Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2222/11.0TBVCT.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
DUPLA CONFORME PARCIAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
EXCESSO DE VELOCIDADE
MOTOCICLO
AUTO-ESTRADA
PRESUNÇÃO DE CULPA
CONDUTOR POR CONTA DE OUTREM
NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 05/23/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NÃO ADMITIDA EM PARTE A REVISTA PRINCIPAL. CONCEDIDA PROVIMENTO PARCIAL À REVISTA PEINCIPAL. NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO SUBORDINADO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / DECISÕES QUE COMPORTAM REVISTA.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE PELO RISCO / ACIDENTES CAUSADOS POR VEÍCULOS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil-Anotado, Vol. V, C. Editora, p. 143;
- António Augusto Tolda Pinto, Código da Estrada anotado e Legislação Complementar, 6.ª ed., C. Editora, p. 72;
- António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, p. 370;
- Jerónimo Freitas, Código da Estrada – anotado e Legislação Complementar, 4.ª ed., Quid Juris, p. 59;
- José Lebre de Freitas e Outros, Código de Processo Civil - Anotado, Vol. II, C. Editora, p. 666;
- Manuel de Oliveira Matos, Código da Estrada Anotado, 6.ª ed., Almedina, p. 72;
- Victor de Sá Pereira e António Proença Fouto, Código da Estrada – Comentários e Legislação Complementar, Livraria Petrony, p. 104.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 671.º, N.ºS 1 E 3.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 503.º, N.º 3.
CÓDIGO DA ESTRADA (CEST): - ARTIGOS 3.º, N.º 2, 11.º, N.º 2, 13.º, N.º 1, 18.º, N.º 1 E 24.º, N.ºS 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 16-01-2014, PROCESSO N.º 347/10, IN SUMÁRIOS, 2014, P. 30;
- DE 29-01-2014, PROCESSO N.º 249/04, IN SUMÁRIOS, 2014, P. 62;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 17/11, IN SUMÁRIOS, 2015, P. 426;
- DE 10-12-2015, PROCESSO N.º 1828/10, IN SUMÁRIOS, 2015, P. 702;
- DE 19-01-2016, PROCESSO N.º 1368/11, IN SUMÁRIOS, 2016, P. 17.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA:

- DE 21-12-2004.
Sumário :
I - A figura da dupla conforme, consagrada no art. 671.º, n.º 3, do CPC, consubstancia uma relevante excepção ao preceituado no n.º 1 desse preceito, traduzida na inadmissibilidade de recurso de acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação substancialmente diversa, a decisão proferida na 1.ª instância.

II - O ponto de referência para a verificação de uma situação de dupla conforme é um acórdão da Relação que, incidindo sobre a decisão prolatada na 1.ª instância, conheça do mérito da causa ou determine a extinção – total ou parcial – da instância.

III - Assim sendo, a decisão da 1.ª instância relevante para um juízo de conformidade com o pertinente acórdão, tem de necessariamente constituir objecto da parte dispositiva ou estatuitória final de tal acórdão, ou seja, tem de a conclusão – thema decisum – deste aresto versar/recair sobre essa decisão, outrossim a confirmando sem divergência substancial de fundamentação.

IV - Essa decisão recorrida, manante da 1.ª instância, não poderá ser ou consubstanciar um qualquer pronunciamento emitido no desenvolvimento da peça impugnada – um elemento intercalar do respectivo arrasoado ou parte motivatória – mas um acto judicativo final, no sentido de integrante ou representativo do seu ultimador dispositivo, do seu terminante e verdadeiro decreto.

V - Assim, ainda que respeito da questão da presunção de culpa a que se refere o art. 503.º, n.º 3, do CC tenha ocorrido veredicto por parte do aresto sindicador coincidente com o que lhe foi conferido no âmbito da sentença recorrida, não tendo tal questão sido objecto ou integrado a parte decisória final quer da sentença, quer do acórdão sobre esta incidente, não se verifica qualquer impedimento decorrente da dupla conforme, podendo a mesma ser novamente suscitada no quadro da revista interposta pelos recorrentes a respeito da responsabilidade pela produção do acidente.

VI - Já quanto à questão da quantificação da indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais da vítima do acidente, uma vez que, como vem sendo defendido a nível doutrinal e jurisprudencial, a admissibilidade ou não do recurso normal de revista deve fazer-se mediante o confronto de cada um dos vários segmentos decisórios, verificando-se uma situação de dupla conforme no tocante ao valor da indemnização devido a este título por parte da sentença e do acórdão recorrido (€ 80 000) e não sendo a circunstância do valor final da indemnização variar em função da percentagem de responsabilidade atribuída pelo produção do acidente (75% pela 1.ª instância e 70% pela Relação) impeditiva a que se verifique uma situação dupla conforme, não é o recurso de revista admissível nesta parte.

VII - O conceito de velocidade excessiva, definido no art. 24.º, n.º 1, do CEst, contempla duas realidades distintas: uma vertente absoluta, verificada sempre que se ultrapassem os limites legalmente estipulados, e uma vertente relativa, quando a não adequação da marcha à situação concreta, implica que o condutor não consiga parar no espaço visível à sua frente.

VIII - Ainda que constitua entendimento generalizado que não pode exigir-se a um condutor que preveja ou conte com os comportamentos imprudentes, culposos, dos demais utentes da estrada, a diminuição de velocidade de um motociclo, a despeito de súbita, não constitui um facto imprevisível que, repentinamente, se tenha interposto ou intrometido entre a visão do condutor e o limite do horizonte por ela proporcionado que leve à desconsideração de uma situação de excesso de velocidade.

IX - Resultando da matéria de facto provada que o veículo automóvel em causa nos autos embateu no motociclo que circulava na sua dianteira, encontrando-se ambos no lado esquerdo da via de uma auto-estrada, quando circulava animado de uma velocidade não inferior a 110/kms/hora e que deixou um rasto de travagem de 16,50 metros a anteceder o embate, conclui-se que o condutor desse veículo seguia com uma velocidade excessiva e sem observar a distância mínima suficiente para evitar o embate, incorrendo em violação do disposto nos arts. 18.º, n.º 1, e 24.º, n.º 1, do CEst.

X - Ficando, ainda, provado que o embate se deveu igualmente à súbita diminuição de velocidade do motociclo devido à necessidade do condutor de accionar a reserva de combustível, incorreu este em violação do disposto nos arts. 3.º, n.º 2, 11.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, e 24.º, n.º 2, do CEst, pelo que se mostra correcta a repartição de culpas efectuada pelo tribunal da Relação de 70% para o condutor do veículo automóvel e de 30% para o condutor do motociclo.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]




I – RELATÓRIO

1. AA instaurou a presente acção declarativa com processo ordinário destinada à efectivação de responsabilidade civil emergente de acidente de viação contra a BB - Companhia de Seguros, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia global líquida de € 512.249,85, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano, contados desde a data da propositura da acção até efectivo e integral pagamento, bem como a indemnização que vier a ser fixada em decisão ulterior, por força dos internamentos, intervenções, consultas, exames, tratamentos, auxiliares de locomoção, próteses, veículo apropriado e adaptação da habitação de que ainda irá necessitar.

2. Para tanto alegou, em suma, que ocorreu um embate em que foram intervenientes o motociclo de matrícula ...-...-RS, por si conduzido, e o veículo automóvel de matrícula ...-...-TF, seguro na Ré, sendo certo que a ocorrência do sinistro ficou a dever-se a culpa exclusiva do condutor do aludido veículo automóvel.

Mais invocou a existência de danos patrimoniais e não patrimoniais, cuja reparação reclama, em virtude das lesões sofridas no embate dos autos.

3. A Ré apresentou contestação, alegando a sua versão do acidente, mais impugnando a existência de prejuízos e respectivos montantes, concluindo que a acção deverá ser julgada totalmente improcedente.

4. O A. apresentou, por sua vez, réplica, mantendo o alegado na petição inicial.

5. Ocorreu entretanto o falecimento do A., tendo sido habilitados, como seus únicos herdeiros e sucessores legais, os filhos CC, DD, e EE.

6. Seguindo os autos os seus normais trâmites, teve lugar a audiência de julgamento culminada com sentença, finda com o seguinte dispositivo:

- “Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a acção e, em consequência, condeno a ré Companhia de Seguros FF, S.A.. a pagar aos sucessores habilitados de AA:

- quantia de € 80.027,48 (oitenta mil vinte e sete euros e oitenta e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, contados desde a citação até integral pagamento; e

- a quantia de € 60.000,00 (sessenta mil euros), acrescida de juros de mora a contar da data desta sentença até integral pagamento;

absolvendo-a do restante peticionado…”.

7. Não se conformando com o assim decidido, a Ré interpôs o competente recurso de apelação, a que os AA./habilitados deduziram contra-alegações, acompanhadas de recurso subordinado.

8. Pela Relação foi proferido douto Acórdão – fls. 1141 e ss.‑, findo com o decisório que segue:

- Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a Apelação e altera-se a decisão recorrida, condenando-se a ré a pagar aos AA/habilitados:

- a quantia de € 42.142.41, a título de danos patrimoniais (correspondente essa quantia a 70% do total da indemnização devida, depois de abatida a quantia de € 5.000,00 adiantada ao A. pela ré seguradora), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a citação e até integral pagamento;

- a quantia de € 56.000,00, a título de danos não patrimoniais (correspondente essa quantia a 70% do total da indemnização devida), acrescida de juros de mora, à taxa anual de 4%, contados desde a data da sentença da 1ª instância e até integral pagamento.

9. Pelo Ministério Público foi interposto recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional do segmento da decisão proferida no Acórdão ora em foco, julgando inconstitucional a norma contida no art. 64.º, n.º 7[2], do D.L. n.º 291/2007, de 21 de Agosto [Regime Jurídico do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel], recurso a que o dito Tribunal, por pertinente douto Acórdão – fls. 1348 e ss.‑ negou provimento.


10. De novo irresignados, os AA/habilitados interpuseram o vertente recurso de revista, o qual encerram cos as seguintes conclusões:

1ª – O acórdão recorrido é nulo nos termos do disposto no artº. 615º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, pois não conheceu do recurso subordinado interposto pelos AA./habilitados da decisão do tribunal de 1ª instância, limitando-se a apreciar o recurso de apelação interposto pela Ré “GG - Companhia de Seguros, S.A.”.

2ª – Pelo que deverá ser declarado nulo, ordenando-se a remessa dos autos ao tribunal “a quo” para que o mesmo aprecie e decida o recurso subordinado interposto pelos AA..

3ª – Ao decidir que existiu concorrência de culpas na eclosão do sinistro - fixando em 70% a culpa do condutor do veículo ...-...-TF, segurado na Ré seguradora, e de 30% para o A. AA – o tribunal “a quo” fez errada apreciação da factualidade provada e proferiu uma errada decisão sobre a culpa na eclosão do sinistro.

4ª – Com efeito, face à factualidade dada como provada, o tribunal “a quo” deveria ter considerado que o condutor do veículo segurado na Ré “GG - Companhia de Seguros, S.A.” foi o único culpado na eclosão do sinistro, por violação do disposto nos artº.s 13º, nº 1 e 3, artº. 18º, nº 1 e 2, artº. 24º, nº 1 do Cód. da Estrada.

5ª - Resulta dos pontos 3, 4, 8, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 21, 22, 24, 25, 26, 28 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 37 e 38 dos “Factos provados” que o condutor do veículo de matrícula ...-...-TF, segurado na Recorrida seguradora, circulava pela hemi-faixa de rodagem direita da A28, a qual era perfeitamente iluminada por candeeiros públicos que estavam ligados e permitiam ver ao longo de toda a faixa de rodagem e das bermas.

6ª - O segurado da Recorrida seguia numa posição atrás do AA e, não obstante o motociclo por este tripulado estar dotado de farolins reflectores e de cor vermelha e o capacete vermelho – cfr. alínea N) dos Factos Assentes, que prevalecem - por ele utilizado ter na sua rectaguarda uma substância reflectorizante, aquele segurado não se apercebeu do abrandamento do motociclo conduzido pelo pai dos Recorrentes a não ser quando se encontrava a uma distância de apenas 16,50 metros (tendo travado e deixado um rasto de travagem de 79,30 metros)!

7ª - Por essa razão, o condutor do veículo segurado da “GG - Companhia de Seguros, S.A.” não imobilizou o veículo que conduzia no espaço livre e visível disponível à sua frente, nem se desviou do mesmo, nem passou pela largura da faixa que tinha disponível, tendo antes embatido contra o AA quando o mesmo circulava pela faixa de rodagem da A28.

8ª - Perante esta factualidade que resultou provada, deveria o tribunal “a quo” ter decidido que o condutor segurado da Recorrente violou, entre outras, as disposições dos artº.s 13º, nº 1 e 3, artº. 18º, nº 1 e 2, artº. 24º, nº 1 do Cód. da Estrada.

9ª – Acresce que ficou provado que o veículo de matrícula ...-...-TF era propriedade de HH e, na altura do sinistro, era conduzido por II.

10ª - Verifica-se, assim, a relação comitente-comissário, tal como é configurada no artº. 503º, nº 3 do Cód.. Civil.

11ª - Pelo que, sobre o condutor do veículo de matrícula ...-...-TF impende, assim, uma presunção legal de culpa que a Ré “GG” não logrou ilidir – artº. 503º, nº 3 do Cód. Civil.

12ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação dessas mesmas disposições aos factos provados.

13ª - Pelo que deverá a decisão ser alterada, decidindo-se que o condutor segurado na Recorrida “GG - Companhia de Seguros, S.A.” é o único e exclusivo responsável pela eclosão do sinistro.

14ª – Nessa medida, a Recorrida deverá ser condenada a pagar a totalidade – 100% - das indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais que se considerem equitativas, e não apenas 70% das mesmas.

15ª - As quantias arbitradas pelo tribunal “a quo” para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo AA é manifestamente insuficiente.

16ª - A quantia de € 42 142,41 fixada pelo tribunal “a quo” para ressarcimento dos danos patrimoniais sofridos pelo AA, é manifestamente insuficiente para ressarcimento de todos os danos por aquele sofridos.

17ª – Resultou provado que o AA teve as seguintes despesas e prejuízos em consequência do sinistro sub-judice:

1. DESPESAS:

a) Medicamentos                      € 281,77

b) Taxas moderadoras                    € 654,30

c) Deslocações de táxi                   € 614,15

d) Deslocações em viatura própria       € 250,00

e) Deslocações em ambulância dos Bombeiros             € 120,00

f) Parques de estacionamento                 € 4,30

g) Refeições                                     € 591,00

h) Vestuário inutilizado                              € 400,00

€ 2 915,52

(pontos 50, 98, 99, 100, 101, 102, 103 e 104 dos Factos provados)

2. DANOS RESPEITANTES AO MOTOCICLO DE MATRÍCULA ...-...-RS:

a) Custo de reparação do ...-...-RS                      € 6 287,93

b) Desvalorização do ...-...-RS                             € 1 500,00

€ 7 787,93

(pontos 40 e 42 dos Factos provados)


18ª - Para além destas quantias, o AA sofreu ainda uma perda de rendimentos – dano futuro - em consequência da incapacidade de que ficou a padecer para o trabalho.

19ª – O AA ficou a padecer de um défice funcional permanente da integridade física e psíquica de 30 pontos, auferia um rendimento de trabalho de € 800,00 e, desde a data do acidente até à data da sua morte, nunca mais trabalhou, tendo deixado de auferir aquele rendimento (pontos 93, 95 e 96 dos Factos provados).

20ª – Pelo que, tendo em conta que entre a data do acidente (25.12.2006) e a data da morte do AA (16.10.2012) decorreram 70 meses, a perda de rendimento deste cifrou-se em (70 meses x € 800,00) € 56 000,00 (cinquenta e seis mil euros).

21ª - Assim, o valor global de danos patrimoniais sofridos pelo AA em consequência do sinistro foi de (€ 2 915,52 + € 7 787,93 + € 56 000,00) € 66 793,45.

22ª - Pelo que, deduzida a essa quantia o montante de € 5 000,00 adiantado pela Recorrida ao AA, deveria a Recorrida “GG - Companhia de Seguros, S.A.” ter sido condenada a pagar aos AA./habilitados, a título de danos patrimoniais, a quantia de € 61 793,45 (sessenta e um mil setecentos e noventa e três euros e quarenta e cinco cêntimos), acrescida de juros de mora.

23ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal “a quo” violou o disposto nos artº.s 562º, artº. 564º, nº 1 e 2 e artº. 566º, nº 2 do Cod. Civil.

24ª – Pelo que deve a decisão recorrida ser nessa parte ser revogada, substituindo-se por outra que condene a Recorrida a pagar aos Recorrentes a quantia de € 61 793,45, acrescida de juros de mora, a título de danos patrimoniais sofridos pelo AA.

25ª – A quantia de € 56.000,00 arbitrada pelo tribunal “a quo” para ressarcimento dos danos não patrimoniais é manifestamente insuficiente para ressarcimento de todos os danos não patrimoniais sofridos pelo AA.

26ª - Para fixar essa indemnização, deverá levar-se em linha de conta a gravidade dos danos que vem plasmada nos pontos 51, 52, 53, 54, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62, 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75, 76, 78, 79, 80, 81, 82, 83, 84, 85, 86, 87, 88, 89, 90, 91, 92, 93, 96 e 106 dos “Factos Provados”.

27ª – Dessa factualidade resulta que:

a) o AA sofreu lesões gravíssimas, que implicaram a amputação da perna esquerda.

b) para além do enorme susto sofrido na altura do acidente e do receio de perder a vida, o AA sofreu danos não patrimoniais prolongados até à morte.

c) O AA foi sujeito a várias operações cirúrgicas e a períodos prolongados de internamento, pois não conseguia receber e conservar a prótese, devido a ulcerações do coto de amputação, por falta de almofada cutânea.

d) Frequentemente a ferida da perna esquerda não cicatrizava, mantendo-se em carne viva.

e) Por essa razão, os internamentos, tratamentos e cirurgias foram recorrentes e prolongadas, aumentando o sofrimento do AA.

f) O grau de dor ("Quantum Doloris") foi de grau 5, numa escala de 0 a 7.

g) E o "Dano Estético" foi de grau 4, numa escala de 0 a 7.

h) Todo esse sofrimento, aliado ao facto de a ausência da perna amoutada o ter impedido não apenas de trabalhar como de se poder dedicar às actividades lúdicas – motociclismo e dança – pelas quais o mesmo tinha uma grande paixão e que lhe permitiam o convívio com os seus amigos, deixou o AA num estado de tristeza e depressão muito elevado.

i) A esse estado o conduziu também a consciencialização do seu estado de incapacidade e de dependência de uma terceira pessoa para o resto da vida, bem como o de que iria passar o resto da sua vida em consultas, médicos, tratamentos e cirurgias.

28ª - Todos estes factos que resultaram provados, apontam para um dano não patrimonial muito grave e considerável, cuja equidade impõe que seja indemnizado em montante não inferior a € 100 000,00.

29ª - Ao decidir de forma diversa, o tribunal “a quo” fez errada interpretação e aplicação do direito, designadamente dos artº.s 494º, 496º, 562º, 564º, nº 2 do Cód. Civil.

30ª - Pelo que deverá a douta sentença recorrida ser nessa parte revogada, fixando-se o valor da indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo AA em quantia não inferior a €100 000,00 (cem mil euros).


No entanto, e sem prescindir, sempre se dirá que


31ª - O tribunal “a quo”, ao fixar a quantia de € 56 000,00, para indemnização dos danos não patrimoniais, laborou num erro de cálculo.

32ª - Com efeito, ao fixar o valor final indemnizatório, decorrente da aplicação da percentagem de 70% de responsabilidade que entendeu atribuir ao condutor do veículo segurado na Recorrida seguradora, o tribunal “a quo” não aplicou essa percentagem sobre o valor global que havia sido reputado como justo pelo tribunal de 1ª instância, mas antes sobre o produto de 75% desse valor - € 80 000,00 - que havia sido fixado por este tribunal de 1ª instância em consequência da percentagem de culpa então entendida como justa (75% para o condutor do veículo seguro na Ré; 25% para o AA).

33ª - Nessa medida, a indemnização agora arbitrada não consubstancia 70% de 100% do valor reputado como justo pelo tribunal de 1ª instância, mas sim 70% de 75% desse valor.

34ª - Trata-se, manifestamente, de um erro de cálculo do tribunal “a quo”.

35ª – Pelo que, se ao contrário do que se espera, o tribunal “a quo” não entender que a culpa na eclosão do sinistro se ficou única e exclusivamente a dever ao condutor do veículo segurado na Recorrida e que o condutor segurado na Recorrida tem uma percentagem de apenas 70% de culpa, deverá a indemnização por danos não patrimoniais ser calculada aplicando esses 70% sobre 100% do valor indemnizatório considerado pelo tribunal de 1ª instância e não sobre os 75% desse valor.

Rematam no sentido de, no provimento do recurso, ser a decisão recorrida revogada e, em sua substituição, proferido Acórdão em conformidade com as conclusões supra formuladas.

11. A Ré apresentou, por sua vez, resposta, a qual ultimou no sentido de não dever ser admitida a revista, quanto às questões relacionadas com a existência de uma presunção de culpa [por parte do condutor do veículo automóvel], bem como quanto aos valores das indemnizações destinadas a ressarcir o dano não patrimonial e patrimonial.

Mais interpôs recurso subordinado, findando-o com as seguintes conclusões:

A. O condutor do veículo seguro na Ré, não conduzia em excesso de velocidade, seja porque não ultrapassava o limite absoluto de velocidade permitido no local do acidente,

B. seja porque não imprimia ao veículo que conduzia, velocidade que o impedisse de realizar qualquer manobra cuja necessidade fosse de prever.

C. O condutor do veículo seguro na Ré não violou a regra estradai da "distancia de segurança".

D. O condutor do veículo seguro na Ré, não violou qualquer regra do Código da Estrada,

E. nem deu causa ao embate entre ambos os veículos interveniente no acidente.

F. Causa única e exclusiva do embate, foi a súbita e imprevisível (para o condutor do veículo do veículo seguro na Ré!) redução da velocidade do veículo conduzido pelo infausto pai dos autores,

G. decorrente da circunstância de se ter determinado a realizar uma viagem, sem se ter certificado previamente de que o seu veículo estava abastecido com combustível suficiente para a realizar.

H. Tal redução de velocidade, violou o disposto no artigo 24.° (Princípios gerais) n° 2 do Código da Estrada, segundo o qual, "Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam."

I. Já a iniciativa de iniciar a viagem sem ter combustível suficiente, e, pior do que isso, iniciar uma ultrapassagem sem ter combustível suficiente, constituí violação grosseria do disposto no artigo 11° n° 2 do Código da Estrada.

12. Os AA., por sua vez, apresentaram resposta a este recurso subordinado atravessado pela Ré, concluindo a pugnar no sentido de dever ser negado provimento ao dito recurso e, pelo contrário, dado provimento ao recurso de revista por eles interposto, de conformidade com as conclusões nessa sede formuladas.

13. Tomando posição sobre a nulidade do Acórdão recorrido, invocada nessa reproduzida alegação de revista pelos AA./Recorrentes, com fundamento em não haver sido apreciado em tal aresto o recurso subordinado por eles interposto da sentença, a Relação prolatou ainda novo Acórdão – fls. 1315 e ss.‑, nos termos do qual, decidindo não ter ocorrido essa alegada omissão de pronúncia, mas mero lapso de escrita na parte decisória respectiva, no que toca à referência à apelação, entrou de corrigir oficiosamente tal lapso, no sentido de dever passar a constar desse segmento “Julgam-se parcialmente procedentes ambas as apelações e altera-se a decisão recorrida…., em sintonia ‑ mais se acrescentou/explicitou – “com a restante parte decisória, que condena em custas ambas as partes pelas apelações interpostas.”

14. Nada a tal opondo, cumpre decidir.

II - FACTOS


A] - Foram definitivamente CONSIDERADOS PROVADOS os seguintes factos:

1. AA nasceu no dia 23.12.1946, conforme documento de fls. 250 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos.

2. E faleceu no dia 16.10.2012, no estado de divorciado de JJ, tendo deixado como descendentes os autores CC, DD e EE, conforme documentos de fls. 796 a 804 e 808 a 812 e cujo teor se dá por reproduzido para todos os legais e devidos efeitos

3. No dia 25.12.2006, pelas 19,40 horas, ocorreu um embate na A28, sobre o Tabuleiro da Ponte …, ao quilómetro nº 68,50, na freguesia de …, comarca de …, em que foram intervenientes: o motociclo de matrícula ...-...-RS, pertencente e conduzido pelo autor AA, e o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-TF, pertencente a HH, e que, na altura, era conduzido por II.

4. A faixa de rodagem da A28, no local do embate configura um traçado rectilíneo, com um comprimento superior a três (03,00) quilómetros, apresenta duas (02,00) hemi-faixas de rodagem distintas, uma delas, destinada ao trânsito de veículos automóveis que se processa no sentido Norte-Sul, ou seja, Viana do Castelo-Porto e a outra, destinada ao trânsito de veículos automóveis que se processa no sentido inverso, Sul-Norte, ou seja, Porto-Viana do Castelo.

5. A dividir essas duas (02,00) hemi-faixas de rodagem a A28 apresentava, à data da ocorrência do embate, como apresenta na presente data, um separador central, protegido a perfil de aço, com uma altura de cerca de 01,50 metros.

6. A hemi-faixa de rodagem, destinada ao trânsito de veículos automóveis que se processa no sentido Norte-Sul, ou seja, Viana do Castelo-Porto, tem uma largura de 07,40 metros, que é subdivida em duas (02,00) semi-faixas de rodagem distintas, separadas, entre si, através de uma linha, pintada a cor branca, com soluções de descontinuidade: linha descontínua - marca m2.

7. O seu piso era, como é, pavimentado a asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação.

8. O tempo estava bom e seco, sem chuva, sem nevoeiro ou neblina.

9. Pelas suas duas (02,00) margens, a hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, …-…, apresentava, como apresenta, bermas, também, pavimentadas a asfalto, cujo piso se encontrava, também, limpo, seco e em bom estado de conservação.

10. A margem situada do lado direito (lado exterior), tem uma largura de 03,30 metros, tendo em conta o sentido Norte-Sul, ou seja, …-…, e a situada do lado esquerdo (lado interior junto ao separador central), tem uma largura de 01,60 metros, tendo em conta o mesmo indicado sentido de marcha.

11. O pavimento asfáltico dessas duas (02,00) bermas situava-se e situa-se no mesmo plano que o plano configurado pelo pavimento asfáltico da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha no sentido Norte-Sul, ou seja, … – ….

12. Na altura da ocorrência do embate era noite.

13. No preciso local do embate e para quem circulava pela A28 - sobre o Tabuleiro da Ponte … - existiam e existem, nas duas (02,00) margens da referida via, de forma constante e ininterrupta, postes verticais, com candeeiros da iluminação pública.

14. Os candeeiros de iluminação pública existentes sobre o Tabuleiro da Ponte … encontram-se a uma distância não superior a trinta metros uns dos outros.

15. Os quais, na altura do embate, se encontravam todos ligados e acesos.

16. E os seus respectivos fachos luminosos incidiam, de forma permanente, constante e ininterrupta, sobre a faixa de rodagem da A28 - Tabuleiro da Ponte … - e sobre as suas respectivas bermas.

17. Permitindo ver ao longo de toda a faixa de rodagem da referida via e das respectivas bermas.

18. Para quem se encontrasse no preciso local da deflagração do acidente, conseguia avistar a hemi-faixa de rodagem da referida via - A28 -, destinada ao trânsito de veículos automóveis que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - …, em toda a sua largura, quer no sentido Norte - … -, quer no sentido Sul - … -, ao longo de uma distância não inferior a cem metros.

19. A chapa da matrícula do motociclo de matrícula ...-...-RS era de cor branca e estava pintada com tinta reflectorizante.

20. Os caracteres correspondentes à matrícula do referido motociclo RS estavam pintados, a cor preta, sobre a superfície branca da referida chapa de matrícula.

21. O motociclo de matrícula RS estava equipado, na traseira, com farolins reflectores e com farolins alimentados a energia eléctrica, proveniente da bateria do motociclo de matrícula ...-...-RS, de cor vermelha.

22. O autor AA levava, colocado, na cabeça, o capacete de protecção o qual era de cor preta e estava dotado de substância reflectorizante, também, de cor vermelha, na sua retaguarda.

23. O motociclo era preto e o seu condutor estava vestido de preto.

24. Nas circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o embate, o autor AA conduzia o motociclo de matrícula ...-...-RS, pela semi-faixa situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - ….

25. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-TF transitava, também, pela A28, desenvolvendo a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - ….

26. Circulava, através da semi-faixa situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - ….

27. O motociclo de matrícula RS seguia animado de uma velocidade não concretamente apurada.

28. A dada altura, a gasolina do depósito (normal) de combustível do motociclo RS aproximava-se do seu termo, tendo o autor mudado a posição do respectivo comutador, para a posição de reserva.

29. O que fez com o que o motociclo de matrícula ...-...-RS tenha diminuído a velocidade de que seguia animado, vindo a ser embatido pelo veículo seguro na ré.

30. O veículo TF circulava animado de uma velocidade não inferior a cento e dez quilómetros por hora.

31. Quando o condutor do veículo TF se apercebeu da presença do motociclo à sua frente, na sua semi-faixa de rodagem, próximo do eixo da via, travou a fundo e guinou para a sua esquerda.

32. Indo embater com a parte frontal direita e a parte lateral direita do veículo TF na parte traseira esquerda e lateral esquerda, de raspão, do motociclo RS.

33. O veículo TF deixou rastos de travagem marcados na via, de forma enviesada, do lado direito para o lado esquerdo, atento o sentido Norte-Sul, ou seja, … - ….

34. E localizados totalmente sobre a metade situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, atento o referido sentido de trânsito.

35. Os referidos rastos de travagem terminavam sobre a berma, do lado esquerdo, da metade situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - …, junto ao perfil metálico, que protege o separador central da referida via A28.

36. Esses rastos de travagem apresentavam um comprimento, da roda do lado esquerdo de 79,30 metros, sendo de 16,50 metros antes do embate e de 62,80 metros após o embate, e do pneu da frente do lado direito de 46,30 metros após o embate.

37. Na sequência do embate, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-TF imobilizou-se contra o referido perfil metálico, que protege o separador central da referida Via A28, onde ficou, parado e imobilizado, no termo do lado Sul - do lado do Porto - da metade situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, ... - ... .

38. O embate entre o veículo automóvel TF e o motociclo RS, ocorreu sobre a metade situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - ….

39. Após as respectivas averiguações, a ré assumiu parcialmente a responsabilidade pelo pagamento da indemnização ao autor e, na sequência dessa sua assunção da culpa e da responsabilidade, tendo pago ao autor AA a quantia de 5.000,00 € a título de adiantamento por conta da respectiva indemnização.

40. Em consequência do embate, o motociclo RS sofreu danos, a demandar, para a sua reparação, serviços de mão-de-obra de mecânico, chapeiro e pintor, bem como a substituição de peças várias, nomeadamente 1 guiador, 1 punho esquerdo, 1 taco do punho, 1 manete esquerda, 1 pedal de mudanças, 1 pousa-pés esquerdo, 1 descanso, 1 tampa do motor, 1 cardan, 1 fitas do depósito de combustível, 1 tirante das mudanças, 1 quadro, 1 farolim pisca de trás esquerdo, 1 suporte dos farolins piscas, 1 encosto, 1 par de malas, 1 suporte da malas, 1 pára-brisas, 1 válvula do descanso, 1 depósito de combustível, 1 guarda-lamas de trás, a qual foi orçamentada no valor global de 5.196,63 €, sem IVA.

41. O motociclo RS não foi ainda reparado.

42. Depois de reparado, o motociclo vai ficar desvalorizado no respectivo valor de mercado em quantia não inferior a € 1.500,00.

43. O autor AA havia adquirido o motociclo RS, de marca Yamaha, modelo VM02 XVS 650, em 2005, pelo preço de € 12.000,00 e, à data do embate, o mesmo encontrava-se em perfeito estado de conservação.

44. Até à data do embate, o autor AA utilizava o motociclo de matrícula RS para as suas deslocações de lazer e, por vezes, para as suas deslocações de trabalho.

45. O referido autor participava antes e à data do sinistro, em passeios solitários e organizados por outros colegas e amigos, de motociclo e em concentrações de motociclistas, bem como nas festas e convívios, sempre presentes nesses passeios e concentrações de motociclistas.

46. O que lhe proporcionava a possibilidade de ocupar os seus tempos livres, numa actividade que lhe proporcionava enorme prazer e lhe emprestava a possibilidade de conviver com os seus amigos e companheiros do motociclismo, de manter e de cultivar as suas antigas amizades e de obter e de cultivar novas amizades.

47. O autor AA, devido às lesões que sofreu em consequência do embate, necessitava de um veículo automóvel adaptado, não tendo podido conduzir qualquer veículo, nomeadamente, qualquer motociclo, tendo deixado de participar em passeios, festas e concentrações de motociclistas e de conviver com os amigos e companheiros do motociclismo, o que lhe causou tristeza, desgosto e angústia.

48. Desde o embate, o referido autor realizava as suas deslocações em veículo automóvel próprio ou de terceiro, sempre conduzido por terceira pessoa.

49. O autor AA sofreu um grande desgosto ao ver o seu motociclo danificado.

50. Em consequência do embate, ficaram danificados e inutilizados as seguintes peças de vestuários e objectos de uso pessoal do autor AA: um par de calças, no valor de € 75,00; um par de luvas de motociclista, no valor de € 75,00; um par de óculos de motociclista, no valor de € 100,00 e 1 capacete de protecção de motociclista, no valor de € 250,00.

51. Em consequência do embate o autor AA sofreu lesão traumática da perna esquerda, fractura da perna esquerda, esfacelo da perna esquerda, ferida grave na perna esquerda, traumatismo da coluna lombar, dorsal e cervical, escoriações e hematomas espalhados pelo corpo todo.

52. Na sequência, foi transportado, de Ambulância, para o Centro Hospitalar do …, EPE, de …, onde lhe foram prestados os primeiros socorros, no respectivo Serviço de Urgência.

53. Foram-lhe, aí, efectuadas lavagens cirúrgicas e desinfecções às escoriações e ao esfacelo da perna esquerda.

54. Foi internado, de imediato, no Serviço de Ortopedia, do Centro Hospitalar do …, EPE, de …, onde fez análises clínicas.

55. E foi sujeito a uma intervenção cirúrgica, com anestesia, consubstanciada na amputação da perna esquerda, pela junção do seu terço médio com o superior - proximal, em nível fora da zona de eleição.

56. O autor AA manteve-se, internado, no Centro Hospitalar do …, EPE, de …, durante um período de tempo de dois meses e meio.

57. Durante o referido período de tempo de internamento, no Centro Hospitalar do …, EPE, de …, o autor AA manteve-se retido no leito, onde tomou todas as suas refeições diárias, que lhe eram servidas por uma terceira pessoa.

58. Nos últimos dias de internamento, o autor AA utilizava, também, uma cadeira de rodas, para pequenas locomoções, no interior das instalações do Serviço de Ortopedia do Centro Hospitalar do …, EPE, de ….

59. O autor AA foi medicado com analgésicos, anti-inflamatórios e antibióticos e foi-lhe ministrado soro, pela via endovenosa.

60. Durante o referido período de internamento, no Centro Hospitalar do …, EPE, de …, o referido autor foi submetido a mais uma intervenção cirúrgica à região do coto de amputação para extracção de tecidos "mortos" e para reparação do coto de amputação, para receber uma prótese e para enxerto de pele.

61. Todas as intervenções cirúrgicas foram precedidas de análises clínicas e de anestesias gerais.

62. O autor AA, porém, apresentava grave dificuldade de recepção e de conservação da prótese, devido a ulcerações do coto de amputação, por falta de almofada cutânea.

63. Durante o referido período de tempo de internamento, de dois meses e meio, o autor AA frequentou tratamento de fisioterapia, no Centro Hospitalar do …, EPE, de … ao coto de amputação e à articulação do joelho esquerdo.

64. No dia 12.03,2007, o aludido autor obteve alta hospitalar e regressou à sua casa de residência, onde se manteve, doente, combalido e retido no leito, ao longo de um período de tempo de dois meses.

65. Nesse período que se manteve acamado, o autor AA tomou todas as suas refeições, no leito que foram servidas por uma terceira pessoa, de que não pôde prescindir.

66. Durante esse período de tempo de acamamento, na sua casa de habitação, o autor AA foi assistido por duas enfermeiras do Centro de Saúde de …, para lavagens, desinfecção, curativos e mudanças de pensos, na região do coto de amputação e a feridas na sua perna esquerda que não cediam aos tratamentos e que ameaçavam tornar-se crónicas.

67. Ao fim desse período de tempo de acamamento, de dois meses, o autor AA passou a levantar da cama e a dar alguns "passeios" no interior da sua casa de habitação e no respectivo logradouro.

68. Como auxiliar de locomoção, o autor AA utilizava um par de canadianas e, por vezes, a cadeira de rodas.

69. A partir do mês Maio de 2007, o autor AA passou a frequentar o Hospital de …, na cidade do …, por conta e expensas da ré.

70. O autor AA dirigiu-se ao Hospital de …, da cidade do …, por cerca de cinquenta vezes.

71. Onde lhe foram efectuadas lavagens, desinfecções e curativos ao coto de amputação e à ferida da perna esquerda e à aplicação e mudança de pensos.

72. O autor AA foi operado, mais uma vez, no Hospital de …, no …, ao coto de amputação - cirurgia plástica.

73. A ferida da perna esquerda não cicatrizava, mantendo-se em carne viva.

74. Em 13.11.2008, os Serviços Clínicos da ré Companhia de Seguros "BB Companhia de Seguros, S.A.", reabriram o seu processo, tendo o autor AA continuado em tratamento, no Hospital de …, da cidade do …, por conta e a expensas da ré.

75. O autor AA aplicou uma prótese no membro inferior esquerdo amputado, na "Ortopedia …", na cidade do …, por conta e a expensas da ré.

76. Desde essa data e até à sua morte foram-lhe substituídos três encaixes da prótese, por conta e a expensas da ré.

77. No dia 19.01.2009, os Serviços Clínicos da ré deram alta médica, ao autor AA.

78. Ao mesmo tempo que frequentava os Serviços Clínicos da "Ortopedia …" na cidade do …, o autor AA frequentou, também, o Centro de Saúde e foi acompanhado pela Consulta Externa de Ortopedia e de Fisiatria, do Centro Hospitalar do …, EPE, de ….

79. No momento do embate e nos instantes que o precederam, o autor AA sofreu enorme susto e receou pela própria vida.

80. Em consequência do embate, o autor AA sofreu os efeitos maléficos inerentes aos medicamentos e às anestesias gerais que lhe foram ministradas, as dores e os incómodos inerentes às intervenções cirúrgicas, a que foi submetido e aos períodos pós-operatórios, os incómodos inerentes aos períodos de acamamento e à necessidade de permanecer e de ser deslocar, numa cadeira de rodas e ao uso de um par de canadianas, como auxiliar de locomoção e as dores e os incómodos inerentes ao uso de uma prótese, no seu membro inferior esquerdo amputado até à data da sua morte.

81. O uso de prótese causava-lhe constante irritação do coto de amputação, feridas e infecções, necessitando de se submeter frequentemente a desinfecções, curativos e pensos.

82. Em consequência do embate e das lesões e sequelas sofridas, o autor AA apresentava dificuldades na marcha, mesmo com o auxilio de locomoção.

83. E afectação psicológica persistente, com tendência para o isolamento, passando grande parte do tempo deitado e no leito.

84. Aumentou de peso, em mais de dez quilogramas.

85. Deixou de poder dançar.

86. E teve que abandonar, para toda a sua vida, as actividades lúdicas que exercia, com regularidade, nomeadamente os passeios de motociclo, o que, para ele, constituía, antes do embate dos presentes autos, um amplo espaço de diversão e realização pessoal.

87. Os factos supra descritos causavam-lhe permanente, profundo, intenso e inultrapassável desgosto.

88. O autor AA atingiu a sua consolidação médico-legal, no dia 19.01.2009.

89. Em consequência do embate e das lesões sofridas o autor AA apresentava como sequelas: amputação dos 2/3 inferiores da perna esquerda.

90. As lesões sofridas e as sequelas delas resultantes determinaram, para o autor AA um défice funcional temporário total de 78 dias, um défice funcional temporário parcial de 679 e um período de repercussão temporária na actividade profissional total de 392 dias.

91. Sofreu um "Quantum Doloris" de grau 5, numa escala de 0 a 7.

92. Sofreu um "Dano Estético" de grau 4, numa escala de 0 a 7.

93. E ficou a padecer de um défice permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos, sendo as sequelas impeditivas do exercício da actividade profissional habitual, mas compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.

94. À data do embate, o autor AA estava reformado, mas ainda prestava com carácter de regularidade serviços de …, por conta da empresa KK, Lda.

95. E auferia um rendimento desse seu trabalho, no valor de cerca de € 800,00 mensais.

96. Desde a data da ocorrência do embate até à data da sua morte, o autor AA nunca mais trabalhou, tendo deixado de auferir o aludido rendimento.

97. Em consequência do embate, das lesões sofridas e das sequelas delas resultantes, o autor AA suportou despesas com consultas médicas para obtenção do relatório médico junto aos autos, no montante de € 400,00.

98. Suportou o custo dos medicamentos, no montante € 281,77.

99. Com taxas moderadoras suportou o custo total de € 654,30.

100. Com deslocações de táxi pagou, o montante total de € 614,15.

101. Em combustível para deslocações em veículo próprio gastou a quantia total de € 250,00.

102. Em parques de estacionamento pagou o montante de € 4,30.

103. Em refeições, em restaurantes pagou o montante total de € 591,00.

104. Suportou o custo em deslocações em ambulância dos Bombeiros, no montante de € 120,00.

105. Em fotocópias (142,88 €), custo de 1 certidão de nascimento (16,50 €); custo de 2 certidões da Conservatória Automóvel (34,00 €); custo da participação de acidente de viação - GNR (0,16 €) e custo de 1 publicação, no Jornal … (69,94 €), no montante total de € 135,48.

106. […][3]

107. […][4]

108. A casa de habitação do autor AA tinha escadas e divisões exíguas, não estando preparada uma pessoa com limitações na sua mobilidade, o que lhe causou incómodos e transtornos, nomeadamente, quando necessitava de usar a cadeira de rodas.

109. À data do embate, a responsabilidade civil por danos causados a terceiros pelo veículo automóvel ligeiro de matrícula TF estava transferida para a ré seguradora, através do contrato de seguro, titulado pela apólice nº 004...”.

B] - E foram definitivamente dados como NÃO PROVADOS os seguintes:

a) - no momento da ocorrência do embate, o condutor do veículo TF conduzia-o à ordem e por conta de HH e seguia por um itinerário que a referida HH lhe havia, previamente, determinado;

b) - o capacete do condutor do motociclo era vermelho;

c) - na altura do embate, os farolins do motociclo estavam acesos;

d) - o motociclo circulava com os piscas em funcionamento;

e) - o autor AA e o motociclo eram visíveis a uma distância superior a 500 metros;

f) - após o autor AA ter mudado a posição do comutador, o motociclo continuou a circular por forma a desenvolver uma trajectória rectilínea e inalterável, sendo ultrapassado por diversos veículos;

g) - o condutor do veículo TF só travou após o embate;

h) - o veículo TF circulava com as luzes ligadas na posição de médios e ocupava uma posição equidistante da berma do lado esquerda e da linha divisória da faixa de rodagem situada mais à sua esquerda;

i) - quando o condutor do veículo TF se apercebeu da presença do motociclo, este estava completamente imobilizado e sem qualquer órgão de iluminação ligado;

j) - o condutor do veículo TF só se apercebeu da presença do motociclo a 5 ou 10 metros dele;

l) - o autor AA interpelou a ré para que a mesma assumisse a responsabilidade da reparação do motociclo;

m) - o custo da mão de obra e das peças de substituição para reparação do motociclo sofreram agravamento dos respectivos preços;

n) - o autor AA utilizava o motociclo RS para a satisfação de todas as suas necessidades de deslocação;

o) - após o embate o autor AA passou a utilizar veículos mais dispendiosos;

p) - o autor AA, em consequência do embate, ficou com varizes esofágicas de grau III;

q) - o autor AA vá ter necessidade de recorrer a consultas, intervenções cirúrgicas, anestesias gerais, de comprar e de ingerir medicamentos vários e de sofrer um ou mais períodos de tempo de internamento hospitalar e de pagar os preços relativos aos respectivos custos, de substituir próteses, de adaptar a casa de habitação, etc”.


            III – DIREITO

        

1. Consoante claramente emerge do disposto nos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Novo Cód. Proc. Civil[5], o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferidos a uma[s] poderá tornar prejudicada a apreciação de outra[s].

   De tal sorte, e tendo em mente esse conjunto de finais proposições com que os Recorrentes ultimam as respectivas alegações, perfilam-se aqui a dilucidar as questões seguintes:

     - Nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

     - Questão prévia da parcial inadmissibilidade do recurso de revista independente;

    - Responsabilidade pela produção do acidente; e

- Montante dos danos patrimoniais do sinistrado


Apreciando:

I – Nulidade do Acórdão por omissão de pronúncia

1. Como vimos, os AA. iniciam o seu independente recurso arguindo a nulidade do Acórdão recorrido, nos termos do n.º 1, al. d), do art. 615.º, do CPC, por isso que não teria conhecido do recurso subordinado por eles interposto da sentença apelada.

Nesse específico recurso, os AA. defenderam – cfr. fls. 1125 e ss.‑, que o Tribunal “a quo” deveria ter considerado o condutor do veículo seguro na Ré único culpado no acidente, não só por isso que a factualidade provada tal evidenciava, que o mesmo é dizer, como havendo ele incorrido em várias infracções estradais, mas também na medida em que exercendo o mesmo tal condução numa relação de comitente-comissário com a proprietária do dito veículo, não haver a Ré logrado ilidir a presunção de culpa daí resultante. E mais defenderam ainda, ser a indemnização fixada para ressarcimento do dano não patrimonial sofrido pela vítima manifestamente insuficiente, devendo o respectivo montante ser fixado em quantitativo não inferir a € 100.000,00.


1.1. Conforme é sabido, o vício ora em presença, previsto no segmento inicial da acima referenciada al. d), ocorre – conforme expressão literal dessa norma -, “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar”.

Este vício, usualmente denominado “omissão de pronúncia” ou “omissão de conhecimento”, resulta – como é identicamente sabido ‑ da infracção pelo juiz do dever contido no nº 2, do art. 608º, do NCPC, qual seja, o de o mesmo resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, cuja decisão não esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Como expende o Prof. Alberto dos Reis [6], para obviar a esta nulidade ou vício processual, não se impõe ao juiz que aprecie todas as razões ou argumentos que as partes aduzem para fazer vingar as sua pretensões; o que importa é que decida a questão posta.

1.2. Ora, e tal como já antes se narrou, em novo Acórdão, a Relação, conhecendo da nulidade em apreço, de conformidade com o estatuído nos arts. 617.º, n.º 1, 641.º, n.º 1 e 666.º, n.º 2, ambos do CPC, julgou inverificada a deficiência a que nos vimos atendo.

Para o efeito, nesse douto aresto, a Relação, começando por equacionar a questão em causa – “[alegam para tanto [os Recorrentes] que não foi apreciado no acórdão proferido o recurso subordinado por eles interposto”, logo acrescentou:

- “Mas sem razão, como é bom de ver, pela leitura do acórdão proferido.”

E prosseguindo:

- “Como consta, desde logo, do relatório do mesmo acórdão: “Os AA./habilitados, CC e outros, vieram apresentar contra-alegações e interpor Recurso Subordinado, apresentando alegações e formulando as seguintes conclusões (…)” (sublinhado nosso).

E na fundamentação jurídica do acórdão, na apreciação da responsabilidade dos condutores na produção do acidente, apreciam-se as questões suscitadas pelos recorrentes no recurso subordinado, como expressamente do mesmo consta:

“Da responsabilidade pela produção do acidente:

Pretende a ré recorrente que com base nos factos provados – alterada a matéria de facto impugnada – se considere que a culpa na produção do acidente foi exclusivamente do condutor do motociclo, o qual se imobilizou no meio da via, o que levou o condutor do automóvel seguro na ré a embater-lhe e a causar-lhe os danos verificados.

Por seu lado, pretendem os AA/habilitados, filhos do falecido AA – no recurso subordinado que apresentaram – que se atribua a culpa, exclusivamente, ao condutor da viatura segurada, o qual deveria imprimir à sua viatura uma velocidade adequada, de modo a poder parar no espaço livre e visível à sua frente, de modo a não embater no motociclo.” (sublinhado nosso).

Apreciada que foi a responsabilidade se ambos os condutores, concluiu-se, a final, que houve culpas concorrenciais de ambos os condutores, (fixando-se em 70% a culpa do veículo seguro na ré e em 30% a culpa do motociclo) e, em consequência, alterou-se a decisão recorrida em conformidade e condenou-se ambas as partes nas respectivas custas.”

Após o que se findou:¨”Concluímos do exposto que não ocorreu a alegada nulidade, por omissão de pronúncia:”

Ainda, e por último – consoante antes noticiado ‑, mais se adscrevendo:

- “O que poderia ser apontado ao acórdão proferido (e não foi) seria mero lapso de escrita na parte decisória respectiva, no que toca à referência à apelação; sem mais, passou-se a corrigir oficiosamente tal lapso, no sentido de dever passar a constar desse segmento

-“Julgam-se parcialmente procedentes ambas as apelações e altera-se a decisão recorrida….,” ‑ mais se acrescentando “em sintonia, aliás, com a restante parte decisória, que condena em custas ambas as partes pelas apelações interpostas.”


1. 3. Frente a esta explanação, e sendo os excertos nela transcritos do Acórdão recorrido inteiramente conformes com a realidade, não restam dúvidas que, como nessa mesma explanação se consigna, ao invés de nulidade por falta de pronúncia quanto a tal questão da responsabilidade pela eclosão do sinistro, o que ocorreu foi mero lapso omissivo na parte estatuitória final do dito Acórdão, lapso que, em nosso modesto entender, com esse oficioso providenciamento, devida e cabalmente se corrigiu e colmatou.

   No que a essa mencionada questão concerne, pois, a ora invocada nulidade surge de ter como inverificada.


1.4. Porém, e como se referiu, nesse recurso subordinado os AA. puseram em crise a sentença apelada, não só nesse aspecto da definição da responsabilidade pelo acidente, mas também no tocante à quantificação da indemnização pelo dano não patrimonial sofrido pelo seu malogrado progenitor, e condutor do motociclo abalroado.

      E no que tange a esta suscitada questão, esse posterior Acórdão proferido pela Conferência nenhum pronunciamento, como visto, emitiu.

      Ora – ocorre perguntar -, será que tal arguida nulidade, quanto a essa questão, efectivamente se verificou no Acórdão recorrido e, assim, e uma vez que no subsequente aresto nada foi a esse respeito dito, se impõe a remessa dos autos à Relação, nos termos e para os efeitos mencionados, seja no n.º 5, do art 617.º, seja do n.º 1, do art. 684.º, ambos do NCPC?

            Salvo o muito respeito, a resposta surge negativa.


 1.4.1. Na verdade, e tal como a Ré bem obtempera na sua contraminuta, a questão do valor da indemnização a atribuir ao sinistrado motociclista a título de dano não patrimonial foi, a par de outras, suscitada – obviamente em termos contrapostos - , tanto pela mesma Ré no seu recurso independente, como pelos AA. no recurso subordinado.

  E assim sendo, tal questão – presentes tais naturalmente diferentes enfoques -, foi integralmente enfrentada e decidida no Acórdão recorrido, como resulta do respectivo capítulo – cfr. fls. 1195 e ss. ‑ justamente intitulado “Dos danos não patrimoniais”.

            Com efeito, e plasmado este título, logo de seguida se consignou:

- “Insurge-se também a recorrente seguradora quanto á indemnização atribuída ao falecido AA a título de danos não patrimoniais – de € 80.000,00 -, pugnando pela sua redução para € 50.000,00, e insurgem-se os recorrentes AA/habilitados contra a mesma decisão, pugnando pelo seu aumento para € 100.000.00.”

De imediato se acrescentando:

“Mas não encontramos motivo para proceder à alteração da quantia fixada ao A. a título de danos não patrimoniais, aderindo, nessa parte, ao que consta da decisão recorrida, que fez, em nossa opinião, uma correta avaliação da situação factual apurada nos autos e a uma boa aplicação aos factos das normas jurídicas envolvidas.”

  E passando a justificar este [adiantado] pronunciamento, chamou-se à colação e ponderou-se todo o conjunto de factos provados relevantes para a determinação do “quantum” desses danos, nesse seguimento se afirmando:

- “Assim, considerou-se equitativa, razoável e ajustada à situação concreta, no confronto com os casos com alguma similitude versados em diversas decisões dos tribunais superiores, fixar a compensação por danos não patrimoniais (sofridos pela vítima desde o acidente até ao falecimento) na quantia de € 80.000,00.”; para rematar:

- “Ora, como se disse, nenhum reparo temos a fazer à decisão recorrida, que fez, em nosso entender uma correta apreciação dos factos provados e uma correta integração dos mesmos às normas legais aplicáveis, pelo que consideramos ser de manter a indemnização nela arbitrada.

Improcedem, nesta parte, as conclusões de recurso de ambas as partes.”


1.4.2. Tendo em conta todo este conteúdo participante do Acórdão recorrido, uma vez mais não vemos como não considerar que esta remanescente matéria integrante do recurso subordinado dos AA. – fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais da vítima em montantes não inferiora € 100.000,00 – foi efectivamente versada nesse aresto, e objecto da decisão tida por ajustada.

Como assim, apenas há que, tal como no tocante a essoutra questão plasmada no recurso subordinado dos AA., considerar também ela abrangida por esse lapso omissivo perpetrado no decisório final do Acórdão ora sob censura, lapso que, mercê dessa apontada oficiosa correcção operada em sede do subsequente aresto se tem, uma vez mais, de ter como devidamente suprido e, portanto, para os devidos efeitos, totalmente sanado.


1.5. Por tudo o exposto, e em suma, não enferma o Acórdão recorrido na nulidade a que nos temos vindo a ater, pelo que a vertente objecção recursória naufraga.


II - Questão prévia da parcial inadmissibilidade do recurso de revista independente

1. Neste quadro, sustenta a Ré que, tal como se acaba de ver, os AA., nas suas alegações de recurso subordinado da sentença, vieram pugnar pela subida para € 100.000,00 da indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial da vítima, indemnização essa que a dita sentença, como também mencionado, havia fixado em € 80.000,00.

Consoante também se teve o ensejo de constatar, mais diz, no Acórdão recorrido entendeu-se manter esse valor, fixado na 1.ª Instância, que se reputou justo e adequado.

Por outro lado – prossegue a Ré ‑, vê-se da p. i. que o primitivo A. [o acidentado motociclista, e pai dos agora AA.] sustentou a condenação da Ré, além do mais, na circunstância de se dever presumir a culpa do condutor do veículo seguro, nos termos do art. 503.º, n.º 3, do Cód. Civil.

A sentença apelada, porém, entendeu não estarem reunidos, “in casu”, os pressupostos de facto que permitem a actuação dessa presunção, ou seja, a culpa do comissário, reportada nesse preceito legal.

Ora, nas alegações que apresentaram na apelação subordinada, os AA. insurgiram-se contra o assim decidido, mas a Relação, no Acórdão ora recorrido, pronunciou-se de igual modo sobre essa questão, nesse aresto referindo que "Ora, no caso em apreço, ficou provado que a viatura segura na ré não pertencia ao seu condutor, mas não ficou demonstrado que ela era conduzida ao serviço da respectiva proprietária, pelo que não se verifica a presunção de culpa."

Nestes termos – mais aduz a Ré ‑, segue-se que no Acórdão ora recorrido a Relação confirmou, sem qualquer voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, o valor da indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial do sinistrado, bem como que não se está perante caso em que se deva presumir a culpa do condutor do veículo segurado na Ré, pelo que, quanto a estas questões, deve-se considerar irrecorrível a decisão “sub judice”, por sobre elas se ter formado a chamada dupla conforme, de acordo com o disposto no n.º 3, do art. 671.º, do CPC..

Que dizer?


1.1. Consoante é sabido, essa ora convocada figura da dupla conforme, como também referido, consagrada nesse n.º 3, do art. 671.º ‑ normativo preceito este no qual se textua que “ [s]em prejuízo dos casos em que o recurso é sempre admissível, não é admitida revista do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação essencialmente diferente, a decisão proferida na 1.ª instância, salvo nos casos previstos no artigo seguinte” ‑, consubstancia-se numa relevante excepção ao preceituado no n.º 1, desse mesmo artigo – “[c]abe revista para o Supremo tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1.ª instância, que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo, absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos.”.

Excepção, pois, traduzida na inadmissibilidade de recurso de acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido, e sem fundamentação substancialmente diversa, a decisão proferida na 1.ª instância ‑ salvo nas particulares situações elencadas no n.º 1, do sequente art. 672.º, permissivas da interposição de recurso de revista excepcional.

Em vista com esta figura da dupla conforme perfila-se, como igualmente sabido, a racionalização do acesso ao S.T.J. ‑ retomando-se assim o desígnio já antes prosseguido pela Reforma de 2007 efectuada em relação ao Código de Processo Civil de 19661 ‑ de modo à criação de condições para um melhor exercício, por tal órgão, da sua função de orientação e uniformização da jurisprudência.


1.2. Como claramente deflui do teor desses reproduzidos n.ºs 1 e 3, do art. 671.º, o ponto de referência para a verificação de uma situação de dupla conforme é um acórdão da Relação que, incidindo sobre decisão prolatada na 1.ª instância, conheça do mérito da causa, ou determine a extinção - total ou parcial -, da instância dos autos.

Mas assim sendo, como é, a decisão da 1.ª Instância relevante para um juízo de conformidade com o pertinente acórdão, tem de necessariamente constituir objecto da parte dispositiva ou estatuitória final de tal acórdão, ou seja, tem de a conclusão -“thema decisum” - deste aresto versar/recair sobre essa decisão, outrossim a confirmando sem divergência substancial de fundamentação.

Por outro lado, essa decisão recorrida, manante da 1.ª instância, não poderá ser ou consubstanciar um qualquer pronunciamento emitido no desenvolvimento da peça impugnada, um elemento - “intercalar”, permita-se-nos a expressão - do respectivo arrasoado ou parte motivatória, mas um acto judicativo final, no sentido de integrante ou representativo do seu ultimador dispositivo, do seu terminante e verdadeiro decreto.

Portanto, e em suma, não é no tocante a qualquer pronúncia, proferida no âmbito de acórdão de Relação que, conhecendo do recurso interposto de decisão – final, no sentido indicado ‑ da 1.ª instância, julgue em sentido coincidente questão apreciada nessa decisão, que se coloca a possibilidade de verificação de uma situação de dupla conforme, impeditiva do normal acesso ao 3.º grau de jurisdição.

Não. Essa possibilidade, e seu efeito restritivo, apenas é equacionável no tocante a questão, julgada, sim, em plena conformidade com a entidade processual recorrida, mas em que esse julgamento, essa apreciação, conste - não apenas da parte justificativa do acórdão sindicador -, mas da sua da parte injuntiva ou decisória que o remata.


1. 2.1. Frente a estes considerandos, logo surge de concluir, pois, e sem quebra do muito respeito, que no tocante a essa questão respeitante à presunção de culpa do condutor do veículo segurado na Ré, nos termos do disposto no n.º 3, do art. 671.º, do Cód. Civil, suscitada pela Contraparte em sede da 1.ª Instância e da Relação aqui recorrida, e objecto de igual pronunciamento negativo em ambas elas, nada obsta à sua nova suscitação no quadro da revista pelos AA. ora interposta, designadamente considerando a já reiteradamente mencionada figura da dupla conforme.

Com efeito, ainda que, como dito, versada/apreciada de modo sintónico em ambas as Instâncias, tal questão não foi objecto, não integrou, a parte decisória final, quer da sentença, quer do Acórdão sobre esta incidente.

Ao invés do [duplamente] postulado nesse n.º 3, do predito art. 671.º, sobre essa questão não de verificou “decisão proferida na 1.ª instância”, do mesmo passo que, ainda que tendo ocorrido veredicto por parte do aresto sindicador [o ora recorrido], a respeito dessa questão, coincidente com o que lhe foi conferido no âmbito da sentença recorrida, esse veredicto não é passível de ser reconduzido a tal aresto, que o mesmo é dizer, a “acórdão da Relação confirmativo” desse equivalente pronunciamento por parte da dita sentença.

No que tange a esta questão, portanto, a douta objecção da Ré ora em atinência naufraga.

1.2.2. No que, por sua vez, respeita à questão da quantificação da indemnização destinada a ressarcir o dano não patrimonial da vítima, mais precisamente à verificação quanto ao respectivo estabelecimento também de dupla conforme, cumpre antes de mais dizer que é inteiramente conforme com a realidade a descrição, feita pela Ré/Recorrente, e acima narrada, dos termos do processamento até agora ocorrido a respeito da mesma.

Designadamente, que havendo a sentença da 1.ª Instância fixado tal “quantum” indemnizatório em € 80.000,00 – e em função da percentagem de risco assacada aos veículos intervenientes [75% para o automóvel e 25% para o motociclo] -, em € 60.00,00, o Acórdão recorrido, por sua vez, conhecendo do recurso subordinado interposto pelos AA. – no qual estes sustentavam como a tal respeito adequada a cifra de € 100,000,00 -, confirmou, de forma unânime, tal estabelecido inicial quantitativo de € 80.000,00, e - por referência à proporção de culpas concorrentes que considerou verificadas [70% para o condutor do automóvel e 30% para o motociclista] -, em € 56.000,00 o montante final arbitrado.

Verificando-se, pois, sobreposição ou identidade de arbitramento por parte de ambas as Instâncias – esse inicial valor de € 80.000,00 - , será que, consoante defende a Ré/Recorrente, nessa parte ocorre uma situação de dupla conforme, impeditiva, nos termos desse já antes mencionado n.º 3, do art. 671.º, do CC; da admissibilidade da revista, enquanto adversando esse segmento do Acórdão ora “sub judicio” ?


1.2.2.1. Como logo se alcança, a ora enfocada questão, prende-se com aqueles casos de aresto – a exemplo do que ora nos vimos atendo – em que, mercê da deduzida e por ele versada pluralidade de objectos processuais, no seu dispositivo final comporta – tal como na decisão por ele em sindicância - vários segmentos decisórios, podendo um ou uns apresentarem-se conformes com essa decisão apreciada, e outro ou outros não.

Pois bem.

      Nesta figurada hipótese – e como vem sendo defendido tanto a nível jurisprudencial[7], como doutrinário[8] -, a aferição sobre a existência de dupla conforme e, portanto, sobre a admissibilidade ou não do recurso normal de revista, deve fazer-se mediante o confronto de cada um desses segmentos.

         Destarte, e volvendo ao caso ora ajuizado, temos que, tal como sustentado pela Ré/Recorrente, depara-se-nos uma situação de dupla conformidade, obstativa por isso de correspondente recurso de revista, no tocante ao arbitramento da indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo acidentado motociclista, considerando o decidido, a tal respeito, na sentença e no subsequente Acórdão ora recorrido.

        Na verdade, e como já repetidamente explanado, em uma e outra de tais entidades jurídico-processuais a importância de tal arbitramento, a valoração desses aludidos danos, foi convergentemente fixada - € 80.000,00 - ,sendo que a fundamentação convocada nas mesmas para a obtenção desse uniforme resultado também se traduziu na adução de idêntica cota de argumentos, sem que qualquer segmento de índole substancial os diferencie ou aparte.

Na verdade, e como antes se referiu – “item” 2.5. -, começando por se equacionar no Acórdão a discordância tanto da Ré como dos AA. no tocante à indemnização pelos danos em questão, logo se acrescentou “Mas não encontramos motivo para proceder à alteração da quantia fixada ao A. a título de danos não patrimoniais, aderindo, nessa parte, ao que consta da decisão recorrida, que fez, em nossa opinião, uma correta avaliação da situação factual apurada nos autos e a uma boa aplicação aos factos das normas jurídicas envolvidas.”

E após, também no seu contexto, se justificar este vestibular pronunciamento, rematou-se o Acórdão‑ não mais que reiterando – “Ora, como se disse, nenhum reparo temos a fazer à decisão recorrida, que fez, em nosso entender uma correta apreciação dos factos provados e uma correta integração dos mesmos às normas legais aplicáveis, pelo que consideramos ser de manter a indemnização nela arbitrada.”

      Nestes moldes, pois, cremos não subsistirem dúvidas sobre a consonância de veredicto entre uma e outra das enfocadas decisões a respeito da matéria em apreço, e, portanto, não olvidando achar-se o Acórdão subscrito em absoluta unanimidade, sobre a bi-conformidade de sentido judicativo em relação a elas verificada.

    Sem embargo, é certo que, na quantificação última da indemnização, os valores alcançados patenteiam-se diferentes, sendo o da sentença de € 60.000,00 e o do Acórdão de € 56.000,00.

    Todavia, se bem cuidamos, tal discrepância em nada altera essa situação de dupla conformidade, e seu corolário no sentido da inibição do concernente recurso de revista.

      É que, essa discrepância, em recta visão, nada tem a ver com a valoração dos danos em si, com os parâmetros tidos em conta em cada uma das decisões para tal valoração e correspondente ressarcimento, mas antes, como é bom de ver, com a definição da concorrencial responsabilidade pela causação do acidente, questão que – como os dois recursos que ora se nos acham sujeitos bem ilustram - , é na realidade autónoma dessoutra, situando-se “a montante” da mesma.

Consequentemente, mesmo que acolhida fosse a pretensão recursiva dos AA., e, “ergo”, o ressarcimento dos danos em apreço fosso subido para os almejados € 100.000,00, a optar-se ainda assim por uma efectiva distribuição de responsabilidades – em função da culpa ou do risco ‑, distribuição a que essa quantificação indemnizatória é de todo alheia, sempre o “quantum indemnizatur” final se quedaria em montante inferior.

     Sem que, em tal contexto, se pudesse dizer, já se vê, que a avaliação dos danos, a estimação da respectiva indemnização, havia sido objecto de menos valorativa apreciação, por isso justificadamente a concitar, nesse âmbito específico, a discordância dos AA..

    Nestes termos, pois, e em síntese, considerando verificada – tal como objectado pela Ré/Recorrente - uma situação de dupla-conforme no tocante à indemnização pelos danos em referência, presente as duas decisões que sobre a mesma versaram, o recurso de revista, nesse conspecto, atravessado pelos AA. não é admissível.

                                                                            *

     Antes de terminar esta apreciação, uma nota ainda para, “brevitatis causa”, cuidar da reclamação dos AA., na sua vertente alegação, no sentido de a importância da indemnização pelos danos que vimos considerando haver sido objecto de manifesto erro de cálculo por parte da Relação que, partindo do montante inicial arbitrado – como vem sendo referido, € 80.000,00 -, mediante a aplicação da percentagem de culpabilidade atribuída ao condutor do automóvel – 70% -, acabou por quantificar tal importância em € 56.000,00; ou seja – precisam os mesmos -, não em 70% dessa cifra de € 80.000,00, mas em 70% de 75% dessa mesma cifra.

            Ora, estando em causa mero erro de cálculo, independentemente da admissibilidade ou não do recurso a que nos vimos atendo, à correcção ora pretendida sempre poderia haver aqui lugar – ainda que, já se vê, em momento ulterior, e após solucionada a questão da responsabilidade pelo acidente -, uma vez que, como vem sendo entendido[9], a correcção de erros materiais ocorridos em sentença ou acórdão pode ser efectuada – oficiosamente ou a requerimento -, no tribunal superior perante o qual a questão se suscite.

            Todavia, sucede que o erro invocado pelos AA./Recorrentes, se bem cuidamos, não se verifica. A percentagem de 70% sobre € 80.000,00, consiste efectivamente – e tal como operado pela Relação – em € 58.000,00.

    Em qualquer circunstância, pois, nenhum erro se verifica e importa, por isso, que corrigir.

                                                                            *

  2. Fechado este parêntesis, e retomando a apreciação a que vínhamos procedendo, urge pois reafirmar a inadmissibilidade do recurso em foco, pelo que, a despeito da sua tramitação até aqui ocorrida, inviável se torna nela prosseguir e conhecer do respectivo objecto, impondo-se, diversamente, pôr-lhe sumário termo e à atinente instância.

Termos em que, face às disposições conjugadas dos arts. 679.º, e 652.º, n.º 1, als. b) e h), e 641.º, n.º 5, havendo que conceder procedência à questão levantada pela Ré/Recorrente, como tal cumpre rejeitar o recurso em apreço, indeferindo o atinente requerimento.

        

III - Responsabilidade pela produção do acidente

   1. Como visto, comum a ambos os recursos ora em exame – principal de banda dos AA. e subordinado por parte da Ré ‑, é essa epigrafada questão da responsabilidade pela eclosão do sinistro, sendo que, enquanto aqueles imputam tal responsabilidade – e assim pretendem ver decidido, em revogação do Acórdão recorrido ‑, em exclusivo ao condutor do veículo automóvel seguro na Ré, esta, por seu turno, declina tal responsabilidade e – pugnando para que assim ora seja estatuído ‑, assaca-a por inteiro ao motociclista acidentado.

            Pois bem.


  1.1. Conforme também já referido, no ora apreciado Acórdão, e quanto à questão ora em atinência, entendeu-se haver o acidente sido causado com culpas concorrentes por parte de ambos os intervenientes, fixando-se a respectiva proporção em 70% para o condutor do automóvel e 30% para o do motociclo.

   Lendo o explanado, a tal respeito, nesse douto aresto, constata-se que após, em jeito de intróito, se consignar “[i]n urgem-se ambos os recorrentes contra a decisão recorrida na parte relativa à apreciação da ilicitude e da culpa dos condutores de ambos os veículos - do veículo TF (seguro na ré) e do RS (motociclo) -, pugnando, mutuamente, pela responsabilidade da parte contrária”, mais se considerou:

- “Ora, no domínio da circulação rodoviária existe todo um conjunto de disposições legais que têm por finalidade regulamentar esta circulação para que a mesma se faça com a máxima segurança, pois sendo a condução de veículos uma actividade perigosa, é razoável, senão mesmo imprescindível, fazer-se uma especial exigência de comportamentos para quem exerce essa actividade.

Estão entre essas normas legais os artºs 18º nº 1 e 24º nº1 do Código da Estrada (aprovado pelo DL nº 44/2005, de 23 de Fevereiro, na versão aqui aplicável, dada a data da ocorrência do acidente) que cremos terem sido violados pela conduta do condutor do veículo TF, segurado na ré.

  E passando a transcrever –se o teor literal de ambos esses indicados preceitos estradais, de seguida, escreveu-se:

  - “Ora, analisada a matéria de facto provada, temos de considerar violados, por parte do condutor do TF, as normas legais mencionadas.

Efetivamente, de acordo com a matéria de facto provada, nas circunstâncias de tempo e lugar descritas, o autor AA conduzia o motociclo de matrícula ...-...-RS, pela semi-faixa situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha no sentido Norte-Sul, ou seja, … - … .

E nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-TF transitava também pela A28, desenvolvendo a sua marcha no sentido Norte-Sul, ou seja, … - …, circulando também pela semi-faixa situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28.

Acontece que o motociclo, que seguia animado de uma velocidade não concretamente apurada, viu-se na necessidade de diminuir a velocidade, porque a dada altura, a gasolina do depósito (normal) de combustível aproximava-se do seu termo, tendo o autor mudado a posição do respectivo comutador para a posição de reserva, o que fez com que tenha diminuído a velocidade de que seguia animado, vindo a ser embatido pelo veículo seguro na ré.

O veículo TF circulava animado de uma velocidade não inferior a cento e dez quilómetros por hora (110 Km/h) e quando se apercebeu da presença do motociclo à sua frente, na sua semi-faixa de rodagem, próximo do eixo da via, travou a fundo e guinou para a sua esquerda, indo embater com a parte frontal direita e a parte lateral direita do veículo TF na parte traseira esquerda e lateral esquerda, de raspão, do motociclo RS.

Ora, considerando que a faixa de rodagem da A28, no local do embate, configura um traçado rectilíneo, com um comprimento superior a três quilómetros; que apresenta duas hemi-faixas de rodagem distintas, uma delas, destinada ao trânsito de veículos automóveis que se processa no sentido Norte-Sul, ou seja, … - …, por onde circulavam o veículo e o motociclo; que essa hemi-faixa de rodagem tem uma largura de 07,40 metros, subdivida em duas semi-faixas de rodagem distintas, separadas entre si através de uma linha pintada a cor branca com soluções de descontinuidade; que o seu piso era, como é, pavimentado a asfalto e encontrava-se em bom estado de conservação; que o tempo estava bom e seco, sem chuva, sem nevoeiro ou neblina; que existem bermas na hemi-faixa de rodagem da A28, também pavimentadas a asfalto, cujo piso se encontrava, também, limpo, seco e em bom estado de conservação, tendo a margem situada do lado esquerdo (lado interior junto ao separador central), uma largura de 01,60 metros; que o pavimento asfáltico dessas duas bermas situava-se e situa-se no mesmo plano que o plano configurado pelo pavimento asfáltico da hemi-faixa de rodagem da A28; que na altura da ocorrência do embate era noite, mas que existiam e existem, nas duas margens da referida via, de forma constante e ininterrupta, postes verticais, com candeeiros da iluminação pública, os quais, na altura do embate, se encontravam todos ligados e acesos, cujos fachos luminosos incidiam, de forma permanente, constante e ininterrupta, sobre a faixa de rodagem da A28 e sobre as suas respectivas bermas, permitindo ver ao longo de toda a faixa de rodagem da referida via e das respectivas bermas; que para quem se encontrasse no preciso local da deflagração do acidente, conseguia avistar a hemi-faixa de rodagem da referida A28 ao longo de uma distância não inferior a cem metros; que a chapa da matrícula do motociclo de matrícula ...-...-RS era de cor branca e estava pintada com tinta reflectorizante; que os caracteres correspondentes à matrícula do referido motociclo RS estavam pintados, a cor preta, sobre a superfície branca da referida chapa de matrícula; que o motociclo de matrícula RS estava equipado, na traseira, com farolins reflectores e com farolins alimentados a energia eléctrica, proveniente da bateria do motociclo de matrícula ...-...-RS, de cor vermelha; que o autor AA levava, colocado na cabeça, o capacete de protecção, o qual era de cor preta e estava dotado de substância reflectorizante, também de cor vermelha na sua retaguarda; temos de concluir que a ocorrência do embate entre o veículo TF e o motociclo RS (entre a parte frontal e lateral direita do primeiro e a parte traseira e lateral esquerda, do segundo), só pode ter ocorrido pela violação, por parte do veículo TF, da distância de segurança que o separava do motociclo, e que o impediu de travar e parar quando aquele abrandou a marcha de forma mais ou menos súbita.”

E prosseguindo: Apontam também no sentido do excesso de velocidade a que seguia, as manobras efectuadas pelo condutor do TF, que não conseguiu dominar a sua viatura ao avistar o motociclo na sua semi-faixa de rodagem, próximo do eixo da via, tendo travado a fundo e guinado para a sua esquerda, indo embater com a parte frontal e lateral direita da sua viatura na parte traseira e lateral esquerda, de raspão, no motociclo, deixando rastos de travagem marcados na via, de forma enviesada, do lado direito para o lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha, localizados totalmente sobre a metade situada mais à esquerda, atento o referido sentido de trânsito.

Os referidos rastos de travagem terminavam sobre a berma, do lado esquerdo, junto ao perfil metálico que protege o separador central da referida via A28 e apresentavam um comprimento de 79,30 metros, sendo de 16,50 metros antes do embate e de 62,80 metros após o embate.

Acresce que na sequência do embate, o veículo automóvel imobilizou-se contra o referido perfil metálico, onde ficou parado e imobilizado, causando danos no motociclo no valor orçamentado de € 5.196,63.

Ou seja, perante o quadro factual descrito só podemos concluir que o condutor do veículo TF não guardou do motociclo que seguia à sua frente a distância de segurança que lhe era imposta pelo artº 18º nº1 do CE, e/ou porque vinha animado de uma velocidade excessiva (não inferior a 110 Km/h) que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, sem embater no motociclo.

Porque não é, de facto, aceitável que o motociclo não fosse avistado atempadamente pelo condutor do veículo, dado que o local constitui uma reta, com visibilidade superior a 100 metros, e embora fosse de noite, toda a zona se encontrava iluminada. Não se concebe, realmente, que o condutor do veículo não avistasse o motociclo a circular à sua frente, junto ao eixo da via, mesmo em marcha lenta, devido à falta de combustível. Trata-se de um vulto de dimensões razoáveis que não podia deixar de ser avistado – nada existindo nos autos que nos permita concluir que houvesse qualquer obstáculo entre as viaturas, que impedisse o veículo automóvel de avistar antecipadamente o motociclo.

A alegação do automobilista de que o motociclo lhe surgiu de repente e que não tinha luminosidade para o avistar não tem qualquer acolhimento.

Só a violação da distância de segurança e/ou o excesso de velocidade do condutor do TF poderiam ter estado na origem do acidente.

É de referir além do mais, que o acidente sempre seria evitável se o condutor da viatura atropelante usasse, no exercício da condução, de um mínimo de atenção e perícia, desviando-se do obstáculo que lhe surgiu à sua frente. Atente-se que a hemi-faixa de rodagem tem de largura 3,70 m e ainda uma berma do lado esquerdo da via, a prolongá-la, com 1,60 m, o que permitia com relativa facilidade ao condutor do veículo contornar o motociclo pela esquerda sem lhe tocar, sendo certo que o embate, segundo o registo do acidente no croquis junto aos autos, se terá dado junto ao eixo da via.

Para assim se concluir: “Tudo a permitir, no fundo, a conclusão de que foi a sua conduta ilícita do condutor do veículo TF (ao ter violado o disposto nos artºs 18º nº 1 e 24º nº1 do CE, que causou o acidente).”


1.2. Salvo sempre o muito respeito, cremos – desde já se adiante - que assiste razão ao assim decidido pela Relação.

Com efeito, é certo que, sendo ao caso aplicável, na medida em que vigente à data do acidente, a 10.ª versão do Código da Estrada [aprovado pelo DL n.º 114/94, de 3 de Maio], a ele conferida pelo DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro, tal n.º 1, do art. 18.º - epigrafado de “Distância entre veículos”-, dispunha que “O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste.”

Por sua vez, essoutro preceito também mencionado – n.º 1, do art. 24º, este iniciando a Secção III, do Código da Estrada, intitulada “Velocidade” , e com a epígrafe “Princípios gerais” – textuava que “ O condutor deve regular a velocidade de modo que, atendendo às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.”

Ora, tendo em mente o constantes destes importantes dispositivos estradais, e o descrito a respeito do concreto circunstancialismo que precedeu, acompanhou e se seguiu ao eclodir do ora ajuizado acidente, não vemos como não concluir, na linha dessa reproduzida explanação – e, outrossim, conforme o também defendido pelos AA., tanto no seu recurso de revista, como nas seguintes contra-alegações ao recurso subordinado da Ré -, pela infracção do condutor do automóvel aos ditames inscritos em um e outro de tais dispositivos.

Contrapondo a este entendimento - e no que concerne a esse n.º 1, do art. 24.º -, diz, no entanto, a Ré que estando demonstrado que tal condutor seguia a uma velocidade não inferior a 110 Km/h, e que o local do acidente se situa em plena auto-estrada A28 – local, mais diz, em que a velocidade máxima permitida era exacta e precisamente de 120 Km/h -, por outro lado, também não se provou a ocorrência de uma qualquer outra circunstância que aconselhasse em concreto uma especial redução da velocidade, por parte desse mesmo condutor.

Manifestamente, cremos, lhe falece razão.

Como é sabido, o conceito de velocidade excessiva, definido no predito nº 1, do art. 24.º, contempla duas realidades distintas; ou seja, uma vertente absoluta, verificada sempre que se ultrapassem os limites legalmente estipulados, e uma vertente relativa, quando a não adequação da marcha à situação concreta, implica que o condutor não consiga parar no espaço visível à sua frente[10].

Por outro lado – e consoante bem assinala ANTÓNIO AUGUSTO TOLDA PINTO[11], com particular atinência, diga-se, ao caso em apreço -, essa regra geral de fazer imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, deve ser conjugada, entre outras, com essoutra regra geral que vimos também considerando, a do art. 18.º, n.º 1, relativa à distância entre veículos[12].

Ora, analisando a matéria provada – mais precisamente os Pontos de facto n.ºs 27 a 35 - , donde em especial emerge que, circulando o automóvel animado de uma velocidade não inferior a 110 Km/hora, e havendo a sua roda do lado esquerdo marcado no pavimento o respectivo rasto de travagem, este a anteceder o embate com o motociclo cifrou-se em 16,50 metros, somos inevitavelmente levados a concluir que, além de o condutor daquele veículo seguir com velocidade excessiva, o fazia sem observar a distância mínima suficiente – a chamada distância de segurança - para evitar tal embate, no caso, como ocorreu, de súbita diminuição de velocidade do dito velocípede.

Para assim, concluir, basta recorrer à Tabela das Distâncias de Paragem, inserta no Código da Estrada Anotado; de MANUEL DE OLIVEIRA MATOS[13], da qual deflui que, para uma travagem com essa extensão de 16,50 metros poder ser completada antes de embater no veículo da dianteira, mister seria a velocidade do automóvel não excedesse os 60 Km/hora.

E, ainda, que a uma velocidade, como aquela a que circulava o automóvel – não inferior a 110 Km/hora – para a sua completa imobilização far-se-ia necessário um uma travagem com 59 metros de comprimento.

Ora, ainda que aquela Tabela - a exemplo de muitas outras ‑, deva ser levada em conta com um valor relativo, de mera referência[14], e não olvidando que as evoluções técnicas ocorridas desde a sua elaboração vêm aumentado sucessivamente o poder de imobilização dos mais diversos veículos, o certo é que, ante os apontados elementos de facto, só tal apontada ilação – no sentido da violação pelo condutor do automóvel de ambas esses normativos estradais‑, vemos como possível., sem embargo de – como vimos provado – o motociclo, ao ter o seu condutor mudado a posição do respectivo comutador para a posição de reserva de combustível, não haver parado, mas apenas diminuído a velocidade a que seguia animado.

Mas assim sendo, como é, também possível de concluir se apresenta que, quando o condutor do automóvel iniciou a travagem deste, ao percepcionar essa diminuição de velocidade do motociclo, muito mais do que essa extensão de 16,5m era necessária – assim se confirmando, pois, esses dados constantes da aludida Tabela de Distâncias de Paragem – para o mesmo lograr parar tal veículo, caso, ao invés dessa redução de velocidade, o velocípede houvesse, pura e simplesmente estacado, quedando-se em imediata e total mobilização.

Sem duvida, pois, a violação, em simultâneo, pelo condutor do automóvel seguro na Ré, de ambas as apontadas regras disciplinadoras da circulação rodoviária.

Em contrapolo a esta asserção, a Ré, na sua douta alegação, obtempera ainda que o condutor do automóvel não se achava obrigado a prever ou antecipar o sucedido com o velocípede, sendo certo que, como é jurisprudência pacífica, nenhum condutor é obrigado a ter em consideração os erros, desconsiderações e outras faltas dos demais condutores.

Pois bem.

É certo que, como é entendimento generalizado, não pode exigir-se a um condutor que preveja ou conte com os comportamentos imprudentes, culposos, dos demais utentes da estrada, pois – e consoante bem observa MANUEL DE OLIVEIRA MATOS[15]“[…] quem cumpre as normas reguladoras do trânsito deve contar que os outros igualmente as cumpram, sob pena de se tornar impossível a circulação automóvel.”

Mas se assim é, menos certo não é que essa ocorrida diminuição de velocidade do motociclo, a despeito de súbita, não constituiu um facto imprevisível que, repentinamente, tivesse alterado a linha ou âmbito de visibilidade do condutor do automóvel, é dizer, se tivesse interposto ou intrometido entre a sua visão e o limite do horizonte por ela proporcionado.

Com efeito, tal diminuição de velocidade, não é de modo algum equiparável, por exemplo, a uma árvore que desaba sobre a estrada, a veículo que surgindo de outra via abruptamente se atravessa cortando a linha de marcha, a peão que surge inopinadamente de um ponto adjacente da via intentando a respectiva travessia, situações estas que, alterando efectivamente, e de modo completamente imprevisível, o espaço livre e visível à frente do condutor, não podem ser levados em conta – conforme o datado, mas ainda paradigmático, Ac. da R. C. de 18.02.1986[16] - , na consideração de uma determinada soma quilométrica como [relativa, subjectiva] velocidade excessiva.

Ora, não sendo reconduzível, tal redução de velocidade do motociclo, a uma circunstância que, súbita e inesperadamente, haja interferido com o espaço livre e visível do automobilista, que – insista-se –, em função desse específico vector imperativamente deve regular a sua velocidade, há que, por outro lado, ter em consideração – uma vez mais conforme o sentenciado pela Relação de Coimbra, por seu Acórdão de 21.12.2004[17] -, que “[n]enhum condutor, em circunstância nenhuma, pode percorrer a estrada sem avistar o que se desenrola à sua frente.”

Assim sendo, como é, imprimisse o condutor do automóvel uma velocidade adequada – não excessiva – ao mesmo, e a uma distância que – “ut” n.º 1, do art. 18.º - fosse suficiente para evitar o embate contra o motociclo ante a súbita diminuição de nível de marcha deste, e, para lá de qualquer dúvida, tal embate não teria ocorrido.

Forçoso, pois, uma vez mais se diga, o conclusivo no sentido de o condutor do automóvel seguro na Ré haver infringido ambos esses reiteradamente mencionados normativos do nosso nuclear diploma estradal.

Defendem ainda os AA. que, a mais de tais normativos, o mesmo condutor violou ainda o disposto no n.º 1, do art. 13.º, desse diploma, no qual se determina que “[o] trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes.”

Ora, tendo em conta o teor dos Pontos de facto n.ºs 4 a 6 ‑ ilustrativos das características da via e zonas adjacentes no local onde ocorreu o acidente – e bem assim dos Pontos n.ºs 25 e 26 – indicando que “o veículo automóvel ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-TF transitava, também, pela A28, desenvolvendo a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - …” e que o fazia “[…] através da semi-faixa situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - …”, necessariamente de concluir que, efectivamente, o dito condutor desrespeitou também o aludido comando legal, já que nada foi apurado que, segundo o previsto no n.º 2, desse art. 13.º - “[q]uando necessário, pode ser utilizado o lado esquerdo da faixa de rodagem para ultrapassar ou mudar de direcção” –, implicaria como justificado o trânsito do mesmo por essa semi-faixa situada mais à esquerda.

Aliás – adiante-se, desde já -, idêntico ilegal comportamento é de assacar ao malogrado motociclista, porquanto falhando também quanto a ele tal justificação, do Ponto n.º 24 resulta que “[n]as circunstâncias de tempo e lugar em que ocorreu o embate, o autor AA conduzia o motociclo de matrícula ...-...-RS, pela semi-faixa situada mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem da A28, destinada ao trânsito de veículos automóveis, que desenvolvem a sua marcha, no sentido Norte-Sul, ou seja, … - … .”

Antes de findar a análise a respeito da responsabilidade do condutor do automóvel na causação do ora ajuizado evento, cumpre ainda um último desenvolvimento operar, tendo em mente, como já retro mencionado, a pretensão dos AA. no sentido de se verificar no caso uma relação de comitente-comissário, tal como configurada no art. 503.º, do CC, pelo que sobre tal condutor sempre impende uma presunção legal de culpa que a Ré não logrou ilidir.

Ora, e na esteira do que bem se considerou no Acórdão recorrido, essa invocada relação de comitente - comissário, a envolver a proprietária do veículo automóvel e o seu condutor – cfr. parte final do Ponto n.º 3 -, não se pode ter por existente, na medida em que, a despeito de provada essa dissociação entre a propriedade do veiculo e a sua condução, o mesmo não ocorreu – Ponto da al. c) – quanto a ser, consoante o alegado pelos AA., esta condução realizada ao serviço, por conta, de tal proprietária[18].

Donde, e em suma, apenas em função das sobreditas infracções estradais, e portanto a título de culpa efectiva, a responsabilidade do condutor do automóvel – e mercê do contrato de seguro, a da aqui Ré -, surge de considerar, para os devidos efeitos, verificada.


1.3. Sem embargo, e conforme supra também noticiado, no Acórdão em foco, a par dessa responsabilidade alicerçada em culpa, por parte do condutor do automóvel, também se entendeu ocorrida responsabilidade, a esse mesmo título, de banda do sinistrado motociclista.

Ora, a tal respeito, nesse douto aresto, é dado ler o que segue:

- “Acontece que nos termos do artº 570º, nº 1, do Cód. Civil, “Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída”(…).

A questão que se coloca agora é a de saber se a atuação do motociclista foi também ilícita e culposa, em termos de ter contribuído causalmente para a produção do acidente ou para o agravamento dos danos verificados.

E a resposta tem de ser afirmativa, por violação também de normas do CE.

Começamos por dizer que de acordo com o artigo 11.º nº 2 do CE (“Condução de veículos e animais”) ”Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança”, e concretizando esta prescrição legal, estatui ainda o artigo 24.º nº 2 do mesmo diploma legal (“Princípios gerais”), que “Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.”

Preceitua depois o artº 12º nº1 do mesmo Código que “os condutores não podem iniciar (…) a marcha sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente”, cabendo nesta norma, de caráter geral, todos os comportamentos devidos aos condutores de veículos a motor que devem providenciar, no exercício da condução, pelo bom funcionamento da viatura antes de iniciarem o exercício da mesma (como a verificação do estado dos pneus, dos travões, e do estado em geral da viatura…bem como o seu abastecimento de combustível).

Ora, está provado nos autos que o condutor do motociclo, que se encontrava na hemi faixa de rodagem da esquerda – em plena manobra de ultrapassagem a outros veículos -, teve de diminuir a velocidade, por falta de combustível, a ele unicamente imputável.

Acresce que nos termos do citado artº 24º nº 2 do CE, inserido na secção da Velocidade – Princípios gerais -, “Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam”.

Ora, como se viu, a causa da diminuição da velocidade a que circulava, foi a falta de combustível no motociclo, da exclusiva responsabilidade do seu condutor, que, não obstante essa falta ousou invadir a faixa de rodagem da esquerda, destinada aos veículos que pretendem efectuar a manobra de ultrapassagem, sabendo ele de antemão – como não podia deixar de o saber – que uma ultrapassagem, ao imprimir mais velocidade a um veículo, leva necessariamente a um aumento de consumo de combustível, o que não o favorecia naquele caso.”

E deste modo se rematando: “Não temos pois dúvidas em afirmar que a conduta do motociclista foi também concorrencial para a produção do acidente, ao infringir as normas legais citadas do CE (artºs 11º nº 2, nº2[19] e 24º nº 2).”


1.3.1. Sempre ressalvando o muito respeito, de novo estamos com o decidido no douto Acórdão, no capítulo em que se considera haver o motociclista violado essas indicadas normas dos arts. 11.º, n.º 2 e 24.º, n.º 2, do Código da Estrada.

Insurgindo-se contra tal entendimento, porém, os AA. – no que concerne àquela primeira norma –, aduzem que dos factos provados não deriva qualquer conduta do motociclista que fosse susceptível de prejudicar o exercício da condução segura, antes pelo contrário tendo resultado provado que o mesmo adoptou uma conduta prudente para evitar uma paragem súbita do motociclo que conduzia – essa, sim, uma conduta que seria perigosa -, acionando o dispositivo da reserva do motociclo.

Quanto ao segundo normativo, observam que não dimana de nenhum dos factos provados - designadamente do Ponto n.º 29 - , que o motociclista tenha diminuído subitamente a velocidade, mas apenas que “o motociclo de matrícula ...-...-RS tenha diminuído a velocidade de que seguia animado, vindo a ser embatido pelo veículo seguro na ré.”

Como antecipámos, cremos que não lhes assiste razão.

Com efeito, pese esses resultados da prova indicados pelos AA., também é certo que não se provou – nem sequer foi alegado -, que não fora essa mudança da posição do comutador do combustível para a posição de reserva e o motociclo, de imediato, ou uma curta distância percorrida, teria ficado totalmente imobilizado, com o respectivo abastecimento esgotado.

Destarte, nada incute que tal mudança de posição haja constituído, naquele momento e, em face das incidências de trânsito então verificadas – além do mais, o motociclista seguia ocupando a faixa mais à esquerda da hemi-faixa de rodagem [próximo do eixo da via: Ponto n.º 31], com pelo menos o automóvel sinistrante atrás de si -, uma conduta prudente, antes tudo apontando em sentido bem oposto.

Depois, que essa diminuição de velocidade ocorreu de forma a classificar de “súbita” para os outros utentes da via – notadamente o aludido condutor do automóvel -, resulta do facto de a estes nada fazer pressentir, como ressalta à evidência, essa diminuição, tanto mais que não se prova que o motociclista haja previamente efectuado, com tal finalidade, a sinalização imposta pelo arts. 21º. n.ºs 1 e 2, do Cód. da Estrada e 105.º, n.º 1, do Regulamento de Sinalização de Trânsito, aprovado pelo Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro.

E também não se objecte – como parece ser, outrossim, desígnio por parte dos AA. - que da matéria provada não se extrai que foi o motociclista que diminuiu a velocidade, mas apenas que essa diminuição ocorreu mor da mudança de posição do comutador de combustível.

Com efeito, havendo o mesmo efectuado essa operação, certamente que não desconhecia – ou, pelo menos, essa falta de conhecimento não foi em momento algum alegada, nem, portanto, demonstrada, sendo que apenas a eles tal ónus incumbia - , que da sua concretização resultaria, como consequência, lógica e inevitável, a redução de marcha do motociclo. Logo, esta não pode deixar de lhe ser imputada, como consequência de acto por si voluntariamente realizado e, nos respectivos efeitos, assumido.

No referente a essa remanescente norma ínsita ao artº. 12º, nº 1, do C. E., os AA. também contra a respectiva violação pelo motociclista arremetem, alegando que dos factos provados não decorre – ao contrário do decidido no Acórdão – que tal motociclista tenha iniciado ou retomado a marcha sem assinalar com antecedência a sua intenção, e sem adoptar as precauções necessárias para evitar qualquer acidente. Com efeito – mais aduzem -, o acidente ocorreu quando a viatura tripulada pelo dito motociclista se encontrava já em plena circulação e não quando o mesmo iniciou ou retomou a marcha.

Vejamos.

Consoante já explicitado, nessa ora enfocada norma do art. 12º, nº 1, do C.E., prescreve-se que “[o]s condutores não podem iniciar ou retomar a marcha sem assinalarem com a necessária antecedência a sua intenção e sem adotarem as precauções necessárias para evitar qualquer acidente”.

No Acórdão recorrido, entendeu-se preenchida esta previsão legal, porquanto na mesma cabem – e citamos de novo – “[…] todos os comportamentos devidos aos condutores de veículos a motor que devem providenciar, no exercício da condução, pelo bom funcionamento da viatura antes de iniciarem o exercício da mesma (como a verificação do estado dos pneus, dos travões, e do estado em geral da viatura…bem como o seu abastecimento de combustível).

Sempre salvaguardando o muito respeito, não podemos deixar de dissentir.

A realização de [prudentes, avisados] procedimentos ditados pelo comando em apreço – e, designadamente, a adopção de precauções mister para obviar a sinistros – não tem em vista, se bem cuidamos, comportamentos – a exemplo desse, de ajustado abastecimento de combustível do veículo, ou outros ligados ao bom funcionamento da viatura – a realizar previamente ao acto de executar a respectiva condução.

Mas, diferentemente, estando-se já em vias de encetar a realização desta, que o mesmo é dizer, já aos comandos do veículo, e, logo, apenas se pondo em causa a protagonização de comportamentos – em vista desses início ou retoma de marcha -, postulados por uma condução segura, isenta de perigos, como seja, sinalização antecipada dessa intencionada manobra, bem como outras precauções associadas, v.g., certificação de eventual aproximação, em condições de interferir, de qualquer outro veículo, de trânsito pela frente de um peão ou animal, etc.

No sentido do bem fundado desta nossa posição depõe o vertido por JERÓNIMO FREITAS[20] na anotação ao preceito em exame, onde, após se salientar que “[e]sta regra, que agora surge autonomizada, constava do n.º 2, do art. 6.º do Código da Estrada de 1954 [justamente com o singelo título “Sinais de condutores”] mais acrescenta:

- “Nesta norma impõe-se aos condutores o dever geral de adoptarem as precauções necessárias para evitar riscos de acidente antes de iniciarem ou retomarem a marcha e, em primeira mão, o dever de assinalarem com antecedência a sua intenção. As circunstâncias de cada situação ditam a antecedência e modo de assinalar a manobra, bem assim quais as precauções adequadas. O condutor deve garantir que a sua intenção é entendida pelos demais utentes da via, que foi entendida e que ao iniciar ou retomar a marcha não cria qualquer possibilidade de acidente.[21]

Depõe, outrossim, o elemento sistemático da interpretação, quando aproximado este normativo daquele constituído pelo n.º 2, do antecedente art. 11.º - intitulado “Condução de veículos e animais” -, no qual se estipula que “[o]s condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quais quer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança.”

Nestes termos, pois, e considerando ainda que ambos estes enfocados preceitos se inserem no Título II, do Código, intitulado “Do trânsito de veículos e animais”, temos que, enquanto esse n.º 2, do art. 11.º, rege sobre a segurança do trânsito durante a [no decurso da] condução, o n.º 1, do sequente art. 12.º, por seu turno, regula esse mesmo aspecto, mas previamente ao início, ou reinício dessa mesma condução.

Portanto, e em síntese, ao invés do entendido no douto Acórdão, não são comportamentos ligados ao bom funcionamento dos veículos, e a adoptar previamente ao encetamento da respectiva condução, que o preceito do art. 12.º, n.º 1, tem em vista impor, pelo que, pese a circunstância de o motociclista se haver abalançado a circular sem o devido provisionamento de combustível, não se pode reputar incurso em transgressão a respeito do mesmo.

Diferente já será, se bem pensamos, quando considerado o disposto no n.º 2, do art. 3.º, do Código em apreço, em que, genericamente, se textua que “[a]s pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias.”

Ora, tendo em conta a condução pelo sinistrado motociclista – e sendo verdade que neste n.º 2, conforme anota TOLDA PINTO[22], “consagra-se o “dever de diligência”, o qual recai sobre os denominados “utentes da via” (conceito amplo) que abrange os condutores, peões, passageiros, realizadores de obras, organizadores de manifestações desportivas e todos aqueles que, muito embora possam encontrar-se em domínio privado, de algum modo possam afectar a segurança ou a comodidade dos utentes das vias “ –, realizada sem a exigível medida de abastecimento de combustível do veículo, impelindo-o a uma actuação que levou à inesperada – pelo menos quanto ao condutor do automóvel na sua peugada ‑, diminuição de velocidade, com os nefastos reflexos que sabemos ocorridos, e sem prejuízo de outros, nesse quadro, também susceptiveis de suceder, tendo isso tudo em conta – dizíamos - , forçoso o conclusivo no sentido da incorrência pelo dito motociclista de conduta vedada por esse normativo.

Por tudo o que exposto fica, pois, e em remate, é em função da violação às regras estradais que se deixam apontadas – relembre-se arts. 3.º, n.º 2, 11.º, n.º 2, 13.º, n.º 1, e 24.º, n.º 2, todos do C. E.- que se impõe, em sintonia com o aresto ora em crise, considerar o motociclista também culposamente causador pela eclosão do acidente que o vitimou.


1.4. Havendo, deste modo, que reputar ambos os condutores intervenientes responsáveis pelo acidente que vitimou o motociclista, recorrendo uma vez mais ao Acórdão em análise, vejamos o que, a respeito dessa conjunta responsabilidade, nele se inscreveu.

Assim, no conspecto em apreço, nele á dado ler:

- A questão reside agora na distribuição da culpa entre ambos os condutores, sendo certo que a lei manda atender à gravidade das culpas de ambas as partes e às consequências que delas resultaram, para decidir se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída (artº 570º nº 1 do CC).

Propendemos para considerar a culpa do condutor do TF superior à o motociclista, fixando em 70% a culpa do primeiro e em 30% a do segundo, na consideração de que impendia sobre o 1º uma obrigação acrescida de evitar o embate que vitimou o motociclista, caso circulasse a uma velocidade mais moderada ou respeitasse uma distância maior entre si e o motociclista que seguia à sua frente (ainda que em velocidade mais reduzida).

Isto sem falar no dever que sobre si impendia (e na possibilidade que tinha) de evitar o acidente, desviando-se do obstáculo pela esquerda, tendo espaço livre para o fazer.”

Salvaguardando sempre o muito respeito por divergente opinativo, afigura-se-nos inteiramente correcta, e pelos fundamentos a tanto aduzidos, a repartição de culpas dos condutores nesses expostos termos operada, pelo que, dispensando-nos de adicionais desenvolvimentos, puramente despiciendos, sem mais a sufragando, essa estabelecida repartição, para os devidos efeitos, ora se dá por fixada.



2. Aqui chegados, concluímos que, quanto à questão acabada de examinar – responsabilidade pelo acidente ‑ ambos os recursos – principal e subordinado, respectivamente interpostos por AA. e Ré- se quedam insubsistentes.


IV - Montante dos danos patrimoniais do sinistrado

1. Sustentam a este propósito os AA./Recorrentes que, tendo resultado provado que o sinistrado motociclista por virtude do acidente teve despesas e prejuízos – que devidamente discriminam – no valor global de € 2.915,52, e também danos respeitantes ao motociclo – respectivas reparação e desvalorização – no montante total de € 7.787,93, bem ainda como uma perda de rendimentos no quantitativo de € 56.000,00, perfazendo assim todos estes danos patrimoniais à soma de € 66.793,45; deduzida a importância de € 5.000,00 adiantada pela Ré, deveria esta ter sido condenada a pagar a eles, AA., a título de tais mencionados danos, a cifra de € 61.793,45, acrescida dos correspondentes juros de mora. E não – consoante ocorrido no aresto ora em crise ‑, a quantia de € 42.142,41.

Vejamos, uma vez mais.

Sem dúvida que, tal como os AA./Recorrentes alegam, resulta dos factos provados – a exemplo, de resto, do que já se ponderava na sentença apelada - que o dito sinistrado suportou na sua esfera patrimonial todos esses inventariados prejuízos e nesses valores totais discriminadamente indicados, tendo assim aqueles direito, nos termos dos arts. 562.º e ss., do C C, ao respectivo ressarcimento.

Apenas, e salvo o muito respeito, o somatório de tais prejuízos não ascende – conforme o indicado pelos AA. – a € 61.793,45, mas apenas a € 66.703,45.

Como assim, e fazendo o abatimento desse quantitativo adiantado pela Ré, temos que o valor global e efectivo dos danos patrimoniais sofridos pelo sinistrado é de [€ 66.703,45 ‑ € 5.000,00] € 61.703,45.

A este “quantum” há que aplicar, já se vê – art. 570.º, n.º 1, do CC ‑ a apontada proporção de responsabilidades na ocorrência do acidente – 70% para o automobilista - , pelo que, em derradeiras contas, o valor da indemnização a fixar aos AA. pelos danos em presença, consubstancia-se em € 43.192,41, acrescida dos concernentes juros de mora à taxa anual de 4%.

Donde, e posto que apenas em parte, quanto ao âmbito ora apreciado, o douto recurso dos AA. logra vitória.


IV – DECISÃO

Por tudo o exposto, decide-se:

- Não admitir o recurso principal de revista interposto pelos AA., no que tange à fixação da indemnização pelos danos não patrimoniais padecidos pelo motociclista sinistrado, indeferindo, nessa parte, o seu requerimento recursório;

- Julgar esse recurso principal parcialmente procedente e, nessa medida revogando o Acórdão recorrido, condenar a Ré a pagar aos AA., a título de indemnização por danos patrimoniais sofridos pelo mesmo motociclista, a quantia de € 43.192,41, acrescida de juros de mora à taxa anual de 4%, contados desde a data da citação até integral pagamento;

- Julgar o recurso subordinado interposto pela Ré totalmente improcedente, nessa parte confirmando o Acórdão recorrido.

Custas do recurso principal na proporção do vencido; custas do recurso subordinado, na sua totalidade, pela Ré/Recorrente.

                                                                *

                                                                *

Lisboa e Supremo Tribunal de Justiça, 25 de maio de 2019


Helder Almeida (Relator)

Oliveira Abreu

Ilídio Sacarrão Martins

______

[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.º Conselheiro Oliveira Abreu e
              Exm.º Conselheiro Ilídio Sacarrão Martins.
[2] No qual se textua que “[p]ara efeitos de apuramento do rendimento mensal do lesado no âmbito da determinação do montante da indemnização por danos patrimoniais a atribuir ao lesado, o tribunal deve basear-se nos rendimentos líquidos auferidos à data do acidente que se encontrem fiscalmente comprovados, uma vez cumpridas as obrigações declarativas relativas àquele período, constantes de legislação fiscal.” Entretanto, foi julgado inconstitucional, com força obrigatória geral, pelo Ac. do T.C. n.º 291/2019, ao que nos á dado saber ainda pendente de publicação.
[3] Excluído no âmbito da sua reapreciação pelo Acórdão ora recorrido – cfr. fls. 1179 a 1182.
[4] Excluído no âmbito da sua reapreciação pelo Acórdão ora recorrido – cfr. fls. 1179 a 1182.
[5] Aqui aplicável por força do disposto no n.º 1, do art. 5.º, da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho.
[6] Cfr. Código de Processo Civil-Anotado, Vol. V, C. Editora, pág. 143.
[7] Cfr., entre outros, Acs. do S.T.J. de 9.07.2015, Proc. n.º 17/11, in Sumários”, 2015, pág. 426, 1.12.2015, Proc. n.º 1736/12, in Sumários”, 2015, pág. 671, 10.12.2015, Proc. n.º 1828/10, in Sumários”, 2015, pág. 702, e 19.01.2016, Proc. n.º 1368/11, in Sumários”, 2016, pág. 17, e ainda, e por último, de 21.02.2019, Proc. n.º 1589/13, proferido por esta Conferência e, ao que nos é dado saber, ao presente inédito.
  [8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª ed., Almedina, pág. 370.
[9] Assim, José Lebre de Freitas e Outros, in Cód. Proc. Civil-Anot., Vol. II, C. Editora, p. 666, anot. 2, e Ac. R.P. de 19.04.1993, P. n.º 9230722, in dgsi.pt.
[10] Cfr., i.a., Jerónimo Freitas, in Código da Estrada – anotado e Legislação Complementar, 4.ª ed., Quid Juris, p. 59 e Victor de Sá Pereira e António Proença Fouto, in Código da Estrada – Comentários e Legislação Complementar, Livraria Petrony, p. 104.
[11] Cfr. Código da Estrada anotado e Legislação Complementar, 6.ª ed., C. Editora, p. 72.
[12] Neste mesmo sentido, cfr. Ac. do STJ de 16.01.2014, Proc. n.º 347/10, in sumários, 2014, p. 30.
[13] Cfr. Código da Estrada Anotado, 6.ª ed., Almedina, p. 72.
[14] Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 24.09.1996, Proc. n.º 227/96 – cujo sumário se acha indicado por Jerónimo Freitas, in Ob. cit. pp. 65-66 ,  e Ac. R. E. de 5.04.2005, Proc. n.º 2997/04-1 acessível in dgsi.pt,
[15] Cfr. Ob. cit., p. 69.
[16] Cfr. Col., Tomo I, p. 50.
[17] Recenseado, no respectivo sumário, por Tolda Pinto, in Ob. cit., p.77.
[18] Cfr., por todos, Ac. do STJ de 29.01.2014, Proc. n.º 249/04, in Sumários, 2014, p. 62.
[19] Pretendia-se escrever “n.º 1”.
[20] Cfr. Ob. cit., p. 42.
[21] Sublinhados nossos.
[22] Cfr. Ob. cit., pp. 17-18.