Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
7447/08.2TDLSB.L1.S1-A
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
OPOSIÇÃO DE JULGADOS
OFENSA DO CASO JULGADO
IDENTIDADE DE FACTOS
PRESSUPOSTOS
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 03/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I. Relativamente ao requisito da oposição entre soluções de direito, o STJ consolidou jurisprudência no sentido de que essa oposição tem de definir-se a partir de uma identidade de facto, de uma homologia encontrada nas situações de facto apreciadas nos dois acórdãos.
II. Pese embora estejamos, nos dois acórdãos em causa, perante a análise de saber se é admissível recurso, para o STJ, de decisão proferida pelo tribunal da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP), as situações de facto não possuem identidade, ou seja, não são idênticas ou equivalentes, a solução jurídica seguida em um e outro acórdão não é oposta.
III. No caso vertente, no acórdão fundamento, a decisão que, alegadamente, violou o caso julgado foi a proferida pelo tribunal da Relação. Na verdade, o tribunal da Relação, no âmbito do mesmo processo e em relação à mesma questão – especial complexidade do inquérito –, proferiu duas decisões díspares e incompatíveis, embora os pressupostos de facto e de direito fossem os mesmos. Com efeito, proferiu uma decisão que estabelecia que, em relação a um dos arguidos, o processo mantinha a excepcional complexidade; e posteriormente, uma outra, de acordo com a qual, em relação a outro dos arguidos do mesmo processo, se não mantinha a excepcional complexidade. Ora, foi com base em tais factos, a alegada violação pelo acórdão do tribunal da Relação, do princípio do caso julgado, que o acórdão fundamento entendeu que era admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, com fundamento em ofensa do caso julgado, nos termos do art. 629.º n.º 2, al. a) do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, uma vez que a decisão de que se recorria e que, alegadamente, violava o princípio do caso julgado era a decisão proferida por um tribunal da Relação (em 1.ª mão). Entendeu o acórdão fundamento que só desta forma se assegurava o direito ao recurso.
IV. No Acórdão recorrido, o duplo grau de jurisdição já se mostrava garantido. O acórdão recorrido entendeu que não era recorrível o acórdão da Relação com o fundamento em violação de caso julgado, nos termos do disposto no art. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC, ex vi do art. 4.º do CPP, uma vez que a questão da violação do princípio do caso julgado já tinha sido suscitada e apreciada – de forma exaustiva, aliás – em 1.ª instância e, novamente, em sede de recurso no tribunal da Relação; ou seja, esta questão – violação do princípio do caso julgado – já tinha sido apreciada por dois tribunais, encontrando-se assim plenamente assegurado o direito ao recurso. Assim, a admitir-se ainda um novo recurso, agora para o STJ, com tal fundamento, o arguido acabaria por ser a mesma questão apreciada por 3 tribunais distintos.
V. Verifica-se, pois, uma substancial diversidade de enquadramento fático-jurídico em que o STJ proferiu decisões divergentes, pelo que as decisões apresentadas pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada uma delas.
Decisão Texto Integral:


Processo nº 7447/08.2TDLSB.L1.S1-A

 Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência

I. Relatório

1.AA, inconformado com o acórdão proferido em …/…/2021 pelo Supremo Tribunal de Justiça, tirado no âmbito do processo Proc. 7447/08…………., interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para este Supremo Tribunal de Justiça, invocando verificar-se oposição de acórdãos, no domínio da mesma legislação, relativamente à mesma questão de direito, indicando como acórdão recorrido o citado acórdão proferido em 20/01/2021 pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo Proc. 7447/08…………, e como acórdão fundamento, o acórdão proferido em 24 de Setembro de 2015 do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no âmbito do processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5

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2. No recurso apresentado, extrai as seguintes conclusões:

i. Este recurso tem como objecto a seguinte questão: saber se é admissível em processo penal recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida pelo Tribunal da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

ii. O acórdão recorrido é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de …/…/2021, tirado no âmbito do presente processo e já transitado em julgado, no qual o Tribunal a quo se pronunciou expressamente sobre aquela questão.

iii. O acórdão recorrido decidiu, em suma, que não basta constatar a inexistência, no Código de Processo Penal, de uma norma de teor idêntico ao contido no art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC para, de imediato, se concluir pela existência de uma lacuna, a preencher por recurso à norma contida no art. 4.º do CPP.

Assim concluindo que não é aplicável em recurso de matéria penal a norma contida no art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, porquanto não existe, a esse propósito, qualquer lacuna no regime de recursos previsto no CPP, a exigir a intervenção subsidiária daquela norma (pág. 93 a 98 do acórdão).

iv. O acórdão-fundamento é o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5 sendo relator o Conselheiro Dr. Francisco Caetano.

v. Tal aresto debruçou-se expressamente sobre o mesmíssimo problema versado no acórdão recorrido, tendo decidido, porém, em sentido diametralmente oposto, isto é: que nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, por força do art. 4.º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

vi. O confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento revela inequivocamente existir uma oposição de julgados que justifica e fundamenta a interposição de um recurso para fixação de jurisprudência ao abrigo do n.º 2 do art. 437.º do Código de Processo Penal, dado que – usando as palavras de SIMAS SANTOS / LEAL-HENRIQUES, cit. , p. 188 – “chegaram a soluções antagónicas sobre a mesma questão fundamental de direito”.

vii. Houve, claramente, um “julgamento contraditório explícito da mesma questão”, que é uma questão de direito por excelência e verifica-se a “inalterabilidade da legislação no período compreendido entre a prolação de ambos os acórdãos conflituantes – cf. SIMAS SANTOS / LEAL-HENRIQUES, cit., p. 190 e s.

viii. A regra de direito aplicada é, na verdade, a mesma num caso e no outro: a alínea a) do número 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil, por força do disposto no art. 4.º do Código Processo Penal.

ix. Perante a oposição de julgados assinalada entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento, o Recorrente consigna que, na sua perspectiva, impõe-se que seja fixada a seguinte jurisprudência: deverá ser sempre admitido, em processo penal, recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso para fixação de jurisprudência, interposto ao abrigo do art. 437.º-2 do Código de Processo Penal, e tomar posição uniformizadora sobre a questão de saber se é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em matéria penal com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

Mais se requer, desde já, seja fixada a seguinte jurisprudência: deverá ser sempre admitido, em processo penal, recurso da decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

Para instrução do presente recurso, requer-se seja extraída certidão, com indicação da data em que transitou em julgado, do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de ….. de ……. de 2015.

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3. O Senhor Procurador-Geral Adjunto junto do Supremo Tribunal respondeu ao recurso, alegando, em suma:

2. Pressupostos formais e legitimidade

A admissão de recurso extraordinário de fixação jurisprudência, tal como vem configurado nos art.ºs 437º a 445º do CPP, depende da reunião de vários pressupostos, a saber:

– A legitimidade e interesse em agir do recorrente;

– Os acórdãos em conflito terem sido proferidos por Tribunais Superiores, ambos do Supremo Tribunal de Justiça, ambos de Tribunal da Relação, ou um – o acórdão recorrido – de Relação, mas de que não seja admissível recurso ordinário, e o outro – o acórdão-fundamento – do STJ – art.º 437º nºs 1 e 2 do CPP.

– O trânsito em julgado dos dois acórdãos – art.ºs 437º n.º 4 e 438º n.º 1 do CPP.

– A interposição do recurso no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar (acórdão recorrido) – art.º 438º n.º 1 do CPP.

– A identificação do aresto com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição (acórdão-fundamento) – art.º 438º n.º 2 do CPP.

– A indicação, caso se encontre publicado, do lugar de publicação do acórdão-fundamento – art.º 438º n.º 2 do CPP.

– A indicação de apenas um acórdão-fundamento – artºs 437º nºs 1, 2 e 3 e 438º n.º 2 do CPP.

2.1. Legitimidade

A legitimidade para interpor recurso de fixação de jurisprudência é matéria tratada no n° 5 do art.º 437°, no qual se estabelece que: «O recurso previsto nos n°s 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público». Apenas estes sujeitos processuais têm legitimidade para interpor o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência.

No caso vertente o recorrente teve, no processo em que foi proferido o acórdão recorrido, a qualidade de arguido, pelo que se mostra preenchido este pressuposto.

2.2. Conforme consta de fls. 19, o acórdão recorrido foi notificado ao magistrado do Ministério Público, por via electrónica, em 20-1-2021 e, na mesma data e pela mesma via, aos sujeitos processuais; presumindo-se, assim, que tal notificação foi efectuada no dia 25 de Janeiro de 2021.

Essa decisão não admitia recurso, nos termos do art.º 432.º n.º 1, alínea b) do CPP, apenas podendo ser-lhe contraposta nulidade ou dela ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional, no prazo de 10 dias (artigos 105.º n.º 1 do CPP e 75.º n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional).

No caso vertente o recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que o não admitiu por decisão sumária (fls 264). Inconformado, o recorrente reclamou para a conferência do Tribunal Constitucional, tendo esta Instância, por acórdão proferido em 15-7-2021, indeferido a reclamação apresentada (fls 276 e 277). Tal decisão foi notificada ao magistrado do Ministério Público, por termo lavrado nos autos, no dia 16-7-2021, e aos sujeitos processuais, na pessoa dos seus mandatários, através de carta registada, remetidas sob registo no dia 16-07-2021 (fls 278 e 279), pelo que, o acórdão transitou em julgado no dia 10-9-2021.

Como preceitua o artigo 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão, pelo que o recurso interposto em 11-10-2021 se afigura tempestivo.

Concluímos, pois, que os pressupostos formais para admissão do recurso se encontram preenchidos, de acordo com o disposto no art.º 438º do CPP (legitimidade e tempestividade).

3. Vejamos, agora, se se encontram preenchidos os pressupostos de natureza substancial, previstos no art.º 437º do CPP.

3.1. É jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal que as expressões normativas “soluções opostas” “relativamente à mesma questão de direito”, constantes do art.º 437.º, n.º 1, exigem que essa mesma questão integre o objecto concreto e directo das duas decisões; objecto fundado em circunstancialismo fáctico essencialmente idêntico do ponto de vista dos seus efeitos jurídicos.

Com efeito, segundo a doutrina seguida por este Supremo Tribunal, a oposição de julgados verifica-se quando:

i) Os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça e/ou do Tribunal da Relação se refiram à mesma questão de direito;

ii) Os dois acórdãos em conflito do Supremo Tribunal de Justiça e/ou da Relação sejam proferidos no âmbito da mesma legislação;

iii) Se tenha optado, em ambos os acórdãos em conflito, por “soluções opostas “;

iv) A questão decidida em termos contraditórios tenha sido objecto de decisão expressa em ambos os acórdãos, não bastando que a oposição se deduza de posições implícitas;

v) As situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticos.

A respeito deste último requisito é uniforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que a existência de soluções de direito antagónicas pressupõe a existência de julgados expressos, bem como de identidade das situações de facto.

Assim, caso não exista uma identidade ou similitude substancial e essencial em ambas as situações, designadamente nos elementos relevantes que são objecto de decisão na aplicação da norma, não se pode afirmar que soluções, que aparentemente são coincidentes, não sejam efectivamente diversas, vista a diferença de pressupostos de facto que, numa e noutra, constituem a base da decisão.

3.3 Revertendo ao caso concreto:

Vejamos, então, se foi ou não distinto o caminho seguido por ambos os acórdãos, alegadamente, em oposição:

3.3.1. A situação de facto no acórdão fundamento foi a seguinte:

Por despacho do Exmo. Juiz de Instrução Criminal foi fixada a excepcional complexidade do inquérito n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5. e, desse despacho, recorreram, em separado, dois dos arguidos, P……. e S……...

No que se refere ao recurso interposto pela arguida S……., o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 5-5-2015, decidiu manter a decisão de excepcional complexidade do inquérito n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5.

Por sua vez, no que se refere ao recurso interposto pelo arguido P…….., o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 9-7-2015, decidiu revogar o despacho que determinou a excepcional complexidade inquérito n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5.

Inconformado, o Ministério Publico recorreu do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9-7-2015, invocando violação do caso julgado formal, tendo aquele Tribunal, por decisão sumária, rejeitado tal recurso, por manifesta improcedência. Ainda inconformado, o Ministério Público reclamou para a conferência da citada decisão sumária, tendo a conferência admitido a impugnação.

3.3.2. Chamado a pronunciar-se sobre as seguintes questões:

– Se era admissível recurso para o STJ do acórdão do TRL, com fundamento na violação do princípio do caso julgado formal, nos termos dos artigos o n.º 2, al. a) do art.º 629.° do CPC, ex vi do artigo 4.º do CPP;

 – E se o acórdão do TRL de 9-7-2015 – no recurso interposto por P………… –, ao revogar o despacho determinativo da excepcional complexidade dos autos, despacho que, por sua vez, um outro acórdão da mesma Relação havia mantido no recurso interposto pela arguida S…………., violara o caso julgado,

o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que:

“a violação do caso julgado não está prevista expressamente no processo penal como fundamento de recurso.

Diferentemente, em processo civil, o n.º 2, al. a) do art.º 629º do CPC e sem reserva do valor da causa ou da sucumbência, admite-o.

As razões de tal admissibilidade (extensiva também à competência absoluta dos tribunais) radicam em interesses de ordem pública e, assim, parafraseando Alberto dos Reis, "elevou-se ao máximo a sua tutela" e, por isso e respigando do citado acórdão desde STJ de 12.9.13 (Relator Souto de Moura), "se os interesses protegidos pela norma em questão são de ordem pública, não só são transponíveis para o processo penal, na ocorrência de lacuna, como se impõem por maioria de razão no processo penal, onde para além da insistente busca da verdade material, cumpre acautelar com rigor a observância do princípio ne bis in idem, merecedor de consagração constitucional (art.º ° 29. ° n. ° 5, da CR) ".

 Outra razão que tem sido invocada na defesa da admissibilidade do recurso com fundamento na ofensa do caso julgado vai no sentido de dever ser assegurado o duplo grau de jurisdição. Com efeito e como assinala o também citado acórdão de 8.2.01 (Relator Simas Santos), louvando-se em Rodrigues Bastos, "a possibilidade de ser interposto recurso para o STJ com esse fundamento está limitada aos casos em que, como no presente, a decisão que alegadamente viola caso julgado é de um Tribunal da Relação, surgindo o recurso como o efectivar então do segundo grau de jurisdição".

Aderindo-se a todos esses fundamentos, temos para nós também que nos termos do referido art.º 629.°, nº 2, alín. a) do CPC, por força do art.º 4º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

Mas será que, no caso concreto, existe tal ofensa?

b) - O circunstancialismo de facto relevante para conhecimento do recurso é aquele que acima se enunciou.

Perante ele, em causa está o caso julgado formal porque a decisão que lhe serve de base recai sobre a relação processual de os autos terem ou não a natureza de excepcional complexidade e, já não, material ou substantiva (caso julgado material).

A excepção do caso julgado formal pressupõe, pois, a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do processo.

Tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que nos mesmos autos possa ser alterada a decisão proferida (art.º 620.° do CPC).

Pressupõe o trânsito em julgado da decisão e a força e autoridade atribuídos à decisão transitada visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal.

(…)

De acordo com o disposto nos art°s 580.°, nº 1 e 581.°, nº 1, do CPC o caso julgado supõe uma tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Estas categorias, próprias do direito processual civil têm de ser entendidas em processo penal cum grano salis.

Vejamos, então.

c) - Começando pelos sujeitos, é manifesto que do despacho do Ex.mo Juiz de Instrução que fixou a excepcional complexidade dos autos recorreram em separado o arguido ora recorrente e a também arguida sua mulher.

Em ordem ao disposto no nº 8 do art.º 484º[1] do CPP deveriam tais recursos ter sido julgados conjuntamente, desde logo para afastar a contradição de julgados, que acabou por sobrevir, mas tal não aconteceu.

Cremos, contudo, que essa diversidade não impede aquela identidade. Com efeito e como claramente se assinala na motivação do recurso, o despacho que declare a excepcional complexidade reporta-se ao procedimento criminal e aos próprios termos do processo do processo e não a arguidos determinados.

Seria irrazoável (e não pretendido pela lei) que tal despacho pudesse produzir no mesmo processo efeitos quanto a uns arguidos e já não quanto a outros, mormente em sede de prazos de duração preventiva ou do inquérito (art°s 215.° nº 3 e 276.°, do CPP).

Se um arguido recorre do despacho que declare a especial complexidade do processo, para efeitos de caso julgado, é como se todos os demais aí arguidos tivessem recorrido, porque em relação a todos se produzem os seus efeitos.

Quanto ao pedido e ao que aqui somos chamados a decidir, a identidade é coincidente: declaração da excepcional complexidade do processo.

Quanto à "causa de pedir" igualmente se nos afigura idêntica.

No recurso da co-arguida visou-se fundamentalmente a materialidade (ou falta dela) subjacente ao conceito de excepcional complexidade e respectivo grau e no do ora recorrido não só e fundamentalmente esse substrato, como ainda argumentou com a questão formal do decurso do prazo do inquérito e arguição de inconstitucionalidades várias.

Aliás, cumpre assinalar que o acórdão recorrido acabou por julgar procedente o recurso, mas "com fundamentação diversa da aduzida pelo recorrente" ora recorrido (sic), dir-se-ia, diversa "causa de pedir".

Em suma, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa. conheceu em recurso e por acórdão transitado em julgado da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal que declarou o processo de excepcional complexidade, não poderia o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se em novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão fora suscitada por outro arguido.

Porque foi, assim, violado o caso julgado formal (art.º 620.°, nº 1, 625.° e 628.° do CPC, ex vi art° 4.° do CPP) não pode esse acórdão subsistir.

Face ao exposto, porque violado o caso julgado, acordam em julgar procedente o recurso do Mº Pº e revogar o acórdão recorrido do Tribunal da Relação de Lisboa de 09.07.2015, com a consequente rejeição do correspondente recurso interposto pelo aqui recorrido P………….

3.3.3. Já no acórdão recorrido, a situação de facto foi a seguinte:

No âmbito do julgamento que decorreu em 1ª instância, o arguido veio suscitar a questão de ofensa do princípio do caso julgado e do princípio ne bis in idem, defendendo que os factos pelos quais se encontrava a ser julgado nos presentes autos já tinham sido objecto de decisão transitada em julgado, num processo de contra-ordenação.

O Tribunal, apreciando tal questão, decidiu que não existia ofensa do princípio do caso julgado nem violação do princípio ne bis in idem.

Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de ………., suscitando novamente a questão da ofensa do princípio do caso julgado e da violação do princípio ne bis in idem; tendo aquele tribunal concluído, na senda do que tinha sido decidido pelo Tribunal de 1ª instância, que não tinha sido violado o princípio ne bis in idem, quer na sua vertente substantiva, quer na sua vertente processual. Improcedeu, pois, a questão suscitada pelo(s) recorrente (s).

Ainda inconformado, recorreu o arguido, desta feita, para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando novamente a mesma questão: a violação do princípio do caso julgado.

3.3.4. E, neste caso, o Supremo Tribunal de Justiça entendeu que:

 …..O recorrente sustenta, como questão prévia, a admissibilidade do recurso, invocando violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem, sustentando que o recurso deve ser admitido com fundamento no disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do art.º 4.º do CPP e entendendo que esta é a única forma de assegurar o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso, constitucionalmente garantido no artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. E reputa como inconstitucional a interpretação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado.

Dispõe-se no artº 629º, nº 2, do Cod. Proc. Civil que “independentemente do valor da causa e da sucumbência, é sempre admissível recurso:

a) Com fundamento na violação das regras de competência internacional, das regras de competência em razão da matéria ou da hierarquia, ou na ofensa de caso julgado”.

 Não tem sido uniforme o modo como o Supremo Tribunal de Justiça tem respondido à questão da aplicabilidade, em processo penal, da regra prevista no artº 629º, nº 2, al. a) do Cod. Proc. Civil.

Estatui-se no artº 4º do Cod. Proc. Penal que “nos casos omissos, quando as disposições deste Código não puderem aplicar-se por analogia, observam-se as normas do processo civil que se harmonizem com o processo penal e, na falta delas, aplicam-se os princípios gerais do processo penal”.

Daqui decorre, como primeira evidência, que a aplicação das normas do processo cível ao processo penal pressupõe, desde logo, a existência de uma lacuna.

(…)

Olhar para esta matéria e presumir a insuficiência do Código de Processo Penal, bem como a necessidade de encarar qualquer omissão legislativa como uma lacuna a preencher com recurso a normas do processo civil, significa ignorar todo este trabalho de regulamentação e sistematização do legislador de 1987. Ou, como se afirma no Ac. deste STJ de 15/11/2006, Proc. 06P3180 (rel. Cons. Sousa Fonte), “VI - O legislador do CPP87 conferiu ao sistema dos recursos em processo penal «uma tendencial autonomia relativamente ao processo civil. Salvo pormenores de regulamentação que devem procurar-se, por via analógica, no Código de Processo Civil (…), os recursos penais passaram a obedecer a princípios próprios, possuem uma estrutura normativa autónoma e desenvolvem-se segundo critérios a que não é alheia uma opção muito clara sobre a necessidade de valorizar a atitude prudencial do juiz. O Código rompe abertamente com a tradição que, há quase um século, geminou os recursos penais e cíveis» (Cunha Rodrigues, Recursos, Jornadas de Direito Processual Penal, pág. 384). E, confirmando este princípio, o STJ, na fundamentação do acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2002 (DR Série I-A, de 21-05-2002), afirmou unanimemente que as regras básicas e universais em matéria de admissibilidade do recurso são as dos arts. 399.º e 400.º do CPP. VII - Por isso se deve entender que o CPP esgota a disciplina da matéria da admissibilidade do recurso, sem hipótese, pois, de apelo às regras do CPC, por não se verificar aí (não ser susceptível de se verificar) qualquer lacuna”.

E neste sentido se tem encaminhado a jurisprudência maioritária deste Supremo Tribunal. (…)

E é esse, também, o nosso entendimento: não é aplicável em recurso da matéria penal a norma contida no artº 629º, nº 2, al. a) do Cod. Proc. Civil, porquanto não existe, a esse propósito, qualquer lacuna no regime de recursos previsto no Cod. Proc. Penal, a exigir a intervenção subsidiária daquela norma.

 Afirma o recorrente, também e como fundamento da admissibilidade do recurso, “a necessidade de assegurar o duplo grau de jurisdição, impondo-se por isso a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de violação do direito fundamental ao recurso assegurada pelo art.º 32.º/1 da CRP. Tal argumento – relativo ao duplo grau de jurisdição – é sufragado mesmo por aqueles que rejeitam a aplicação subsidiária, sem mais, da norma do processo civil ao âmbito do processo penal, ressalvando, não obstante, que a violação do caso julgado só constitui fundamento autónomo de recurso em processo penal quando a recorribilidade for indispensável para garantir o duplo grau de jurisdição”. Acrescenta (conclusão 6ª da sua motivação) que “o Tribunal a quo procedeu, ele próprio, a um julgamento da causa, na sequência de impulso do titular da acção penal, assim dando continuidade ao duplo processamento que vem fazendo curso nesta causa penal; e impôs uma punição que foi para além do que o Tribunal de 1.ª Instância havia determinado, assim reforçando a dupla penalização sofrida pelo arguido, pelo que se mostram reunidas razões mais do que suficientes para que o recurso que ora se interpõe com fundamento em ofensa ao caso julgado seja admitido, ao abrigo do art.º 629.º/2/a) do CPC”; e conclui (conclusão 7ª da mesma motivação) dizendo reputar “como inconstitucional, por violação do direito ao duplo grau de jurisdição garantido pelo direito ao recurso previsto no art.º 32.º/1 da Constituição, a interpretação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (subsidiariamente aplicável ao processo penal com base no art.º 4.º do CPP) e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado”.

Mas a verdade é que, no caso, o duplo grau de jurisdição já se mostra garantido.

Com efeito, a pretensa ofensa de caso julgado e violação do princípio ne bis in idem foi abordada, prima facie, no tribunal de 1ª instância, onde foi suscitada – entre outros – pelo recorrente P………….., aí se concluindo que “reportando-nos a normas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos diversos, estamos perante uma situação de concurso efectivo de normas, pelo que inexiste, por um lado, qualquer violação do disposto no art.º 79.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, e, por outro, qualquer violação do princípio ne bis in idem, constitucionalmente consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da CRP. Pelo exposto, indefere-se a invocada aplicação aos presentes autos do disposto no art.º 79.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, bem como indefere-se a aplicação a estes autos do princípio ne bis in idem, consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da CRP”.

Foi, depois, apreciada – aliás, de forma exaustiva – pelo Tribunal da Relação de Lisboa (por aí ter sido suscitada, em sede de recurso, pelo arguido P…………, entre outros), que desta forma concluiu: “- A interpretação normativa do disposto no artigo 208º do RGICSF efectuada pelo Tribunal a quo no sentido de permitir o julgamento e a condenação penais do agente por crimes de falsificação de documento autêntico p. e p. pelo artigo 256º, nº1, als. a) e c), do C.Penal e de falsidade informática p. e p. pelo artigo 4º, nº 1 e 2, da Lei nº 109/91 e actualmente pelo artigo 3º, nº 1 e 3, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, depois deste, por factos em parte coincidentes, ter sido anteriormente julgado e condenado pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 211º, al. g), do RGICSF, condenação já transitada em julgado, não viola o princípio ne bis in idem previsto no artigo 29º, nº5, da CRP – mesmo considerando a primitiva versão daquele preceito do RGICSF. - A interpretação efectuada pelo tribunal a quo do artigo 208º do RGICSF (mesmo na versão primitiva deste preceito) no sentido de permitir a prossecução criminal e contra-ordenacional da pessoa pelos mesmos factos quando esses factos violam diferentes bens jurídicos, não viola o disposto no artigo 29º, nº5, da CRP. Em conclusão, não foi violado o princípio ne bis in idem, quer na sua vertente substantiva, quer na sua vertente processual. Improcede, pois, a questão suscitada pelos recorrentes”.

O duplo grau de jurisdição mostra-se, assim, respeitado, sendo certo que o artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, assegurando o direito ao recurso, não impõe um duplo grau de recurso ou, por outras palavras, não impõe um triplo grau de jurisdição.

A tal não obsta, assim o entendemos, o facto de o recorrente ter sido condenado, em 1ª instância, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período, sob condição, e tal pena ter sido agravada em sede de recurso, na procedência de pretensão do Ministério Público, para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, efectiva na sua execução.

Neste sentido se tem orientado, aliás e de forma pacífica, o Tribunal Constitucional.

Como elucidativamente se afirma no Ac. TC nº 104/2000,

 https://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20200104.html,

É certo que o julgamento do recurso comportou um agravamento da posição processual do arguido relativamente ao antes decidido, mas daí não decorre uma situação de indefesa do sujeito processual, constitucionalmente proibida. No âmbito do recurso da decisão condenatória proferida em 1.ª instância, ciente da pretensão de modificação da reação penal e da natureza fundamentalmente substitutiva do julgamento proferido pela 2.ª instância, pôde o arguido, para além de refutar os argumentos do recorrente, perspetivar as eventuais consequências sancionatórias - à semelhança com o que acontece frequentemente no momento da apresentação na 1.ª instância da contestação e rol de testemunhas (artigo 315.º do CPP), ou nas alegações orais proferidas em audiência de julgamento (artigo 360.º do CPP) - e desse modo influenciar decisivamente o julgamento do recurso. No quadro em presença, a limitação das garantias de defesa, na dimensão do exercício do direito ao recurso e do acesso a um terceiro grau de jurisdição, não se mostra desrazoável ou desproporcionada, em atenção ao interesse público relevante prosseguido pelo legislador democraticamente legitimado, impondo-se afastar a violação do artigo 32.º, n.º 1, em conjugação com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, ou outros parâmetros de constitucionalidade, designadamente os demais invocados na parte final da reclamação, os quais, enquanto princípios estruturantes do Estado de direito democrático, são pressupostos da garantia de defesa do arguido em processo penal, não se mostrando por qualquer forma lesados pela norma sindicada” – no mesmo sentido, entre vários outros, cfr. os acórdãos do mesmo Tribunal nºs 245/2015, 344/2020 e 364/2020, todos acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt/.

Há, pois, que concluir não ser inconstitucional a interpretação conjugada dos artºs 432º, nº 1, al. b) e 400º, nº 1, al. e) do Código de Processo Civil, no sentido de que não é admissível recurso de um acórdão proferido pelo Tribunal da Relação que condena o arguido em pena de prisão, efectiva na sua execução, inferior a 5 anos, quando o mesmo havia sido condenado, em 1ª instância, em pena de prisão, suspensa na sua execução.

E assim concluindo, resta dizer que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (artº 414º, nº 3 do CPP) e, consequente, rejeitar o recurso interposto pelo arguido P………., por ser quanto a ele irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação – artºs 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), ambos do CPP – condenando o recorrente no pagamento de uma importância igual a 5 (cinco) UC’s – artº 420º, nº 3 do CPP.”

 4. Face ao exposto, verifica-se que, tanto no acórdão fundamento como no acórdão recorrido, a questão em análise foi a de saber se é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida pelo Tribunal da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art.º 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP).

No entanto, as similitudes terminam aqui, já que não nos parece que exista identidade da situação de facto.

Como se viu, no acórdão fundamento, a decisão que, “alegadamente”, violou o caso julgado foi a proferida pelo Tribunal da Relação (em 1º instância). Com efeito, foi o Tribunal da Relação que, no âmbito do mesmo processo e em relação à mesma questão – especial complexidade do inquérito –, proferiu duas decisões díspares e incompatíveis, embora os pressupostos de facto e de direito fossem os mesmos. Com efeito, proferiu uma decisão que estabelecia que, em relação a um dos arguidos, o processo mantinha a excepcional complexidade; e posteriormente, uma outra, de acordo com a qual, em relação a outro dos arguidos do mesmo processo, se não mantinha a excepcional complexidade.

Ora, foi com base em tais factos, a alegada violação pelo acórdão do Tribunal da Relação, do princípio do caso julgado, que o acórdão fundamento entendeu que era admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, com fundamento em ofensa do caso julgado, nos termos do artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC, ex vi do art.º 4.º do CPP; uma vez que a decisão de que se recorria e que, alegadamente, violava o princípio do caso julgado era a decisão proferida por um Tribunal da Relação (em 1.º instância).

Entendeu o acórdão fundamento que só desta forma se assegurava o direito ao recurso.

Substancialmente diverso, todavia, foi o que se passou no acórdão recorrido.

 Aqui, o que sucedeu foi que o arguido invocou, ainda durante o julgamento que decorreu na 1.º instância, que se verificava a violação do principio ne bis in idem e do caso julgado, porquanto defendeu que os factos pelos quais estava a ser julgado nesses autos já tinham sido objecto de apreciação em sede de processo de contra-ordenação, no qual tinha sido condenado, por sentença transitada em julgado (nesse mesmo processo de contra-ordenação).

 Ora, o Tribunal de 1ª instância, pronunciando-se sobre esta matéria, decidiu que não existia violação do princípio ne bis in idem e do caso julgado.

Inconformado, o arguido suscitou novamente a mesma questão, em sede de recurso para o Tribunal da Relação, o qual indeferiu a sua pretensão, entendendo, também, que não ocorria a violação de princípios invocada; ou seja, neste caso o Tribunal da Relação conheceu da questão da violação do caso julgado em sede de recurso e não em 1ª instância.

Ora, com base em tais factos, no acórdão recorrido, o STJ entendeu que não era recorrível o acórdão da Relação com o fundamento em violação de caso julgado, nos termos do disposto no artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP, uma vez que a questão da violação do princípio do caso julgado já tinha sido suscitada e apreciada – de forma exaustiva, aliás – em 1.º instância e, novamente, em sede de recurso no Tribunal da Relação; ou seja, esta questão – violação do princípio do caso julgado – já tinha sido apreciada por dois tribunais, encontrando-se assim plenamente assegurado o direito ao recurso. Assim, a admitir-se ainda um novo recurso, agora para o STJ, com tal fundamento, o arguido acabaria por ser a mesma questão apreciada por 3 tribunais distintos.

E foi em razão dessa substancial diversidade de enquadramento fático-jurídico que o STJ proferiu decisões divergentes; pelo que as decisões apresentadas pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada uma delas.

É que, como já referimos, a oposição tem de ser expressa, e não meramente tácita, pressupondo igualmente uma identidade essencial da situação de facto em ambos os acórdãos em confronto.

Neste sentido, vide acórdão de 07-03-2018, proferido no processo n.º 98/17.2YFLSB – 3.ª Secção, no qual se refere que: «O requisito de oposição de acórdãos, para efeito de divergência normativa positiva tendente a uma pronúncia uniformizadora (de jurisprudência), comporta, irredutivelmente, a necessidade de o quadro factual de que se faz emergir, ou em que se fundeia a subsunção jurídico-normativa, ser idêntico, ou seja possua a mesma, e/ou similar, configuração fáctico-realística. O quadro factual em que se embasa e donde procederá a questão jurídico-normativa que servirá para delimitar e definir a questão axial e fulcral da contradição de jurisprudência tem de se prefigurar com contornos lógico-perceptivos e compreensivos isonómicos. Vale dizer que a questão de direito tem de derivar ou promanar de um similar quadro lógico-factual.

À similitude lógico-factual não pode deixar de corresponder uma teleologia de sentido funcional-processual, ou seja uma inferência de alcance e dimensão compreensiva que se contém no momento em que se coloca em tela de juízo a questão jurídico-normativa que se aprecia e decide. Por outras palavras, a oposição de decisões para que possa vir a ser processualmente capaz e apta a validar e preencher o requisito exigido pela norma adrede tem de se inserir e integrar num quadro teleológico similar e idêntico para ambas as decisões. Vale por dizer que o pressuposto discursivo e lógico-funcional em que as decisões, tomadas como contraditórias, assentam têm de servir o mesmo fim correlativo de análise e sentido teleológico».

Não estão, assim, cumpridos todos os pressupostos para que se possa admitir o presente recurso de fixação de jurisprudência.

5. Pelo exposto, pronunciamo-nos pela rejeição do presente recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por inexistência dos respectivos pressupostos substanciais – artigos 440.º, n.ºs 3 e 4 e 441.°, n.º 1, do CPP.

*

4. Notificado deste parecer nos termos do art. 417.º, n.º 2, do CPP, ex vi art. 448.º, do CPP, o recorrente AA respondeu, nos termos seguintes:

«(…) 4. Consagra o art. 437.º-1 do CPP, sob a epígrafe “Fundamento do recurso”, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça

proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar”. Acrescentando o n.º 3 que “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida”.

5. Quanto aos pressupostos materiais exigidos pelo citado normativo, é jurisprudência constante do Supremo Tribunal de Justiça que a verificação de oposição relevante de acórdãos impõe que: (i) as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito fixar ou consagrar soluções diferentes para mesma questão fundamental de direito; (ii) as decisões em oposição sejam expressas; (iii) e as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam, em ambas as decisões, idênticas.

6. Dúvidas não há – assim o reconhecendo, desde logo, o Ministério Público – que, tanto no acórdão fundamento, como no acórdão recorrido, a questão em análise foi a de saber se é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida pelo Tribunal da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art. 629.º/2/a) do CPC, ex vi art. 4.º do CPP).

7. Estamos, como tal, perante uma situação em que os acórdãos em confronto se pronunciam, manifestamente e de modo expresso, sobre a mesma questão fundamental de direito, acolhendo, todavia, soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

8. Entende, porém, o Ministério Público que, apesar disso, não se mostra verificada a incontornável necessidade de identidade de factos, isto é, a necessidade de o quadro factual em que se baseia a subsunção jurídico-normativa ser idêntico num e noutro caso.

9. Entendimento que se escora na circunstância de a decisão tomada no acórdão fundamento (no sentido da admissibilidade de recurso) ter tido por base a necessidade de assegurar o direito ao recurso, uma vez que a decisão de que se recorria, e que, alegadamente, violava o princípio do caso julgado, era uma decisão proferida por um Tribunal da Relação em primeira instância;

10. ao passo que, no acórdão recorrido, o STJ entendeu que o direito ao recurso estava plenamente assegurado uma vez que a questão já tinha sido apreciada por dois Tribunais distintos.

Ora,

11. não se descura que uma das razões que tem sido invocada na defesa da admissibilidade do recurso com fundamento na ofensa do caso julgado, se prende com a necessidade de assegurar o duplo grau de jurisdição, constitucionalmente imposto pelo art. 32.º/1 da Constituição.

12. Como assinala o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08/03/2001 (Relator Simas Santos, proc. n.º 01P146), louvando-se em Rodrigues Bastos, “a possibilidade de ser interposto recurso para o STJ com esse fundamento está limitada aos casos em que, como no presente, a decisão que alegadamente viola caso julgado é de um Tribunal da Relação, surgindo o recurso como o efectivar então do segundo grau de jurisdição”, assim se sumariando que:“(…) 3 – Sendo o fundamento do recurso a ofensa de caso julgado, é necessário que essa ofensa se impute à decisão recorrida. Tendo esta reconhecido que a decisão de um tribunal inferior ofendeu caso julgado, já não pode o n.º 2 do art. 678.º do CPC abrir a via do recurso ordinário para outro tribunal. 4 – Assim que a admissibilidade deste fundamento autónomo de recurso limita-se a assegurar o duplo grau de jurisdição. A possibilidade de ser interposto recurso para o STJ com este fundamento está limitada aos casos em que a decisão que alegadamente viola caso julgado é de um Tribunal da Relação. (…)”.

13. Tal argumento – relativo ao duplo grau de jurisdição – é sufragado mesmo por aqueles que rejeitam a aplicação subsidiária, sem mais, da norma do processo civil ao âmbito do processo penal, ressalvando, não obstante, que a violação do caso julgado só constitui fundamento autónomo de recurso em processo penal quando a recorribilidade for indispensável para garantir o duplo grau de jurisdição –

14. caso em que o fundamento da admissibilidade do recurso será essa necessidade de salvaguardar a garantia constitucional de duplo grau de jurisdição e não propriamente a violação do caso julgado.

15. Quer isto significar que, efectivamente, ocorrendo violação de caso julgado em segunda instância, sempre se tornará necessário fazer funcionar, nos termos das regras gerais imperativas, um segundo grau de jurisdição quanto à matéria em apreço,

16. impondo-se por isso a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de violação do direito fundamental ao recurso assegurada pelo art. 32.º/1 da CRP.

17. Ora, é precisamente isso que se constata acontecer tanto na configuração fáctica que levou à prolação do acórdão fundamento, como na que levou à prolação do acórdão recorrido: se é certo que no acórdão fundamento a decisão que violou o caso julgado foi a proferida pelo Tribunal da Relação (em 1.ª instância);

18. não menos seguro se revela que, no caso do acórdão recorrido, a decisão proferida pelo Tribunal da Relação violou, também e per se, o caso julgado.

19. Ou seja, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de ………. no âmbito do proc. 7447/08……….. incorreu, ele próprio, em ofensa ao caso julgado.

20. Tendo sido essa violação que justificou e motivou a apresentação de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com base na aplicabilidade subsidiária do art. 629.º/2/a) do CPC.

21. E isto independentemente da questão da violação do caso julgado já ter sido suscitada, na pendência do processo em face da prolação de decisões anteriores igualmente atentatórias desse princípio (designadamente da decisão proferida em 1.ª instância).

22. Com efeito, é manifesto que o Tribunal da Relação de …….. começou por apreciar, a págs. 902 e ss. do seu acórdão, a alegação de que o arguido opôs ao Acórdão do Tribunal de 1.ª Instância, no recurso que interpôs para a Relação, de que aquele violou o caso julgado e o princípio ne bis in idem, negando provimento a essa parte do recurso do arguido.

23. Mas o Tribunal da Relação de ………. foi mais longe, não se limitando a apreciar e julgar improcedente essa alegação do recurso do arguido, antes tendo aceitado conhecer o recurso que o Ministério Público interpôs contra a medida e a espécie da pena única conjunta fixada pelo Tribunal de 1.ª Instância e dando provimento a esse recurso: a pena de prisão, aplicada como pena principal, foi elevada de 4 anos e 3 meses para 4 anos e 8 meses; e a pena de substituição que a 1.ª Instância havia aplicado foi afastada.

24. Temos, pois, que o Tribunal da Relação de ……… fez nem mais nem menos do que aquilo que é proibido pelos princípios do caso julgado e do ne bis in idem: procedeu, ele próprio, a um julgamento da causa, na sequência de impulso do titular da acção penal, assim dando continuidade ao duplo processamento que vinha fazendo curso naquela causa penal; e impôs uma punição que foi para além do que o Tribunal de 1.ª Instância havia determinado, assim reforçando a dupla penalização sofrida pelo arguido.

25. Violação do caso julgado que só viria a ser apreciada por um Tribunal Superior (só assim se assegurando o duplo grau de jurisdição) caso o recurso interposto (dessa decisão) fosse admitido.

26. Tudo isto para dizer que, ao contrário do que faz transparecer o Ministério Público no parecer ora em resposta, estamos perante realidades fácticas similares que não podiam, como tal, merecer enquadramentos jurídicos antagónicos, como se viu acontecer.

27. Cumprindo não esquecer que o que a jurisprudência exige a este respeito é a oposição de decisões e não de fundamentos.

28. Assim, para que se mostrem verificados os pressupostos materiais legalmente consagrados, basta apenas que a questão de direito derive de um similar quadro lógico-factual. O que manifestamente se verifica no presente caso!

29. Motivo pelo qual, ao contrário daquilo que defende o Ministério Público, deverá o recurso para fixação de jurisprudência apresentado pelo arguido/recorrente AA ser admitido, seguindo os seus ulteriores termos».

*

BANCO PRIVADO PORTUGUÊS S.A. – EM LIQUIDAÇÃO, Assistente nos autos, também apresentou resposta ao parecer emitido pelo Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com os seguintes fundamentos:

«Vem o Arguido AA interpor recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão proferido em ……..2021 por esse Supremo Tribunal, por considerar que, supostamente, existe oposição de julgados entre o referido acórdão (acórdão recorrido) e o aresto desse mesmo Venerando Tribunal, de 24.09.2015, proferido no âmbito do proc. n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5 (acórdão-fundamento).

De acordo com o entendimento do Arguido, aqui Recorrente, a questão em análise, sumariamente, é a seguinte: deverá, em processo penal, ser admitido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, quando o fundamento do mesmo for a violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art.º 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP)?

Salvo o devido respeito, porém, como bem nota o Ministério Público no seu parecer, as pretensões do Recorrente encontram-se votadas ao insucesso.

No caso do acórdão recorrido, a decisão do Tribunal da Relação configura uma apreciação das questões colocadas (in casu, as alegadas violações do princípio ne bis in idem e do caso julgado) em sede de recurso.

Com efeito, o Recorrente já havia suscitado as referidas questões em sede de julgamento, junto do Tribunal de 1.ª instância, que se pronunciou no sentido do seu indeferimento e, depois, interposto recurso para o Tribunal da Relação, vem este confirmar a decisão que foi tomada.

Já no acórdão-fundamento, a alegada violação do caso jugado foi suscitada junto do Tribunal da Relação e aí decidida pela primeira vez.

Assim, o acórdão recorrido não contraria o acórdão-fundamento, já que a resposta dada, num e noutro caso, parte de substrato diverso.

Certo sendo, aliás, que o acórdão recorrido trilha o caminho que, uniformemente, tem vindo a ser seguido por esse Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que “o caso julgado só poderá abrir a via do recurso para o STJ, se a respectiva violação for de imputar ao próprio acórdão do Tribunal da Relação e, isto, não em função da excepção propriamente dita, mas para ser dado cumprimento à garantia constitucional do duplo grau de jurisdição em sede de recurso” (cfr. Ac. do STJ, de 18.06.2020, proc. n.º 28/06.7TELSB.L2.S1).

Por conseguinte, conclui-se que o enquadramento de cada uma das situações em nada se assemelha, o que conduz à improcedência do pretendido.

De resto, o que o Recorrente pretende é que se lhe garanta, quanto à questão decidenda, uma terceira instância de recurso. Mas isso, salvo o devido respeito, nem lei o admite nem esse Supremo Tribunal de Justiça alguma vez o reconheceu.

Nestes termos, e sem necessidade de mais considerações, subscreve-se integralmente o teor do parecer do Ministério Público, pugnando-se pela rejeição do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, por manifesta inexistência dos pressupostos substanciais, de harmonia com o disposto no art.º 437.º do CPP».

*.

5. Efectuado o exame preliminar, remeteu-se o processo a vistos legais e de seguida à conferência, de acordo com o disposto no art. 440.º do Código de Processo Penal, pelo que cumpre apreciar e decidir.

*

 

II Fundamentação

II. 1. Dispõe o art. 437.º, n.º 1, do CPP, sobre o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, que “Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar.”.

Mais, prevê o n.º 2 do mesmo preceito legal que “É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça”, e de acordo com o n.º 3 do mesmo normativo “Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, directa ou indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.”, sendo que, nos termos do n.º 4 “Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado”.

De acordo com o n.º 5 do mesmo preceito legal, têm legitimidade para interpor este recurso extraordinário, o arguido, o assistente e as partes civis, sendo o mesmo obrigatório para o Ministério Público.

Para além disso, estabelece o art. 438.º, do CPP, no seu n.º 1, que “O recurso para fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em primeiro lugar”, mais prevendo, no seu n.º 2, que “No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência.”.

Assim, a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da existência de determinados pressupostos formais e substanciais.

Fazendo uso das palavras do acórdão deste STJ, de 13-02-2013, proferido no processo n.º 561/08.6PCOER-A.L1.S1 “entre os requisitos de ordem formal contam-se: legitimidade do recorrente, que é restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis; interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis; não ser admissível recurso ordinário; interposição no prazo de 30 dias a partir do trânsito da decisão proferida em último lugar; identificação do acórdão que está em oposição com o recorrido, não podendo ser invocado mais do que um acórdão; trânsito em julgado de ambas as decisões. São requisitos de ordem substancial: existência de oposição entre dois acórdãos do STJ, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão de uma Relação e um do STJ; a oposição referir-se à própria decisão e não aos fundamentos; identidade fundamental da matéria de facto”.

Assim podemos concluir que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende da verificação dos seguintes requisitos formais e substanciais (arts. 437.º e 438.º, n.ºs 1 e 2, do CPP):

São requisitos de ordem formal:
 i) a legitimidade do recorrente (sendo esta restrita ao MP, ao arguido, ao assistente e às partes civis); e interesse em agir, no caso de recurso interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis (já que tal recurso é obrigatório para o MP);

ii) a identificação do acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição, e, se este estiver publicado, o lugar da publicação; com justificação da oposição entre os acórdãos que motiva o conflito de jurisprudência;

iii) O trânsito em julgado de ambas as decisões;

iv)a interposição de recurso no prazo de 30 dias posteriores ao trânsito da decisão proferida em último lugar;

São requisitos de ordem substancial:

a) existência de oposição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, ou entre dois acórdãos das Relações, ou entre um acórdão da Relação e um do Supremo Tribunal de Justiça;

b) verificação de identidade de legislação à sombra da qual foram proferidas as decisões;

c) oposição referida à própria decisão e não aos fundamentos (as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham tido como efeito consagrar soluções opostas para a mesma questão fundamental de direito);

d) as decisões em oposição sejam expressas;

e) identidade de situações de facto.

Especificamente no que concerne aos requisitos substanciais, para que se verifique a oposição de julgados, é necessária a existência de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, e bem assim que estas decisões se apresentem como julgados expressos e não implícitos.

Ou seja, a exigência de oposição de julgados é de considerar-se preenchida quando, nos acórdãos em confronto, manifestamente e de modo expresso (e não apenas tacitamente), sobre a mesma questão fundamental de direito, se acolhem soluções opostas, no domínio da mesma legislação.

Neste sentido, veja-se, entre outros, o acórdão do STJ de 27-04-2017, Proc. n.º 1/17.0YFLSB.S1-A – 5.ª Secção : “II – Para definir a oposição de julgados exige-se que, além de antagónicas, as asserções de direito tenham que ser expressas, pois o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência só se justifica em casos absolutamente nítidos de contradição entre tribunais superiores sobre determinada questão jurídica, devidamente fundamentada em qualquer deles.

III – Os dois acórdãos têm de assentar em soluções opostas, a oposição deve ser expressa e não tácita, ou seja, tem de haver uma tomada de posição explícita e divergente quanto à mesma questão de direito.” (disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – Ano de 2017).

A estes requisitos de ordem substancial, a jurisprudência do STJ aditou a necessidade de identidade de factos, não se restringindo à oposição entre as soluções de direito. Ou seja, impõe-se que as situações de facto e o respectivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as situações. Quer isto dizer que a mesma norma ou segmento normativo tem de ser aplicada(o) com sentidos opostos a situações fácticas iguais ou equivalentes. Mesmo que a diferença factual de ambos os processos, a do acórdão recorrido e a do acórdão fundamento, seja inelutável por dizer respeito a acontecimentos históricos diversos, terá de se tratar de diferenças factuais inócuas que nada interfiram com o aspecto jurídico do caso (cfr. acórdão do STJ de 20-03-2019, proferido no proc. n.º 42/18.GAMNC.G1-A.S1 com sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Março).

Veja-se quanto a esta matéria, a título de exemplo, entre outros, o Acórdão do STJ de 27-06-2019, Proc. n.º 4/18.7GBSBG.C1-A – 5.ª Secção: “IV – Para além dos requisitos formais, o recurso de fixação de jurisprudência terá que cumprir requisitos substanciais que se traduzem numa oposição expressa, no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão de direito, tendo subjacente uma identidade de situações de facto ou pelo menos uma identidade substancial, de tal forma que em ambos os casos se exigisse uma mesma solução de direito” (Sumário disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Junho).

Já que a falta de identidade dos factos poderia explicar a prolação de soluções jurídicas díspares: apenas sobre a mesma situação de facto se pode verificar se existe ou não oposição de soluções de direito, isto é, apenas perante identidade de pressupostos de facto se pode avaliar da existência/inexistência de oposição de soluções de direito, excepcionando-se, naturalmente, os casos em que as diferenças factuais são inócuas e, por isso, em nada interferem com o aspecto jurídico do caso. (acórdão do STJ de 28-02-2019, proferido em no Pro n.º 2159/13.8TALRA.C2-A.S1 5.ª Secção, cujo sumário se encontra disponível em www.stj.pt/Jurisprudência/ Acórdãos/Sumários de acórdãos/Criminal – ano de 2019 – Fevereiro).

De acordo com o art. 441.º, n.º 1, do CPP se ocorrer motivo de inadmissibilidade ou o tribunal concluir pela não oposição de julgados, o recurso é rejeitado; se concluir pela oposição, o recurso prossegue.

Uma vez elencados os traços gerais sobre a admissibilidade do recurso para fixação de jurisprudência, analisemos o caso em apreço.

*

II. 2. Começando pelos pressupostos formais, quanto à legitimidade do recorrente AA.  

Começando pelos pressupostos formais, não oferece dúvidas que o recorrente tem legitimidade para interpor o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência (artº 437º, nº 2 e 5 do CPP), dado o seu interesse em agir na medida em que, tendo a qualidade de arguido «a decisão que resolver o conflito tem eficácia» no processo – artºs 445.º n.º 2, 401.º n.º 2 e 448º.

Conforme consta de fls. 19, o acórdão recorrido foi notificado ao magistrado do Ministério Público, por via electrónica, em 20-1-2021 e, na mesma data e pela mesma via, aos sujeitos processuais; presumindo-se, assim, que tal notificação foi efectuada no dia 25 de Janeiro de 2021 (artº 113.º n.º 12 do CPP – primeiro dia útil posterior à data da notificação, porquanto o 3º dia posterior ao envio da notificação correspondeu um sábado – dia 23-1-2021).

Essa decisão não admitia recurso, nos termos do art.º 432.º n.º 1, alínea b) do CPP, apenas podendo ser-lhe contraposta nulidade ou dela ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional, no prazo de 10 dias (artigos 105.º n.º 1 do CPP e 75.º n.º 1 da Lei do Tribunal Constitucional).

O recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, que o não admitiu por decisão sumária (fls 264) e reclamou para a conferência do Tribunal Constitucional, tendo esta Instância, por acórdão proferido em 15-7-2021, indeferido a reclamação apresentada (fls 276 e 277). Tal decisão foi notificada ao magistrado do Ministério Público, por termo lavrado nos autos, no dia 16-7-2021, e aos sujeitos processuais, na pessoa dos seus mandatários, através de carta registada, remetidas sob registo no dia 16-07-2021 (fls 278 e 279), pelo que, o acórdão transitou em julgado no dia 10-9-2021.

Como preceitua o artigo 438.º, n.º 1, do CPP, o recurso é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão, pelo que o recurso interposto em 11-10-2021 se afigura tempestivo (10-10-2021 foi Domingo).

O Acórdão-fundamento proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça datado de 24 de Setembro de 2015, exarado no âmbito do processo nº 213/12.2TELSB-F, transitou em julgado em 28.12.2015.

Concluímos, pois, que os pressupostos formais para admissão do recurso se encontram preenchidos, de acordo com o disposto no art.º 438º do CPP (legitimidade e tempestividade).

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II. 3. Quanto aos requisitos substanciais:

II.3.1. Entende o recorrente que o acórdão proferido no dia 09/07/2020 na Relação de ……., dando provimento ao recurso apresentado pelo Ministério Público, decidindo agravar a pena única conjunta de prisão aplicada pelo Tribunal de 1.ª Instância, e apreciando, também, a problemática do duplo processamento dos mesmos factos e da dupla condenação do agente, afastando-a, incorreu, ele próprio, em ofensa ao caso julgado, pelo que interpôs recurso junto do Supremo Tribunal com fundamento em ofensa ao caso julgado, ao abrigo do art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC. Mais alega que o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de …/…./2021, tirado no âmbito do presente processo (acórdão recorrido), enfrentou expressamente a questão de saber se é admissível em processo penal recurso, para o STJ, de decisão da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil, concluindo expressamente em sentido negativo, por entender não existir no regime de recursos previsto no código de processo penal qualquer lacuna que justifique a aplicação subsidiária da norma plasmada no art. 629.º do CPC.

Por outro lado, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 213/12.2TELSB-F.L1.S1-5, Relator Conselheiro Dr. Francisco Caetano, que constitui o acórdão-fundamento, apreciou expressamente a mesmíssima questão versada no acórdão recorrido, mas concluiu em sentido diametralmente oposto, tomando posição expressa no sentido de que, nos termos do art. 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, por força do art. 4.º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

Defende, assim, o recorrente que o confronto entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento revela inequivocamente existir uma oposição de julgados que justifica e fundamenta a interposição de um recurso para fixação de jurisprudência ao abrigo do n.º 2 do art. 437.º do Código de Processo Penal, porquanto, tanto o acórdão recorrido, como o acórdão-fundamento versaram directamente sobre esta questão: é ou não admissível, em processo penal, recurso para o STJ com fundamento em o acórdão proferido pela Relação ofender o caso julgado? E, a esta questão, o acórdão-fundamento respondeu que sim, aplicando o art. 629.º2, al. a) do CPC (ex vi art. 4.º do CPP); e o acórdão recorrido respondeu que não, considerando inaplicável esse mesmo art. 629.º do CPC. Num caso e no outro a resposta dada foi decisiva para a concreta decisão em apreciação.

Assim sendo, conclui o recorrente que o presente recurso para fixação de jurisprudência se afigura-se legítimo, porque verificados todos os pressupostos legais definidos no art. 437.º-2 do Código de Processo Penal, devendo, por isso, ser admitido.

*

II.3.2. Como acima já se deixou dito, tem sido jurisprudência estável do Supremo Tribunal de Justiça que a oposição de acórdãos, decisiva para a aceitabilidade do recurso extraordinário em questão, impõe que as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico se mostrem, em ambos os arestos, idênticas, a ponto de ser possível o juízo de que se pronunciaram sobre questão que é, fundamentalmente, idêntica.

Assim, caso não exista uma identidade ou similitude substancial e essencial em ambas as situações, designadamente nos elementos relevantes que são objecto de decisão na aplicação da norma, não se pode afirmar que soluções, que aparentemente são coincidentes, não sejam efectivamente diversas, vista a diferença de pressupostos de facto que, numa e noutra, constituem a base da decisão.

Vejamos, então, se foi ou não distinto o caminho seguido por ambos os acórdãos, alegadamente, em oposição.

*

II.3.3. A situação de facto no acórdão fundamento foi a seguinte:

O circunstancialismo de facto relevante para conhecimento do recurso, consistia em saber se o acórdão do TRL de 9-7-2015 – no recurso interposto por P…………. –, ao revogar o despacho determinativo da excepcional complexidade dos autos, despacho que, por sua vez, um outro acórdão da mesma Relação havia mantido no recurso interposto pela arguida S………., violara o caso julgado.

Estava, assim, em causa o caso julgado formal porque a decisão que lhe serviu de base recaiu sobre a relação processual de os autos terem ou não a natureza de excepcional complexidade e, já não, material ou substantiva (caso julgado material).

Porém, suscitando o Mº Pº a questão prévia da admissibilidade do recurso, precisamente com fundamento na violação do caso julgado, começou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015 (acórdão-fundamento), por salientar que boa parte da jurisprudência do STJ tem admitido o recurso com tal objecto, por aplicação subsidiária do nº 2 do art. 629º do CPC ex vi artº 4º do CPP., para depois concluir:

«Muito sumariamente, dado que a admissibilidade do recurso não é questão controvertida, dir-se-á que a violação do caso julgado não está prevista expressamente no processo penal como fundamento de recurso.

Diferentemente, em processo civil, o nº 2, alín. a) do artº 629º do CPC e sem reserva do valor da causa ou da sucumbência, admite-o.

As razões de tal admissibilidade (extensiva também à competência absoluta dos tribunais) radicam em interesses de ordem pública e, assim, parafraseando Alberto dos Reis "elevou-se ao máximo a sua tutela" e, por isso e respigando do citado acórdão desde STJ de 12.9.13 (Relator Souto de Moura), "se os interesses protegidos pela norma em questão são de ordem pública, não só são transponiveis para o processo penal, na ocorrência de lacuna, como se impõem por maioria de razão no processo penal, onde para além da insistente busca da verdade material, cumpre acautelar com rigor a observância do principio ne bis in idem, merecedor, de consagração constitucional (art. 29º, nº 5, da CR)".

Outra razão que tem sido invocada na defesa da admissibilidade do recurso com fundamento na ofensa do caso julgado vai no sentido de dever ser assegurado o duplo grau de jurisdição.

Com efeito e como assinala o também citado acórdão de 8.2.01 (Relator Simas Santos) louvando-se em Rodrigues Bastos "a possibilidade de ser interposto recurso para o STJ com esse fundamento está limitada aos casos em que, como no presente, a decisão que alegadamente viola caso julgado é de um Tribunal da Relação, surgindo o recurso como o efectivar então do segundo grau de jurisdição".

Aderindo-se a todos esses fundamentos, temos para nós também que nos termos do referido artº 629º, nº 2, alín. a) do CPC, por força do artº 4º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado».

De seguida, questiona o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015 (acórdão-fundamento) se, no caso concreto, existe a ofensa ao caso julgado, pronunciando-se do modo seguinte:

«A excepção do caso julgado formal pressupõe, pois, a repetição de qualquer questão sobre a relação processual dentro do processo.

Tem força obrigatória apenas dentro do processo, obstando a que nos mesmos autos possa ser alterada a decisão proferida (artº 620.° do CPC).

Pressupõe o trânsito em julgado da decisão e a força e autoridade atribuídos à decisão transitada visam evitar que a questão decidida pelo órgão jurisdicional possa ser validamente definida mais tarde em termos diferentes por outro ou pelo mesmo tribunal.

Com isso se acautelam os valores da segurança jurídica e da certeza do direito.

(…)

De acordo com o disposto nos art°s 580.°, nº 1 e 581.°, nº 1, do CPC o caso julgado supõe uma tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir.

Estas categorias, próprias do direito processual civil têm de ser entendidas em processo penal cum grano salis.

Vejamos, então.

c) - Começando pelos sujeitos, é manifesto que do despacho do Ex.mo Juiz de Instrução que fixou a excepcional complexidade dos autos recorreram em separado o arguido ora recorrente e a também arguida sua mulher.

Em ordem ao disposto no nº 8 do art.º 484º do CPP deveriam tais recursos ter sido julgados conjuntamente, desde logo para afastar a contradição de julgados, que acabou por sobrevir, mas tal não aconteceu.

Cremos, contudo, que essa diversidade não impede aquela identidade. Com efeito e como claramente se assinala na motivação do recurso, o despacho que declare a excepcional complexidade reporta-se ao procedimento criminal e aos próprios termos do processo do processo e não a arguidos determinados.

Seria irrazoável (e não pretendido pela lei) que tal despacho pudesse produzir no mesmo processo efeitos quanto a uns arguidos e já não quanto a outros, mormente em sede de prazos de duração preventiva ou do inquérito (art°s 215.° nº 3 e 276.°, do CPP).

Se um arguido recorre do despacho que declare a especial complexidade do processo, para efeitos de caso julgado, é como se todos os demais aí arguidos tivessem recorrido, porque em relação a todos se produzem os seus efeitos.

Quanto ao pedido e ao que aqui somos chamados a decidir, a identidade é coincidente: declaração da excepcional complexidade do processo.

Quanto à "causa de pedir" igualmente se nos afigura idêntica.

No recurso da co-arguida visou-se fundamentalmente a materialidade (ou falta dela) subjacente ao conceito de excepcional complexidade e respectivo grau e no do ora recorrido não só e fundamentalmente esse substrato, como ainda argumentou com a questão formal do decurso do prazo do inquérito e arguição de inconstitucionalidades várias.

Aliás, cumpre assinalar que o acórdão recorrido acabou por julgar procedente o recurso, mas "com fundamentação diversa da aduzida pelo recorrente" ora recorrido (sic), dir-se-ia, diversa "causa de pedir".

Em suma, uma vez que o Tribunal da Relação de ……… conheceu em recurso e por acórdão transitado em julgado da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal que declarou o processo de excepcional complexidade, não poderia o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se em novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão fora suscitada por outro arguido.

Porque foi, assim, violado o caso julgado formal (art.º 620.°, nº 1, 625.° e 628.° do CPC, ex vi art° 4.° do CPP) não pode esse acórdão subsistir».

*

II.3.4. A situação de facto no acórdão recorrido foi a seguinte:

Por acórdão datado de …/…/2018, proferido pelo Tribunal de 1.ª Instância, foi o arguido AA condenado pela prática em co-autoria material, concurso real e na forma consumada de seis crimes de falsidade informática (p. e p., à data dos factos, pelo art. 4.º/1 e 2 da Lei n.º 109/91, e, actualmente, pelo art. 3.º/1 e 3 da Lei n.º 109/2009), assim como pela prática em co-autoria material, concurso real e na forma consumada de um crime de falsificação de documento autêntico (p. e p. até à entrada em vigor da Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, pelo art. 256.º/3, por referência ao n.º 1, al. b) e c) desse preceito legal, e ao art. 255.º, a), do CP e, actualmente, pelo art. 256.º/3 por referência ao n.º 1, als. d) e e) desse preceito legal e ao art. 255.º, a), do CP), determinando, em cúmulo jurídico de penas, uma pena de prisão de 4 anos e 3 meses, substituída por pena de suspensão de execução da pena de prisão com a duração de 4 anos e 3 meses, mediante a condição de efectuar o pagamento da quantia de € 25.000,00 ao Centro de Apoio Social ……...

Ainda no âmbito do julgamento na 1ª instância, o arguido veio suscitar a questão de ofensa do princípio do caso julgado e do princípio ne bis in idem, defendendo que os factos pelos quais se encontrava a ser julgado nos presentes autos já tinham sido objecto de decisão transitada em julgado, num processo de contra-ordenação.

O Tribunal, apreciando tal questão, decidiu que não existia ofensa do princípio do caso julgado nem violação do princípio ne bis in idem.

Inconformado, o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de ……., suscitando novamente a questão da ofensa do princípio do caso julgado e da violação do princípio ne bis in idem, tendo aquele tribunal concluído, tal com decidido pelo Tribunal de 1ª instância, que não tinha sido violado o princípio ne bis in idem, quer na sua vertente substantiva, quer na sua vertente processual, julgando, assim improcedente, a questão suscitada.

Ainda inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando como questão prévia, a admissibilidade do recurso, por violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem, sustentando que o recurso deve ser admitido com fundamento no disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do art.º 4.º do CPP e entendendo que esta é a única forma de assegurar o duplo grau de jurisdição e o direito ao recurso, constitucionalmente garantido no artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa. E reputa como inconstitucional a interpretação dos arts. 629º, n.º 2, al. a), do CPC e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado.

Sobre a admissibilidade do recurso com fundamento no disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, pronunciou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/01/2021 (acórdão recorrido) no sentido de não ser aplicável em recurso da matéria penal a norma contida no artº 629º, nº 2, al. a) do Cod. Proc. Civil, porquanto não existe, a esse propósito, qualquer lacuna no regime de recursos previsto no Cod. Proc. Penal, a exigir a intervenção subsidiária daquela norma.

E, sobre a necessidade de assegurar o duplo grau de jurisdição, impondo-se por isso a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, por no caso existir a ofensa ao caso julgado, sustentou o recorrente (conclusão 6ª da sua motivação) que “o Tribunal a quo procedeu, ele próprio, a um julgamento da causa, na sequência de impulso do titular da acção penal, assim dando continuidade ao duplo processamento que vem fazendo curso nesta causa penal; e impôs uma punição que foi para além do que o Tribunal de 1.ª Instância havia determinado, assim reforçando a dupla penalização sofrida pelo arguido, pelo que se mostram reunidas razões mais do que suficientes para que o recurso que ora se interpõe com fundamento em ofensa ao caso julgado seja admitido, ao abrigo do art.º 629.º/2/a) do CPC” concluindo (conclusão 7ª da mesma motivação) reputar “como inconstitucional, por violação do direito ao duplo grau de jurisdição garantido pelo direito ao recurso previsto no art.º 32.º/1 da Constituição, a interpretação dos arts. 629.º, n.º 2, al. a), do CPC (subsidiariamente aplicável ao processo penal com base no art.º 4.º do CPP) e 400.º, n.º 1, al. e), do CPP, no sentido de que não é recorrível o Acórdão da Relação que ofenda, ele próprio, o caso julgado”.

E, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de …/…/2021 (acórdão recorrido), entendendo que não houve violação do caso julgado, por se mostrar já garantido o duplo grau de jurisdição, pronunciou-se do modo seguinte:

«Com efeito, a pretensa ofensa de caso julgado e violação do princípio ne bis in idem foi abordada, prima facie, no tribunal de 1ª instância, onde foi suscitada – entre outros – pelo recorrente P……….., aí se concluindo que “reportando-nos a normas com destinatários distintos e que protegem bens jurídicos diversos, estamos perante uma situação de concurso efectivo de normas, pelo que inexiste, por um lado, qualquer violação do disposto no art.º 79.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, e, por outro, qualquer violação do princípio ne bis in idem, constitucionalmente consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da CRP. Pelo exposto, indefere-se a invocada aplicação aos presentes autos do disposto no art.º 79.º, n.º 2, do DL n.º 433/82, de 27-10, bem como indefere-se a aplicação a estes autos do princípio ne bis in idem, consagrado no art.º 29.º, n.º 5, da CRP”.

Foi, depois, apreciada – aliás, de forma exaustiva – pelo Tribunal da Relação ….. (por aí ter sido suscitada, em sede de recurso, pelo arguido P………., entre outros), que desta forma concluiu: “- A interpretação normativa do disposto no artigo 208º do RGICSF efectuada pelo Tribunal a quo no sentido de permitir o julgamento e a condenação penais do agente por crimes de falsificação de documento autêntico p. e p. pelo artigo 256º, nº1, als. a) e c), do C.Penal e de falsidade informática p. e p. pelo artigo 4º, nº 1 e 2, da Lei nº 109/91 e actualmente pelo artigo 3º, nº 1 e 3, da Lei nº 109/2009, de 15 de Setembro, depois deste, por factos em parte coincidentes, ter sido anteriormente julgado e condenado pela prática da contra-ordenação p. e p. pelo artigo 211º, al. g), do RGICSF, condenação já transitada em julgado, não viola o princípio ne bis in idem previsto no artigo 29º, nº5, da CRP – mesmo considerando a primitiva versão daquele preceito do RGICSF. - A interpretação efectuada pelo tribunal a quo do artigo 208º do RGICSF (mesmo na versão primitiva deste preceito) no sentido de permitir a prossecução criminal e contra-ordenacional da pessoa pelos mesmos factos quando esses factos violam diferentes bens jurídicos, não viola o disposto no artigo 29º, nº5, da CRP. Em conclusão, não foi violado o princípio ne bis in idem, quer na sua vertente substantiva, quer na sua vertente processual. Improcede, pois, a questão suscitada pelos recorrentes”.

O duplo grau de jurisdição mostra-se, assim, respeitado, sendo certo que o artº 32º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, assegurando o direito ao recurso, não impõe um duplo grau de recurso ou, por outras palavras, não impõe um triplo grau de jurisdição.

A tal não obsta, assim o entendemos, o facto de o recorrente ter sido condenado, em 1ª instância, na pena única de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa por igual período, sob condição, e tal pena ter sido agravada em sede de recurso, na procedência de pretensão do Ministério Público, para 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão, efectiva na sua execução.

(…)

E assim concluindo, resta dizer que a decisão que admite o recurso não vincula o tribunal superior (artº 414º, nº 3 do CPP) e, consequente, rejeitar o recurso interposto pelo arguido P……….., por ser quanto a ele irrecorrível a decisão proferida pelo Tribunal da Relação – artºs 414º, nº 2 e 420º, nº 1, al. b), ambos do CPP – condenando o recorrente no pagamento de uma importância igual a 5 (cinco) UC’s – artº 420º, nº 3 do CPP».

*

II.3.5. Pese embora estejamos, nos dois acórdãos em causa, perante a análise de saber se é admissível recurso, para o Supremo Tribunal de Justiça, de decisão proferida pelo Tribunal da Relação quando o respectivo fundamento for a ofensa ou violação do caso julgado, por aplicação subsidiária das regras do processo civil (art.º 629.º, n.º 2, al. a) do CPC, ex vi art.º 4.º do CPP), as situações de facto não possuem identidade, ou seja, não são idênticas ou equivalentes, a solução jurídica seguida em um e outro acórdão não é oposta.

Relativamente ao requisito da oposição entre soluções de direito, o Supremo consolidou jurisprudência no sentido de que essa oposição tem de definir-se a partir de uma identidade de facto, de uma homologia encontrada nas situações de facto apreciadas nos dois acórdãos.

Propugna o Acórdão do STJ, de 23-01-2005, Proc. 357/12.0TXPRT-G.P1-A.S1, in www.dgsi.pt.:

 “(…) o Supremo Tribunal de Justiça vem consolidando o entendimento de que a existência de decisões antagónicas pressupõe, para além de julgados expressos, a identidade de situações de facto base das decisões de direito antitéticas ou conflituantes”; “… a oposição de julgados pressupõe decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito, proferidas no domínio da mesma legislação, sendo que a decisão da questão de direito não pode ser desligada do substracto factual sobre a qual incide”.

E reiterou-se no recente acórdão do STJ de 21.04.2021 (proc. 169/19.0GBOAZ.P1-A.S1, 3ª secção, relator: Nuno Gonçalves), mantendo uma jurisprudência do Supremo há muito uniforme, que:

III – O pressuposto material da identidade da questão de direito exige que:

a.  as asserções antagónicas dos acórdãos invocados como opostos tenham consagrado soluções diferentes para a mesma questão fundamental de direito;

b.  as decisões em oposição sejam expressas;

c.  as situações de facto e o respetivo enquadramento jurídico sejam idênticos em ambas as decisões.

IV – Não pode haver oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respetivas decisões”.

Efetivamente, como salienta a jurisprudência, não pode haver oposição ou contradição entre dois acórdãos, relativamente à mesma questão fundamental de direito, quando são diversos os pressupostos de facto em que assentaram as respetivas decisões.

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II.3.6. No caso vertente, no acórdão fundamento, a decisão que, alegadamente, violou o caso julgado foi a proferida pelo Tribunal da Relação.

Estava em causa o caso julgado formal porque a decisão que lhe serviu de base recaiu sobre a relação processual de os autos terem ou não a natureza de excepcional complexidade e, já não, material ou substantiva (caso julgado material).

E o Mº Pº suscitou a questão prévia da admissibilidade do recurso, precisamente com fundamento na violação do caso julgado.

O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015, salientando que a possibilidade de ser interposto recurso para o STJ com fundamento na ofensa do caso julgado está limitada aos casos em que, como no presente, a decisão que alegadamente viola caso julgado é de um Tribunal da Relação, surgindo o recurso como o efectivar então do segundo grau de jurisdição, concluiu que nos termos do artº 629º, nº 2, alín. a) do CPC, por força do artº 4º do CPP, é admissível recurso para o STJ com fundamento em o acórdão da Relação ofender o caso julgado.

De seguida, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Setembro de 2015 (acórdão fundamento), questiona se, no caso concreto, existe a ofensa ao caso julgado, concluindo pela violação pelo acórdão do Tribunal da Relação, do princípio do caso julgado, consignando:

«Em suma, uma vez que o Tribunal da Relação de Lisboa conheceu em recurso e por acórdão transitado em julgado da decisão do Tribunal Central de Instrução Criminal que declarou o processo de excepcional complexidade, não poderia o mesmo tribunal e no mesmo processo e perante idêntico quadro factual e jurídico, pronunciar-se em novo acórdão em sentido contrário, somente porque a questão fora suscitada por outro arguido.

Porque foi, assim, violado o caso julgado formal (art.º 620.°, nº 1, 625.° e 628.° do CPC, ex vi art° 4.° do CPP) não pode esse acórdão subsistir».

Na verdade, o Tribunal da Relação, no âmbito do mesmo processo e em relação à mesma questão – especial complexidade do inquérito –, proferiu duas decisões díspares e incompatíveis, embora os pressupostos de facto e de direito fossem os mesmos. Com efeito, proferiu uma decisão que estabelecia que, em relação a um dos arguidos, o processo mantinha a excepcional complexidade; e posteriormente, uma outra, de acordo com a qual, em relação a outro dos arguidos do mesmo processo, se não mantinha a excepcional complexidade.

Ora, foi com base em tais factos, a alegada violação pelo acórdão do Tribunal da Relação, do princípio do caso julgado, que o acórdão fundamento entendeu que era admissível recurso do acórdão da Relação para o STJ, com fundamento em ofensa do caso julgado, nos termos do artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC, ex vi do art.º 4.º do CPP, uma vez que a decisão de que se recorria e que, alegadamente, violava o princípio do caso julgado era a decisão proferida por um Tribunal da Relação (em 1ª mão).

Entendeu o acórdão fundamento que só desta forma se assegurava o direito ao recurso.

Substancialmente diverso, todavia, foi o que se passou no acórdão recorrido.

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II.3.7. No Acórdão recorrido (de …/…/2021), como vimos, foi entendido que o duplo grau de jurisdição já se mostrava garantido.

O arguido invocara, ainda durante o julgamento que decorreu na 1.º instância, que se verificava a violação do princípio ne bis in idem e do caso julgado, porquanto defendeu que os factos pelos quais estava a ser julgado nesses autos já tinham sido objecto de apreciação em sede de processo de contra-ordenação, no qual tinha sido condenado, por sentença transitada em julgado (nesse mesmo processo de contra-ordenação).

O Tribunal de 1ª instância pronunciou-se sobre esta matéria, decidindo que não existia violação do princípio ne bis in idem e do caso julgado.

Inconformado, o arguido suscitou novamente a mesma questão, em sede de recurso para o Tribunal da Relação, o qual indeferiu a sua pretensão, entendendo, também, que não ocorria a violação de princípios invocada; ou seja, neste caso o Tribunal da Relação conheceu da questão da violação do caso julgado em sede de recurso e não em 1ª mão, ou deu ele próprio causa a essa violação.

Ainda inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, invocando como questão prévia, a admissibilidade do recurso, por violação do caso julgado e do princípio ne bis in idem, sustentando que o recurso deve ser admitido com fundamento no disposto no art.º 629.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável por força do art.º 4.º do CPP.

O acórdão recorrido entendeu que não era recorrível o acórdão da Relação com o fundamento em violação de caso julgado, nos termos do disposto no artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP, uma vez que a questão da violação do princípio do caso julgado já tinha sido suscitada e apreciada – de forma exaustiva, aliás – em 1.º instância e, novamente, em sede de recurso no Tribunal da Relação; ou seja, esta questão – violação do princípio do caso julgado – já tinha sido apreciada por dois tribunais, encontrando-se assim plenamente assegurado o direito ao recurso. Assim, a admitir-se ainda um novo recurso, agora para o STJ, com tal fundamento, o arguido acabaria por ser a mesma questão apreciada por 3 tribunais distintos.

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II.3.8. Verifica-se, pois, uma substancial diversidade de enquadramento fático-jurídico em que o STJ proferiu decisões divergentes, pelo que as decisões apresentadas pelo recorrente não são conflituantes, pois as bases factuais em que assentam, por serem distintas, inviabilizam a similitude dos enquadramentos jurídicos operados em cada uma delas.

No acórdão fundamento, foi admitida a possibilidade de interposição do recurso para o STJ com fundamento na ofensa do caso julgado, quando a decisão que alegadamente viola o caso julgado é de um Tribunal da Relação, surgindo o recurso como o efectivar então do segundo grau de jurisdição, sendo certo que, no caso concreto, existiu a ofensa ao caso julgado.

Já o acórdão recorrido entendeu que não era recorrível o acórdão da Relação com o fundamento em violação de caso julgado, nos termos do disposto no artigo 629.º n.º 2 al. a) do CPC ex vi do artigo 4.º do CPP, uma vez que não houve qualquer violação do caso julgado, sendo certo que a questão da violação do princípio do caso julgado já tinha sido suscitada e apreciada em 1.º instância e, novamente, em sede de recurso no Tribunal da Relação, encontrando-se assim plenamente assegurado o direito ao recurso.

Na verdade, mesmo que fosse admissível a interposição pretendida e a aplicação subsidiária da via recursiva processual civil, sempre se estaria perante uma situação que, em concreto, não conduziria à afirmação de violação de caso julgado formal.

Também por esta razão, mesmo que processualmente o presente recurso se tornasse admissível, o que não sucede, sempre se estaria perante uma situação que, materialmente, não justificaria o acesso ao Supremo com o fundamento em violação de caso julgado.

Inexiste, pois, oposição expressa de soluções sobre a mesma questão de direito, razão pela qual deve o presente recurso ser rejeitado.

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III. Conclusão

 

Termos em que, pelo exposto, acordam os juízes da secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:

a) rejeitar o presente recurso de fixação de jurisprudência, nos termos do disposto no art. 441.º, n.º 1 do Código de Processo Penal;

b) condenar o recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) unidades de conta, nos termos dos arts. 420.º, n.º 3, ex vi art. 448.º, ambos do Código de Processo Penal.

Lisboa, 10 de Março de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Eduardo Loureiro (Adjunto)

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[1] Lapso de escrita, pois pretendia referir-se ao artº 414º do C.P.P.