Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
080457
Nº Convencional: JSTJ00010678
Relator: MENERES PIMENTEL
Descritores: ASSOCIAÇÃO EM PARTICIPAÇÃO
CONTA EM PARTICIPAÇÃO
CONCEITO
Nº do Documento: SJ199106110804571
Data do Acordão: 06/11/1991
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N408 ANO1991 PAG597
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2800/89
Data: 03/08/1990
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Área Temática: DIR COM - SOC COMERCIAIS.
Legislação Nacional: CCIV66 ARTIGO 980.
CCOM888 ARTIGO 224 - ARTIGO 229.
DL 231/81 DE 1981/07/28 ARTIGO 32.
Jurisprudência Nacional: ASSENTO STJ DE 1988/02/02 IN DR IS 1988/03/15 IN DR IS 1988/07/13 IN DIR ANO122 1990 T2 PAG381.
Sumário : I - A associação em participação não e uma sociedade.
II - Verifica-se um contrato da conta em participação quando exista uma estrutura associativa caracterizada pela actividade economica de uma pessoa com a participação de outra (ou outras) nos lucros ou perdas resultantes da mesma actividade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (STJ):
I - Relatorio:
1 - A propos contra B e C uma acção com as seguintes pretensões: a)- "declarar-se que o autor e reus são partes do contrato identificado nos artigos 3, 4 e 5 da petição"; b)- declarar-se que o autor e titular do direito aos ganhos e perdas do empreendimento levado a efeito por ele e pelos reus no terreno denominado Vinha do Livramento, na proporção de um terço"; c)- "declarar-se que o autor e titular do direito aos ganhos e perdas do empreendimento a levar a efeito por ele e pelos reus no terreno denominado Alto do Espregalinho, na proporção de tres/dezanove avos"; d)- "condenaram-se os reus a reconhecerem que o autor e titular dos direitos atras referidos".
2 - Os artigos 3, 4 e 5, acima referidos, são deste teor;
Artigo 3:
"No mes de Julho de 1982, o 2 reu associou o autor e o 1 reu a actividade por ele exercida, visando especificamente a compra de predios rusticos, seus loteamentos urbanos, construção e venda de moradias nos mesmos".
Artigo 4:
"O fim ultimo do contrato era a participação do autor e reus nos lucros e perdas dos empreendimentos a realizar".
Artigo 5:
"As proporções dessas participações seriam fixadas ulteriormente, para cada caso".
3 - So o reu B contestou, negando ter associado o autor a qualquer empreendimento, ja que o mesmo se limitou o projecto de loteamento da "Vinha do Livramento", na qualidade de arquitecto.
4 - Organizada especificação e elaborado questionario, procedeu-se ao julgamento dos factos. A sentença julgou procedentes as pretensões do autor, mas o reu B apelou a Relação, por acordão de folhas 229 e seguintes, confirmou o decidido na primeira Instancia.
5 - O demandado pede revista com estas conclusões: a)- As respostas aos quesitos 4 e 16 devem ser alteradas; b)- "A sociedade civil convencionada entre o autor e os reus revertiu a forma verbal" e deveria ter sido titulada por escritura publica; c)- Assim, o contrato e nulo; d)- "Os reus eram os unicos proprietarios dos predios identificados nos quesitos 4 e 16, não tendo o autor sobre eles qualquer dominio"; e)- "Em escritura de 8-8-86 os reus puseram termo a comunhão, por permuta, ficando a pertencer exclusivamente ao recorrente o predio denominado Alto do Espregalinho e a pertencer exclusivamente ao reu A o predio denominado Vinha do Livramento"; f)- "Se o contrato de sociedade civil celebrado entre as partes fosse valido, estar-se-ia, no momento da decisão final, numa situação de imposibilidade definitiva de cumprimento"; g)- "Mostram-se violados, entre outros, os artigos 7 do Codigo do Registo Predial (CRP), 89, alineas a) e f) do Codigo do Notariado (CN), 219, 220 e 289 do Codigo Civil (CC) e 663, n. 1, do Codigo de Processo Civil (CPC)".
O recorrido contra-alegou.
II - Fundamentos:
1 - Os factos apurados pela segunda Instancia são estes: a)- Atraves dos documentos de folhas 8 a 10 estão assentes a descrição na Conservatoria e a inscrição na matriz do predio denominado Vinha do Livramento; dos documentos de folhas 64 a 66 verifica-se terem sido permutados este ultimo predio e o do Alto do Espragal, permuta esta efectuada entre o primeiro e o segundo reus - alinea A da especificação -; b)- Deram-se como reproduzidos os documentos de folhas 35 e 36 e 44 e 49 (procuração outorgada pelo 1 reu ao autor e respectiva revogação) -
- alinea B da especificação-; c)- O autor exerce a profissão de arquitecto em regime livre - alinea C-; d)- No mes de Julho de 1980, o 2 reu associou o autor e o 1 reu a actividade por ele exercida, visando especificamente a compra de predios rusticos, seus loteamentos urbanos, construção e venda de moradias nos mesmos - resposta ao 1 quesito-; e)- O fim ultimo do contrato era a participação do autor e reus nos lucros e perdas dos empreendimentos a realizar - resposta ao 2 quesito-; f)- As proporções dessas participações seriam fixadas ulteriormente para cada caso - resposta ao 3 quesito-; g)- No dominio da execução do contrato, autor e reus acordaram em adquirir por compra o predio rustico denominado Vinha do Livramento, descrito na Conservatoria de Cascais sob o n. 8618, a folhas
4 verso do L.B-26 - resposta ao 4 quesito-; h)- O preço de compra e venda foi de 4500000 escudos -
- alinea D da especificação-; i)- Que foi liquidado em dinheiro - alinea E da especificação-; j)- A participação do autor nos ganhos e perdas do empreendimento a realizar neste predio foi fixada por acordo com os reus em um terço (resposta ao quesito 5); l)- A participação de cada um dos reus era identica a do autor - resposta ao 6 quesito-; m)- Todas as despesas com o referido empreendimento seriam repartidas na mesma proporção - resposta ao 7 quesito-; n)- O autor e os reus contribuiram inicialmente em quantias indeterminadas - resposta ao 8 quesito-; o)- Por liquidação do restante preço, os reus contrairam um emprestimo junto do Banco Borges & Irmão no valor de 2864000 escudos- alinea F da especificação-; p)- O autor e os reus acordaram em que aquele contribuiria com o correspondente a um terço das amortizações e encargos desse emprestimo -
- resposta ao 9 quesito-; q)- Ainda de acordo com os reus, foi o autor quem elaborou o projecto de loteamento do predio acima mencionado - alinea G da especificação-; r)- No dominio do contrato em causa, no mes de Julho de 1981, autor e reus decidiram adquirir por compra, o predio rustico denominado "Alto do Espregalinho", sito em Caparide, descrito na Conservatoria de Cascais sob o n. 15204, a folhas 72 do L.B - 46 - resposta ao quesito 16-; s)- O autor acompanhou o respectivo processo-relativo e referido na alinea G da especificação - ate a aprovação do mesmo - alinea H da especificação-; t)- O preço da aquisição foi de 4500000 escudos - alinea I da especificação-; u)- O autor e os reus acordaram em que a participação daquele nos ganhos e perdas no empreendimento do "Alto do Espregalinho" seria de 3/19 - resposta ao 18 quesito-; v)- A cada um dos reus caberia a participação de 8/19 - resposta ao 19 quesito-; x)- O autor contribuiu inicialmente com quantia não aprovada - resposta ao 20 quesito-; z)- Os reus contribuiram tambem com quantia não determinada - resposta ao 21 quesito-; a')- Os reus contrairam em emprestimo junto do Banco Borges e Irmão no valor de 3000000 escudos -
- alinea J da especificação-; b')- Esta quantia destinava-se a liquidar parte do preço da compra e venda do dito predio do Alto do Espregalinho - alinea L da especificação-; c')- Tambem neste caso ficou assente entre autor e reus que aquele contribuiria para o pagamento de todas as despesas com a amortização e encargos do dito emprestimo e outros referentes ao mencionado empreendimento na proporção de 3/19 - resposta aos 22 e 23 quesitos-; d')- Os reus, apos o recurso do B em aceitar a continuação do autor na associação contratual atras concretizada (respostas aos quesitos 1 a 9, 16 e 18 a 23), acordaram em que os lotes (10) de terreno para construção na Vinha do Livramento ficavam a pertencer metade a cada um - resposta ao quesito 31-; e')- Antes, efectivamente, o reu B tinha-se negado a consentir em que o autor participasse no prosseguimento dos empreendimentos da Vinha do Livramento e do Alto do Espargal ou Espregalinho - resposta ao 30 quesito-; f')- Para o B ficaram os lotes 1, 2, 6, 7 e 9 e para o reu Coelho os restantes (3, 4, 5, 8 e 10) da dita Vinha do Livramento - resposta ao quesito 32-; g')- O reu C, sem conhecimento e consentimento do reu B, apresentou um requerimento a Camara de Cascais para o efeito de alterar o loteamento - resposta ao quesito 33-; h')- Este reu, em 9-2-83, solicitou a mesma Camara informação sobre a facilidade de construção no predio do Espregalinho - resposta ao quesito 43-; i')- A Camara respondeu nos termos referidos no documento de folhas 154/155 - resposta ao quesito 44-.
2 - O Supremo Tribunal de Justiça, a proposito do Assento de 2 de fevereiro de 1988 (Publicado no Diario da Republica, 1 serie, n. 62, de 15 de Março de 1988, corrigido no mesmo Diario, 1 serie, n. 160, de
13 de Julho seguinte, e na Revista "O Direito, ano 122, 1990, II, paginas 381 e seguintes), tem oportunidade de caracterizar o contrato da conta em participação ainda na vigencia dos artigos
224 a 229 do Codigo Comercial (C. Com.), hoje revogados pelo artigo 32 do Decreto-Lei n. 231/81, de 28 de Julho. Ai foram afastadas as qualificações da "conta" como "sociedade" ou como "negocio juridico atipico".
Não e sociedade por não satisfazer os requisitos exigidos pelo artigo 980 do CC, ja que na "conta" cada uma das partes não coloca em comum na associação certos bens (artigo 224 do C. Com). Efectivamente, se o associado efectua uma contribuição, ja o mesmo não sucede com o associante, que se limita a interessar aquele nos seus ganhos e perdas. Estes ou estas pertencem ao comerciante que faz interessar neles outra pessoa. Sendo assim, os ganhos e perdas são obtidos por uma qualquer via que permita ao associante considera-los seus e não se esta a ver que esse meio prescinda da titularidade sobre os seus bens patrimoniais (Raul Ventura, Associação em Participação, separata do Boletim do Ministerio da Justiça - BMJ -, n.s 189 e 190, paginas
195 e 196). Acresce que tambem falta a conta em participação outro dos requisitos exigidos por lei para a caracterização do contrato como de sociedade: e o exercicio em comum de certa actividade economica.
De facto, não e exercicio em comum, seguramente, o exercicio de uma actividade por uma so pessoa, embora tenha em vista interesses de uma outra ligada aquela por um negocio juridico (Autor e obra citadas, pagina 76).
3 - Excluida a tese da sociedade, vejamos a outra (negocio juridico atipico ou sui generis). Esta não se afasta muito daquela, pois pode resumir-se assim: se a conta em participação não e uma sociedade, tem semelhanças com as sociedades e, em particular com as comerciais, e tanto naquelas como nestas ha mais de uma pessoa com interesse nos resultados aleatorios de uma actividade mercantil, visto que a todos cabera, em termos que podem variar, uma parte desses resultados.
Como refere Raul Ventura, quer uma, quer outra das teses não resolve satisfatoriamente o problema ou, antes, não consegue correctamente o citado objectivo (procurar o preenchimento das lacunas da regulamentação legal da "conta" atraves dos preceitos reguladores das sociedades), foi admitida a especialidade da conta em participação relativamente as sociedades, para cada ponto omisso deveria perguntar-se se a especialidade não repela a analogia e assim se voltarão a abrir as questões supostamente fechadas.
4 - Do exposto, parece de seguir, como se fez no referido acordão originador do assento, a tese de Raul Ventura: perante o conceito legislativo de sociedade, a associação em participação não e uma sociedade (tipica ou sui generis). Existem tres elementos para caracterizar este negocio juridico - mercantil: a actividade economica de uma pessoa, participação de outra nos lucros ou perdas daquela actividade e a estrutura associativa. Estes tres elementos respeitam o artigo 224 do Codigo Comercial que procura definir a associação em participação. Esta "conta" identifica-se, assim, com um tipo de contrato de caracter associativo por contraposição ao contrato conutativo. Naquele, como dizia Manuel Andrade (Teoria Geral da Relação Juridica, volume II, edição de 1960, paginas 57/58, as partes tem em vista uma possibilidade de ganho ou perda, no sentido de possibilidade de so receber ou so dar, ou receber mais ou menos do que se da.
5 - Fazendo aplicação ao caso concreto dos principios expostos, verifica-se que entre o autor (por um lado) e os reus (por outro) se celebrou um contrato de conta em participação, tal como resulta das respostas aos quesitos 1 a 9, 16 e 18 a 23, verificam-se os tres requesitos atras apontados: estrutura associativa, actividade economica do 2 reu e participação do autor e do 1 reu nos lucros ou perdas daquela actividade.
E por demais imprecisa a resposta ao 1 quesito: "no mes de Julho de 1980, o 2 reu associou o autor e o 1 reu a actividade por ele exercida, visando especificamente a compra de predios rusticos para constituição de loteamento urbanos e consequentes construções seguidas de vendas". Isto, completado pela resposta ao 2 quesito
("o fim ultimo do contrato era a participação de autor e reus nos lucros e perdas dos empreendimentos a realizar"), fecha o ciclo da aplicação do Direito.
6 - Nestes termos, improcedem completamente as 2 e 3 conclusões do recorrente. Por outro lado, das respostas aos 4 e 16 quesitos não resulta ter-se dado como provados contratos de compra e venda de imoveis, mas tão - so que autor e reus concordaram em adquirir uns predios, o que e totalmente diferente. E concordaram em que estas compras se efectuassem para dar execução ou objecto material ao contrato da conta em participação.
Finalmente, não interessa a procedencia dos pedidos a circunstancia de os predios, incluidos no objecto material do contrato de associação, pertencerem exclusivamente aos reus (isto resulta do exposto atras quando se caracterizou o contrato celebrado entre autor e reus). Assim, improcedem as restantes conclusões.
III - Decisão:
Com os fundamentos expostos, nega-se a revista, confirma-se o acordão impugnado e condena-se em custas o recorrente.
Lisboa, 11 de Junho de 1991.
Meneres Pimentel,
Brochado Brandão,
Cura Mariano.