Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2876/12.0TTLSB.L11.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: REPRESENTAÇÃO
ABUSO DE REPRESENTAÇÃO
BOA -FÉ
Data do Acordão: 12/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - PRINCÍPIO DA CORRESPONDÊNCIA ENTRE A ACTIVIDADE EXERCIDA E A CATEGORIA OU ESTATUTO DO TRABALHADOR.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
Doutrina:
- Jacinto Rodrigues Bastos, Das Relações Jurídicas, volume III, pp. 159/160 (1968).
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 258.º, 268.º, N.º1, 269.º.
D.L. Nº 49 408 DE 24 DE NOVEMBRO DE 1969, E QUE APROVOU O REGIME DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHA (LCT): - ARTIGOS 21.º, N.º1, AL. D), 22.º, N.ºS1 E 2, 23.º.
Sumário :

I- A representação traduz-se na prática de um acto jurídico em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos, desde que aquele actue nos limites dos poderes que lhe competem, conforme resulta do artigo 258º do Código Civil.

II- Não possuindo o representante poderes para o acto, o representado tem que posteriormente proceder à ratificação do negócio, pois doutro modo o mesmo ser-lhe-á ineficaz, conforme advém do nº 1 do artigo 268º do mesmo diploma.

III- No entanto, se o representante exceder os seus poderes, este regime da ratificação só se aplica se a outra parte conhecia, ou devia conhecer, a falta de poderes, conforme consagra o artigo 269º do CC.

IV- Estando o A firmemente convencido que ao subscrever o acordo de comissão de serviço que foi assinado com a R o Vice-Provedor tinha poderes para celebrar o negócio tal como foi clausulado, não lhe pode ser oposta a invocação de falta de poderes daquele representante para inserir o nº 3 da cláusula 4ª que ficou a constar do contrato.

Decisão Texto Integral:

            Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1----

           AA instaurou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra

           Santa Casa da Misericórdia de BB, pedindo que seja declarada ilícita a cessação do contrato de comissão de serviço que havia celebrado com a R e que esta seja condenada a pagar-lhe todas as retribuições até ao seu final, ou seja, até Abril de 2013, no valor de 69.911,08 euros, tudo acrescido dos juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos até à data do trânsito em julgado da sentença. Pediu ainda a condenação da R no pagamento da quantia de 9.500, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos.

            Alegou, para tanto, e em síntese, que:

Pertence aos quadros de pessoal do Instituto da Segurança Social, IP, detendo com este um contrato de trabalho em funções públicas, que esteve suspenso desde 25/05/2007 a 10/12/2011, por se encontrar em situação de cedência de interesse público a prestar serviço à ré;

Efectivamente, em 25/05/2007, foi contratado por esta para exercer, em regime de Comissão de Serviço, o cargo de Director da Unidade de Selecção e Gestão de Quadros da Direcção de Recursos Humanos;

E em 1/04/2011, celebrou com a Ré novo contrato de Comissão de Serviço através do qual aceitou desempenhar o cargo de Director da Unidade de Gestão de Recursos Humanos e Contratação, contrato cuja elaboração resultou de um longo período de negociação e de reflexão;

Em Outubro de 2011, a ré comunicou-lhe que rescindia o contrato de comissão de serviço, com efeitos a 11/11/2011, sem invocar qualquer fundamento justificativo, pelo que lhe é devida a indemnização prevista no contrato que foi celebrado, pois foi acordado que em tal situação lhe deverão ser pagas as retribuições até final do contrato, que deveria ocorrer em 1/04/2013;

A conduta da ré afectou o seu estado de saúde e a sua estabilidade emocional e profissional;

O vice provedor tinha poderes para assinar tal contrato;

Além do mais, a eventual falta de poderes daquele não lhe é oponível, pois sempre negociou e contratou com a ré de boa fé, não lhe cabendo saber se quem assinou o seu contrato tinha ou não poderes para tal;

A delegação de competências empossava o representante da Santa Casa com poderes que lhe permitiam a assinatura dos contratos típicos e os atípicos, nomeadamente, os que resultavam de negociação entre as partes e nos quais era aposta uma cláusula indemnizatória;

Sempre esteve convicto que o Sr. Vice Provedor era detentor de poderes, por delegação de competências, para assinar os referidos contratos e por consequência para negociar o seu clausulado, excedendo a ré claramente os limites impostos pela boa fé.

A ré contestou, alegando que:

Por despacho do Vogal da Mesa, de 11/11/2011, ratificado pela Deliberação de Mesa n.º 303, de 17/11/2011, foi autorizada a cessação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço do trabalhador em causa, com efeitos imediatos, devendo o mesmo regressar ao ISS;

Tal resolução foi comunicada pessoalmente ao trabalhador, através de ofício, datado de 11/11/2011;

Devido à falta de aviso prévio pagou ao trabalhador uma indemnização correspondente a sessenta dias da retribuição base;

A SCML submete aos seus órgãos de administração a aprovação das minutas dos contratos de trabalho;

Nenhuma das minutas aprovadas pela Deliberação n.º 332 contém ou prevê a existência de qualquer cláusula de teor compensatório ou indemnizatório pela frustração da expectativa de exercer o cargo até ao final da comissão de serviço;

Não existiu Deliberação de Mesa que previamente tenha aprovado a minuta com a inclusão de tal cláusula indemnizatória;

O então Vice-Provedor não dispunha dos poderes necessários ou bastantes para, em nome e representação da SCML, a vincular, obrigando-a ao cumprimento dos contratos de comissão de serviço que incluem as cláusulas compensatórias;

A Deliberação de Mesa n.º 77, de 27/01/2011, apenas autorizou a renovação das Comissões de Serviço nos precisos termos estipulados nos respectivos contratos, não determinando nem fazendo qualquer referência a eventuais alterações aos mesmos, designadamente no que diz respeito à introdução de qualquer cláusula indemnizatória;

O acto do Vice-Provedor é nulo por falta de poderes e a inclusão de tal cláusula é juridicamente ineficaz.

No decurso da audiência preliminar foi proferido despacho saneador, no qual se relegou para a sentença final o conhecimento da excepção peremptória da nulidade/ineficácia parcial do contrato de comissão de serviço deduzida pela Ré, bem como o conhecimento do abuso de direito invocado pelo Autor, e elaborou-se base instrutória.

            Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu:

                1) Condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 62.665,03 (sessenta e dois mil seiscentos e sessenta e cinco euros e três cêntimos), a título de indemnização em razão da denúncia do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço promovida antes do respectivo termo, acrescida dos juros de mora vencidos até à data da presente sentença (08/05/2014) no valor de € 4.155,96 (quatro mil cento e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), e dos juros de mora vincendos desde a data de 09/05/2014 até ao integral e efectivo pagamento;

2) E absolver a Ré do demais contra si peticionado pelo Autor.

Inconformada, interpôs a R recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação de BB julgado procedente o recurso, decidindo:

1. Declarar ineficaz, em relação à recorrente, a clausula 4ª, n.º 3 do contrato de comissão de serviço celebrado em 1/04/2011, junto a fls. 89 a 91 dos autos.

2. Absolver a recorrente do pedido de pagamento da indemnização prevista nessa cláusula.

3. Condenar o apelado nas custas do recurso.

É agora o A, que irresignado, nos traz revista, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:

“1-O Acórdão recorrido viola o princípio da confiança jurídica contido no art° 406° do Cod. Civil, porquanto, o contrato celebrado, terá de ser cumprido nos exactos termos em que foi aceite e subscrito pelas partes - PACTA SUNT SERVANDA

2 O Contrato celebrado entre recorrente e recorrida não está proibido nem por força da Lei nem por força dos Estatutos da recorrida.

3. O Acórdão recorrido viola ainda o disposto nos art°s 236°, 238°, 239° e 217°, todos do C. Civil, e a regra da imodificabilidade do contrato por vontade unilateral de um dos contraentes (art° 406° C.C.), porquanto, da factualidade provada resulta que Recorrente e Recorrida celebraram dois contratos de trabalho, em regime de comissão de serviço,

4.O primeiro vigorou pelo período contratado, enquanto que o segundo daqueles contratos teve início em 01/04/2011 e destinava-se a vigorar durante um período de dois anos, isto é, findava no dia 31/03/2013; 

5.Em 11/11/2011, a Recorrida comunicou ao Recorrente sem qualquer aviso, a denúncia, com efeitos imediatos, deste segundo contrato sem invocação de facto imputável ao Recorrente.

6.As partes, Recorrente e Recorrida, negociaram as condições da renovação do contrato de trabalho em regime de comissão de serviços, ficando inequivocamente expressa, no documento de fls. 68 dos autos, a vontade dos contraentes, que, por força do disposto no art° 406° do C.C., não pode, unilateralmente, ser o mesmo modificado.

7.A Recorrida estava pois obrigada a indemnizar o Recorrente, nos termos em que as partes consignaram e não nos termos do disposto no art° 366° do C.T., isto é, está a Recorrida expressamente adstrita ao pagamento ao Recorrente de uma indemnização específica para o caso desta fazer cessar o contrato antes do respectivo termo (cláusula 4a, n° 3 - cfr. facto provado nº16).

8.É totalmente falsa a alegada pretensa excepção peremptória da nulidade/ineficácia parcial do contrato relativamente à cláusula 4a, nº3 (cfr. 68 dos autos) nele constante, sob o pretexto de falta de poderes do Vice Provedor para subscrever o contrato com essa cláusula, na medida em que, está provado que, em data anterior à celebração do segundo contrato de trabalho em regime de comissão de serviço, e usando de uma faculdade expressamente prevista nos Estatutos da Recorrente, o Órgão Provedor distribuiu ao Vice-Provedor (Dr. CC) os pelouros da Direcção de Recursos Humanos e do Gabinete Jurídico, atribuindo-lhe simultaneamente os poderes e as competências necessários para superintender e despachar todos os assuntos que se encontrem no âmbito desses pelouros, e mais delegou ao Vice-‑Provedor (Dr. CC) a competência para representar a Santa Casa da Misericórdia de BB na outorga de contratos, no âmbito daqueles mesmos pelouros e cujas minutas tenham sido previamente aprovadas pelo órgão Mesa, tendo este órgão deliberado tomar conhecimento de todas estas decisões (cfr. facto provado nº 33).

9.Nessa medida, está igualmente provado que a Recorrida submeteu à aprovação dos seus órgãos de administração (a Mesa e o Provedor) a aprovação das «minutas dos Contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB» e que, pela Deliberação nº 332, de 19/03/2009, a Mesa aprovou «as minutas dos Contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB» (cfr. factos provados nos. 30 e 31).

10.Provou-se igualmente que a Recorrida através dos seus órgãos competentes, conferiu, efectiva e inequivocamente, ao então Vice-Provedor, CC, poderes para a representar e para a vincular na celebração com o Recorrente o do segundo Contrato de trabalho em regime de comissão de serviço.

11.Via contrato, provou-se que o Recorrente iria desempenhar, como de facto desempenhou, o cargo de «director de unidade de gestão de recursos humanos e contratação da direcção de recurso humanos», sendo certo que o pelouro dos recursos humanos foi atribuído àquele Vice-Provedor, mais acrescendo que este contrato se inseria no âmbito daqueles poderes, cujas minutas tinham sido aprovados pelo órgão Mesa.

12. O Recorrente não pertence ao quadro da Recorrida (cfr. Facto nº 1)

13.Ficou provado, que a cláusula 4ª, nº 3, não era incluída nos contratos em regime de comissão de serviço que a Recorrida celebrava com trabalhadores que pertenciam ou iriam pertencer ao seu quadro, contudo, que a referida cláusula era, por vezes, incluída nos contratos em regime de comissão de serviço que a Recorrida celebrava com trabalhadores que não pertenciam nem iriam pertencer ao seu Quadro, sendo que as referidas minutas são orientadoras e que, durante a anterior administração da Recorrente, foram celebrados contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço que contêm cláusulas que não estavam previstas nessas minutas. (cfr. Facto provado nº 34)

14.Impendia, em exclusivo, sobre a Recorrida o ónus da prova (cfr. art. 342°/2 do C.Civil) relativamente a alguma deliberação do órgão Mesa, que condicionasse ou impedisse os termos da renovação do contrato em Comissão de Serviço com o Recorrente nos termos em que foi negociado e depois celebrado.

15.Como também não logrou a Recorrida provar que a deliberação do seu órgão Mesa foi no sentido de autorizar a renovação da comissão com o exacto conteúdo que constava do primeiro contrato de trabalho em regime de comissão de serviço celebrado com o Recorrente, onde, sublinha-se, constava igualmente uma cláusula indemnizatória.

16.Sendo certo que, como se escreve no Acórdão Recorrido - e bem - a lei aplicável ao segundo contrato de trabalho em comissão de serviço é a da Lei 7/2009, de 12/2, no âmbito da qual foi negociado e acordado em contrato um novo montante indemnizatório.

17.A Deliberação nº 77, de 27/1/2011, pelo órgão Mesa da Recorrida, não contém qualquer indicação sobre qual devia ser ou não o conteúdo da renovação do contrato com o Recorrente, mais,

18.É de salientar que tal deliberação, em momento algum, se pronuncia sobre não dever ser celebrado um novo contrato, pelo que jamais se pode falar em falta de poderes do Sr. Vice-Provedor para celebrar o segundo contrato, questão, aliás, que nem a própria Recorrida suscita.

19.Os poderes conferidos ao Sr. Vice-Provedor foram para celebrar contratos, designadamente na área dos recursos humanos que era um pelouro que lhe estava distribuído, cujas minutas tenham sido previamente aprovadas pelo órgão Mesa, e não para em concreto celebrar contratos com conteúdo igual ao daquelas minutas.

20.Tais poderes de representação foram para, dentro da sua área de administração/responsabilidade, celebrar contratos do mesmo tipo e da mesma natureza daqueles relativamente aos quais já existisse uma aprovação de minutas pelo órgão Mesa.

21.Minutas são «primeira redacção de um escrito» ou «rascunho» (cfr. Dicionário de Língua Portuguesa, Porto Editora), donde resulta claro que não se trata de um texto de um contrato totalmente pré-fixado, definido e fechado (não estamos aqui a falar de cláusulas gerais contratuais) e como resulta provado (cfr. facto nº 37) as minutas são meramente orientadoras e que, durante a anterior administração da Recorrida, foram celebrados contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço que contêm cláusulas que não estavam previstas nessas minutas, sendo que obviamente tais contratos eram celebrados pelos representantes definidos pelos órgãos da Recorrida e esta não invocou sequer a sua falta de conhecimento de tais actos dos seus representantes em cada um desses contratos.

22.E tendo-lhe sido, simultaneamente, conferidos os poderes e as competências necessários para superintender e despachar todos os assuntos que se encontrem no âmbito desses pelouros,

23.Então toda a negociação específica e concreta que teria que existir quanto a cada um desses contratos (umas vezes com maior dimensão, outras vezes com menor) estava também incluída nessa concessão de poderes de representação (cfr. factos nºs 12 e 36)

24.A cláusula aqui em causa insere-se no âmbito dessa negociação específica e concreta que ocorreu entre a Recorrida e o Recorrente.

25.Cabia à Recorrida, identificar com clareza e certeza a quem incumbia a tal negociação, que forçosamente sempre existe em qualquer contrato, não o fez.

26.Nem sequer se pode invocar, a existência de abuso de representação por parte do Sr. Vice-Provedor, porquanto ficou provada factualidade que afasta a possibilidade do Recorrente conhecer ou dever conhecer tal "abuso de poder" (cfr. parte final do referido art. 269º do C.Civil), efectivamente ficou demonstrado que, ao subscrever o contrato em causa, o Recorrente sempre esteve com a firme convicção que o Sr. Vice Provedor era competente e tinha poderes para celebrar o mesmo (cfr. facto nº38), como efectivamente tinha.

27.Não se verifica qualquer situação de inobservância de forma legal relativamente à declaração negocial produzida pelo então Sr. Vice-Provedor ao subscrever o segundo contrato de trabalho em regime de comissão de serviço (cfr. art. 220° do C.Civil).

28.Improcede em absoluto a alegada pretensa excepção peremptória deduzida pela Recorrente consistente na nulidade/ineficácia parcial deste segundo contrato de trabalho em regime de comissão de serviço relativamente à aludida cláusula 4ª, nº3, ficando, assim, prejudicada a questão do abuso de direito invocada igualmente pela Recorrida.

29.As partes, ao abrigo do disposto na parte final do nº 2 do art. 164°do C. Trabalho de 2009, na redacção anterior às Leis nº 53/2011, de 14/10 e nº 23/20 12, de 25/06, consignaram expressamente para o caso da Recorrida fazer cessar o contrato antes do respectivo termo: “Na eventualidade de cessação do presente acordo por iniciativa da Primeira Outorgante, antes da verificação do prazo de dois anos, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante as retribuições correspondentes, até aos dois anos inicialmente contratados.”

30.Esta cláusula configura uma verdadeira cláusula penal através da qual as partes podem fixar por acordo o montante da indemnização exigível, conforme art. 810°/1 do C.Civil.

31.As partes quiseram prefixar uma indemnização sancionatória para o caso de não cumprimento do contrato, isto é, a cláusula penal foi convencionada para o caso de incumprimento definitivo da obrigação da Recorrente manter o contrato de trabalho em regime de comissão de serviço durante o período de tempo convencionado (2 anos),

32.Foi, amplamente provado em sede de julgamento que o Vice-Provedor tinha poderes para subscrever a cláusula aposta no contrato (Cláusula 4ª, nº.3).

33.Era à Recorrida que cabia o ónus da prova, ou seja, demonstrar a sua alegação, o que não sucedeu, bem ao invés.

34.A Recorrente não provou que o vice-provedor não tinha poderes para subscrever a cláusula, como lhe competia e tal não sucedeu, em virtude de ter sido amplamente provado em sede de julgamento no Tribunal da 1ª Instância, sustentado pelos depoimentos das testemunhas, Dr. CC (Vice-‑Provedor), DD, EE, FF, GG, HH, II e JJ.

35.Também neste sentido veja-se o acórdão da Relação de BB de 24 de Novembro de 204:Proc 6680/2004-4 in dgsi.net, nos termos do qual, "O exercício de determinadas funções em comissão de serviço só se mantêm enquanto perdurar a relação de confiança que as caracteriza. IV- Não sendo alegada nem provada a quebra de confiança é ilícita a cessação da comissão de serviço que não respeitou o prazo contratualmente acordado".(sublinhado nosso).

36.A sentença proferida pelo Tribunal da 1a Instância não merece reparo, pois fez uma correcta aplicação do direito à factualidade provada.

37.Concluindo em condenar a Recorrida a pagar ao Recorrente a quantia de € 62.665,03 (sessenta e dois mil seiscentos e sessenta e cinco euros e três; cêntimos), a título de indemnização em razão da denúncia do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço promovido antes do respectivo termo, acrescida dos juros de mora vencidos até à data da presente sentença (08/05/2014) no valor de € 4.155,96 (quatro mil cento e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), e dos juros de mora vincendos desde a data de 09/05/2014 até ao integral e efectivo pagamento.

38. Concluindo certeiramente a douta sentença do tribunal de 1ª instância.

39.O acórdão Recorrido viola o disposto nos art° 217°, 236°, 238°, 239°, 406° e 810º/1 todos do C. Civil e os art°s 102°, 164° n° 2, in fine, estes do C. do Trabalho.”

Pede assim que se julgue o recurso procedente, revogando-se o acórdão recorrido, na parte em que considera ineficaz, em relação à recorrida a cláusula 4a, nº 3 do contrato de comissão de serviço celebrado em 1/04/2011, bem como na parte em que absolveu a recorrida do pedido de pagamento da indemnização, prevista nessa cláusula, com as consequências legais daí decorrentes, designadamente, no reconhecimento do direito a receber a recorrente da Recorrida a quantia de € 62.665,03 (sessenta e dois mil seiscentos e sessenta e cinco euros e três cêntimos), a título de indemnização em razão da denúncia do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço promovido antes do respectivo termo, e ainda no reconhecimento do direito a receber os juros de mora vencidos até à data da presente sentença (08/05/2014) no valor de € 4.155,96 (quatro mil cento e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), e dos juros de mora vincendos desde a data de 09/05/2014 até ao integral e efectivo pagamento, a tudo acrescendo juros de mora às taxas legais.

            A R também alegou, tendo concluído que:

“1.          Da conjugação das Deliberações de Mesa n.º 332, constante da acta da 3.ª sessão extraordinária da Mesa de 31/3/200 n.º 77, constante da acta da 103ª sessão ordinária da Mesa da SCML, de 27/1/2011, juntas aos autos, resulta que a delegação de competências no Vice Provedor visou tão só representar a SCML na outorga de contratos, protocolos e acordos de cooperação no âmbito dos departamentos e pelouros que lhe estão distribuídos, cujas minutas tenham sido previamente aprovadas pela Mesa, bem como uma autorização para renovar as comissões de serviço no âmbito da Direcção dos Recursos Humanos, bem como a comissão de serviço do Dr. AA como director da unidade de gestão de recursos humanos e contratação com efeitos a partir de 1/04/2011.

2.            Tal como entendeu o Tribunal da Relação de BB, a expressão minutas (dos contratos) que tenham sido previamente aprovadas pela Mesa, que consta na referida Deliberação de Mesa, significa muito mais que "primeira redacção de um escrito" ou "rascunho" aproximando-se (o seu significado) muito mais de fórmula escrita que contém os elementos fundamentais dos contratos, tal como sustentou a aqui respondente, não sendo razoável sustentar que se tratava de um esboço para o representante da SCML.

3.           Assim, e tal como concluiu o Tribunal da Relação de BB, resulta claro que o Vice Provedor, tal como sustentado pela SCML, não dispunha de poderes suficientes para em nome e representação da Santa Casa, a vincular no contrato de comissão de serviço outorgado com o autor em 1/04/2011 ao cumprimento da cláusula 4ª, n.º 3, a qual prevê que" na eventualidade de cessação do presente acordo por iniciativa da primeira outorgante, antes da verificação do prazo de 2 anos, a 1.° outorgante pagará ao 2.° as retribuições correspondentes, até aos 2 anos inicialmente contratados", pelo que considerou ineficaz a referida cláusula em relação à SCML, já que não foi ratificada por esta .

4.   Nestas circunstâncias, por tudo quanto atrás expendemos, a cláusula em causa é ineficaz, tal como doutamente decidido pelo Tribunal da Relação de BB, cujo Acórdão não merece qualquer reparo, uma vez que a cláusula em causa não constava das minutas previamente aprovadas pela Mesa da SCML, pelo que ao ser incluída em contrato sem a necessária ratificação do órgão competente, não pode ter eficácia, assim como também não poderia ser aposta em contrato de comissão de serviço outorgado no uso de competências delegadas, quando aquelas ditaram a renovação de um contrato de comissão de serviço que não incluía a cláusula em causa.

5.   Assim, por via desta dupla desconformidade, traduzida numa ausência de requisitos essenciais à sua validade, deve manter-se o douto entendimento do Tribunal da Relação de BB, mantendo-se a decisão que declarou a cláusula 4ª, nº 3 do contrato de comissão de serviço, celebrado em 1/4/2011, como ineficaz, sendo a Santa Casa da Misericórdia de BB absolvida do pedido de pagamento da indemnização prevista na cláusula em causa.”

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, emitiu a Ex.mª Procuradora Geral Adjunta parecer no sentido da improcedência da revista, o qual não suscitou reacção das partes.

E preparada a deliberação, cumpre decidir.

2----

            Para tanto, as instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:

1. O Autor AA pertence ao mapa de pessoal do Instituto da Segurança Social, detendo com este um contrato de Trabalho em Funções Públicas, que esteve suspenso desde 25/05/2007 a 10/12/2011, por se encontrar em situação de Cedência de Interesse Público, ao abrigo da Lei n.º 12-A/2008, 27/02, por estar a prestar serviço para a Ré Santa Casa da Misericórdia de BB (SCML) [Alínea A) dos Factos Assentes].

2. Em 25/05/2007, o Autor foi contratado pela Ré para exercer, em regime de Comissão de Serviço o cargo de Director da Unidade de Selecção e Gestão de Quadros da Direcção de Recursos Humanos, sendo-lhe atribuído o nível l (nível mais elevado) do cargo de Director de Unidade [Alínea B) dos Factos Assentes].

3. Para formalizar as funções do Autor, a Ré celebrou e subscreveu com este o escrito particular denomina «Acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço», cuja cópia consta de fls. 13 a 15 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [Alínea C) dos Factos Assentes].

4. E cujos termos e condições foram previamente acordados [Alínea D) dos Factos Assentes].

5. O Autor iniciou as suas funções para a Ré do seguinte modo: - Por Deliberação da Mesa da SCML, de 22/03/2007, foi autorizada a sua requisição e a sua subsequente nomeação, em comissão de serviço, como Director da Unidade de Recrutamento, Selecção e Desenvolvimento de Recursos Humanos Direcção de Recursos Humanos da Ré [Alínea E) dos Factos Assentes];

6. Por ofício de 23/03/2007 da Ré, foi solicitado, ao Presidente do Conselho Directivo do Instituto Segurança Social, IP, autorização da requisição do Autor, pelo período de dois anos, eventualmente renováveis [Alínea F) tios Factos Assentes];

7. Em 17/05/2007, por despacho do Vogal do Conselho Directivo do ISS, IP, Sr. Dr. KK, foi autorizada a requisição solicitada, com efeitos a 25/05/2007 [Alínea G) dos Factos Assentes];

8. E em 28 de Julho de 2008, a Mesa da SCML deliberou autorizar o pedido de renovação da requisição do Autor por mais um ano com efeitos a 25/05/2008, tendo o ISS, I.P. autorizado o pedido [Alínea H) dos Pactos Assentes].

9. Por ofício de 23/12/2008 e por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 235/2008, de 03/12 foi comunicado ao Autor a cessação da Comissão de Serviço a partir de 2 de Janeiro de 2009 [Alínea I) dos Pactos Assentes].

10. Em 1/04/2011, Autor e Ré celebraram e subscreveram o escrito particular denominado «Acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço», cuja cópia consta de fls. 89 a 91 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [Alínea J) dos Factos Assentes].

11. Através do qual o Autor aceita desempenhar em regime de comissão de serviço o cargo de Director da Unidade de Gestão de Recursos Humanos e Contratação, nos termos e condições constantes desse escrito particular [Alínea K) dos Factos Assentes],

12. Cuja elaboração resultou de um longo período de negociação entre o Autor e a Ré, e de reflexão, considerando as implicações que tal situação aportava para o Autor ao nível do seu percurso profissional [Alínea L) dos Factos Assentes],

13. Sendo que a decisão da sua celebração com a Ré teve, igualmente, por fundamento o facto de o Autor se rever nos valores e princípios que norteiam a missão desta Instituição secular, actividade que diariamente desenvolve na procura do bem-‑estar dos mais necessitados e para o qual o Autor orgulhosamente contribuiu [Alínea M) dos Factos Assentes].

14. O convite dirigido ao Autor para o exercício de funções de dirigente junto da Ré teve, igualmente, em atenção a experiência por este adquirida e devidamente evidenciada, no desempenho de funções como dirigente, nos mais diversos serviços que integram a sua entidade empregadora de origem [Alínea N) dos Factos Assentes].

15. Em 11/11/2011, através do escrito particular cuja cópia consta de fls. 68 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, a Ré comunicou ao Autor, sem qualquer aviso prévio, a denúncia com efeitos imediatos do acordo aludido em 10) [Alínea O) dos Factos Assentes].

16. No escrito particular aludido em 10) está consignado «... adiante designada por SCML ou Primeiro Outorgante, representada neste acto pelo Vice-Provedor Dr. CC, age por delegação de competências do Provedor, Rui LL, ao abrigo do n.º 3 do art. 12 conjugado com a alínea d), do n.º 1 do mesmo artigo, dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de BB, aprovados pelo D/L n.º 235/2008, de 3 de Dezembro, conforme Deliberação n.º 371/2009, da Secção Extraordinária de Mesa de 2009.03.31... Segunda 1 — Durante o exercício do cargo referido na cláusula primeira, o Segundo Outorgante auferirá, mensalmente, a quantia ilíquida de 3.650, 39 euros, três mil seiscentos e cinquenta euros e trinta e nove cêntimos (remuneração base 3.097,29 euros e despesas de representação no montante de 553,10 euros), correspondente ao nível I de Director de Unidade da Estrutura remuneratória dos cargos de dirigente em vigor na SCML, ao qual acresce o valor do subsidio de refeição em vigor por cada dia útil de trabalho... Quarta 1 A presente Comissão de Serviço inicia-se em 1 de Abril de 2011, vigorando por um período de dois anos, cessando automaticamente no final do referido período, dependendo a sua eventual renovação de comunicação escrita efectuada pela Primeira Outorgante, com a antecedência mínima de 30 dias, relativamente à data do seu termo. 2 — Qualquer das partes poderá ainda e a qualquer momento fazer cessar a presente comissão de serviço mediante comunicação escrita à outra, com a antecedência mínima de 30 (trinta) ou 60 (sessenta) dias, consoante a prestação de trabalho em regime de comissão de serviço tenha durado, respectivamente, até dois anos ou por período superior. 3 - Na eventualidade de cessação do presente acordo por iniciativa da Primeira Outorgante, antes da verificação do prazo de dois anos, a Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante as retribuições correspondentes, até aos dois anos inicialmente contratados» [Alínea P) dos Factos Assentes].

17. Através do oficio, datado de 17/10/2011, cuja cópia consta de fls. 19 dos autos, a Ré comunicou ao Autor, relativamente ao acordo aludido em 10), que «verificámos que do clausulado dos referidos contratos consta uma cláusula que confere direito a uma indemnização, até final, caso a SCML tome a iniciativa de cessar o contrato antes da verificação, do respectivo prazo. A ponderação jurídica efectuada permite concluir pela invalidade de tal cláusula indemnizatória, tendo em conta que a mesma foi introduzida no clausulado dos referidos contratos à revelia de qualquer deliberação de Mesa que a aprovasse previamente, para além de constituir um desequilíbrio que viola as mais elementares regras do bom senso. Tal cláusula, na análise que dela foi feita, excede mesmo os limites decorrentes da boa-fé e do fim social e económico do direito em causa. A invalidade da referida cláusula não prejudica, no entanto, a validade e manutenção do restante clausulado do contrato de trabalho em comissão de serviço celebrado com V.Exa.» [Alínea Q) dos Pactos Assentes].

18. Em 21/10/2011, através da carta cuja cópia consta de fls. 21 e 22 dos autos e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, o Autor solicitou à Ré lhe facultasse o teor da fundamentação jurídica que permitiu concluir pela invalidade referida em 17) [Alínea R) dos Factos Assentes].

19. O Autor sempre pautou a sua actuação laboral, por total empenhamento e dedicação, e é sobejamente reconhecido no meio das instituições Segurança Social e da Ré a sua forma de trabalhar, e por este facto foi o Autor convidado a fazer parte dos quadros da SCML [Alínea S) dos Factos Assentes].

20. O tempo decorrido em exercício de funções junto da Ré, não poderá ser contabilizado, para efeitos de progressão na carreira, bem como, para efeitos de aposentação, atendendo a que nas referidas circunstâncias foram efectuados descontos, apenas, pelo valor do vencimento base de carreira e não pelo montante auferido pelo Autor no âmbito da Comissão de Serviço [Alínea T) dos Factos Assentes].

21. Situação que não se verificaria caso o Autor mantivesse a Comissão de Serviço que detinha com o Instituto da Segurança Social, e que denunciou considerando as condições que lhe foram propostas e que constam do Acordo aludido em 10) [Alínea U) dos Factos Assentes].

22. Em Janeiro de 2011, e face à vontade expressa na permanência do Autor em exercício de funções na Ré, viu-se este forçado a optar, declinando novo convite para regresso ao Instituto da Segurança Social, IP, novamente para o exercício de cargo de Dirigente [Alínea V) dos Factos Assentes].

23. A comunicação aludida em 15) causou no Autor uma grande perturbação, de tal forma que o mesmo passou a estar muito ansioso, sem dormir o que o deixava profundamente desgostoso [Alínea W) dos Factos Assentes],

24. Tendo sido a causa de o Autor não ter tido força anímica, para entregar dentro dos prazos, a sua tese de dissertação de mestrado [Alínea X) dos Factos Assentes].

25. O Autor tem vivido momentos de enorme pressão e de angústia permanente, pois sentia uma profunda mágoa, agravada pelo sentimento de que o seu bom-nome e prestígio profissional pudessem ser postos em causa [Alínea Y) dos Factos Assentes].

26. A comunicação aludida em 15) ocorreu na sequência de despacho do Vogal da Mesa, de 11/11/2011, ratificado pela Deliberação de Mesa n.º 303, de 17/11/2011, que autoriza a cessação do acordo aludido em J) com efeitos imediatos, e determina que o Autor regressasse ao ISS [Alínea Z) dos Factos Assentes].

27. Na sequência da comunicação aludida em 15), o Autor reingressou no Instituto da Segurança Social, IP, no dia 12/12/2011 [Alínea AA) dos Factos Assentes].

28. A Ré pagou ao Autor a retribuição relativa a 11 dias de trabalho no mês de Novembro de 2011 [Alínea BB) dos Factos Assentes].

29. A Ré pagou ao Autor, em Dezembro de 2011, a quantia de € 3.650,39, e, em Janeiro de 2012, a quantia de € 3.650,39, a título de «aviso prévio» [Alínea CC) dos Factos Assentes].

30. A Ré submeteu à aprovação dos seus órgãos de administração (a Mesa e o Provedor) a aprovação das «minutas dos Contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB» [Resposta ao Facto n.º l da Base Instrutória].

31. Pela Deliberação n.º 332, de 19/03/2009, a Mesa aprovou «as minutas dos Contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB» [Resposta ao Facto n°2 da Base Instrutória].

32. Nenhuma das minutas aprovadas pela Deliberação n.º 332, contém ou prevê a existência de qualquer cláusula de teor compensatório ou indemnizatório pela frustração da expectativa de exercer o cargo (e as inerentes funções) até ao final da comissão de serviço [Resposta ao Facto n°3 da Base Instrutória].

33. Antes de subscrever o acordo aludido em 10), na data de 31/03/2009, a Ré deliberou «Tomar conhecimento e registar em Acta o seguinte despacho do Provedor, LL, datado de 2009.03.31: “Nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 12º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de BB... designo como ... c) Administrador executivo do Departamento de Empreendedorismo e Economia Social, o Vice-Provedor, Dr. CC... Ao abrigo do mesmo preceito, estabeleço a seguinte distribuição de pelouros dos serviços instrumentais: a) Fica a meu cargo: - O Gabinete de Auditoria Interna, b) Ficam a cargo do Senhor Vice-Provedor, Dr. CC: - A Direcção de Recursos Humanos. - O Gabinete Jurídico... A presente distribuição de pelouros nos membros da Mesa é acompanhada da atribuição de poderes e competências necessários para superintender e despachar todos os assuntos que se encontrem no âmbito dos pelouros que lhes estão atribuídos, sem prejuízo de delegações específicas...» e mais deliberou «Tomar conhecimento e registar em Acta o seguinte despacho de delegação de competências do Provedor, LL, datado de 2009.03.31: “Nos termos do n.º 3 do artigo 12º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de BB... delego as seguintes competências, com efeitos a partir de 2009.04.01: 1. No Vice-Provedor, Dr. CC, e nos Vogais da Mesa, Dra. MM, Dra. NN, Dr. OO, Eng. PP e Eng. QQ competência para: - Representar a Santa Casa da Misericórdia de BB na outorga de contratos, protocolos e acordos de cooperação no âmbito dos departamentos e pelouros que lhes estão atribuídos, cujas minutas tenham sido previamente aprovadas pela Mesa. - Representar a Santa Casa da Misericórdia de BB na assinatura de quaisquer documentos no âmbito dos departamentos e pelouros que lhes estão atribuídos» [Resposta ao Facto n.º 4 da Base Instrutória].

34. A referida cláusula 4a, n.º 3, não era incluída nos contratos em regime de comissão de serviço que a Ré celebrava com trabalhadores que pertenciam ou iriam pertencer ao seu quadro; a referida cláusula era, por vezes, incluída nos contratos em regime de comissão de serviço que a Ré celebrava com trabalhadores que não pertenciam, nem iriam pertencer, ao seu quadro [Resposta ao Facto n°5 da Base Instrutória].

35. A Deliberação de Mesa da Ré n.º 77, de 27/01/2011, foi de «autorizar a renovação das Comissões de Serviço dos seguintes colaboradores, com efeitos a 1 de Abril de 2011:

 - No âmbito da Direcção de Recurso Humanos...

- Dr. AA como Director da Unidade de Gestão de Recursos Humanos e Contratação » [Resposta ao Facto n° 6 da Base Instrutória].

36. Na negociação aludida em 12) a referida cláusula 4ª, n°3, foi objecto discussão específica entre a Ré e o Autor [Resposta ao Facto n.º 7 da Base Instrutória].

37. As minutas referidas em 31) são orientadoras e, durante a anterior administração da Ré, foram celebrados contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço que continham cláusulas que não estavam previstas nessas minutas [Resposta ao Facto n.º 8 da Base Instrutória].

38. Ao subscrever o acordo aludido em 10), o Autor sempre esteve com a firme convicção que o Sr. Vice Provedor era competente e tinha poderes para celebrar o mesmo [Resposta ao Facto n°9 da Base Instrutória].

3---
           
E decidindo:

Sendo pelas conclusões do recorrente que se afere o objecto de recurso, a questão que se discute prende-se com a pretensa invalidade da cláusula 4ª, nº 3 do contrato que foi celebrado entre as partes em 1/04/2011.

Efectivamente, estas subscreveram o escrito particular denominado “Acordo para o exercício de cargo em regime de comissão de serviço” (fls. 89 a 91 dos autos), através do qual o Autor, que pertence aos quadros do Instituto da Segurança Social, perante quem está vinculado através dum contrato de trabalho em funções públicas, aceitou desempenhar o cargo de Director da Unidade de Gestão de Recursos Humanos e Contratação, tendo sido acordado que o contrato vigoraria por um período de dois anos, cessando automaticamente no final desse período.

No recurso não está em discussão a natureza jurídica do contrato, pois ambas as partes aceitam que se trata duma comissão de serviço, figura que foi consagrada no Direito do Trabalho através do DL nº 404/91 de 16 de Outubro, constituindo um instituto oriundo do direito administrativo que visou possibilitar às empresas a colocação de pessoas de confiança em cargos de grande responsabilidade, mas sempre a título provisório e precário.

Com efeito, constatando o legislador que o regime do contrato individual de trabalho não apresentava qualquer especialidade para o exercício de funções que pressupõem uma especial relação de confiança entre a entidade empregadora e o trabalhador, veio o mencionado diploma consagrar a “comissão de serviço”, visando assegurar níveis cada vez mais elevados de qualidade, responsabilidade e dinamismo na gestão das organizações empresariais.

Na verdade, vigorava então o princípio da correspondência entre a actividade exercida e a categoria/estatuto do trabalhador, conforme resultava do art. 22º, nº1 do D.L. nº 49 408 de 24 de Novembro de 1969, e que aprovou o regime do contrato individual de trabalha (também conhecido por LCT), e que só admitia as excepções decorrentes do “ius variandi”, previsto no nº 2 do referido preceito, e donde resultava que ao desempenho de funções nestes casos não correspondia o direito à respectiva categoria profissional, embora se tivesse que atribuir ao trabalhador retribuição superior, se esta correspondesse ao desempenho das novas funções.

Por outro lado, estava absolutamente vedado à entidade patronal baixar definitiva ou temporariamente a categoria para que o trabalhador tinha sido contratado ou a que fora, entretanto, promovido, conforme decorria dos artigos 21º, nº1, al. d) e 23º da LCT.

Por isso e perante esta protecção legal da categoria profissional, o legislador, na sequência do que já estabeleciam alguns instrumentos de regulamentação colectiva para responder a necessidades específicas das empresas, veio consagrar um regime excepcional para o desempenho de cargos de “direcção”, cuja disciplina se afastava daqueles princípios estruturantes do Direito do Trabalho.

Foi neste enquadramento que foi consagrada a comissão de serviço, que estabelecia que o exercício de funções neste regime é de carácter precário, não conferindo ao trabalhador o direito à aquisição da categoria profissional respectiva, possibilitando-se às empresas o desempenho de certas funções pelo trabalhador sem que se produzisse o efeito estabilizador da aquisição da categoria em conformidade com o chamado princípio da irreversibilidade.
Esta figura transitou para o Código do Trabalho de 2003, estando o seu regime regulado nos termos constantes dos artigos 244º e seguintes.
O Código do Trabalho de 2009 também a consagrou nos termos que constam dos artigos 161º e seguintes, interessando ao caso o regime anterior ao que foi introduzido pelas Leis n.º 53/2011, de 14/10 e n.º 23/2012, de 25/06, dado que o contrato foi assinado em 1/4/2011. 
Assim, resultava do disposto no art. 163° deste compêndio legal que:

“1. Qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, mediante aviso prévio por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, consoante aquela tenha durado, respectivamente, até dois anos ou período superior.
 2 - A falta de aviso prévio não obsta à cessação da comissão de serviço, constituindo a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte nos termos do artigo 401º”

Por outro lado, e no que concerne aos efeitos da cessação da comissão de serviço, prescrevia o seu artigo 164°, na redacção anterior às mencionadas Leis n.º 53/2011 e n.º 23/2012, que:

“1 - Cessando a comissão de serviço, o trabalhador tem direito: a) Caso se mantenha ao serviço da empresa, a exercer a actividade desempenhada antes da comissão de serviço, ou a correspondente à categoria a que tenha sido promovido ou, ainda, a actividade prevista no acordo a que se refere a alínea c) ou d) do n.º 3 do artigo 162º;
b) A resolver o contrato de trabalho nos 30 dias seguintes à decisão do empregador que ponha termo à comissão de serviço, com direito a indemnização calculada nos termos do artigo 366º;
c) Tendo sido admitido para trabalhar em comissão de serviço e esta cesse por iniciativa do empregador que não corresponda a despedimento por facto imputável ao trabalhador, a indemnização calculada nos termos do artigo 366°.
2 -Os prazos previstos no artigo anterior e o valor da indemnização a que se referem as alíneas b) e c) do n.º l podem ser aumentados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou contrato de trabalho...».

É neste enquadramento que se entende a redacção que foi conferida ao nº 3 da cláusula 4ª que foi aposta ao acordo de comissão de serviço do A, donde resulta que “[N]a eventualidade de cessação do presente acordo por iniciativa da Primeira Outorgante, antes da verificação do prazo de dois anos, a primeira outorgante pagará ao segundo outorgante as retribuições correspondentes, até aos dois anos inicialmente contratados”, pois as questões suscitadas no recurso devem ser apreciadas em conformidade com o regime estabelecido na versão originária do CT de 2009, conforme decidiram as instâncias.

3.1---

Sucede porém que a R não respeitou o prazo de dois anos que fora acordado para a duração da comissão de serviço, pois em 11/11/2011, comunicou ao Autor a denúncia do contrato com efeitos imediatos.

Suscita-se assim a questão da compensação devida ao recorrente por esta denúncia unilateral operada pela recorrida, pois esta questiona a validade da dita cláusula, alegando na sua contestação que o Vice-Provedor não tinha poderes para a integrar no contrato que foi celebrado.

Na solução desta matéria as instâncias divergiram, pois enquanto a sentença julgou improcedente esta excepção peremptória, condenando a ré a pagar ao autor a indemnização por ele reclamada, com dedução da importância já paga por esta, a título de falta de aviso prévio, já a decisão da Relação foi em sentido contrário, tendo concluído que o Vice-Provedor não dispunha de poderes bastantes para, em nome e em representação da SCML, a vincular ao cumprimento da sua cláusula 4ª, n.º 3, considerando-a por isso, ineficaz em relação à SCML, já que não foi ratificada por esta.

Mas não tem razão a Relação.

Efectivamente, por despacho do Provedor, LL, datado de 2009.03.31, proferido nos termos da alínea g) do nº 1 do artigo 12º dos Estatutos da Santa Casa da Misericórdia de BB foi o Vice-Provedor, Dr. CC, designado Administrador executivo do Departamento de Empreendedorismo e Economia Social.

E ao abrigo do mesmo preceito, foi-lhe distribuído o pelouro da Direcção de Recursos Humanos - O Gabinete Jurídico, distribuição acompanhada da atribuição de poderes e competências necessários para superintender e despachar todos os assuntos que se encontrem no seu âmbito.

Foram-lhe assim delegadas competências para “representar a SCML na outorga de contratos, protocolos e acordos de cooperação no âmbito dos departamentos e pelouros que lhes estão atribuídos, e cujas minutas tenham sido previamente aprovadas pela Mesa”.

E pela Deliberação n.º 332, de 19/03/2009, a Mesa aprovou as minutas dos contratos para o exercício de cargos em regime de Comissão de Serviço na Santa Casa da Misericórdia de BB.

Donde ser de concluir que o Senhor Vice-Provedor interveio no contrato que foi celebrado com o A em 1/4/2011, como representante da R, o que se traduz na prática de um acto jurídico, em nome de outrem, para na esfera desse outrem se produzirem os respectivos efeitos, desde que aquele actue nos limites dos poderes que lhe competem, conforme resulta do artigo 258º do Código Civil.

Fora deste contexto, e não possuindo o representante poderes para o acto, o representado tem que posteriormente proceder à ratificação do negócio, pois doutro modo o mesmo ser-lhe-á ineficaz, conforme advém do nº 1 do artigo 268º do mesmo diploma.

No entanto, sempre temos de considerar que quando o representante exceda os seus poderes, este regime da ratificação só se aplica se a outra parte conhecia, ou devia conhecer, esta falta de poderes, conforme consagra o artigo 269º do CC, donde se colhe que:

“O disposto no artigo anterior é aplicável ao caso do representante ter abusado dos seus poderes, se a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso”.

Ora, conforme sustenta Jacinto Rodrigues Bastos[1], seguindo a posição de Enneccerus-Niperday, se o representante abusou do seu poder, isto é, se utilizou conscientemente o poder conferido em termos que não correspondem ao seu fim, ou às instruções do constituinte, e a outra parte conhecia ou devia conhecer o abuso, o negócio não pode ter-se como abrangido pelo poder de representação, sendo uma situação equiparável à da representação sem poderes, a que a lei manda aplicar o respectivo regime.

No entanto, não conhecendo a outra parte essa falta de poderes, nem devendo conhecê-la, exige a boa-fé que essa situação não lhe possa ser oponível.

No caso presente não podemos deixar de proteger a boa-fé do A, tanto mais que ao subscrever o acordo de comissão de serviço que foi assinado, este estava “firmemente” convencido que o Sr. Vice-Provedor era competente para o acto e tinha poderes para celebrar o negócio tal como foi clausulado.

Diga-se ainda que a referida cláusula 4ª, n°3, foi objecto de discussão específica entre a Ré e o Autor, tendo sido em função do contrato no seu todo, do seu conteúdo retributivo e das suas garantias de duração, que o A aceitou o convite da R para com ela colaborar, pois o tempo decorrido em exercício de funções junto desta não iria ser contabilizado para efeitos de progressão na sua carreira no ISS, a cujos quadros pertencia e a que teve que regressar quando cessou a comissão de serviço.

Por outro lado, em Janeiro de 2011, e face à vontade expressa da R de permanência do Autor em exercício de funções, este viu-se forçado a declinar novo convite para regresso ao Instituto da Segurança Social, IP, para o exercício do cargo de Dirigente.

Não é assim oponível ao A a situação de falta de poderes do Vice-Provedor, tanto mais que já no contrato de comissão de serviço que o A havia celebrado em 15/5/2007, se tinha acordado que, na eventualidade do contrato cessar por iniciativa da R e antes do prazo acordado, aquele receberia a título de indemnização a diferença entre a remuneração auferida ao serviço desta e a do cargo que ocupava no ISS, conforme se colhe da cláusula 4ª, nº 3 do contrato que foi celebrado e que consta de fls. 14.

Não faz por isso, qualquer sentido que tendo o A celebrado o contrato de comissão de serviço e dele constando o nº 3 da cláusula 4ª para se salvaguardar da sua cessação antecipada da iniciativa da R, visse agora frustradas as expectativas em que legitimamente confiou com a alegação da falta de poderes do representante da R para inserir no contrato a dita cláusula.    

Pelo exposto, não podemos manter a decisão recorrida, sendo de repristinar o conteúdo dispositivo da sentença da 1ª instância.

4---

           Termos em que se acorda em conceder a revista, pelo que se revoga o acórdão recorrido com a consequente repristinação da decisão da 1ª instância que condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 62.665,03 (sessenta e dois mil seiscentos e sessenta e cinco euros e três cêntimos), a título de indemnização em razão da denúncia do contrato de trabalho em regime de comissão de serviço promovida antes do respectivo termo, acrescida dos juros de mora vencidos e que até 08/05/2014 ascendem a € 4.155,96 (quatro mil cento e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), e a que acrescerão os juros de mora desde 09/05/2014 e até integral e efectivo pagamento.

           As custas da revista e da apelação ficam a cargo da R, mantendo-se a condenação de custas da sentença repristinada.

            Anexa-se sumário do acórdão.

            Lisboa, 10 de Dezembro de 2015

            Gonçalves Rocha (Relator)

            Leones Dantas

            Melo Lima

_________________
[1] “Das Relações Jurídicas”, volume III, pgª 159/160 (1968).