Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7939/15.7T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: CONCLUSÕES
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
NOTIFICAÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PRAZOS / NOTIFICAÇÕES EM PROCESSOS PENDENTES / CUSTAS, MULTAS E INDEMNIZAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
DIREITO CIVIL – FACTOS JURÍDICOS / INTERPRETAÇÃO –ACTOS JURÍDICOS.
Doutrina:
-Aníbal de Castro, Impugnação das Decisões Judiciais, 2.ª Edição, 111;
-Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, 63;
-Castanheira Neves, RLJ 110º, nota 6, 289 e 305;
-Menezes Cordeiro, Litigância de Má-Fé, Abuso do Direito de Acção e Culpa, In Agendo, 26; No Direito Processual, 1995/96;
-Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª Edição, 444;
-Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I, 2.ª Edição, 207 e 208;
-Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, Volume. II, 3.ª Edição, 221 e 222; Volume III, 247.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 139.º, 140.º, 141.º, 248.º, 249.º, 542.º, N.ºS 1 E 2, ALÍNEAS A) E D), 607.º, N.º 2, 608.º, N.º 2, 627.º, N.º 1, 635.º, N.ºS 2 E 4, 639.º, N.º 3, 640.º, 663.º, N.º 2 E 679.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.º 1 E 295.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, BMJ 386º, 446;
- DE 05-04-1989, BMJ, 386º, 446;
- DE 23-03-1990, AJ, 7º, 90, 20;
- DE 31-01-1991, BMJ 403º, 382;
- DE 28-05-1991, BMJ, 407º, 448;
- DE 12-12-1995, CJ, 1995, III, 156;
- DE 18-06-1996, CJ, 1996, II, 143;
- DE 05-12-2002, PROCESSO N.º 12/2002;
- DE 05-11-2009, PROCESSO N.º 4800/05.TBAMD-A.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-07-2013, PROCESSO N.º 536/11.8TTPRT-A.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 24-11-2015, PROCESSO N.º 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-06-2016, PROCESSO N.º 6617/07.5TBCSC.S1, IN WWW.DGSI.PT.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- DE 11-10-2011, ACÓRDÃO Nº 460/2011, IN DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 231/2011, SÉRIE II DE 2.12.2011.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:

- DE 07-03-1985, BMJ, 347º, 477.
Sumário :

I - Estando a recorrente patrocinada por advogado, presume-se notificada do despacho que a convidou a sintetizar as conclusões, no 3º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, e não no dia em que o mandatário a recebe, salvo a eventual ocorrência de justo impedimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 – RELATÓRIO

BB impugnou o despedimento na sequência de processo disciplinar que lhe foi movido pela Ré BB, LDA.

Tendo sido infrutífera a audiência de partes, a Ré apresentou o seu articulado motivador do despedimento, argumentando com a regularidade do procedimento disciplinar e com a existência de justa causa para o despedimento, sanção que, sustenta, ser proporcionada e adequada à infração cometida. 

Contestou a A., alegando a nulidade do processo disciplinar e a inexistência dos fundamentos invocados para o seu despedimento e pedindo a declaração de ilicitude do mesmo, com reintegração ou indemnização de antiguidade em dobro (no valor global de € 27.225,00), pela qual desde logo declarou optar, bem como as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento. Pede ainda € 3.500,00 de indemnização por danos não patrimoniais, € 7.110,00 de diferenças salariais, € 10.848,00 de prémios de assiduidade, € 544,50 de subsídio de Natal e a condenação da Ré como litigante de má-fé.

Realizado o julgamento foi proferida sentença julgando a ação improcedente, absolvendo a Ré do pedido e fixando à ação o valor de € 54.674,25.

Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação.

Recebidos os autos foi pelo relator proferido o seguinte despacho:

«Porque as conclusões da alegação da recorrente, na sua maior parte, são a mera reprodução daquela mesma alegação, e não a síntese a que se refere o art. 639º, nº 1, do C.P.C., notifique-se a recorrente para, nos termos e sob a cominação do nº 3 do mesmo art. 639º, sintetizar as conclusões apresentadas».

Deste despacho foi a recorrente notificada por carta registada datada de 28.10.2016.

Em 14.11.2016, a recorrente apresentou novas conclusões.

Em 22.11.2016, foi pelo relator proferido o seguinte despacho:

«As conclusões sintetizadas juntas a fls. 214 e ss. foram apresentadas em juízo quando já estava decorrido o prazo de cinco dias para o efeito previsto no art.º 639º, nº 3, do C.P.C., e também dos três dias subsequentes a esse prazo, em que seria ainda lícito praticar o ato, nos termos do art.º 139º, nº 5, do mesmo código.

Tendo-se portanto entretanto extinguido o direito da recorrente apresentar as conclusões da sua alegação devidamente sintetizadas, conforme fora notificada, e afetando as mesmas a totalidade do recurso interposto, de acordo com a regra do art.º 639º, nº 3, parte final, ainda do C.P.C., à Relação estará vedado o conhecimento do próprio recurso.

Em face de tais circunstâncias, e tendo em atenção o disposto no art.º 655º, nº 1, também do C.P.C., notifiquem-se A. e R. para sobre a questão se pronunciarem.»

Aquiescendo ao convite, a recorrente pugnou pela tempestividade da apresentação das novas conclusões bem como pelo cabal observância nas conclusões iniciais dos ónus do art. 639º e 640º do CPC e pronunciando-se a recorrida no sentido da sua extemporaneidade.

 No seguimento, foi pelo relator proferido o seguinte despacho:

«Tendo o relator determinado que a recorrente, nos termos e sob a cominação do art.º 639º, nº 3, do C.P.C., apresentasse novas conclusões da sua alegação de recurso, devidamente sintetizadas, foi tal decisão notificada à Ex.ª mandatária da parte por carta registada que lhe foi enviada a 28/10/2016 (cfr. fls. 209), o que implica que, por força da regra do art.º 248º do mesmo código, a notificação deva considerar-se feita no 3ª dia posterior àquele, ou seja, a 31, 2ª feira.

No dia seguinte, 1/11, iniciou-se o prazo de cinco dias fixado naquele art.º 639º, nº 3, para o ato em causa ser praticado, prazo esse que terminou a 7, também 2ª feira; fazendo uso do expediente previsto no art.º 139º, nº 5, poderia ainda sê-lo num dos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 10/11.

A idêntica conclusão se chegaria, aliás, se se considerar a notificação apenas feita a 2/11, quando terá sido efetivamente rececionada aquela carta registada. Nesse caso, porém, e ao invés do que vem alegado pela recorrente, não há ainda que introduzir um novo prazo dilatório de mais três dias, para só depois dele se iniciar a contagem daqueles cinco. O invocado art.º 249º, nº 1, respeita a situação diversa da dos autos (notificações às partes que não constituam mandatário), e ainda assim institui uma regra idêntica à do citado art.º 248º: a notificação presume-se feita no 3º dia posterior ao do registo da carta expedida pela secretaria judicial, ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Nestas circunstâncias, quando a 14/11 a recorrente fez juntar ao processo novas conclusões da sua alegação de recurso, agora sintetizadas, resulta evidente que o fez extemporaneamente. A natureza perentória do prazo de que dispunha, e o decurso do mesmo, já tinham feito extinguir o direito de praticar esse ato – art.º 139º, nº 2, do referido C.P.C.

A consequência de tal omissão é clara: não pode conhecer-se do recurso, na parte afetada (art.º 639º, nº 3, parte final). Estando porém aqui em causa a totalidade do recurso interposto, e não um mero segmento do mesmo, fica à Relação vedado o conhecimento de todo o seu objeto, e extingue-se a própria instância de recurso, sem haver lugar a julgamento do mesmo - arts.º 652º, nº 1, al. b), e 655º, nº 1, também do C.P.C.

 E obviamente não colhe o último argumento aduzido pela recorrente, sustentando que as conclusões inicialmente apresentadas ‘revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos arts.º 639º e 640º do C.P.C.’.

Sendo no caso dos autos as conclusões, na prática, a mera reprodução da alegação de recurso, não está cumprido o esforço de síntese que à recorrente era exigido, como aliás a própria não deixou de reconhecer quando apresentou, embora fora de prazo, novas conclusões sintetizadas, sem questionar minimamente a pertinência do convite que para tal efeito lhe fora dirigido.

Nesta conformidade, ao abrigo das disposições legais que se referiram, e também do art.º 641º, nº 5, do mesmo C.P.C., considerando ocorrer circunstância que obsta ao seu conhecimento, não admito o recurso de apelação que a A. BB pretendia interpor da sentença nos autos proferida a fls. 150/163.

Custas pela requerente.»

Inconformada a recorrente reclamou para a conferência, nos termos do art. 652º, nº 3 do CPC (pese embora a invocação que fez do art. 643º) tendo formulado as seguintes conclusões:

“- A reclamante apresentou dentro do prazo, as conclusões devidamente sintetizadas;

- Salvo o devido respeito por melhor opinião, o douto Tribunal da Relação de Évora, [a]o não aceitar a interposição do recurso de apelação está a coactar manifestamente os direitos da recorrente, designadamente os constitucionalmente [con]sagrados.

- O prazo para apresentar as conclusões sintetizadas terminou a 14/11/2016, sendo nessa data enviado por email.

- Sendo remetido por correio registado os originais a 17/11/2016.

- Mesmo que assim não fosse, as conclusões inicialmente apresentadas, revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos artigos 639º e 640º do C.P.C. – nesse sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6617/07.TBCSC.S1 em WWW.DGSI.”

A conferência indeferiu a reclamação assim apresentada, aduzindo a seguinte fundamentação:

«Está aqui em causa, tão só, a tempestividade da apresentação em juízo das conclusões da alegação de recurso devidamente sintetizadas, na sequência do convite que para tal efeito foi endereçado à recorrente, ‘nos termos e sob a cominação’ do art.º 639º, nº 3, do C.P.C. Não se coloca pois qualquer questão relativa à pertinência, ou não, do convite dirigido à A. para apresentar aquela síntese, matéria que deve por isso ser considerada como questão arrumada.

Ora, para impugnar o despacho reclamado a recorrente não veio aduzir argumentos novos àqueles que antes invocara, e insiste num manifesto erro: o de considerar que, à data em que terá sido rececionada a carta registada, desta Relação, que continha o referido convite (2/11/2016), devem ainda acrescer mais três dias, só depois se iniciando o prazo para praticar o ato. Como se afirmou no despacho em causa, o prazo dilatório do art.º 248º do C.P.C. não tem aqui cabimento. Esse prazo não acresce ao momento em que a notificação é efetivamente feita ao mandatário da parte, acrescendo sim à data em que a carta para tal efeito é expedida pela secretaria judicial.

Daí que, tal como se demonstrou no despacho reclamado, a apresentação das novas conclusões tenha sido de todo extemporânea, pois excedeu os cinco dias fixados naquele art.º 639º, nº 3, e bem assim os três dias subsequentes, em que à parte seria ainda lícito praticar o ato, nos termos do art.º 139º, nº 5, também do C.P.C.

Uma palavra final para a alegada violação dos arts.º 27º, 28º e 32º, nº 1, da Constituição, que na tese da reclamante estaria a ‘coactar’ os direitos da recorrente, diminuindo as suas garantias de defesa, e limitando o seu direito ao recurso.

Parece-nos mais que óbvio não ocorrer aqui qualquer negação do acesso ao direito e à justiça, que a Constituição consagra. As leis de processo existem precisamente para garantir esse direito fundamental, mas o exercício do mesmo é garantido através da observância das regras e dos prazos nelas estabelecidos.

Nesta conformidade, pelos motivos expostos, e sem necessidade de outras considerações, acordam os juízes desta Secção social em indeferir a reclamação apresentada, assim confirmando o despacho reclamado, tal como o mesmo foi proferido.

Custas pela reclamante.»

Do assim decidido, recorre agora a A. de revista para este Supremo Tribunal, impetrando a revogação do acórdão “determinando-se que o Tribunal da Relação admita e conheça do Recurso de Apelação”, formulando as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

“1. A Recorrente apresentou Recurso de Apelação contendo as respectivas Alegações e Conclusões, da sentença do tribunal a quo, que considerou o despedimento da recorrente lícito.

2. O Tribunal Da Relação convidou a recorrente, para sintetizar as conclusões apresentadas sob pena de não conhecer das Alegações de Recurso, uma vez que estas eram uma reprodução das alegações apresentadas.

3. A recorrente respondeu a essa solicitação dentro do prazo legal.

4. O despacho de convite à apresentação das conclusões sintetizadas padece de vício de falta de fundamentação.

5. Caso as novas Alegações sintetizadas fossem extemporâneas, que só por mera hipótese se admite, deveria o Tribunal da Relação conhecer das Alegações e conclusões apresentadas inicialmente, uma vez que estas são compreensíveis e delimitam o objecto do recurso, tanto assim é que a parte contrária apresentou Contra-alegações.”

A recorrida contra-alegou pugnando pela manutenção do julgado tendo formulado as seguintes conclusões:

“I-A decisão recorrida não foi proferida sobre decisão da 1ª instância que conheça do mérito da causa ou que ponha termo ao processo.

II-Mesmo que se entendesse que indiretamente a decisão apreciava o mérito da decisão de 1ª instância ou punha termo ao processo, a apreciação a fazer pelo STJ implicaria uma terceira decisão sobre questão em que tinha havido já duas decisões no mesmo sentido, em 1ª e 2ª instância.

III-Em tais situações, no caso concreto dos autos, não é admissível o recurso para o STJ, já que se violaria o disposto no Arte 671º, nºs 1 e 3 do CPC.

IV-A recorrida para interpor e fundamentar o seu recurso invoca a violação da lei substantiva, mas não apresenta qualquer norma de direi[t]o substantivo que tivesse sido violada na decisão recorrida.

V-Mesmo relativamente às normas adjetivas, as invocadas, ou não são aplicáveis às situações dos autos, por não se ter, minimamente, alegado factos em que pudessem ser subsumidos, como é o caso dos Arºs 640º e 249º do CPC, ou

VI-As situações que poderiam conformar não estão de acordo com os factos considerados assentes, caso dos Artºs 137º e 139º do CPC.

VII-Os factos relevantes assentes nos autos para a apreciação da bondade da decisão recorrida são:

-A mandatária da recorrente levantou a carta de notificação para apresentar as conclusões, em 2/11/2016;

-A recorrente apresentou as novas conclusões sintetizadas em 14/11/2016.

-A recorrente, nem perante o sr. Juiz Desembargador Relator nem perante a Conferência, em sede de reclamação, levantou a questão da falta de fundamentação da decisão do sr. Juiz Desembargador Relator.

-A recorrente não pagou qualquer multa com a apresentação das conclusões sintetizadas.

 VIII-Não existe legalmente nenhum prazo adicional de três dias que deva ser adicionado ao fixado nos Artºs 248º e 249º do CPC.

IX-O prazo para a recorrente apresentar as suas conclusões terminou a 7/11/2016 (e com pagamento imediato de multa a 10/11/2016) pelo que tendo a mesma feito a apresentação a 14/11/2016 e, até sem pagamento imediato de multa, tal apresentação é extemporânea, nos termos do disposto nos Arºs 137º, 139º e 639º-3 do CPC.

X-A falta de apresentação de conclusões sintetizadas que não sejam a mera reprodução das alegações, afetam a totalidade do recurso já que não permite conhecer do seu objeto.

XI-A eventual falta de fundamentação da decisão que foi objeto da decisão ora recorrida e que não foi oportunamente deduzida não pode sê-lo agora, já que isso violaria o disposto nos Artºs 197º,199º,615º, nº 1 al b) e nº. 4 e Arºs 641º, nº 6 do CPC.

XII-De qualquer modo, quer a decisão do sr. Juiz Desembargador Relator, quer a dos srs Juízes Desembargadores em Conferência foram fundamentadas de facto a de Direito.

XIII-A Constituição da República Portuguesa estabelece o acesso aos Tribunais para o exercício e defesa dos direitos dos cidadãos de acordo com as Leis do Processo, pelo que não comporta qualquer inconstitucionalidade a decisão ora recorrida que considerou extemporânea a apresentação das conclusões, porquanto estas foram apresentadas muito fora do prazo estabelecido processualmente.

XIV-O recurso apresentado não merece provimento.

XV-No contexto das situações que levaram às conclusões anteriores, a conduta da recorrente deve ser configurada como de litigância de má fé, já que não podia ignorar a falta de fundamento da posição que assume e, que com isso apenas protela o trânsito em julgado da decisão quer do Tribunal da Relação quer do de 1ª instância, como decorre do disposto no Artº 542º, nº 1 e 2, al. a) e d) do CPC.”

 Em sede de exame preliminar neste Supremo Tribunal, por despacho do aqui relator, que não foi objeto de reclamação, foi decidida a questão da inadmissibilidade do recurso suscitada pela recorrida.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu parecer, que não mereceu resposta de qualquer das partes, no sentido da negação da revista e da confirmação do acórdão recorrido.

Dado que a recorrida nas contra-alegações da revista pedira a condenação da recorrente como litigante de má-fé, determinou-se a notificação desta para responder, querendo.

Nada disse.

Perspetivando-se a impossibilidade do conhecimento por este tribunal, da questão suscitada pela recorrente, apenas na revista, da falta de fundamentação do despacho que convidou à sintetização das conclusões, foram as partes notificadas para se pronunciarem.

Apenas a recorrida o fez e no sentido deste tribunal estar efetivamente impedido de conhecer da referida questão.

2 – REGIME JURÍDICO ADJETIVO APLICÁVEL

- Os presentes autos respeitam a ação especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento apresentada em 25.09.2015.

- O acórdão recorrido foi proferido em 8.02.2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), na versão operada pelo DL n.º 295/2009, de 13 de Outubro, entrada em vigor em 1.01.2010.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se as conclusões sintetizadas foram tempestivamente apresentadas;

2 - Se o despacho que determinou o aperfeiçoamento das conclusões com a cominação do não conhecimento do recurso se mostra devidamente fundamentado;

3 - Se as conclusões constantes das alegações e com estas apresentadas observavam o ónus do art. 639.º, n.º 3 do CPC.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto relevante para a decisão é a que consta do antecedente relatório.

4.2 – O DIREITO

Debrucemo-nos então sobre as referidas questões que constituem o objeto do recurso, não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas, bem como, nos termos dos arts. 608º, n.º 2, 663º n.º 2 e 679ºdo Código de Processo Civil, não tem que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras([4]).

4.2.1 – Se as conclusões sintetizadas foram tempestivamente apresentadas.

Não oferece qualquer dúvida, nem isso vem questionado, que a A. recorrente está desde início devidamente patrocinada por advogada a quem foi feita a notificação convidando ao aperfeiçoamento das conclusões, com a cominação do não conhecimento da apelação.

Não faz, por conseguinte, qualquer sentido pretender-se a aplicação ao caso do disposto no art. 249º do CPC, uma vez que no mesmo se regulam as notificações às partes que não constituam mandatário.

Determina o art. 248º do CPC que os mandatários se presumem notificados no 3º dia posterior ao da elaboração da notificação ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

Consequentemente, a notificação não se considera feita no dia em que o mandatário recebe a carta, salvo a eventual ocorrência de justo impedimento (art. 140º do CPC) (que não foi invocado), mas no 3º dia posterior ao da sua elaboração, caso seja dia útil.

Por seu turno o art. 639º, nº 3 do CPC fixa em 5 dias o prazo para o aperfeiçoamento, sob convite, das alegações e conclusões. Trata-se de um prazo perentório (dado ser o período dentro do qual um ato pode ser praticado – A. Varela, Manual de Processo Civil, 2ª ed., pág. 63) que, nos termos do disposto no art. 141º do CPC, apenas poderia ser prorrogado se a lei o previsse, e não prevê, se o relator tivesse fixado um prazo diferente, e não fixou, ou se tivesse havido acordo das partes, e não houve.

A ilustre mandatária recorrente foi notificada para sintetizar as conclusões, com a aludida cominação, por carta datada de 28.10.2016, pelo que, nos termos do referido art. 248º do CPC, se presume notificada no dia 31.10.2016.

No dia 1.11.2016 iniciou-se o prazo de 5 dias legalmente estabelecido e que terminaria no dia 6.11.2016, mas, por ser domingo, o termo transferiu-se para o dia seguinte, segunda-feira, dia 7.11.2016, podendo ainda o ato ser praticado até ao dia 10.11.2016, nos termos do art. 139º do CPC, mediante o pagamento da respetiva multa.

Todavia a recorrente apenas no dia 14.11.2016 apresentou as conclusões aperfeiçoadas, fazendo-o assim depois de manifestamente esgotado o prazo e sem que tivesse invocado qualquer circunstância suscetível de configurar justo impedimento.

Temos assim, por inquestionável e como decidido no acórdão revidendo, que foi intempestiva a apresentação das conclusões sintetizadas.

 

4.2.2 - Se o despacho que determinou o aperfeiçoamento das conclusões com a cominação do não conhecimento do recurso se mostra devidamente fundamentado.

Como referido no despacho que determinou o exercício do contraditório, a revista não tem por objeto aqueloutro despacho, mas o acórdão da conferência que conheceu da reclamação que oportunamente apresentou impugnando a decisão do relator de não conhecimento da apelação.

Ora, não só a recorrente acatou, sem recalcitrar, aquele despacho, designadamente invocando oportunamente a sua nulidade, como não suscitou na reclamação perante a conferência o agora invocado vício, como também o acórdão recorrido não se pronunciou sobre tal assunto.

Trata-se, assim, de questão nova apenas suscitada nesta revista, sendo sabido que os recursos não visam conhecer de questões novas, exceto se de conhecimento oficioso, mas impugnar, reapreciar e, eventualmente modificar as decisões do tribunal recorrido (arts. 627º, n.º 1 e 635º, n.º 2 e 4 do CPC).

Por consequência não se conhece da epigrafada questão.

4.2.3 - Se as conclusões constantes das alegações e com estas apresentadas observavam o ónus do art. 639.º, n.º 3 do CPC.

Na reclamação que apresentou para a conferência e cujo acórdão é visado na revista, invocou a recorrente: “5º.Mesmo que assim não fosse, as conclusões inicialmente apresentadas, revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos artigos 639º e 640º do CPC – nesse sentido vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6617/07.5TBCSC.L1.S1 em www.dgsi.”

Pese embora esta invocação, o acórdão recorrido não se debruçou expressamente sobre a questão.

Decidiu-se, todavia, no acórdão recorrido: «Nesta conformidade, pelos motivos expostos, e sem necessidade de outras considerações, acordam os juízes desta Secção social em indeferir a reclamação apresentada, assim confirmando o despacho reclamado, tal como o mesmo foi proferido.»

E no despacho reclamado consignou-se: «E obviamente não colhe o último argumento aduzido pela recorrente, sustentando que as conclusões inicialmente apresentadas ‘revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos arts.º 639º e 640º do C.P.C.’.

Sendo no caso dos autos as conclusões, na prática, a mera reprodução da alegação de recurso, não está cumprido o esforço de síntese que à recorrente era exigido, como aliás a própria não deixou de reconhecer quando apresentou, embora fora de prazo, novas conclusões sintetizadas, sem questionar minimamente a pertinência do convite que para tal efeito lhe fora dirigido.»

Ora, perante os termos da decisão revidenda de confirmação «[d]o despacho reclamado, tal como o mesmo foi proferido», poder-se-á questionar se a Relação, pese embora não se tenha debruçado especificamente sobre tal matéria, conheceu da questão suscitada na reclamação de saber se as conclusões inicialmente apresentadas, revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos artigos 639º e 640º do C.P.C.

Para respondermos e porque a sentença é um ato jurídico em que o julgador declara a vontade da lei no caso concreto ([5]), necessário se torna, ex vi do art. 295º do CC, o recurso às regras de interpretação do negócio jurídico ([6]).

Estabelece o art. 236º, nº 1, do CC que “A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”.

Consagra este preceito a denominada “teoria da impressão do destinatário”, ou “doutrina objetivista da interpretação” ([7]) de acordo com a qual a declaração negocial deve ser interpretada e deve valer com o sentido com que um declaratário razoável, medianamente sagaz, diligente, esclarecido e prudente, colocado na posição concreta do declaratário lhe atribuiria ([8]).

“A normalidade do declaratário que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou o conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante([9]).

“Significa isto que a sentença deve ser interpretada… com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu contexto” ([10]).

A sentença, como estipula o art. 607º do CPC, é composta por um relatório em que se identificam as partes e o objeto do litígio, seguido da enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar, dos fundamentos de facto e de direito e terminando com a decisão.

Por conseguinte, tratando-se de uma peça processual multicomposta e sendo a decisão apenas o seu epílogo, na interpretação do decreto judicial que esta consubstancia, não basta atender aos seus termos, sendo necessário o recurso aos “antecedentes lógicos que a tornam possível e a pressupõem, dada a sua íntima interdependência. Exige[-se], assim, que se tome em consideração a fundamentação e a parte dispositiva, fatores básicos da sua estrutura” ([11]).

“Por outras palavras, a identificação do objecto da decisão passa pela definição da sua estrutura, constituída pela correlação teleológica entre a motivação e o dispositivo decisório, elementos que reciprocamente se condicionam e determinam, fundindo-se em síntese normativa concreta (cfr. Castanheira Neves, RLJ 110º, pags. 289 e 305)” ([12]).

Norteados por estes ensinamentos analisemos o acórdão revidendo.

É do seguinte teor a decisão no mesmo constante:

«(…) Nesta conformidade, pelos motivos expostos, e sem necessidade de outras considerações, acordam os juízes desta Secção social em indeferir a reclamação apresentada, assim confirmando o despacho reclamado, tal como o mesmo foi proferido (…).»

À primeira vista parece poder concluir-se que ao confirmar o despacho reclamado, tal como o mesmo foi proferido, o acórdão pronunciou-se e avalizou, ainda que implicitamente, o despacho objeto da reclamação, inclusive na parte em que se pronunciou sobre a impetração da reclamante no sentido de que as conclusões inicialmente apresentadas, revela[vam] o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos artigos 639º e 640º do CPC.

Mas, como se disse, não nos podemos ater apenas aos termos da decisão. Para conhecermos o objeto desta teremos que atender à sentença no seu todo, à sua estrutura, aos antecedentes lógicos que… tornam possível e… pressupõem a decisão e, designadamente, à parte em que o tribunal define, como o impõe o nº 2 do art. 607º do CPC, o objeto do litígio com enunciação das questões que ao tribunal cumpre solucionar.

Revisitemos o acórdão recorrido.

A Relação definiu o objeto do litígio e enunciou as questões que ao tribunal cumpria solucionar nos seguintes termos:

«Está aqui em causa, tão só, a tempestividade da apresentação em juízo das conclusões da alegação de recurso devidamente sintetizadas, na sequência do convite que para tal efeito foi endereçado à recorrente, ‘nos termos e sob a cominação’ do art.º 639º, nº 3, do C.P.C. Não se coloca pois qualquer questão relativa à pertinência, ou não, do convite dirigido à A. para apresentar aquela síntese, matéria que deve por isso ser considerada como questão arrumada…».

Ora, tendo a Relação definido de forma expressa que o objeto do litígio e a única questão que lhe cumpriria decidir era a tempestividade da apresentação das conclusões sintetizadas, impõe-se a conclusão de que ao decidir-se confirmar o despacho reclamado, tal como o mesmo foi proferido se teve em vista apenas a parte em que no mesmo se havia decidido pela extemporaneidade da apresentação das conclusões sintetizadas e pela não admissão do recurso de apelação com esse fundamento.

É certo, como dissemos, que a reclamante havia invocado que “Mesmo que assim não fosse, as conclusões inicialmente apresentadas, revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos artigos 639º e 640º do C.P.C. – nesse sentido vide acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 6617/07.TBCSC.S1 em WWW.DGSI e que a Relação não apreciou esta questão.

Todavia, neste conspecto, não foi arguida qualquer nulidade do acórdão recorrido, matéria que não é de conhecimento oficioso.

Por conseguinte, transitou em julgado o despacho do relator na parte em que considerou que «(…) não colhe o último argumento aduzido pela recorrente, sustentando que as conclusões inicialmente apresentadas ‘revelam o cumprimento razoável do ónus complexo que decorre dos arts.º 639º e 640º do C.P.C.’.

Sendo no caso dos autos as conclusões, na prática, a mera reprodução da alegação de recurso, não está cumprido o esforço de síntese que à recorrente era exigido, como aliás a própria não deixou de reconhecer quando apresentou, embora fora de prazo, novas conclusões sintetizadas, sem questionar minimamente a pertinência do convite que para tal efeito lhe fora dirigido.»

Pelo exposto, está este tribunal impedido de se pronunciar sobre a questão de saber se deveria “o Tribunal da Relação conhecer das Alegações e conclusões apresentadas inicialmente, uma vez que estas são compreensíveis e delimitam o objecto do recurso…”¸ ou seja, se as conclusões constantes das alegações e com estas apresentadas observavam o ónus do art. 639.º, n.º 3 do CPC.

4.2.4 – Violação do princípio constitucional de acesso ao direito e aos tribunais.

Pese embora a recorrente omita nas conclusões a epigrafada inconstitucionalidade que arguira telegraficamente nas alegações, porque se trata de questão de conhecimento oficioso, tal omissão não é impeditiva da pronúncia deste tribunal.

Estabelece o art 20º, nº 1 da CRP:

«A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.»

Como referiu o Tribunal Constitucional no seu acórdão nº 460/2011 de 11.10.2011, in Diário da República n.º 231/2011, Série II de 2.12.2011 «[o] artigo 20.º, da Constituição, garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efective através de um processo equitativo (n.º 4).

A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem entendido que o direito de acesso aos tribunais ou à tutela jurisdicional implica a garantia de uma protecção jurisdicional eficaz ou de uma tutela judicial efectiva, cujo âmbito normativo abrange, nomeadamente, o direito de agir em juízo através de um processo equitativo, o qual deve ser entendido não só como um processo justo na sua conformação legislativa, mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais.

A exigência de um processo equitativo, consagrada no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta modelação do processo. Contudo, impõe, no seu núcleo essencial, que os regimes adjectivos proporcionem aos interessados meios efectivos de defesa dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como uma efectiva igualdade de armas entre as partes no processo, não estando o legislador autorizado a criar obstáculos que dificultem ou prejudiquem, arbitrariamente ou de forma desproporcionada, o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efectiva.»

O legislador constitucional ao consagrar o princípio fundamental do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, relegou para o legislador ordinário o estabelecimento das respetivas regras pelas quais o exercício daquele direito se deve pautar. Só com o estabelecimento destas regras reguladoras se afasta a possibilidade do arbítrio e se permite que o processo seja equitativo.

No caso não oferece dúvidas de que à A. foi garantido o acesso aos tribunais de tal forma que viu o seu caso ser decidido por um tribunal ainda que em sentido desfavorável às suas pretensões.

Já o direito ao recurso, com exceção do processo penal, embora não merecendo reconhecimento constitucional, foi também exercido pela recorrente. Fê-lo, todavia, no entendimento da decisão recorrida, sem que tenha observado o formalismo processualmente prescrito e daí que a Relação não tenha recebido o recurso.

Assim, independentemente do acerto daquela decisão, matéria da qual este tribunal, como referido, não pode conhecer, torna-se evidente que não se mostra violado o referido princípio constitucional.

4.2.5 – Litigância de má-fé da recorrente.

Invoca a recorrida:

“No contexto das situações que levaram às conclusões anteriores, a conduta da recorrente deve ser configurada como de litigância de má fé, já que não podia ignorar a falta de fundamento da posição que assume e, que com isso apenas protela o trânsito em julgado da decisão quer do Tribunal da Relação quer do de 1ª instância, como decorre do disposto no Artº 542º, nº 1 e 2, al. a) e d) do CPC.”

Vejamos.

Nos termos do art. 542º/2 do CPC, “diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave:

a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;

b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;

c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;

d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão”.

O paradigma do instituto da litigância de má-fé, relativamente ao elemento subjetivo, foi alterado com a revisão do Código de Processo Civil em 1995.

Enquanto no regime anterior se considerava ser a litigância de má-fé aplicável apenas à situação de dolo material ou instrumental, o introduzido com a reforma de 1995, cuja formulação se mantém no diploma atualmente em vigor, passou a abarcar também as situações de litigância negligente ou culposa.

Refere Menezes Cordeiro ([13]): “No direito processual – 1995/96 – valem o dolo e a negligência grave: não a comum. A jurisprudência, ainda que sublinhando o alargamento que a relevância agora dada à negligência (grave) significa, restringe esse alargamento às prevaricações substanciais; nas processuais – art. 456º/2, d) – apenas relevaria o dolo. A própria negligência grave é entendida como “imprudência grosseira, sem aquele mínimo de diligência que lhe teria permitido facilmente dar-se conta da desrazão do seu comportamento, que é manifesto aos olhos de qualquer um”.

Nas palavras de Rodrigues Bastos ([14]), “A parte tem o dever de não deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; de não alterar a verdade dos factos ou de não omitir factos relevantes para a decisão da causa; de não fazer do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão; de não praticar omissão grave do dever de cooperação, tal como ele resulta do disposto nos arts. 266.º e 266º-A. Se intencionalmente, ou por falta da diligência exigível a qualquer litigante, a parte violar qualquer desses deveres, a sua conduta fá-lo incorrer em multa, ficando ainda sujeito a uma pretensão indemnizatória destinada a ressarcir a parte contrária dos danos resultantes da má-fé.”

É certo que a recorrente se bate por uma tese infundada no que tange à questão de saber quando se inicia o prazo para sintetizar as conclusões da apelação.

Não se pode, todavia, concluir que, ao recorrer de revista, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não podia ignorar ou que lançou mão deste meio processual com o fim de conseguir um objetivo ilegal, de entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.

Donde concluímos que a conduta processual da recorrente não configura litigância de má-fé.

 

5 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

2 – Condenar a recorrente nas custas da revista.

(Anexa-se o sumário do acórdão).


Lisboa, 26.10.2017


Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

___________________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] No texto é adotado o acordo ortográfico, exceto nas transcrições em que é mantida a versão original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, o ac. RE de 7/3/85, in BMJ, 347º/477, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247.
[5] Ac. STJ de 28.05.1991, in BMJ, 407º/448.
[6] Cfr. entre outros, os acórdãos do STJ de 5.11.2009 (Oliveira Rocha), proc. 4800/05.TBAMD-A.S1: “I - A sentença proferida em processo judicial constitui um verdadeiro acto jurídico, a que aplicam as regras reguladoras dos negócios jurídicos (art. 295.º do CC).
II - As normas que disciplinam a interpretação da declaração negocial são, pois, igualmente válidas para a interpretação de uma sentença.”
De 24.11.2015 (Pinto de Almeida), proc. 7368/10.9TBVNG-C.P2.S1: “III - A sentença, como qualquer acto processual, pode ser objecto de interpretação, predominando na jurisprudência entendimento no sentido de que a essa interpretação são aplicáveis as regras que presidem à interpretação das declarações negociais (arts. 295.º e 236.º do CC)”;
E de 4.07.2013 (Pinto Hespanhol), proc. 536/11.8TTPRT-A.P1.S1, todos acessíveis in www.dgsi.pt.
[7] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, vol. I, 2ª ed. pág. 207.
[8] MOTA PINTO, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª ed. pág. 444.
[9] PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA, ob. cit. pág. 208.
[10] Ac. STJ de 5.12.2002, Sumários 12/2002.
[11] Aresto referido na nota anterior e no ac. do STJ de 5.11.2009 referido na nota 6.
[12] Acs. do STJ de 5.11.2009 e de 4.07.2013 referidos na nota 6.
[13] LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, ABUSO DO DIREITO DE ACÇÃO E CULPA IN AGENDO, pág. 26.
[14] NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, vol. II, 3ª Edição, págs. 221 e 222.