Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1503/16.0YRLSB.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: HELDER ALMEIDA
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
TRÂNSITO EM JULGADO
ACORDÃO FUNDAMENTO
CERTIDÃO
DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
ARBITRAGEM
TRIBUNAL ARBITRAL
REVISTA EXCEPCIONAL
CONVOLAÇÃO
DUPLA CONFORME
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (PROPRIEDADE INTELECTUAL)
Decisão: NÃO ADMITIDO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA.
Doutrina:
-António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª Edição, Almedina, p. 50, 51, 113, 192 e 352;
-Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, Almedina, p. 247;
-Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Volume II, Almedina, p. 20.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 629.º, N.º 2, ALÍNEA D), 637.º, N.º 2, 639.º, N.º 3 E 672.º, N.º 1, ALÍNEA C).
LITÍGIOS EMERGENTES DE DIREITOS DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - MEDICAMENTOS DE REFERÊNCIA/GENÉRICOS, APROVADO PELA LEI N.º 62/2011, DE 12 DE DEZEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 31-05-2012;
- DE 26-05-2015, PROCESSO N.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-06-2016, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 02-02-2017, PROCESSO N.º 393/15.5YRLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-05-2017, PROCESSO N.º 17/15.0YRLSB.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:


- DE 18-05-2017, PROCESSO N.º 461/17.9 YRLSB;
- DE 06-06-2017, PROCESSO N.º 768/17.5YRLSB;
- DE 27-06-2017, PROCESSO N.º 1755/16.6YRLSB.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:


- DE 02-03-2015, PROCESSO N.º 39/13, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - As decisões da Relação versando sobre acórdãos arbitrais tendo por objecto litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos, ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12-12, apenas são susceptíveis de recurso de revista para o STJ quando esteja em causa alguma das situações previstas no art. 629.º, n.º 2, do CPC, qualquer que sejam as respectivas alíneas.

II - Se bem que a recorrente tenha lançado mão, expressamente, do expediente da revista excepcional – e, por isso, complementarmente referenciado o art. 672.º, n.º 1, al. c), do CPC – não havendo lugar a revista excepcional por não existir o requisito da dupla conformidade, nada impede que a Desembargadora-Relatora, aquando do despacho de admissão do recurso, “convole” tal proclamado recurso para revista normal, por a situação de contradição de julgados invocada pela recorrente ser também ela reconduzível à previsão da al. d) do n.º 2 do art. 629.º do CPC.

III - A demonstração da invocada contradição de julgados postula o carrear de um único acórdão – por isso denominado “acórdão-fundamento” –, o qual importa que seja devidamente identificado pelo recorrente, sendo, apenas e só, no confronto com a respectiva decisão que há que aferir de tal proclamada contradição (cfr. art. 637.º, n.º 2, do CPC).

IV - O acórdão-fundamento, para além de ter de datar de momento anterior ao proferimento do acórdão recorrendo, tem também de se mostrar já transitado em julgado aquando desse proferimento.

V - Conquanto esse trânsito tenha, porventura, entretanto ocorrido, de modo a achar-se verificado no momento da admissão do recurso relativo ao acórdão recorrendo, em nada releva essa “superveniente” situação, uma vez que só se poderá considerar haver um conflito jurisprudencial se o acórdão anterior tiver pronunciado definitivamente o direito através de uma decisão pretérita já transitada em julgado.

VI - A respeito da formulação do despacho de convite ao aperfeiçoamento da minuta de recurso, a nossa lei adjectiva apenas contempla, expressis verbis, os casos previstos no n.º 3 do art. 639.º do CPC, não se referindo à possibilidade de convidar o recorrente a alterar o acórdão-fundamento invocado para efeitos de oposição de julgados.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]

I – RELATÓRIO


I. AA, LLC e BB Limited, intentaram acção arbitral contra CC PORTUGAL - Produtos Farmacêuticos, Sociedade Unipessoal, l.da, pedindo final a condenação desta:

A) - A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse dos medicamentos de PREGABALINA para os quais requereu as autorizações de introdução no mercado em causa nestes autos dirigido ao tratamento da dor até à data de caducidade da EPO934061;

B) - A não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e a não utilizar, importar ou estar na posse de quaisquer medicamentos de PREGABALINA dirigidos ao tratamento da dor até à data de caducidade da EPO934061;

C) - Até à data de caducidade da EPO934061, a eliminar do Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, ao tratamento da dor;

D) – Até à data de caducidade da EPO934061, a:

[i] - a não fabricar, oferecer, armazenar, introduzir no mercado português e utilizar, importar ou estar na posse de medicamentos genéricos de PREGABALINA em quantidade superior a 1.293,5 kg., correspondente à quantidade máxima de vendas anuais da PREGABALINA para as indicações livres até hoje registada, e;

[ii] - entregar todos os anos, em 31 de Janeiro e a 31 de Julho, às demandantes, um montante correspondente a 8% do valor correspondente a 72% das suas vendas nos semestres imediatamente anteriores, registadas pela IMS, do seu medicamento genérico de PREGABALINA;

ou, caso assim não se entenda e subsidiariamente a D),

E) - Até à data de caducidade da EPO934061 a entregar todos os anos, em   31 de Janeiro e a 31 de Julho, às demandantes, um montante correspondente a 12% do valor correspondente a 72% das suas vendas nos semestres imediatamente anteriores, registadas pela IMS, do seu medicamento genérico de PREGABALINA;

F) – No pagamento dos honorários dos árbitros e demais encargos do processo arbitral, incluindo encargos administrativos, honorários de peritos, técnicos e advogados;

G) – Nos termos do artigo 829.º-A do Código Civil, no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de valor não inferior a € 48.000,00, por cada dia de atraso no cumprimento de condenação que vier a ser proferida nos termos requeridos do acima peticionado.


A Demandada contestou, no essencial propugnando pela sua absolvição do pedido.

Foi pedida e admitida a alteração do pedido formulado na petição sob a alínea C) cujo conteúdo passou a ser a condenação da “Demandada, e até à data de caducidade da EPO934061, a não incluir no Resumo das Características, Folheto Informativo e Rotulagem dos seus medicamentos genéricos de PREGABALINA qualquer referência, directa ou indirecta, ao tratamento da dor” [Vol. VIII, p. 1201].

Realizou-se a audiência de produção de prova e foi proferida decisão arbitral que, em suma,        

I - Julgou procedentes os pedidos acima referenciados sob as alíneas A), B) e C);

II - Julgou improcedentes os pedidos acima referenciados sob as alíneas D) e F);

III – Julgou parcialmente procedente o pedido da alínea E), condenando a Demandada a pagar às Demandantes uma compensação, a liquidar em execução da mesma decisão arbitral, com base na efetiva utilização que se comprovar da utilização dos medicamentos genéricos da demandada para o tratamento da dor e no aumento patrimonial que se demonstrar ter sido por ela obtido, na medida em que ele não seja imputável a terceiros potencialmente responsabilizáveis.

IV Julgou improcedente o pedido da alínea G), de condenação em sanção pecuniária compulsória, absolvendo aquela em conformidade.

V – E, tendo previamente fixado em € 10.000.000,00 o valor da causa, condenou:

- As Demandantes, em conjunto, a pagarem 90% dos encargos do processo;

- A Demandada a pagar 10% desses mesmos encargos.

Tendo sido requerido pelas Demandantes o esclarecimento da decisão constante da alínea E), o Tribunal Arbitral, esclarecendo a respectiva fundamentação, manteve inalterado esse segmento decisório.

2. Discordando do assim decidido, as Demandantes interpuseram recurso de apelação para a Relação de …, que, em douto Acórdão constante de fls. 2500 e ss., deste Volume, concluiu nos seguintes termos:

- Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a apelação e decide-se:

I – Alterar a decisão arbitral apelada no segmento decisório designado por e) [supra ponto III ], ficando a Demandada, aqui apelada, condenada a pagar às Demandantes, aqui apelantes, uma compensação, a liquidar em execução desta decisão, com base na efetiva utilização que se comprovar da utilização dos medicamentos genéricos da Demandada para o tratamento da dor e no aumento patrimonial que se demonstrar ter sido por ela obtido.”

II – Confirmar a decisão arbitral apelada no tocante às decisões dela constantes nos seus segmentos g) e h);

III - Confirmar a decisão arbitral apelada na parte em que fixou o valor da causa em € 10.000.000,00.

Considerando que o decaimento das apelantes neste recurso se reporta às decisões que proferimos em II e III, mas já não em I – e isto porque, como se vê da conclusão L), nela sustentavam duas pretensões em alternativa, uma das quais foi procedente ‑, as custas desta apelação serão pagas pelas apelantes na proporção de 40% e pela apelada na de 60%.”


3. Discordando, por sua vez, desta decisão, pela Demandada foi interposto recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal, apelando para o disposto no art. 672.º, n.º 1, alínea c), do C. P. Civil, encerrando a sua alegação com as seguintes conclusões:

I. 0 presente recurso vem interposto do acórdão do tribunal da relação de …, de fls .... dos autos, que julgou parcialmente procedente o recurso interposto pelas recorridas e alterou a decisão arbitral apelada no segmento decisório nela designado por E., pois considerou que, independentemente da aplicação das normas do CPI, se verificava uma situação de colisão de direitos entre o direito de propriedade industrial das recorridas sobre a utilização da substância ativa pregabalina no tratamento da dor e o direito da ora recorrente de comercializar medicamento genérico contendo essa substância ativa para as indicações terapêuticas não protegidas.

II. O acórdão recorrido, ao decidir como decidiu, está em absoluta contradição com anterior acórdão (da 7.- secção) do tribunal da relação de …, proferido no âmbito do processo n.e 1755/16.6YRLSB, que constitui o acórdão fundamento nos presentes autos de recurso.

III. E, ainda, com os acórdãos do mesmo tribunal da relação de … proferidos nos processos n.s 768/17.5YRLSB, da l.a secção, e n.s 461/17.9 YRLSB, da 8.s secção, datados de 6 de junho de 2017 e 18 de maio de 2017, respetivamente.

IV. Com efeito, no acórdão fundamento (bem como nos outros dois mencionados acórdãos), foi o tribunal chamado a dirimir o litígio relativo à comercialização de medicamentos genéricos contendo como princípio ativo a pregabalina e à infração ou não infração da EP0934061 em resultado dessa comercialização.

V. Para decisão do objeto do recurso, o tribunal da relação de … pronunciou-se expressamente sobre a questão jurídica de saber se existe ou não colisão de direitos entre as partes, isto é, entre o direito de propriedade industrial das aqui recorridas sobre a utilização da substância ativa pregabalina no tratamento da dor e o direito da ora recorrente de comercializar medicamento genérico contendo essa substância ativa para as indicações terapêuticas não protegidas (tratamento da epilepsia e da perturbação da ansiedade generalizada),

VI. tendo concluído que «Os direitos em presença não são conflituantes, sendo certo que, eventual violação do direito das apelantes pela venda do medicamento pregabaiina da apelada, se vier a ser comercializado, resulta de elementos exteriores ao exercício pela apelada do seu direito, a factores que não lhe são imputáveis, e que nada têm a ver com o concreto exercício do seu direito» - cfr. página 24 do acórdão fundamento.

VII. O referido entendimento foi proferido sobre situação de facto idêntica à situação de facto em causa nos presentes autos: tratava-se de uma ação arbitral na qual as aqui recorridas requereram a condenação de outra empresa exatamente nos mesmos pedidos que foram formulados nos presentes autos (cfr. páginas 1 e 2 do acórdão fundamento) e invocando o mesmo direito.

VIII. Também nas decisões proferidas pelo tribunal da relação de … no âmbito dos processos n.e 768/17.5YRLSB, da l.a secção, e n.s 461/17.9YRLSB, da 8.a secção, foi determinado que não existe situação de colisão de direitos: «Também inexiste qualquer aplicação ou interpretação errónea do art. 335/1 CC, extraindo-se do acórdão impugnado, e bem, que tendo em atenção os factos apurados, que não foram postos em causa, e o art. cit., não há lugar à colisão de direitos entre o direito de propriedade industrial das apelantes sobre a utilização da substância ativa de Pregabalina no tratamento da dor e o direito das apeladas de comercializar medicamentos genéricos contendo essa substância ativa para as indicações terapêuticas não protegidas.».

IX. Trata-se, assim, de decisões contraditórias que assentam nos mesmos factos essenciais quanto às características dos medicamentos em causa e âmbito de proteção da EP0934061, mas que divergem na interpretação e aplicação dada às normas legais sobre a situação de colisão de direitos que as recorridas alegam existir entre o seu direito à patente e o direito da recorrente de comercializar o seu medicamento genérico.

X. Sendo que, a questão da interpretação e aplicação das normas sobre a eventual situação de colisão de direitos se revela de particular importância atendendo ao número de processos arbitrais em curso relativos a alegadas infraçoes de patentes de segundo uso terapêutico por medicamentos genéricos.

XI. Por outro lado, impõe-se igualmente a existência de um consenso judicial em tal matéria para se evitar decisões contraditórias como as que estão aqui em causa e que levam a que situações idênticas sejam tratadas de forma injustamente diferenciada permitindo que os medicamentos genéricos das demandadas nos processos n.e 1755/16.6YRLSB, da 7.a Secção, n.s 768/17.5YRLSB, da 1.3 secção, e n.s 461/17.9YRLSB, da 8.a secção, sejam comercializados no mercado português e os medicamentos genéricos da aqui recorrente o não possam ser livremente, sem que seja paga uma compensação, em manifesta violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.

XII. Acresce, ainda, que, a contradição entre decisões sobre situações factuais idênticas, como ocorre in casu, para além de afrontar o disposto no n.s 3 do artigo 8.9 do CC, assume repercussões intensas sobre as condições concorrenciais de funcionamento do mercado de medicamentos, constituindo, como sucede com os medicamentos da demandada no acórdão fundamento e o medicamento da ora recorrente, um elemento de distorção daquelas condições. Na verdade, são evidentes e, como tal, inquestionáveis as consequências destas decisões em termos de distorção da concorrência.

XIII. Aliás, a admissibilidade do presente recurso para uniformização de jurisprudência nesta sede de decisão proferida em processo arbitral instaurado ao abrigo da Lei n.s 62/2011, de 12 de dezembro, não pode deixar de ser entendida como um corolário dos princípios conjugados da igualdade (artigo 13.9 da CRP) e da tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.s da CRP).

XIV. Pelo exposto, encontram-se verificados os pressupostos de admissão do presente recurso excecional de revista, tal como definidos no artigo 672.9, n.e 1, alínea c), do CPC.

XV. Quanto à análise da questão jurídica sob recurso, e tal como resulta do entendimento do acórdão fundamento, bem como dos outros dois acórdãos supra referenciados, não se verifica qualquer colisão de direitos entre as permissões normativas de que aquela e as recorridas são titulares.

XVI. Os artigos 120.9 e 120.5-A do Estatuto do Medicamento regulam a prescrição e dispensa de medicamentos, respetivamente, e o artigo 150.2, n.e 3, alínea o), do mesmo Estatuto também deve ser considerado na análise a efetuar, na medida em que prevê que o titular de uma AIM só pode promover o medicamento para as indicações terapêuticas aprovadas, sendo, assim, ilegal sugerir ou promover, direta ou indiretamente, a utilização para indicações não previstas na AIM: a violação desta obrigação poderá levar à revogação da AIM, nos termos do artigo 179.2, n.s i; do mesmo diploma legal.

XVII. Já no que respeita à Portaria n.s 224/2015, de 27 de junho, a mesma estabelece o regime jurídico a que obedecem as regras de prescrição e dispensa de medicamentos e produtos de saúde e define as obrigações de informação a prestar aos utentes, devendo, neste contexto, considerar-se o teor do artigo 17.5, que regula a dispensa de medicamentos nas farmácias, e, ainda, o artigo 15.e, na parte em que estatui que «O utente tem direito de escolha de entre os medicamentos que cumpram a prescrição médica.».

XVIII. Das disposições legais supra transcritas resulta claro que o regime de prescrição e dispensa de medicamentos não confere, nem na sua configuração, nem no seu exercício, quaisquer direitos aos titulares de AIM de venderem medicamentos para indicações terapêuticas não contidas nos respetivos RCM. Se assim fosse, não faria qualquer sentido restringir a promoção dos medicamentos às indicações contidas no RCM, nem sancionara violação desta proibição com a possibilidade de revogação da AIM.

XIX. O sistema legal confere, isso sim, direito de opção aos utentes e é este direito de opção que pode conflituar com os direitos de exclusivo destas: o regime legal encontra-se desenhado para permitir aos utentes optar por um medicamento, exceto nas situações em que se encontre em causa a sua saúde, como é o caso de medicamentos com margem terapêutica estreita e suspeita de intolerância ou reação adversa.

XX. É do direito de opção dos utentes que decorrerão os efeitos e os prejuízos que as recorridas pretendem ver ressarcidos pela recorrente.

XXI. E tanto assim é que, na verdade, as ora recorridas não alegaram ao longo da presente ação que a recorrente iria vender diretamente o seu medicamento para indicações não aprovadas (identificadas no RCM), designadamente para o tratamento da dor neuropática. O que as recorridas afirmam é que os médicos vão prescrever pregabalina medicamento genérico e não o «Lyrica®» para o tratamento da dor neuropática ou que, mesmo que prescrevam o medicamento «Lyrica®», os utentes irão optar por um medicamento genérico (contendo pregabalina como substância ativa) e esse medicamento lhes vai ser dispensado pela farmácia.

XXII. Porém, nenhum desses atos integra qualquer permissão normativa que possa ser exercida (nem o é) pela ora recorrente.

XXIII. Se face às normas citadas já era evidente que a pretensão das recorridas não podia proceder por absoluta falta de fundamento, inexistindo qualquer colisão de direitos entre o direito das recorridas ao exclusivo de comercialização da dor neuropática e o direito da recorrente de vender o seu medicamento para as indicações não protegidas, o regime de dispensa do medicamento «Lyrica®» para a dor neuropática, tal com o foi configurado pela Circular informativa n.s 02/INFARMED/SPMS - cfr. ponto 14, página 16 do acórdão recorrido, veio sublinhar, se tal fosse necessário, que a salvaguarda dos direitos invocados pelas aqui recorridas passa pela limitação do direito de escolha do utente, nesse sentido tendo procedido alteração das normas de prescrição e dispensa, na sequência, aliás, do que lhe fora judicialmente exigido pelas recorridas. Mercê da Circular Informativa n.s 02/INFARMED/SPMS, os médicos ficaram obrigados a prescrever o medicamento «Lyrica®» para o tratamento da dor neuropática, tendo sido alterado o sistema informático de prescrição em conformidade.

XXIV. Nem ao agir em conformidade com a norma, nem ao agir em violação da mesma, o prescritor está a conferir direitos à recorrente, pois que o direito de opção pelo medicamento que em concreto vai ser dispensado não é da titularidade desta, mas sim da titularidade do utente. E o seu exercício ou não exercício não está na disponibilidade da recorrente, nem pode esta influenciá-lo, em obediência, aliás, ao artigo 150.2 do Estatuto do Medicamento.

XXV. E na verdade assim o entenderam as recorridas ao demandarem o Estado Português para a alteração do sistema de prescrição e dispensa de medicamentos, pois bem sabiam que não existe qualquer colisão entre permissões normativas da titularidade das recorridas e da recorrente, mas sim que a haver colisão a mesma se verificaria entre o direito de propriedade industrial invocado por aquelas e o direito de opção dos utentes (cfr. o documento junto pelas ora recorridas aos autos, sob o n.º 15, com o requerimento apresentado em 26 de novembro de 2015).

XXVI. Por outro lado, a dispensa de medicamentos pelas farmácias não constitui nenhuma forma do exercício dos direitos de que a recorrente é titular. Quando muito, existe o cumprimento de um dever de informação pelo farmacêutico e o exercício de um direito de escolha pelo utente, mas, mais uma vez, nem o farmacêutico, nem o utente são comissários da recorrente e dos respetivos dever e direito não são estas sujeitos, nem os mesmos integram o feixe de direitos de comercialização de medicamentos genéricos de pregabalina que detêm.

XXVII. Ora, não cabe, nem pode caber, no âmbito da arbitragem, até por imperativo legal, dada a redação e escopo da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro, a harmonização dos direitos e deveres conflituantes entre as recorridas e as farmácias e os utentes, único conflito eventualmente existente em presença, face à configuração da lide como lhe foi dada pelas recorridas e os factos que ficaram provados.

XXVIII. Quer no caso em apreço, quer nos casos que foram objeto o acórdão fundamento e os outros dois acórdãos do tribunal da relação de Lisboa supra citados: (/') os direitos de propriedade industrial das recorridas protegem a utilização da substância ativa pregabalina para o tratamento da dor, detendo estas o exclusivo sobre a exploração de medicamentos com a substância para essa indicação terapêutica; (/'/) a ora recorrente (bem como as demandadas naqueles outros processos judiciais) é titular de AIM que, à luz do RCM aprovado pelo INFARMED, I.P. junto aos autos, a habilita a comercializar medicamento genérico contendo pregabalina para o tratamento da epilepsia e da ansiedade generalizada.

XXIX. O recorte do âmbito de cada uma das respetivas posições jurídicas permite verificar que os direitos das recorridas e da ora recorrente não são conflituantes:

- enquanto a permissão normativa das demandantes compreende o "monopólio" da exploração da substância ativa para a indicação protegida, com as inerentes faculdades de exclusão de similar aproveitamento por parte de terceiros não autorizados;

- a permissão normativa que assiste à recorrente (e às demandadas nos três processos referenciados, entre os quais se inclui o processo sobre o qual recaiu o acórdão fundamento)circunscreve-se à comercialização da substância ativa pregabalina para as indicações não protegidas.

XXX. O direito da recorrente começa, no caso vertente, onde termina o das recorridas e estão em causa dois direitos plenamente conformados quanto ao seu âmbito e escopo e que, por esse motivo, não colidem um com o outro.

XXXI. O que se verifica, em rigor, é que a alegada "ocupação" pelos medicamentos genéricos de pregabalina entretanto lançados no mercado do espaço de aproveitamento das recorridas referente ao mercado do tratamento da dor se deve aos regimes legais, regulamentares e técnicos de prescrição e dispensa de medicamentos.

XXXII. Pelo exposto não se verifica, no caso dos autos, uma situação de colisão de direitos entre o direito de propriedade industrial das recorridas sobre a utilização da substância ativa pregabalina no tratamento da dor e o direito da ora recorrente de comercializar medicamentos genéricos contendo essa substância ativa para as indicações terapêuticas não protegidas.”

E assim fundada termina: Nestes termos, e nos demais de direito, cujo douto suprimento de Vossas Excelências expressamente requer, deve ser admitido o presente recurso e, em consequência, revogar-se o acórdão recorrido, proferido pelo tribunal da relação de …, na parte em que julgou verificada uma situação de colisão de direitos entre o direito de propriedade industrial das aqui recorridas sobre a utilização da substância ativa pregabalina no tratamento da dor e o direito da ora recorrente de comercializar medicamento genérico contendo essa substância ativa para as indicações terapêuticas não protegidas, substituindo-o por decisão que, uniformizando a jurisprudência, adote o entendimento formulado pelo tribunal da relação de … no acórdão fundamento, quanto às questões objeto do presente recurso, ou seja, no sentido de que, de acordo com as disposições constantes dos artigos 335.2 do Código Civil, dos artigos 120.5 e 120.2-A do Estatuto do Medicamento e, ainda, dos artigos 6. e 17.2 da Portaria n.s 224/2015, de 27 de junho, não se verifica uma situação de colisão de direitos.


4. Pelas Demandantes/Recorridas foram, por seu turno, apresentadas contra-alegações , findas com as seguintes conclusões:

     A.. - Por ter sido proferido no âmbito de um processo iniciado ao abrigo da Lei 62/2011,o Acórdão Recorrido não é suscetível de reapreciação em recurso de revista -seja enquadrado no normal recurso de revista, a que se reporta o n.° 1 do artigo 671.° do CPC, seja enquadrado no recurso de revista admissível à luz das circunstâncias excecionais previstas no n.° 1 do artigo 672.° do CPC -, já que, nos termos do n.° 7 do artigo 3.° da Lei 62/2011, só facultada às partes uma instância de recurso para o Tribunal da Relação.

    B. - O recurso interposto pela CC não é igualmente admissível à luz do artigo 672.° do CPC - que determina que o recurso de revista apenas pode ser admitido no caso de existir contradição entre o acórdão recorrido e um acórdão anterior, já transitado em julgado -, na medida em que o Acórdão invocado pela CC como fundamento para o presente recurso de revista (proferido a27 de junho de 2017) ainda não tinha transitado em julgado à data em que foi proferido o acórdão recorrido (proferido a 6 de julho de 2017).

   C. - Não existe uma oposição processualmente relevante, para efeitos do artigo 672.°do CPC, entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento pois, diferentemente do Acórdão Fundamento, no Acórdão Recorrido não foi reapreciada a existência, ou não, de uma colisão de direitos, mas, sim e apenas, a questão de saber se a aplicação desse regime legal deveria ser subordinada à impossibilidade de uma responsabilização civil (extracontratual) de terceiros.

  D. - A PFIZER apenas questionou este ponto da Decisão Arbitral e aceitou a existência de uma colisão de direitos, o que também sucedeu com a CC, que, apesar de agora interpor o presente recurso de revista, não recorreu, quanto ao mesmo ponto, relativamente à decisão arbitral.

   E.. - A CC não interpôs recurso da decisão proferida nestes autos pelo Tribunal Arbitral, e não requereu a ampliação dos fundamentos do recurso interposto pela PFIZER, existindo, assim, uma dupla consequência: (a) a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral sobre a existência de colisão de direitos mostra-se consolidada e não é atacável, por aceite por ambas as partes; (b) e a CC não pode agora interpor recurso dessa decisão, que recua, pois, ao Acórdão Arbitral, por força do disposto nos artigos 628.° e 632.°, n.os 2 e 3, do CPC.

  F. - Em função das conclusões anteriores, o recurso interposto pela CC deve ser rejeitado.

  G.. - A argumentação da CC a propósito do regime da colisão de direitos é profundamente falaciosa já que, se se centra no facto de os utentes terem o direito de comprar medicamentos genéricos de PREGABALINA para o tratamento da dor, não pode depois deixar de concluir que, por via das normas que conferem tal direito aos utentes, os titulares - como a CC - das correspondentes autorizações de introdução no mercado encontram fundamento para vender esses mesmos medicamentos genéricos para uma indicação terapêutica para a qual não se encontram aprovados.

   H. - A posição jurídica da CC, que consiste no direito de comercializar os seus medicamentos genéricos de PREGABALINA através do sistema de prescrição e dispensa de medicamentos - o que, na sua configuração e no seu exercício, abstrai das indicações terapêuticas para as quais esses medicamentos genéricos estejam aprovados - conflitua com o direito de exclusivo da PFIZER, pelo que, ainda que existisse o conflito identificado pela CC entre o Acórdão Fundamento e o Acórdão Recorrido - que não existe -, sempre se teria que concluir pela existência, nos presentes autos, de uma colisão entre os direitos da CC e os direitos da PFIZER.

   I. - Em função da configuração descrita, é evidente a existência de uma situação de colisão de direitos relativamente às diferentes posições jurídicas descritas, o que apenas pode ter a consequência determinada pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

       E, deste modo filiadas, rematam: “ Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser rejeitado, por inadmissível à luz do artigo 3.° da Lei 62/2011, tudo com as legais consequências.

        Caso o presente recurso seja admitido, o que apenas se concebe por cautela de patrocínio, deve ser julgado inteiramente improcedente e mantida a decisão recorrida.


   5. Conclusos os autos, pela Exm.ª Desembargadora-Relatora foi proferido o seguinte despacho[2]:

         - “Discute-se nos autos a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

       Muito embora a questão possa ser duvidosa, não pode afastar-se o entendimento de que o artigo 3.º, n.º 7, da Lei 62/2011, de 12 de Dezembro, não exclui o recurso para o STJ, verificados que estejam os requisitos de índole geral. Neste sentido, veja-se o voto de vencido constante do Acórdão do STJ de 02.02.21017, na Revista n.º 393/15.YRLSB.S1.

      Assim, e em virtude de ser recorrível nos termos gerais (valor e sucumbência) estar em tempo e ter legitimidade, admiti o recurso interposto, o qual é d revista excepcional, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito devolutivo.

         Notifique e subam oportunamente os autos.”


   6. Nesta sequência, por parte da Demandada/Recorrente foi apresentado requerimento, no qual consignando que “[…] tendo sido notificada da contra alegação das recorridas, e da nele arguida falta de cumprimento dos requisitos de admissibilidade da revista interposta, vem, ao abrigo do princípio do contraditório, dizer o seguinte:

    1. o recurso interposto pela ora recorrente é excecional, sendo essa excepcionalidade – que se sobrepõe, naturalmente, aos casos concretos em que a Lei 62/2011 prevê não haver duplo grau de jurisdição – justificada pela finalidade do próprio mecanismo de uniformização de jurisprudência.

  2. “A finalidade do mecanismo da uniformização não é prioritariamente dirigida à justiça de cada caso concreto, mas sim ao objectivo latitudinário de evitar a propagação do erro judiciário pela ordem jurídica, como garantia do princípio da igualdade dos cidadãos perante a lei na sua conjugação como princípio da independência e liberdade interpretativa do julgador, aliás, na linha da directriz hermenêutica do n.º 3 do art.º.8.º do CC" - Acórdão do STJ de 24.11.2016, disponível para consulta em www.dgsi.pt, ênfase da Recorrente.

  3. Assim, o trânsito em julgado do acórdão indicado na alegação de recurso como fundamento tem de se verificar até ao momento em que o recurso é apreciado/julgado e em que são apreciados os seus requisitos de admissão, atendendo à finalidade supra identificada e à rácio normativa - artigo 672º do CPC, revista excecional - subjacente ao mesmo, que visa, precisamente, evitar decisões contraditórias, combatendo o erro judiciário, em prol dos interesses gerais da comunidade jurídica e não da justiça do caso em concreto, contradição esta que se verifica naquele momento processual.

   4. Pelo que, não procede a tese das recorrentes segundo a qual o acórdão em questão não teria transitado em julgado.

  5. Mas mesmo que assim não se entendesse, o que não se concede, o certo é que existem pelo menos mais duas decisões jurídicas, juntas aos autos, que apresentam similitude, quer em termos de facto, quer em termos de questões de direito, com o aresto indicado como acórdão fundamento, e que transitaram ambas em julgado em momento anterior à prolação do acórdão recorrido.

  6. Pelo que, em conveniência do interesse da comunidade jurídica, não podem as mesmas ser desconsiderados, como se não existissem, quando o que está em causa é justamente o interesse geral da comunidade na certeza da justiça e não a justiça do caso concreto, como acima se referiu, sob pena do formalismo extremo se sobrepor a esse mesmo interesse geral, causando uma situação objetivamente injusta, de incerteza jurídica e desigualdade social.

  7. Em última ratio, e caso assim não se entendesse, sempre teria a ora Recorrente de ser convidada ao aperfeiçoamento da sua alegação de recurso para alterar a indicação do acórdão fundamento, ao abrigo do princípio da proibição das decisões-surpresa, o que, desde já e para todos os efeitos, se requer. “

    7. De seguida, a Exm.ª Desembargadora-Relatora exarou o despacho constante de fls. 2743 e ss., nele consignando o que segue:

   “1. Fls. 2580 e seguintes: a recorrente pretende recorrer para o STJ através de revista excepcional, invocando o disposto no artigo 6720/1/c) CPC.

   2. Todavia, como se retira do Acórdão de fls. 2.500 a 2.533 e do próprio requerimento de interposição do recurso (fls. 2583 e v.), não estamos perante um caso de revista excepcional, por não ser caso de dupla conforme (artigos 671 0/3 e 6720/1, ambos do CPC).

     A questão, salvo melhor opinião, coloca-se, antes, em saber se estamos perante um caso de admissibilidade de revista normal (no sentido de não excepcional).

      Ora, como se vê, não obstante a formulação deste preceito, a Lei não impede que, verificadas as condições gerais de recorribilidade, se possa admitir o recurso para o STJ.

Esta doutrina está, aliás, em consonância com o estatuído no artigo 59/8 da LAV (subsidiariamente aplicável, ex vi artigo 3 º/8 da Lei 62/2011), no qual se estatui que: "Salvo quando na presente lei se preceitue que a decisão do tribunal estadual competente é insusceptível de recurso, das decisões proferidas pelos tribunais referidos nos números anteriores deste artigo, de acordo com o que neles se dispõe, cabe recurso para o tribunal ou tribunais hierarquicamente superiores, sempre que tal recurso seja admissível segundo as normas aplicáveis à recorribilidade das decisões em causa".

3. Assim, por tempestivo e interposto por quem tem legitimidade, admito o recurso como de revista, a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito meramente devolutivo [artos 671 º 1, 629 º/2/d), 675 º/1 e 676 º, a contrario, CPC].

Notifique.”

Corridos os vistos legais, cumpre decidir.


   II - FACTOS

A matéria fáctica definitivamente fixada é a que segue:

1) A Pregabalina foi inicialmente descoberta como adjuvante das crises parciais de epilepsia com ou sem generalização secundária e da Perturbação de Ansiedade Generalizada (acordo das Partes);

2) Posteriormente identificadas novas e inventivas características e utilidades da Pregabalina para o tratamento da dor (acordo das Partes e documentos n. Os 2, 3, 4, 5 e 6, juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);

3) A Demandante AA, LLC é titular da Patente Europeia n." 934061 (EP 934061) que caducará a 16-07-2017, que é uma patente de segundo uso terapêutico que lhe confere o exclusivo da exploração comercial da Pregabalina para o tratamento da dor em geral, bem como de determinados tipos de dor, concretamente, aqueles que vêm elencados nas suas reivindicações, que são:

- A dor inflamatória (Reivindicação 4);

- A dor neuropática (Reivindicação 5),

- A dor do cancro (Reivindicação 6),

- A dor pós-operatória (Reivindicação 7),

- A dor fantasma de um membro (Reivindicação 8),

- A dor de uma queimadura (Reivindicação 9),

- A dor de gota (Reivindicação 10),

- A dor osteoartrítica (Reivindicação 11),

- A dor da neuralgia do trigeminal (Reivindicação 12),

- A dor aguda herpética ou pós-herpética (Reivindicação 13),

- A dor de causalgia (Reivindicação 14),

- A dor idiopática (Reivindicação 15) e

- A dor de fibromialgia (Reivindicação 16) (documento n." 9 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido e artigos 11.° da petição inicial e 4. ° da contestação);

4) A Demandante BB LIMITED é a titular das autorizações de introdução no mercado do medicamento LYRICA® na União Europeia e em Portugal nas dosagens de 20 mg/ml, 25 mg/ml, 50 mgy ml, 75 mg/rnl, 100 mgj ml, 150 rng/rnl, 200 rng/ml, 225 mg/rnl e 300 mg/ml (documentos n.?s 10 a 19 juntos com a petição inicial, cujos teores se dão como reproduzidos);

5) A substância ativa Pregabalina é comercializada em Portugal pela Demandante BB Limited com o nome comercial LYRICA® (documento n.? 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

6) O LYRICA® é o medicamento de referência dos medicamentos genéricos da Demandada contendo Pregabalina (documento n." 20 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

7) O «LYRICA®» apenas está indicado no respetivo Resumo das Características do Medicamento, para o tratamento da dor neuropática, no que respeita a patologias associadas à dor (documento n." 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

8) No Reino Unido, a Demandante BB Limited fez uma circular informativa com o teor que consta do documento junto com a Contestação, cujo teor se dá como reproduzido, que foi comunicada a médicos, instituições hospitalares, farmácias e distribuidores de medicamentos do Reino Unido; (documento referido e parte II da resposta às exceções)

9) Em Novembro de 2014 existiam 23 pedidos de autorizações de introdução no mercado para medicamentos genéricos Pregabalina (documento n." 20 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

10) A Demandada requereu em 10-07-2014, autorizações de introdução no mercado para medicamentos genéricos contendo Pregabalina como substância ativa, nas dosagens de 25 mg/rnl, 50 mg/ml, 75 mg/rnl, 100 mg/rnl, 150 mg /rnl, 200 mg/rnl. 225 mgyrnl e 300 mg/rnl, requerimentos esses que foram publicitados pelo Infarmed em 25-07-2014 (documento n." 20 junto com a petição inicial, cujo teor se dá como reproduzido);

11) Em 21-08-2015, as Demandantes dirigiram à Demandada a carta junta à Ata de Instalação, cujo teor se dá como reproduzido, requerendo a submissão do presente litígio a arbitragem;

12) O «LYRICA®» está a ser prescrito para o tratamento da dor em geral e não apenas para o tratamento da dor neuropática;

13) Nas indicações terapêuticas do medicamento da Demandada "Pregabalina CC", que constam do respetivo Resumo das Características do Medicamento, não se compreende a dor neuropática nem nenhum outro tipo de dor contemplado nas reivindicações da EP 934061 (documentos n.ºs 1 a 10 juntos pela Demandada em 13-04-2015);

14) Com a data de 13-03-2015, foi emitida pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde e pelo INFARMED - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, LP. a «Circular Informativa Conjunto» n.º 02/INFARMED/SPMS, que consta da página informática do Infarmed, que tem o seguinte teor:


Circular Informativa Conjunta

                                                                                 N.º 902/INFARMED/SPMS Data: 13/03/2015

Assunto: Prescrição da Pregabalina

Para: ARS, Centros de Saúde. Farmácias, Hospitais, Ordens Profissionais

Contacto:  Centro de Informação do Medicamento e dos Produtos de Saúde (CIMI); Tel. 21 798 7373; Fax: 21 798 71707; E-mail: cimi@infanrmed pt; Centro de Suporte SPMS: servicidesk@spms.min-saude.pt


Os novos medicamentos genéricos com a substância pregabalina que entraram recentemente no mercado apenas têm como indicações terapêutlcas até à presente data, o tratamento de epilepsia e da perturbação de ansiedade generalizada.

Para a dor neuropática apenas o medicamento Lyrica, por razões de propriedade industrial, está autorizado para essa indicação.

Neste contexto, sempre que se pretenda prescrever a substância pregabalina para a dor neuropática, deverá ser utilizada, analogicamente, a exceção da continuidade de tratamento prevista na alínea c), do n.º 3 artigo 120.° do Decreto-Lei n.º 176/2006, de 30 de Agosto, na sua atual redação.

O Conselho Diretivo do INFARMED, I.P.


……

…………..

  Vice Presidente

do Conselho Diretivo




O Presidente do Conselho de Administração da SPMS, EPE


                                     … …

               Presidente do Conselho de Administração

              

 15) Na base farmacêutica da empresa IMS Health, relativa aos valores das vendas do armazenista ás farmácias, são indicados como valores das vendas do medicamento LYRICA®, em Portugal, os de € 20.047.870,00 no ano antecedente a 31-08-2010, de € 21.373.302,00 no ano antecedente a 31-08- 2011, de € 23.478.522,00 no ano antecedente 31-08-2012, de € 24.115.697,00 no ano antecedente a 31-08-2013, e de € 26.310.480,00 no ano antecedente a 31-08-2014, sendo estes valores, pelo menos, 6% inferiores aos valores das vendas do medicamento LYRICA® efetuadas pela Pfizer ao armazenista [resposta ao quesito a)];

16) Parte das 178.554.936 unidades (em número de cápsulas) vendidas do medicamento LYRICA® em Portugal entre 01-09-2009 e 31-08-2014 foram prescritas para o tratamento da dor [resposta ao quesito b)J;

17) A Demandada obteve e poderá continuar a obter receitas provenientes da venda dos seus medicamentos genéricos para o tratamento da dor [resposta ao quesito e)];

18) Nas indicações terapêuticas do medicamento da Demandada "Pregabalina Pharmakem", que constam do respetivo Resumo das Características do Medicamento, não se compreende a dor neuropática nem nenhum outro tipo de dor contemplado nas reivindicações da EP 934061 [resposta ao quesito h)];

19) O medicamento genérico da Demandada, contendo Pregabalina como substância ativa e denominado "Pregabalina Pharmakem", foi introduzido no comércio em Portugal em 01-04-2015 (aditada por resultar da discussão da causa);

20) A Demandada iniciou junto das farmácias em Portugal a promoção do medicamento genérico denominado «Pregabalina CC», contendo Pregabalina como substância ativa, no âmbito das indicações terapêuticas aprovadas pelo INFARMED, IP e constantes do resumo das características do medicamento (aditada por resultar da discussão da causa);

21) Nas indicações terapêuticas do medicamento da Demandada "Pregabalina CC" que constam do respetivo Folheto Informativo, não se compreende a dor neuropática nem nenhum outro tipo de dor contemplado nas reivindicações da EP 934061.


  III – DIREITO


  1. Como é sabido, e flui do disposto nos arts. 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, ambos do C. P. Civil, o âmbito do recurso é fixado em função das conclusões da alegação do recorrente, circunscrevendo-se, exceptuadas as de conhecimento oficioso, às questões aí equacionadas, sendo certo que o conhecimento e solução deferida a uma(s) poderá tornar prejudicada a apreciação de outra(s).

    De tal sorte, e tendo em mente o conjunto de finais proposições com que a Recorrente encerra a respectiva alegação, cuidemos das questões em tal contexto suscitadas:


2. Consoante já expendido, a Demandada/Recorrente CC interpôs o vertente recurso como de revisita excepcional, para uniformização de jurisprudência, invocando o disposto no art. 672.º, n.º 2, al. c), do Cód. Proc. Civil[3], aduzindo para tanto que a Relação de …, ao alterar a decisão arbitral apelada no segmento decisório nela designado por E) - com fundamento em se verificar uma situação de colisão de direitos entre o direito de propriedade industrial das Demandantes sobre a utilização da substância activa pregabalina no tratamento da dor e o direito da ora recorrente de comercializar medicamento genérico contendo essa substância activa para as indicações terapêuticas não protegidas‑, decidiu em absoluta contradição com anterior acórdão dessa mesma Relação, datado de 27 de Junho de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 1755/16.6YRLSB, da 7.ª secção, que constitui o acórdão fundamento nos presentes autos de recurso.

E mais decidiu ainda em contradição com os acórdãos desse mesmo Tribunal superior proferidos nos processos n.º 768/17.5YRLSB, da 1.ª secção, e n.º 461/17.9 YRLSB, da 8.ª secção, datados de 6 de Junho de 2017 e 18 de Maio de 2017, respectivamente.

   Pronunciando-se sobre esta interposição de recurso, as Demandantes, por sua vez, começam desde logo por defender a respectiva inadmissibilidade, aduzindo que por ter sido proferido no âmbito de um processo iniciado ao abrigo da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, o acórdão recorrido não é susceptível de reapreciação em recurso de revista -seja enquadrado no normal recurso de revista, a que se reporta o n.° 1 do artigo 671.°, seja enquadrado no recurso de revista admissível à luz das circunstâncias excepcionais previstas no n.° 1, do artigo 672.° -, já que, nos termos do n.° 7, do art. 3.°, da Lei n.º 62/2011, só é facultada às partes uma instância de recurso, mais precisamente, o Tribunal da Relação.

   A Exm.ª Desembargadora- Relatora, por seu turno, começando por admitir o recurso em apreço como de revista excepcional, inflectindo nesse seu inicial entendimento acabou por levar a efeito essa admissão como de revista normal ou ordinária.

     Para o efeito, ponderou que não obstante a formulação desse n.° 7, do art. 3.°, da Lei n.º 62/2011, verdade é que ela não impede que, verificadas as condições gerais de recorribilidade, se possa admitir recurso para o S.T.J., na linha do defendido por António Santos Abantes Geraldes em obra que devidamente referencia. Demais – refere ainda -, esta doutrina está em consonância com o estabelecido no art. 59.º, n.º 8, da Lei da Arbitragem Voluntária, subsidiariamente aplicável, por força do disposto no art. 3.º, n.º 8, da sobredita Lei n.º 62/2011.

        Que dizer? Vejamos.

  3. Salvo o muito respeito, e atalhando caminho, diremos que o nosso entendimento, no tocante à controvérsia em foco, vai no sentido que ultimamente vem sendo propugnado por este Supremo Tribunal, e mais precisamente por esta 7.ª Secção Cível, presentes os seus doutos acórdãos de 2.02.2017 e de 25.05.2017[4].

     Na síntese discursiva deste último aresto, lapidarmente condensando toda a sua extensa e proficiente fundamentação[5], é dado ler – com a mais cingida pertinência relativamente ao caso aqui em apreço[6] - o que segue:

     - “ I - Em regra, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação proferido no âmbito dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos.

    II - Essa regra de irrecorribilidade, fixada no n.º 7 do artigo 3º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, é, contudo, excepcionada se invocada alguma das situações elencadas no artigo 629º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, nomeadamente a contradição de julgados.

          […].”


Nestes moldes, pois, não dispondo em geral de condições de recorribilidade para este Tribunal Supremo as decisões da Relação versando sobre os acórdãos arbitrais tendo por objecto esses específicos apontados litígios, no entanto, tal excepcionalmente não ocorre quando em causa alguma das situações previstas em sede desse art. 629.º, n.º 2 - e mais precisamente nas respectivas alíneas a), b), c) e d) -, que o mesmo é dizer, quando esteja em causa a violação das regras de competência absoluta, ofensa de caso julgado, decisão respeitante ao valor da causa com o fundamento de que o mesmo excede a alçada do tribunal recorrido, decisão proferida contra a jurisprudência uniformizada do S.T.J. e, ainda, contradição de julgados.

Ora,


4. É precisamente convocando esta última de tal leque de particulares situações permissivas da interposição de recurso – contradição ou oposição de julgados - , que a Demandada/Recorrente protagoniza a interposição do vertente recurso.

Com efeito, se bem que, para tanto, a mesma tivesse lançando mão, expressamente, do expediente da revista excepcional – e por isso complementarmente referenciando o art. 672.º, n.º 1, alínea c) -, o certo é que, como bem ressalvou a Exm.ª Juíza Desembargadora no seu acima reproduzido despacho de admissão, “in casu” não há lugar a esse recurso de revista excepcional, pela simples e decisiva razão que entre a decisão arbitral apelada e o acórdão ora recorrido não existe o indispensável requisito da dupla conformidade.

E por isso – e acertadamente[7] - , a Exm.ª Magistrada “convolou” tal proclamado recurso para revista normal.

Ora, tendo em conta esta acolhida interposição de recurso de revista normal, ainda que na sua modalidade vulgarmente designada por “atípica” ou “extraordinária”[8], a situação de contradição ou oposição de julgados invocada pela Demandada/Recorrente com reporte – enquanto revista excepcional - ao disposto em tal alínea c), do n.º 1, do art. 672.º, é também ela reconduzível à previsão da também já mencionada alínea d), do n.º 2, do art. 629.º, justamente consagradora de uma das hipóteses em que o recurso se quadra sempre admissível.

Na verdade, preceitua-se nessa disposição legal – na parte que para aqui interessa - que “ […] é sempre admissível recurso […] do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal […].”


5. Pois bem, concretizando essa invocada oposição de julgados, fundante da sua impugnação recursória, a Demandada aduz que a decisão proferida no acórdão ora recorrido se acha em absoluta contradição com o decidido em anterior acórdão da mesma Relação de …, datado de 27 de Junho de 2017, proferido no âmbito do processo n.º 1755/16.6YRLSB, da 7.ª Secção, o qual, para o caso, se perfila como acórdão- fundamento.

Como se acha também em contradição – aduz igualmente - com os acórdãos do mesmo Tribunal da Relação proferidos em sede dos processos n.º 768/17.5YRLSB, da 1.ª Secção, e n.º 461/17.9 YRLSB, da 8.ª Secção, datados de 6 de Junho de 2017 e 18 de Maio de 2017, respectivamente.

Com efeito – mais explicita -, no acórdão fundamento (bem como nos outros dois mencionados acórdãos), foi o Tribunal chamado a dirimir o litígio relativo à comercialização de medicamentos genéricos contendo como princípio activo a pregabalina e à infracção ou não infracção da EP0934061, em resultado dessa comercialização.

E o certo é que, a tal propósito – finaliza -, seja pelo acórdão-fundamento, seja pelos restantes dois arestos mencionados, foram tomadas decisões completamente contrárias ao veredicto lavrado nestes autos.

Insurgindo-se contra este invocado requisito especial de recorribilidade, as Demandantes/Recorridas referem, desde logo, que havendo a Recorrente identificado como sendo acórdão-fundamento o proferido no âmbito do Processo n.º 1755/16.6YRLSB, todos os restantes acórdãos por ela também juntos, exista uma qualquer contradição, ou não, com o conteúdo do ora recorrendo, são irrelevantes. Tanto mais que a dita Recorrente requereu, no término da sua alegação, que a decisão recorrida seja alterada e substituída por outra que “[…] adote o entendimento formulado pelo tribunal da relação de lisboa no acórdão fundamento […]”; sendo que, nesta conformidade, as ora Recorridas passaram a centrar as suas contra-alegações, exclusivamente, na alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão – fundamento.

Por outro lado – mais dizem -, o convocado acórdão-fundamento também não é apto a fundamentar o recurso pretendido porquanto – e ao contrário do resultante da alínea d), do n.º 2, do art. 629.º -, à data em que foi proferido o acórdão ora recorrendo aquele outro aresto ainda não havia transitado em julgado, motivo igualmente suficiente para que o aludido recurso deva ser imediatamente rejeitado.


6. Adiantando o veredicto, dir-se-á, salvaguardando sempre melhor opinativo, que cremos assistir, e em toda a linha – no tocante a ambas essas objecções - razão às Recorridas.


6.1. Antes de mais, no tocante à primeira.

Na verdade, e como por elas, Recorridas, defendido, a demonstração de invocada contradição de julgados postula unicamente o carrear de um único acórdão – por isso denominado “acórdão-fundamento”-, o qual importa seja devidamente identificado pelo recorrente, sendo, apenas e só, no confronto com a respectiva decisão que há que aferir de tal proclamada contradição.

Neste sentido depõe, desde logo, o estatuído no art. 637º - epigrafado de “modo de interposição do recurso” – em cujo n.º 2, após se determinar a obrigatoriedade do requerimento de interposição do recurso conter a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o respectivo fundamento específico de recorribilidade, mais se acrescenta que “quando este se traduza na invocação de um conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido, o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento[9].”

Portanto, apenas a necessidade/possibilidade de apresentação de um único acórdão, ou – conforme o dizer de Abrantes Geraldes[10] -, “[…] no exercício do ónus de fundamentação de comprovação [do invocado conflito jurisprudencial] apenas é permitida a enunciação e apresentação de um “único acórdão” para demonstrar, relativamente a cada questão, a referida divergência, não sendo admissível a apresentação de acórdãos a esmo, confrontando o tribunal “ad quem” com a necessidade de detectar qual deles releva para o caso concreto.”

Em idêntico pendor, o Acórdão do S.T.J. de 31.05.2012[11], preceituando que “[…] sendo ao recorrente que cabe satisfazer a exigência legal de junção de cópia de um (e apenas um) acórdão-fundamento transitado em julgado, e de certificação do respectivo trânsito, juntando mais do que um para cada uma questão que suscita, não pode considerar-se verificado o pressuposto  de admissibilidade da revista excepcional.[12]

De posse destas doutas elucidações, e volvendo à controvérsia em apreço, força é considerar, pois, e como antecipámos, que unicamente ao acórdão junto pela Recorrente, eleito como acórdão-fundamento, há que atender, em ordem a aferir da existência - ou não - desse invocado pressuposto de admissibilidade do recurso ora em atinência. Os outros dois acórdãos conclamados pela Recorrente surgem, para tal desiderato, desprovidos do mais absoluto relevo.


6.2. No que tange a essa segunda objecção, por sua vez, igualmente decisão desfavorável à aqui Recorrente se impõe, como antes dito, proferir.

Na verdade, tendo o acórdão destes autos sido prolatado no dia 6.07.2016 – fls. 612 v.º_, e o acórdão-fundamento a 27.06.2017 – fls. 212 v.º -, a todas as luzes ressalta que este – como, aliás, a Recorrente concede -, à data da prolação daquele ainda não havia transitado em julgado.

Ora, como deflui claramente – e entre o mais - do supra transcrito n.º 2, do art. 637.º - “[…] conflito jurisprudencial que se pretende ver resolvido […]”-, o acórdão-fundamento, para além de ter de datar de momento anterior ao proferimento do acórdão recorrendo, tem também de se mostrar já transitado em julgado aquando desse proferimento. E conquanto esse trânsito tenha, porventura, entretanto ocorrido, de modo a achar-se verificado no momento da admissão do recurso relativo ao acórdão recorrendo – como se aventa ser o caso dos autos -, o certo é que, em nosso modesto ver, em nada essa “superveniente” situação traz, ao caso, relevo.

É que “[…] só se poderá considerar haver um verdadeiro conflito jurisprudencial se o acórdão anterior tiver pronunciado definitivamente o direito – sendo a existência do conflito a razão de ser da admissibilidade deste recurso – apenas uma decisão pretérita já transitada em julgado poderá servir de fundamento ao recurso.”[13]

Também Abrantes Geraldes assim se manifesta, sendo que, depois de na anotação à alínea d), do n.º 2, do art. 629.º, ora em consideração, escrever[14] que “[…] apesar da norma o não referir expressamente, apenas poderão ser invocados como fundamento de recurso de revista fundado em contradição jurisprudencial acórdãos que tenham transitado em julgado”, e isto na medida em que[15] “esta é exigência que está explicitada nos arts. 671.º, n.º 2, e 672.º, n.º 1, al. c), e nada justifica que outra seja a solução para efeitos de aplicação do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. d).”, na anotação a esse art. 672.º, n.º 1, al. c), a respeito do acesso à revista excepcional ali prevista, elenca[16] entre os vários requisitos, a Contradição” entre a resposta dada pelo acórdão recorrido e por outro acórdão das Relações ou do Supremo, já “transitado em julgado”.

Versando ainda sobre esses requisitos, mais à frente[17], voltando a referir que “Embora a lei não exija a certidão de tal acórdão, é indispensável a demonstração do respectivo trânsito em julgado, requisito formal demonstrativo do seu carácter definitivo”, inequivocamente remata: “Esse trânsito deve ser anterior à prolação do acórdão recorrido.

Nestes moldes, pois, também este requisito formal, no tocante ao acórdão-fundamento invocado pela Demandada/Recorrente não se mostra preenchido, pelo que o respectivo recurso de revista – tal como propugnado pelas Demandantes -, não se apresenta eivado das necessárias condições de admissibilidade, impondo-se, por isso, a sua rejeição.


6.3. E afrontando este conclusivo – diga-se ainda -, não se afirme, a exemplo da Demandada -, que, assentando no mesmo, “[…] sempre teria a ora Recorrente de ser convidada ao aperfeiçoamento da sua alegação de recurso para alterar o acórdão-fundamento, ao abrigo do princípio da proibição das decisões-surpresa, o que – termina – desde já e para todos os efeitos, se requer.”

Com efeito, a respeito de formulação de despacho de convite ao aperfeiçoamento de minuta de recurso, a nossa lei adjectiva apenas contempla, “expressis verbis”, os casos previstos no n.º 3, do art. 639.º, a saber, aqueles em que as conclusões recursórias – e só estas - se apresentem deficientes, obscuras, complexas, ou nelas se não tenha procedido – versando o recurso sobre matéria de direito - às seguintes especificações: a) indicação das normas jurídicas violadas; b) sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ser interpretadas e aplicadas; e c) invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entender do recorrente, devia ser aplicada.

Tal – circunscrição expressa, apenas a esses termos, do convite a aperfeiçoamento - é ilação que, clara e inequivocamente, se extrai não só desse mencionado dispositivo, mas também do art 652.º, n.º 1, al. a), esta na medida em que impondo como incumbência ao relator do processo - além de corrigir o efeito atribuído ao recurso e o respectivo modo de subida -, “convidar as partes a aperfeiçoar as conclusões das respectivas alegações, nos termos do n.º 3, do artigo 639.º.

Sem embargo, é certo que, na sequência de entendimento jurisprudencial entretanto formado – veja-se, por exemplo, o Ac. deste Supremo de 26.05.2015[18]-, vem sendo também considerada admissível a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento de alegação recursória endereçada, nos termos do disposto no art. 640.º, à impugnação de decisão sobre a matéria de facto. Mas mesmo em tal hipótese, apenas quando em causa o cumprimento do requisito previsto no n.º 2, desse preceito“indicação com exatidão das passagens da gravação em que se funda o recurso”- e não – anote-se - os previstos nas diversas alíneas do n.º 1 respectivo.

Ou seja, apenas quando em causa aspectos relevando do mais puro formalismo, de natureza, ao fim e ao cabo, secundária[19], a que manifestamente se não reconduz o caso ora em atinência – substituição do invocado acórdão-fundamento por outro, diferentemente deste, já transitado em julgado precedentemente à decisão recorrenda.

Não só em termos literais, directos, mas também em equacionável paralelismo – aplicação analógica -, este caso, como ressalta à evidência, não se apresenta subsumível à “fattispécie” de qualquer das apontadas disposições legais, por isso sendo, conseguintemente, insusceptível de verificação o ora reclamado despacho de aperfeiçoamento.

Na conformidade de tudo o exposto – e reafirmando –, o presente recurso apresenta-se pois inadmissível, pelo que se impõe a respectiva rejeição.


IV – Decisão

Termos em que, por legalmente inadmissível, se acorda em rejeitar o vertente recurso de revista.

Custas pela Demandada/Recorrente.

                                                                  *

Lisboa, 15 de março de 2018


Helder Almeida (Relator)

Maria dos Prazeres Beleza (Vencida. Tal como votei no Acórdão de 2/2/2017, proc. nº 393/15.3YRLSB.S1, entendo que do nº 3, do artº 3º da Lei 62/2011, não resulta que não é admissível recurso de revista, nos termos gerais)

Salazar Casanova

__________


[1] Rel.: Helder Almeida
   Adjs.: Exm.ª Conselheira Maria dos Prazeres Beleza e
              Exm.º Conselheiro Salazar Casanova.
[2] Cfr. fls. 2729.
 [3] Ao qual respeitam os demais preceitos doravante a citar sem menção de origem.
[4] Respectivamente proferidos nos Procs. n.º 393/15.5YRLSB.S1 e n.º 17/15.0YRLSB.S1, ambos acessíveis in dgsi.pt.
[5] Quer de índole jurisprudencial, quer doutrinária.
 [6] Aliás, tal como essoutro aresto referenciado, de cujo sumário, nomeadamente, consta:

- “I. -No âmbito dos litígios emergentes de direitos de propriedade industrial relativos a medicamentos de referência e medicamentos genéricos, não é admissível recurso do acórdão do Tribunal da Relação, nos termos do n.º 7 do art. 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de dezembro.
                […].”
 [7] Veja-se o preceituado no n.º 3, do art 193.º; do mesmo modo, Fernando Amâncio Ferreira, in Manual dos Recursos em Processo Civil,9.ª ed., Almedina, p. 247, onde se pode ler, “mas o relator, se entender que não se preenche o requisito da “dupla conforme”, receberá o recurso como revista normal e não como revista excepcional […].”
 [8] Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., Almedina, pp. 51 e ss..
 [9] Sublinhados nossos.
[10] Cfr. ob. cit., p. 113, nota 192 de rodapé.
 [11] Tanto quanto nos é dado saber, inédito, sendo, no entanto, que descrito o respectivo sumário acabado de transcrever por Abrantes Geraldes, in ob. cit.,p. 352.
  [12] Sublinhado nosso.
  [13] Cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Vol. II, Almedina, p. 20.
[14] Cfr. ob. cit., ps. 50-51, nota 80 de rodapé.
  [15] Id., p. 348.
 [16] Este sublinhado nosso.
[17] Id., p. 350.
  [18] Proferido no Proc. n.º 1426/08.7TCSNT.L1.S1, acessível in dgsi.pt.
  [19] Neste conspecto, e ainda que discorrendo sobre o sentido e alcance do despacho de aperfeiçoamento em diferente quadrante, escreveu-se – e bem - no Ac. da R.P. de 2.03.2015 [Proc. n.º 39/13, acessível in dgsi.pt] – que o mesmo “[…] não é um instrumento processual para trazer ao processo factos inteiramente novos, mas apenas para permitir que os factos alegados pelas partes sejam expurgados de insuficiências e ou imprecisões ou concretizados, sempre no pressuposto de que sejam juridicamente relevantes à luz das diversas soluções plausíveis de direito.”


    Neste sentido, se pronuncia Abrantes Geraldes, quando defende que: "Este regime já não é aplicável a decisões do «tribunal arbitral necessário, maxime» às que emergem da aplicação da Lei n. º 62/11, de 12 de Dezembro (sobre medicamentos genéricos), sendo admissível recurso de apelação e de revista nos termos gerais (cfr. o AC. do STJ de 23-6-16, em www.dgsi.pt).    É certo que o artigo 3º /7 da Lei 62/2011, de 12.12 (sob a epígrafe "Instauração do processo "), dispõe que: "Da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação competente, com efeito meramente devolutivo