérito, obtida que foi a concordância dos intervenientes (fls. 76 e 80). A identificação que a testemunha faz foi a muito custo sendo que quanto ao primeiro episódio é inconclusiva e quanto ao segundo episódio estava no exterior e não viu o sucedido no interior da casa.

Contudo, a testemunha, nas declarações que lhe foram lidas (pois que foi obtida a prévia anuência do Ministério Público e da defesa), é peremptória a referir que “de repente alguém disse ‘vamos lá, foram eles’, sendo que começaram a caminhar para a parte de cima do bairro. Quando chegou ao lote 2 verificou que as pessoas estavam a arremessar pedras contra as janelas da residência do rés-do-chão, onde viviam o HH e o II (…) A dada altura foi surpreendido por disparos de arma de fogo proveniente do lado de dentro da residência dos gémeos. Revela que alguns dos indivíduos que se encontravam no exterior empunhavam armas de fogo, pelo que responderam ao fogo atingindo as janelas da habitação. Após terem destruído uma das janelas um grupo de indivíduos entrou para o interior da habitação. Perguntado, refere que alguns dos indivíduos empunhavam armas de fogo. Questionado refere que viu entrar o .., o .., o .., o ..., o ... e o ... e outros indivíduos que não conseguiu reconhecer (…) Acrescenta que logo ouviu gritos vindos do interior da habitação. (…) refere que alguns dos indivíduos que entraram pela janela empunhavam armas de fogo (…)”.

Ora, estas declarações não foram desmentidas por ninguém. Quem quer que fosse as pôs em causa e elas próprias são suportadas pelo depoimento da testemunha FF que descreve o ambiente fora da casa da vítima.

Ora, os arguidos remeteram-se ao silêncio pelo que não se pode concluir que neguem o depoimento da testemunha. Mesmo quando confrontados com tal depoimento em plena sala, os arguidos nada disseram. No mais ninguém refere que haja visto o sucedido quanto mais coisa diferente.

Aquando da sua inquirição a testemunha foi claríssima: no momento em que prestava depoimento não se recordava mas quando prestou depoimento na PJ não teve quaisquer dúvidas.

E é lógico que assim seja: O depoimento na PJ foi prestado em 20.08.2008, escassos três dias depois dos factos ao contrário das declarações prestadas para memória futura cerca de 8 anos depois do sucedido.

Assim, não temos quaisquer dúvidas em valorar tais declarações pois que: a) houve anuência na leitura das mesmas; b) foram prestadas escassos dias depois dos factos; c) não são contraditadas por quaisquer outros meios de prova.

Vejamos então, pois.

A testemunha identifica – dando características físicas correctas - o .., o .., o .., o ..., o .. e o .. como sendo pessoas que conhece e que entraram na casa da vítima, alguns com armas de fogo e que a abandonam a fugir.

Ora, aquando da sua identificação em audiência o arguido BB confirmou a sua alcunha como “..”, o arguido CC confirmou a sua alcunha como “..”, o arguido DD confirmou a sua alcunha como “DD” e o arguido AA confirmou a sua alcunha como “...” (vide acta de julgamento de fls. 1706 a 1712).

Assim, ante o depoimento da testemunha que refere os autores como sendo do bairro (de onde os conhece) e as suas alcunhas não temos dúvidas em associar as alcunhas aos arguidos.

Já no que tange ao indivíduo de alcunha “...” nenhum dos arguidos trazidos a este Tribunal a tem.

Quanto ao “...” poderíamos pensar que seria um diminutivo/alcunha do arguido MM. Contudo, aquando da sua identificação o mesmo não referiu tal alcunha, por um lado, e a testemunha FF, que conhece todos os arguidos, quando instado em audiência referiu que o arguido MM era conhecido por “...” ou “...” não se referindo a “...”.

Assim, não se conseguiu fazer a associação donde a não menção do arguido como agente dos factos.

Convém esclarecer que no interior da residência, depois dos disparos não foi possível preservar o local do crime.

Efectivamente, como referiu a testemunha ..., inspector da P.J., o local do crime foi corrompido pelas pessoas, muitas familiares, que acorreram à casa da vítima EE pelo que tudo foi mexido e remexido.

No que tange à afirmação da detenção da arma a mesma resulta da apreensão feita ao arguido a fls. 482.

No entanto, mesmo esta arma não permite apontar os autores dos factos pois que existem cartuchos da mesma junto ao lote 2 mas os tiros no interior são de uma arma diferente, mormente uma 7,65 mm, arma esta nunca apreendida.

O Tribunal considerou ainda, na afirmação dos factos, o teor do relatório de autópsia médico-legal de fls. 761 e seguintes, o exame pericial de fls. 223 a 226, de PP, o exame pericial de fls. 257 e seguintes, o exame pericial de fls. 309 a 353, o relatório de inspecção lofoscópica de fls. 596 a 605, os exames periciais de fls. 748 a 751, 849 a 850, 856 a 862 (de OO), 900 a 921, 923 a 928, 929 e 930, 932 a 935, 1153 a 1156 (PP) e fls. 1157 a 1160 (Márcio Santos).

Considerou-se ainda o teor do auto de apreensão de fls. 18, 138, 240, 488 a reportagem fotográfica de fls. 21 a 31, a documentação clínica de fls. 559 a 564 e 565 a 573, 769 a 780, os autos de exame e avaliação de fls. 580 e 581 e 721 e segs. e 1125 a 1127 e o teor dos documentos de fls. 1286 a 1288.

O Tribunal considerou ainda o teor do CRC dos arguidos QQ, CC, BB, AA e DD junto aos autos.

O Tribunal considerou também os relatórios sociais de fls. 1559 a 1602 (AA), 1609 a 1613 (CC), 1503 a 1507 (DD) e 1588 a 1592 (BB)».

Os recursos perante o tribunal da Relação

13. Nos recursos que interpuseram para o tribunal da Relação, os recorrentes suscitaram as seguintes questões:

a) O arguido AA: (i) nulidade da sentença por “deficiente fundamentação da matéria de facto” e “insuficiente exame crítico das provas” (conclusões PP a YY do recurso para a Relação, que correspondem às conclusões L a U do recurso para o este Supremo Tribunal), nos termos dos art.ºs 379.º, n.º, 1 al. a), e 374.º, n.º 2, do CPP; (ii) fundamentação e qualificação dos factos no respeitante à co-autoria (conclusões N a EE do recurso para a Relação, que correspondem às conclusões D a K do recurso para o este Supremo Tribunal); (iii) aplicação ao recorrente do regime penal especial para jovens adultos (conclusões A a L e EE a OO do recurso para a Relação, a que correspondem as conclusões Y a II e JJ a OO do recurso para este Supremo Tribunal).

b) O arguido CC: (i) vícios da decisão (de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação a prova); (ii) nulidade do depoimento de uma testemunha, por coacção (artigo 126, n.º 1, do CPP); e (iii) violação do princípio in dubio pro reo (conclusões 1 a 11 do recurso para a Relação a que correspondem as mesmas conclusões do recurso para este Supremo Tribunal).

c) O arguido JJ: (i) falta de fundamento para dar como provados os factos n.ºs 10 a 17, 21 a 25 e 27 a 28, alegando, nomeadamente, que as declarações para memória futura foram o único elemento probatório para a condenação (declarações que diz suscitarem variadíssimas dúvida e incertezas), e para a sua subsunção jurídica à co-autoria (conclusões 4 e 5 e 7 a 22); (ii) violação do princípio in dubio pro reo (conclusão 6); (iii) aplicação ao recorrente do regime especial para jovens delinquentes e da atenuação especial dos artigos 72.º e 73.ºdo Código Penal (conclusão 24).

d) O arguido BB: (i) falta de fundamento para dar como provados os factos provados n.ºs 10 a 17, 21 a 25 e 27 a 28 face à prova produzida e nulidade por violação do dever de fundamentação (artigo 374.º, n.º 2, do CPP); (ii) nulidade do acórdão por omissão de pronúncia – art.º 379.º n.º 1 al. c) CPP, por violação do artigo 355.º do mesmo diploma, por a leitura, em audiência, das declarações para memória futura prestadas por uma testemunha não terem sido seguidas de reconhecimento; (iii) vícios da decisão (de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada); (iv) subsunção jurídica dos factos provados por relação à co-autoria atribuída ao recorrente com inerente nulidade de falta de fundamentação; (v) violação do princípio in dubio pro reo (conclusões III a XXIII da motivação do recurso para a relação, a que correspondem as conclusões II a XXIV das conclusões do recurso para este Supremo Tribunal).

14. Apreciando todas as questões suscitadas, o acórdão da Relação decidiu:

a) Quanto ao recurso do arguido AA: que o acórdão condenatório de 1.ª instância não está afectado da alegada nulidade por falta de fundamentação (ponto 2.1., pp. 75-82), constituindo os factos provados um caso de co-autoria, nos termos do artigo 26.º do Código Penal (ponto 2.1, pp. 82-90), e apreciou, negando, a possibilidade de aplicação do regime do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro (ponto 2.1, pp. 90-95).

b) Quanto ao recurso do arguido CC: que o acórdão condenatório da 1.ª instância não sofre dos alegados vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (ponto 2.2., pp. 95-102) e que não ocorreu a nulidade a que se refere o artigo 126.º, n.º 1, do CPP, nem foi violado o princípio in dubio pro reo (ponto 2.2., pp. 95-104).

c) Quanto ao recurso do arguido DD: que o acórdão condenatório fez correcta apreciação da prova, não havendo fundamento para acolher a sua pretensão quanto ao decidido, que se mostra provada a co-autoria, subsumindo-se a comparticipação à previsão do artigo 26.º do Código Penal, que não houve violação do princípio in dubio pro reo e que se mostra justificada a não aplicação do regime penal dos jovens adultos (pp. 104-112)

d) Quanto ao recurso do arguido BB: que o acórdão condenatório está fundamentado quanto à decisão da matéria de facto, que não está ferido de vício ou nulidade, por falta de fundamentação ou de omissão de pronúncia ou violação do artigo 355.º do CPP, que os factos provados constituem um caso de co-autoria, nos termos do artigo 26.º do Código Penal, que não foi violado o princípio in dubio pro reo (pp. 113-121).

Pelo que negou provimento aos recursos, na sua totalidade, confirmando o acórdão recorrido.

Os recursos para o Supremo Tribunal de Justiça

15. Nos recursos para este Tribunal, os recorrentes repetem a argumentação e reeditam as questões que apresentaram perante o tribunal da Relação.

Para além disso:

a) O recorrente AA alega que não pode ser condenado por co-autoria e que há erro na apreciação da matéria de facto e erro na aplicação do direito (conclusão A) e defende que este Tribunal deve conhecer dos vícios a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP, que afectam o acórdão da 1.ª instância, confirmado pelo tribunal da Relação (conclusão M., segunda parte), e ainda que foi violado o princípio in dubio pro reo (conclusão V), o que não havia alegado expressamente perante a Relação.

b) O recorrente CC acrescenta que “deveria ter sido absolvido por evidente insuficiência da matéria probatória e erro na apreciação da prova”, que “em nenhum momento a matéria probatória aceite pelo tribunal permite imputar a quem quer que seja a determinação de matar, nem sequer a adesão, prévia ou não, a esse projecto” e que esta “também não permite sequer concluir pelas causas e condições da morte” (conclusões 12 a 14).

c) O recorrente BB acrescenta que a Relação “não respondeu” à questão da violação do princípio in dubio pro reo, verificando-se, assim, uma omissão de pronúncia (conclusão XVII).

d) O recorrente DD identifica expressamente o objecto de recurso, identificando duas questões: “erro grave na aplicação do direito atenta a forma e a matéria provada, bem como a prova gravada” e “caso assim não se entenda, (…) a não aplicação do regime de jovens delinquentes ao caso concreto, [que] é também um erro na aplicação do direito”. Assim, questiona a fundamentação probatória da decisão em matéria de facto (conclusões I a LIV) e o valor probatório das declarações para a memória futura, que diz terem sido indevidamente valoradas por não terem sido lidas publicamente em audiência (conclusões XXXVI a LIII, LX) e terem constituído a única prova em que se fundamenta a acusação (conclusões L a LIII), alegando, de novo, ter havido violação do princípio in dubio pro reo (conclusões XXXI e XXXII e LV e LXXI), defendendo ainda, de novo, a aplicação do regime penal dos jovens adultos (conclusões LXXII a LXXXVI).

16. A metodologia da decisão requer, por razões de precedência lógica (artigo 608.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP), que esta se inicie pela apreciação das questões suscitadas pelos sujeitos processuais, ou que o tribunal deva oficiosamente conhecer, susceptíveis de obstar ao conhecimento de mérito (supra, 9).

Os recursos apresentados, com repetição da argumentação apresentada perante a Relação, não sendo caso de rejeição por falta de motivação (neste sentido, entre outros, os acórdãos de 41.1.2017, Proc. 2039/14.0JAPRT.P1.S1, rel. Cons. Pires da Graça, em www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/06/criminal_sumarios_2017.pdf, e de 29.4.2015, Proc. 791/12.6GAALQ.L2.S1, rel, Cons. Raul Borges, em www.dgsi.pt), serão, por conseguinte, apreciados na dimensão constante do acórdão recorrido, no que se mostrar relevante e legalmente admissível em função do reexame da matéria de direito, no âmbito do recurso para este Tribunal.

17. Em seu parecer, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste tribunal defende que deve ser declarada oficiosamente a nulidade do acórdão recorrido por violação das normas relativas à fundamentação da decisão em matéria de facto, por, em sua análise, se verificar uma total omissão sobre o modo como determinados pontos da matéria de facto, particularmente relevantes, foram dados como provados (como vem explicitado supra, 5). Embora no parecer se faça referência a “omissão” e a “omissão de pronúncia”, referidas ao acórdão da 1.ª instância, esta “omissão”, nos termos e na lógica da argumentação, diz manifestamente respeito à fundamentação, à não observância do disposto no artigo 374.º, n.º 2, do CPP, aí se indicando expressamente que se trata da nulidade prevista no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma, não à nulidade por omissão de pronúncia a que respeita a alínea c) deste preceito.

Como se explicitou, estando em causa o acórdão da Relação, não tem este Tribunal que se pronunciar sobre a nulidade do acórdão de 1.ª instância, sem prejuízo de a apreciação das questões que lhe digam respeito se dever equacionar na perspectiva da fundamentação do acórdão recorrido, em função dos poderes deste Tribunal quanto ao objecto do recurso.

18. Importa, pois, conhecer, antes de mais, da eventual nulidade de fundamentação do acórdão recorrido, a qual, verificando-se, prejudica a apreciação dos vícios indicados nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP (contradições de fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e erro notório na apreciação da prova).

Dispõe o artigo 425.º, n.º 4, do CPP que é correspondentemente aplicável aos acórdãos proferidos em recurso o disposto no artigo 379.º do mesmo diploma. De acordo com o n.º 1, al. a), deste preceito, é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 do artigo 374.º.

Como tem sido sublinhado na jurisprudência deste Tribunal, «as exigências de pronúncia e fundamentação da sentença prescritas no artigo 374.º, n.º 2, do CPP não são directamente aplicáveis aos acórdãos proferidos pelos tribunais superiores, por via de recurso, mas tão só por força de aplicação correspondente do artigo 379.º, ex vi, artigo 425.º, n.º 4, razão pela qual aquelas decisões não são elaboradas nos precisos termos previstos para sentenças proferidas em 1.ª instância, o que bem se compreende visto que o seu objecto é a decisão recorrida e não directamente a apreciação do objecto do processo» (acórdão de 2.10.2014, Proc. 87/12.3SGLSB.L1.S1, rel. Cons. Isabel Pais Martins e demais jurisprudência nele citada, em www.dgsi.pt).

Por força do dever de fundamentação, na dimensão que lhe é conferida enquanto princípio fundamental (infra, 18.1), exige-se ao tribunal da Relação que conhecendo das questões que lhe são colocadas, explicite os motivos pelos quais julga procedente ou improcedente o recurso. O que implica que, ao confirmar a decisão sobre a matéria de facto, pronunciando-se negativamente sobre alegada nulidade de fundamentação da sentença, explicite os fundamentos pelos quais não julgou procedente a arguição, o que necessariamente obriga à apreciação da verificação do cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, isto é, que a sentença recorrida contém a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, sem prejuízo de, em caso de adesão aos fundamentos da decisão recorrida, esta fundamentação se bastar com a enunciação das razões da concordância, assim se conferindo efectividade à garantia do recurso em matéria de facto. Citando Pinto de Albuquerque, «quando o TR confirma integralmente a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto deve explicitar claramente que procedeu ao mesmo raciocínio analítico da prova realizado pelo tribunal recorrido, indicando as razões por que não procedem os argumentos do recorrente. Isto é, sempre que confirmar integralmente a decisão do tribunal recorrido sobre a matéria de facto, o TR pode repetir os factos provados e não provados e os termos do exame crítico das prova feito pelo tribunal recorrido ou simplesmente remeter para uns e para outros mas tem de esclarecer por que não são atendíveis os argumentos do recorrente. É aqui que reside o cerne do duplo grau de jurisdição em matéria de facto» (Comentário do CPP, Católica Editora, anotação ao artigo 428.º).

A nulidade deve ser arguida ou conhecida em recurso (n.º 2 do artigo 379.º do CPP), o que significa que o tribunal ad quem está obrigado a conhecê-la, independentemente da arguição, sob pena de, a não ser assim, apesar de reexaminadas por tribunais superiores, continuarem a poder subsistir sentenças inquinadas de vícios geradores de nulidade. Com efeito, por virtude da alteração ao n.º 2 do artigo 379.º introduzida pela Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, deve o tribunal superior suprir a nulidade que afecte a decisão recorrida (assim, Código de Processo Penal comentado, Henriques Gaspar et alii, comentário de Oliveira Mendes ao artigo 379.º,Almedina, 2016), a menos que, como se observa, esteja impossibilitado de o fazer, como sucederá, acrescenta-se, no caso de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por razões de competência circunscrita a matéria de direito.

18.1. A necessidade de fundamentação da sentença condenatória, nos termos deste preceito, que concretiza requisitos específicos relativamente ao regime geral estabelecido no artigo 97.º, n.º 5, do CPP, decorre directamente do artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, segundo o qual as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas nos termos previstos na lei. Como se refere no acórdão de 8.11.2017, proc. 22/14.4PEFUN.L1.S1, «o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais resulta, como é conhecido, de razões que se extraem do princípio do Estado de direito, do princípio democrático e da teleologia jurídico-constitucional dos princípios processuais, que implicam, para além do mais, a necessidade de justificação do exercício do poder estadual, de modo a possibilitar o seu controlo por parte dos destinatários e dos tribunais superiores, assim se conferindo garantia efectiva ao direito de defesa, incluindo o direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º, n.º 1, da Constituição (cfr. Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, anotações ao artigo 205.°, Vol. II, 4.ª ed.). “A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de carácter objectivo — pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões — e uma função de carácter subjectivo — garantia do direito ao recurso, controlo da correcção material e formal das decisões pelo seu destinatário” (Jorge Miranda / Rui Medeiros, Constituição Portuguesa anotada, Tomo III, 2007, anotações III e IV ao artigo 205.º). Perspectivando o tema na óptica dos direitos processuais, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem vem interpretando o artigo 6.º da “Convenção para a protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais” no sentido de que a fundamentação das decisões dos tribunais, constituindo um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito, representa um dos aspectos do direito a um processo equitativo protegido por esta disposição, o qual impõe, assim, o dever de os tribunais motivarem adequadamente as suas decisões, de acordo com a sua natureza (cfr. ac. de 09.07.2007, caso Tatishvili c. Rússia, e outros aí mencionados)” (www.stj.pt/.wp-content/uploads/2018/06/criminal_sumarios_2017.pdf).

Como bem se sublinha no acórdão recorrido, citando abundante doutrina e jurisprudência sobre o tema, “aquele dever de fundamentação insere-se numa exigência do moderno processo penal, com dupla finalidade: extraprocessualmente, ao constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram e intraprocessualmente, realizar o objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos”.

18.2. Do dever de fundamentação das decisões judiciais decorre, como tem sido salientado (cfr., por exemplo, o acórdão do Tribunal Constitucional de 23.2.2007, DR 2.ª Série de 23.02.2007, que se segue e transcreve, bem como o acórdão deste STJ de 16.3.2005, no processo 5P662, relator Cons. Henriques Gaspar, em www.dgsi.pt), que, nas decisões sobre matéria de facto, é obrigatória a indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, com a explicitação das razões dessa decisão, em termos de habilitar o seu destinatário a, ciente dessas razões, se conformar com a decisão ou a impugná-la de forma eficiente. É o exame crítico das provas que credibiliza a decisão, viabiliza o recurso e permite revelar o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão, os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da livre apreciação pelo julgador (artigo 127.º do CPP). O tribunal do julgamento tem que explicitar as razões que o levaram a convencer-se de que o arguido praticou os factos que deu como provados. “O que está em causa em sede de fundamentação das sentenças não é um princípio de paridade de consideração e explicitação da prova produzida pelos sujeitos processuais, mas antes de explicitação do juízo decisório e das provas em que este se baseou”. A fundamentação visa a total transparência da decisão, para que os seus destinatários possam apreender e compreender claramente os juízos de valoração e de apreciação da prova (Oliveira Mendes, op. cit, anotação ao artigo 374.º). Como se tem sublinhado na jurisprudência deste Tribunal (todos os acórdãos sumariados no mesmo local): o exame probatório traduz-se na análise, em globo, das provas, a respectiva crítica, a forma de inteligenciar, intuir, racionalizar e conceber, para formular, a final, um juízo definitivo (acórdão do STJ de 11-2-2017, Proc. 227/07.4JAPRT.P2.S1); a fundamentação implica um exame crítico da prova, no sentido de que a sentença há-de conter também os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido determinado (acórdão do STJ de 10.4.2007, Proc. 83/03.1TALLE.E1.S1); a fundamentação da sentença em matéria de facto consiste na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, que constitui a enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou por outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor dos documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da sua convicção, em ordem a que os destinatários fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (acórdãos do STJ de 3.10.2007, Proc. 1779/07, e de 16.3.2005, Proc. 662/05).

19. Como anteriormente se referiu (supra, 15. a. e c.), nos recursos para o tribunal da Relação, os arguidos AA e BB arguiram expressamente a nulidade da sentença da 1.ª instância, nos termos que constam das conclusões PP a YY da motivação (reproduzidas nas conclusões L a U da motivação do recurso para este Tribunal, supra, 3), e das conclusões III a XVII e XIX (reproduzidas nas conclusões II a XIII e XIV, também supra, 3), respectivamente, por alegada violação do dever de fundamentação nos termos previstos no n.º 2 do artigo 374.º do CPP, que determina a nulidade da sentença em conformidade com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP (conclusões WW e YY e XIV, respectivamente).

Lê-se nas conclusões dos recursos para a Relação:

¾ No recurso do arguido AA:

(i) “WW) Tal fundamentação em que se faz um insuficiente exame crítico viola o estatuído no artigo 374.º nr. 2 do CPP e acarreta a nulidade do acórdão nos termos do artigo 379.º nr. 1 al. a) também do mesmo preceito legal”;

(ii) “YY) Não há no douto acórdão prova directa dos factos nem sequer de forma concisa se explicita o raciocínio lógico-dedutivo, a necessária afirmação dos meios de prova que levou a tal convicção do Tribunal e tal impedia a bem da Justiça que o resultado dos presentes autos não fosse aquele que veio a ser decretado na sentença ora recorrida. Na verdade, tal leva à insuficiência de fundamentação e nos termos do já alegados e do estatuído nos artigo 374.º nr. 2 e 379.º nr. 1 al. a), ambos do CPP, geram a nulidade da sentença.”

¾ No recurso do arguido BB:

“XIX - O douto acórdão padece de insuficiência da fundamentação prevista no art. 374.º, n.º 2 e 97.º, n.º 5 do C. P. P., nulidade que desde já se argui”.

Na mesma linha de argumentação, embora sem arguirem tal nulidade, se compreendem os recursos dos arguidos CC e DD (pp. 23-26 do acórdão da Relação).

20. No essencial e em síntese, o que estava em causa no recurso para a Relação era a questão de saber se o acórdão condenatório satisfaz devidamente o dever de fundamentação nos termos exigidos pelo n.º 2 do artigo 374.º do CPP, isto é, se, para além da enumeração dos factos provados e não provados, o acórdão condenatório contém uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, explicitando-se, assim, as bases e o modo como, num raciocínio lógico de argumentação, o tribunal concluiu que os arguidos participaram nos factos de que resultou a morte da vítima, querendo e realizando esse resultado, em conjunto e em comparticipação com outras pessoas não identificadas, tal como descrito nos factos provados, ou se, não os contendo, se encontra ferido de nulidade, nos termos previstos no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do CPP. Esta verificação impunha-se também ao tribunal da Relação, independentemente dos termos da arguição, por se tratar de matéria que se comporta no âmbito dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal (artigo 379.º, n.º 2, do CPP).

A explicitação dos fundamentos da decisão, com exame crítico das provas, quanto à comparticipação dos arguidos na acção de tirar a vida à vítima e aos elementos subjectivos do tipo de ilícito, é de crucial importância, na medida em que se trata de constituir as bases de facto para se poder concluir que os arguidos devem ser punidos como co-autores do homicídio, por se demonstrar que tomaram parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros (artigo 26.º do Código Penal), o que os recorrentes contestam.

21. Da fundamentação da decisão em matéria de facto (supra, 12) consta que:

— Não restam dúvidas, pelas perícias médicas, que a vítima EE foi atingida por dois disparos e que perdeu a vida em razão dos disparos;

— Da perícia da P.J. resulta que diversos disparos foram efectuados no interior da casa da vítima, designadamente na porta da cozinha, o que indicia que a vítima ali se refugiou mas sem sucesso pois que foi alvejado na mesma;

— A testemunha ouvida – FF, que conhece os arguidos do bairro – refere que houve, na sequência dos disparos feitos na discoteca, um ajuntamento de várias dezenas de pessoas junto à casa da vítima EE e que foram feitos disparos e arremessos de pedras para esta casa, não conseguindo identificar quem quer que fosse.

— As demais testemunhas, excepto GG, respeitam ao incidente da discoteca e dizem nada ter visto deste segundo incidente ou são elementos policiais que não podem depor sobre estes factos por não os haverem presenciado.

— “A única testemunha ocular que referiu inequivocamente quem foram os agentes dos crimes foi a testemunha GG (…)”.

O depoimento desta testemunha, que se encontrava no exterior da casa, foi decisivo para a formação da convicção do tribunal quanto à participação dos arguidos nos factos de que resultou a morte da vítima.

Relembrando, diz-se no acórdão o seguinte: “A (…) testemunha, nas declarações que lhe foram lidas (pois que foi obtida a prévia anuência do Ministério Público e da defesa), é peremptória a referir que “de repente alguém disse ‘vamos lá, foram eles’, sendo que começaram a caminhar para a parte de cima do bairro. Quando chegou ao lote 2 verificou que as pessoas estavam a arremessar pedras contra as janelas da residência do rés-do-chão, onde viviam o HH e o II (…). Revela que alguns dos indivíduos que se encontravam no exterior empunhavam armas de fogo, pelo que responderam ao fogo atingindo as janelas da habitação. Após terem destruído uma das janelas um grupo de indivíduos entrou para o interior da habitação. Perguntado, refere que alguns dos indivíduos empunhavam armas de fogo. Questionado refere que viu entrar o --, o --, o --, o --, o -- e o -- e outros indivíduos que não conseguiu reconhecer (…) Acrescenta que logo ouviu gritos vindos do interior da habitação. (…) refere que alguns dos indivíduos que entraram pela janela empunhavam armas de fogo (…)”. Ora, estas declarações não foram desmentidas por ninguém. Quem quer que fosse as pôs em causa e elas próprias são suportadas pelo depoimento da testemunha FF que descreve o ambiente fora da casa da vítima”.

Continua o acórdão dizendo: “A testemunha identifica – dando características físicas correctas - o --, o --, o --, o --, o -- e o -- como sendo pessoas que conhece e que entraram na casa da vítima, alguns com armas de fogo e que a abandonam a fugir. Ora, aquando da sua identificação em audiência o arguido BB confirmou a sua alcunha como “--”, o arguido CC confirmou a sua alcunha como “CC”, o arguido DD confirmou a sua alcunha como “DD” e o arguido AA confirmou a sua alcunha como “..” (vide acta de julgamento de fls. 1706 a 1712). Assim, ante o depoimento da testemunha que refere os autores como sendo do bairro (de onde os conhece) e as suas alcunhas não temos dúvidas em associar as alcunhas aos arguidos. (…) Convém esclarecer que no interior da residência, depois dos disparos não foi possível preservar o local do crime. Efectivamente, como referiu a testemunha .., inspector da P.J., o local do crime foi corrompido pelas pessoas, muitas familiares, que acorreram à casa da vítima EE pelo que tudo foi mexido e remexido. No que tange à afirmação da detenção da arma a mesma resulta da apreensão feita ao arguido a fls. 482. No entanto, mesmo esta arma não permite apontar os autores dos factos pois que existem cartuchos da mesma junto ao lote 2 mas os tiros no interior são de uma arma diferente, mormente uma 7,65 mm, arma esta nunca apreendida.”.

22. Para dar como provados os factos que constam da descrição, nomeadamente os que se indicam nos pontos 10, 11, 13, 15, 16, 17, 21, 23 (2.ª parte), 24, 25, 26, 27 e 28 (supra, 11), diz-nos o acórdão que “O Tribunal considerou ainda, na afirmação dos factos, o teor do relatório de autópsia médico-legal de fls. 761 e seguintes, o exame pericial de fls. 223 a 226, de PP, o exame pericial de fls. 257 e seguintes, o exame pericial de fls. 309 a 353, o relatório de inspecção lofoscópica de fls. 596 a 605, os exames periciais de fls. 748 a 751, 849 a 850, 856 a 862 (de OO), 900 a 921, 923 a 928, 929 e 930, 932 a 935, 1153 a 1156 (PP) e fls. 1157 a 1160 (OO). Considerou-se ainda o teor do auto de apreensão de fls. 18, 138, 240, 488 a reportagem fotográfica de fls. 21 a 31, a documentação clínica de fls. 559 a 564 e 565 a 573, 769 a 780, os autos de exame e avaliação de fls. 580 e 581 e 721 e segs. e 1125 a 1127 e o teor dos documentos de fls. 1286 a 1288”.

O acórdão é, porém, omisso quanto ao conteúdo destes documentos e quanto ao modo como foram considerados para, na conjugação dos respectivos elementos de prova com a prova testemunhal anteriormente mencionada, ser dado como provado, designadamente, que: (1) após os disparos junto à discoteca, suspeitando ser EE o autor dos disparos iniciais, de imediato um número indeterminado de indivíduos, entre os quais, os arguidos BB, CC, AA e JJ, decidiram vingar-se (ponto 10), tirando para o efeito a vida a EE (ponto 27), propósito com que agiram (ponto 25, parte final); (2) após se munirem de armas, entre as quais uma pistola de calibre 7.65mm, espingardas-caçadeiras e facas dirigiram-se, na companhia de outras pessoas cuja identidade se não logrou apurar, para a residência de EE (ponto 11) e procuraram EE munidos de armas de fogo e facas (pontos 15 e 23, 2.ª parte); porque EE se refugiara na cozinha da habitação, trancando a porta, os indivíduos, entre os quais os arguidos BB, CC, AA e JJ, com recurso a disparos de arma de fogo e a pontapés, arrombaram a porta e entraram naquela divisão, onde EE se encontrava, junto à janela, no chão (ponto 16); ali chegados, os tais indivíduos, entre os quais os arguidos BB, CC, AA e DD, empunharam as armas de fogo que consigo traziam, dirigiram-nas a EE e efectuaram diversos disparos (ponto 17).

Impunha-se, pois, como acima se considerou (supra, 18), que o tribunal da Relação, perante as questões suscitadas pelos recorrentes, procedesse à verificação do raciocínio lógico da argumentação seguidos pelo tribunal da condenação e das razões que o levaram a convencer-se que os arguidos praticaram os factos dados como provados, isto é, dos “motivos” da decisão, com “exame crítico” das provas, de modo a poder concluir, como concluiu, que não se mostra verificada a arguida nulidade de fundamentação.

23. A este respeito, diz o acórdão do tribunal da Relação:

a) Quanto à arguição da nulidade pelo recorrente AA

“2.1. Passando a apreciar o primeiro dos recursos elencados, a primeira das questões é dirigida à nulidade do acórdão recorrido, dirigida à respectiva fundamentação alegando que na mesma “se faz um insuficiente exame crítico, viola o disposto no art.º 374.º n.º 2 CPP e como tal, acarreta a nulidade do acórdão nos termos do disposto no art.º 379.º n.º 1 a) do CPP … viola também o artigo 205.º nr. 1 da CRP e bem assim o artigo 97.º nr. 5 do CPP”, “não indicou completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem efectuou o exame crítico de tais provas, alicerçando toda ou quase toda a matéria de facto em parte nas declarações de uma única testemunha que não identifica quem tinha armas e quem não tinha e que identifica quatro indivíduos de um conjunto indeterminado que não consegue identificar” e “põe em causa a possibilidade de perceber os critérios lógicos que seguiu inviabilizando até a correcta apreciação da impugnação da matéria de facto apresentada agora pelo arguido”.

Abstendo-nos aqui de voltar a citar a fundamentação da matéria de facto provada que o Colectivo exarou na decisão recorrida, diremos que o art.º 374.º n.º 2, do C.P.P., estabelece que "ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”.

Quando assim não suceda, a sentença é nula, por força do disposto no art.º 379.º n.º 1, al. a), sendo que também a C.R.P. preceitua no seu art.º 205°, n.º 1, que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.

Do mesmo modo, na materialização do referido preceito constitucional, também o art.º 97.º, n.º 5, do C.P.P. dispõe que "Os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão."

Aquele dever de fundamentação insere-se numa exigência do moderno processo penal, com dupla finalidade: extraprocessualmente, ao constituir condição de legitimação externa da decisão, pela possibilidade que permite de verificação dos pressupostos, critérios, juízos de racionalidade e de valor e motivos que a determinaram e intraprocessualmente, realizar o objectivo de reapreciação da decisão por via do sistema de recursos.

Seguindo a doutrina, Paulo Saragoça da Matta, in “A livre apreciação da prova e o dever de fundamentação da sentença”, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, coorden. científica de Maria Fernanda Palma, Almedina, 2004, pág. 255, refere que a exigência de motivação acaba por ter uma função dupla, pré e pós judicatória – naquela primeira fase permite ao julgador exercer um auto-controle do acerto dos seus próprios juízos; na segunda fase permite à comunidade, e ao destinatário das medidas a tomar pelo sistema penal, compreender os critérios seguidos pelo julgador e aferir da respectiva legitimidade, razoabilidade e aceitabilidade.

Concretiza o desiderato constitucional do art.º 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP), que impõe a fundamentação “na forma prevista na lei”, em sintonia e como parte integrante do conceito de Estado de Direito democrático e da legitimação da decisão judicial e da garantia do direito ao recurso, por respeito às garantias de defesa do condenado (art.º 32.º, n.º 1, da CRP) e de acesso à tutela jurisdicional efectiva (art.º 20.º, n.º 4, da CRP), no sentido de que se assegure um julgamento equitativo, como vem sendo reconhecido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e se apresenta consagrado, em termos amplos, no art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

No que à vertente do exame crítico das provas, é inequívoco que à mesma correspondem determinadas exigências, sem as quais não é viável atingir as referidas finalidades, cumprindo, então, adequá-las à medida necessária para que, no fim de contas, a decisão seja compreensível e, por isso, deva conter, para além da indicação dos meios de prova, a explicitação dos elementos que, em razão das regras da experiência e/ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção se formou em determinado sentido ou foram valorados os diversos meios (acórdão do STJ de 13.02.1992, in CJ ano XVII, tomo I, pág. 36), sem que, no entanto, deixe de ser tão completa quanto possível, ainda que sucinta.

A compatibilização com a livre apreciação da prova assim o exige, já que esta não se confunde com apreciação judicial arbitrária, em que a livre convicção do juiz seja meramente subjectiva, emocional e, portanto, imotivável.

Regressando à doutrina, Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal”, Coimbra Editora, 1974, págs. 204 e seg., adianta que “Se a verdade que se procura é (…) uma verdade prático-jurídica, e se, por outro lado, uma das funções primaciais de toda a sentença (maxime da penal) é a de convencer os interessados do bom fundamento da decisão, a convicção do juiz há-de ser, é certo, uma convicção pessoal – até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (…) -, mas, em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável, portanto capaz de impor-se aos outros (…) Não se tratará, pois, na «convicção», de uma mera opção «voluntarista» pela certeza de um facto e contra toda a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse.”

Também, segundo Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, pág. 111, A livre apreciação da prova não deve, pois, ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.”

Sem prejuízo, essa indicação dos meios de prova só tem de reportar-se àqueles que forem tidos por relevantes, seja em que sentido for, para motivar os factos provados e não provados a cuja enumeração se procedeu.

Por seu lado, o seu exame crítico não equivale a um repositório pormenorizado de todo o julgamento, já que isso consubstanciaria como que um substitutivo da audiência e dos princípios da imediação e da oralidade que a regem, não se impondo que, em relação a cada facto, se autonomize e substancie a razão de decidir e que, em relação a cada fonte de prova, se descreva como a sua dinamização se desenvolveu em audiência (acórdão do STJ de 30.06.1999, no proc. n.º 285/99-3.ª, in Sum. Acs. STJ n.º 32, pág. 92).

A lei não explicita como densificar esse exame crítico que tem de ser aferido com critérios de razoabilidade que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo que serviu de suporte ao seu conteúdo - v. g. acórdãos do STJ de 12.04.2000, no proc. n.º 141/2000-3.ª, in Sum. Acs. STJ, n.º 40, pág. 48, e de 03.10.2007, no proc. n.º 07P1779, in www.dgsi.pt., referindo este último: “O “exame crítico” das provas constitui uma noção com dimensão normativa, com saliente projecção no campo que pretende regular - a fundamentação em matéria de facto -, mas cuja densificação e integração faz apelo a uma complexidade de elementos que se retiram, não da interpretação de princípios jurídicos ou de normas legais, mas da realidade das coisas, da mundividência dos homens e das regras da experiência; a noção de “exame crítico” apresenta-se, nesta perspectiva fundamental, como categoria complexa, em que são salientes espaços prudenciais fora do âmbito de apreciação próprio das questões de direito.

Só assim não será quando se trate de decidir questões que têm a ver com a legalidade das provas ou de decisão sobre a nulidade, e consequente exclusão, de algum meio de prova.

O exame crítico consiste na enunciação das razões de ciência reveladas ou extraídas das provas administradas, a razão de determinada opção relevante por um ou outro dos meios de prova, os motivos da credibilidade dos depoimentos, o valor de documentos e exames, que o tribunal privilegiou na formação da convicção, em ordem a que os destinatários (e um homem médio suposto pelo ordem jurídica, exterior ao processo, com a experiência razoável da vida e das coisas) fiquem cientes da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção (cfr., v. g., acórdão do Supremo Tribunal de 30 de Janeiro de 2002, proc. 3063/01).

O rigor e a suficiência do exame crítico têm de ser aferidos por critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita exteriorizar as razões da decisão e o processo lógico, racional e intelectual que lhe serviu de suporte (acórdãos do Supremo Tribunal de 17 de Março de 2004, proc. 4026/03; de 7 de Fevereiro de 2002, proc. 3998/00 e de 12 de Abril de 2000, proc. 141/00).

No que respeita à fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, a que se refere especificamente a exigência da parte final do artigo 374.º, n.º 2 do CPP, o exame crítico das provas permite (é a sua função processual) que o tribunal superior, fazendo intervir as indicações extraídas das regras da experiência e perante os critérios lógicos que constituem o fundo de racionalidade da decisão (o processo de decisão), reexamine a decisão para verificar da (in)existência dos vícios da matéria de facto a que se refere o artigo 410.º, n.º 2 do CPP; o n.º 2 do artigo 374.º impõe uma obrigação de fundamentação completa, permitindo a transparência do processo de decisão, sendo que a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório (cfr., nesta perspectiva, o acórdão do Tribunal Constitucional, de 2 de Dezembro de 1998).

A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se, pois, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.

A integração das noções de “exame crítico” e de “fundamentação” através dos elementos que lhes permitem dar sentido e funcionalidade intraprocessual conduz, porém, a que a dimensão a que se acolhem não se reduza à (ou sequer consista na) interpretação de princípios jurídicos ou de normas como operação prévia à respectiva aplicação a uma dada situação de facto preconstituída, mas, em diverso, envolve a implicação, ponderação e aplicação de critérios de natureza prudencial que permitam avaliar e decidir se as razões de uma decisão sobre os factos e o processo cognitivo de que se socorreu são compatíveis com as regras da experiência da vida e das coisas, e com a razoabilidade das congruências dos factos e dos comportamentos.

Em síntese, sem que, é certo, a mera indicação dos meios de prova que fundamentam a decisão satisfaça as finalidades que à mesma presidem (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98, de 02.12, in www.dgsi.pt), haverá de concluir-se que, se a motivação explicar o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo, de forma bastante e inteligível, inexiste falta ou insuficiência de fundamentação para a decisão, que consubstancie preterição do referido art.º 374.º, n.º 2.

A exigência de exame crítico das provas, como momento essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto (exigência específica introduzida, como se salientou, pela Reforma de 1998) tem como finalidade processual permitir, no âmbito do recurso em matéria de facto, a reponderação pelo tribunal de recurso dos critérios usados na decisão recorrida para formar a convicção sobre os factos, ou, mais directamente, decidir sobre a verificação dos vícios do artigo 410º, nº 2 do CPP, permitindo determinar se os procedimentos de apreciação das provas, tal como constam da decisão, encerram alguma incongruência que possa integrar os vícios em matéria de facto, nomeadamente o enunciado na alínea c) do nº 2 do artigo 410º do CPP.

Postas estas considerações, é manifesta a ausência de razão da recorrente.

Sem que o mero apelo a divergências valorativas da prova – expressas na alegação contida no ponto 114 das motivações ao suscitar diversas questões que se podem resumir à necessidade de concretizar o que cada um dos co-autores fez e contribuiu em concreto - consinta suporte para sustentar a apontada deficiência, resulta claro que o tribunal esclareceu os meios em que assentou a sua convicção [realçando aqui as asserções críticas “A testemunha identifica – dando características físicas correctas - o .., o ..., o ..., o .., o .. e o .. como sendo pessoas que conhece e que entraram na casa da vítima, alguns com armas de fogo e que a abandonam a fugir. Ora, aquando da sua identificação em audiência o arguido BB confirmou a sua alcunha como “..”, o arguido CC confirmou a sua alcunha como “..”, o arguido DD confirmou a sua alcunha como “..” e o arguido AA confirmou a sua alcunha como “..” (vide acta de julgamento de fls. 1706 a 1712). Assim, ante o depoimento da testemunha que refere os autores como sendo do bairro (de onde os conhece) e as suas alcunhas não temos dúvidas em associar as alcunhas aos arguidos” espelhadas naquela fundamentação], transparecendo a credibilidade que lhe mereceram e as razões por que assim foi, com o que permite dilucidar o raciocínio seguido para fixar os factos provados e não provados. As dúvidas suscitadas pelo recorrente a que acabámos de fazer referência, com o devido respeito não podem ser actuantes a nível da fundamentação da matéria de facto, mas, antes e eventualmente, serem relevantes para a subsunção jurídica dos factos provados em termos de responsabilização penal do recorrente pelo imputado crime, mormente a nível da atribuída co-autoria.

Ainda que a matéria de facto possa ser questionada pelo recorrente, essa problemática não serve para afirmar a pretendida deficiência de fundamentação. Ora, ante tudo o que se expõe, é óbvio que a sentença recorrida não enferma do apontado vício”.

b) Quanto à arguição da nulidade pelo recorrente BB

“O recorrente aponta ainda que os pressupostos da co-autoria não estão preenchidos nos termos do art.º 26.º do Código Penal, pois na da matéria de facto dada como provada não são determinados os actos alegadamente praticados pelo BB, pelo que o acórdão padece de insuficiência da fundamentação prevista no art.º 374º, n.º 2 e 97º, n.º 5 do C. P. P., nulidade que argui.

O primeiro dos aspectos se já se mostra apreciado aquando do conhecimento do recurso interposto pelo arguido AA para cujas considerações remetemos o recorrente.

Dizemos ainda que esta concreta questão nos moldes em que o recorrente a suscita se mostra inquinada pela leitura, e consequências que da mesma retira, que o recorrente faz da prova (suficiência ou insuficiência, validade) e da respectiva valoração, leitura essa que se mostra já afastada no tratamento que nos mereceu as questões anteriormente apreciadas”.

24. Ou seja, à questão suscitada pelo arguido AA, a que, na substância, se reconduz a suscitada pelo arguido BB – segundo a qual o acórdão condenatório “não indicou completamente as provas que serviram para formar a sua convicção, nem efectuou o exame crítico de tais provas, alicerçando toda ou quase toda a matéria de facto em parte nas declarações de uma única testemunha que não identifica quem tinha armas e quem não tinha e que identifica quatro indivíduos de um conjunto indeterminado que não consegue identificar” e “põe em causa a possibilidade de perceber os critérios lógicos que seguiu inviabilizando até a correcta apreciação da impugnação da matéria de facto apresentada agora pelo arguido” –, o acórdão da Relação responde descrevendo o regime legal aplicável, mencionando e transcrevendo um conjunto de indicações doutrinárias e jurisprudenciais que adequadamente foram entendidos como relevantes para especificação e densificação de tal regime, e, sem verificar se, em concreto, a fundamentação do acórdão recorrido preenche os descritos critérios legais que enuncia, conclui que “postas estas considerações, é manifesta a ausência de razão da recorrente”, que “é óbvio que a sentença recorrida não enferma do apontado vício”. Limitando-se a acrescentar que “resulta claro que o tribunal esclareceu os meios em que assentou a sua convicção (…) transparecendo a credibilidade que lhe mereceram e as razões por que assim foi, com o que permite dilucidar o raciocínio seguido para fixar os factos provados e não provados”, transcrevendo, para o efeito as referências ao conteúdo do depoimento da “única testemunha” a que o recorrente se refere na questão colocada, quando a razão de ser da questão se fundava na falta de indicação de outras provas, para além dessa, e do exame crítico de todas elas, e na insuficiência de fundamentação nesta prova para a prova do conjunto dos factos provados.

Resulta, assim, que o tribunal da Relação, apreciando a nulidade invocada, não se pronunciou fundamentadamente sobre a concreta questão colocada pelos recorrentes, o que também se lhe impunha oficiosamente. Adoptando a fundamentação do acórdão da 1.ª instância, o acórdão recorrido não explica os motivos por que, com base na única prova que refere (o depoimento da testemunha GG), considera que se encontram provados os factos descritos nos pontos 10, 11, 15, 16, 17, 23 (2.ª parte), 25 (parte final) e 27 da matéria de facto provada (supra, 22).

Em particular, no que directamente releva para a decisão de direito sobre a questão da co-autoria, em função da previsão do artigo 26.º do Código Penal, não é possível extrair do texto da fundamentação, sem incursão na apreciação da matéria de facto, as razões por que estão considerados provados o elemento subjectivo do tipo de ilícito, a formação do acordo inicial entre os arguidos e outros elementos do grupo para matar a vítima, como modo de levar a efeito a “vingança” que moveu a acção do grupo em que os arguidos se incluíam, bem como a participação dos arguidos em toda a acção que decorre a partir desse momento inicial em execução de uma vontade conjunta destinada a produzir a morte da vítima, como resultado visado por essa acção em que os arguidos participam conjuntamente, entre si e com outros. Quer o acórdão da 1.ª instância quer o acórdão recorrido são omissos a este respeito, não estando demonstradas as razões pelas quais as instâncias consideram provados os factos mencionados nos mencionados pontos da matéria de facto provada, de modo a poder considerar-se cumprido o dever de fundamentação entendido nos termos acima expostos (supra 18. No mesmo sentido, os acórdãos de 22.3.2017, Proc. 873/12.4PAVNF.G1.S1, rel. Cons. Rosa Tching, de 22.6.2017, Proc. 119/12.5TALSA.C1.S1, rel. Cons. Souto de Moura).

Assim sendo, forçoso se impõe concluir que, nesta parte, o acórdão recorrido se mostra ferido de uma nulidade de fundamentação, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, al. a), correspondentemente aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do CPP, a qual, devendo ser declarada, não pode ser suprida por este Tribunal, por respeitar a matéria de facto subtraída à sua competência.

25. Em consequência, deverá ser proferido novo acórdão pelo tribunal recorrido tendo em vista o suprimento desta nulidade.

A verificação e declaração da nulidade do acórdão recorrido prejudicam o conhecimento das demais questões suscitadas nos recursos.

Quanto a custas

26. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP (responsabilidade do arguido por custas), só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.  

Não havendo decaimento, não há lugar ao pagamento.

III. Decisão

27. Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, correspondentemente aplicável ex vi artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, julgar verificada e declarar a nulidade de fundamentação do acórdão recorrido, devendo, em consequência, ser proferido novo acórdão pelo tribunal da Relação para suprimento dessa nulidade.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 12 de Julho de 2018.


Lopes da Mota (relator) *
Vinício Ribeiro