Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
165595/11.1YIPRT.G2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PACTO ATRIBUTIVO DE JURISDIÇÃO
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
AUTONOMIA DA VONTADE
REGULAMENTO (CE) 44/2001
REQUISITOS
FORMA ESCRITA
VONTADE DOS CONTRAENTES
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
Data do Acordão: 07/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO COMUNITÁRIO - COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL / MODIFICAÇÕES DA COMPETÊNCIA.
Doutrina:
- Maria Victória Ferreira da Rocha, “Competência Internacional e autonomia privada: Pactos privativos e atributivos de jurisdição no direito português e na Convenção de Bruxelas de 27-9-1968”, Revista de Direito e Economia, Ano XIII, 1987, pp.176, 195-1969.
- Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas”; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998.
- Vaz Serra; RLJ, ano 101, p.377.
-Teixeira de Sousa, Miguel, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 2.ª edição, 2007, pág. 125, 126 a 128.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 217.º.
CÓDIGO PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 99.º, 110.º, N.º2.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (CE) N.º 44/2001, DO CONSELHO, DE 22 DE DEZEMBRO DE 2000, RELATIVO À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA, AO RECONHECIMENTO E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL, PUBLICADA NO JORNAL OFICIAL DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, EM 16.01.2001, REPRODUZ, NA ESSENCIALIDADE, NO SEU ARTIGO 23.º, O ARTIGO 17.º DA CONVENÇÃO DE BRUXELAS, DE 27 DE SETEMBRO DE 1968, RELATIVA À COMPETÊNCIA JUDICIÁRIA E À EXECUÇÃO DE DECISÕES EM MATÉRIA CIVIL E COMERCIAL.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES:
-DE 21/11/2013, IN WWW.DGSI.PT .
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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 32/01/1968, BMJ 173, P. 263 E DE 23/07/1981, BMJ N.º 309, P. 303-308.
-DE 17/06/97 (C.J-ACÓRDÃOS DO STJ, 2º, PÁG. 128) E DE 23/04/96 (BMJ 456, PÁG. 353).
-DE 1/07/99 (CJ-ACÓRDÃOS DO STJ, 1999, 3º, PÁG. 11) E DE 12/06/97 (BMJ 468, PÁG. 324).,
-DE 8/10/2009, PROC. N.º 5138/06.8TBSTS.S1, 2.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
*
- ACÓRDÃO (DE UNIFORMIZAÇÃO) DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA N.º 3/2008, DE 228 DE FEVEREIRO DE 2008, DR, I.ª SÉRIE, N.º 36, DE 3 DE ABRIL DE 2008.
Sumário :
I - As partes podem, em homenagem ao princípio da autonomia da vontade em matéria de competência internacional, eleger, mediante pacto ou convenção, a jurisdição com competência para dirimir um conflito que surja no desenvolvimento de uma relação contratual (substantiva) que as partes, com domicílio em distintos Estados, hajam contratualizado.

II - A convenção de foro de jurisdição tem de obedecer e observar os requisitos insertos nos instrumentos internacionais que regem para efeitos de atribuição do foro de jurisdição, notadamente, no caso de relações contratuais estabelecidas entre Estados participantes na União Europeia, no Regulamento n.º 44/2001, de 22-12-2000.

III - A validade da convenção ou pacto de jurisdição tem de se conformar com as condições de aferição de validade inscritas na ordem jurídica interna, a saber do art. 99.º do CPC.

IV - A aceitação de uma convenção de foro de jurisdição, tem de se conformar com o estipulado no art. 23.º do Regulamento n.º 44/2001.

V - Não satisfaz a condição de aceitação da convenção, a não formalização por escrito, ou por outra forma de expressão concludente e inderrogável, dessa aceitação.

VI - A inclusão num anexo a um pedido de encomenda para prestação de serviços, sob a epígrafe “condições gerais de compra” de uma cláusula donde conste a atribuição de um foro privativo de jurisdição, não é idónea para, ainda que o declaratário não tenha manifestado oposição, atribuição do foro que nela se inscreveu.

VII - Tratando-se de uma cláusula inserta numa folha de feição de adesão, que não foi objecto de assinatura por qualquer das partes, a proposta nela inserta, de atribuição de jurisdição, teria de ser confirmada por escrito, ou por forma que demonstrasse, da parte do contraente que a recebe, que aceitaria o foro nela atribuído.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.
Através de requerimento de injunção – cfr. fls. 2 -, a firma que gira sob a denominação, “AA, Sociedade Unipessoal, Lda.” pediu a condenação de “BB, S.A.” na quantia de € 31.404,65 (capital e juros), alegando ter-lhe prestado serviços que constaram do transporte de uma máquina de retro escavadora e serviço prestado com esta máquina, que haviam sido contratualizados com a requerida.
Os serviços prestados foram executados em benefício da demandada e os respectivos custos debitados nas facturas que indica no requerimento inicial, com data de pagamento nelas referidos. 
A demanda reconhece a dívida, porém, não tinha pago até ao momento da propositura da acção.
Na contestação com que contraminou a pretensão da demandante, a demandada, suscitou a incompetência do tribunal de Guimarães para apreciar o litigio que a opõe à peticionante, por o foro competente para a dirimição dos conflitos ter sido expressamente referido no contrato, que a demandada aceitou, ter sido o tribunal de Sevilha.
No despacho saneador veio a ser aceite a oposição exceptiva da demandada, e o tribunal de Guimarães foi julgado “(…) internacionalmente incompetente, em virtude de violação de pacto privativo de jurisdição e, consequentemente, absolveu a ré da instância.”.

No recurso (de apelação) que interpôs da decisão proferida no tribunal de primeira (1.ª) instância, veio a decisão a ser confirmada – cfr. fls.  

Do acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Guimarães, traz a demandante recurso de revista que foi admitido, ao da alínea a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código Processo Civil. 

Para o recurso que impulsou, dessumiu a demandante o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.

I.A. – Quadro Conclusivo.

“1 - O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 15/10/2013, proferido no processo n.º 165595/11.1 Y;PRT. G2, de que ora se recorre, entende que à luz do disposto na al. a), do art. 23.º do Regulamento (CE) 44/2001 o pacto de atribuição de jurisdição pode ser de aceitação tácita, o que significa que o mesmo não tem que ser assinado pelas partes, podendo a sua aceitação ser retirada de um "quadro negocial padronizado" e do cumprimento, efectivo, do contrato.

2- Por seu turno, no ac6rdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/11/2007, proferido no Processo n.º 9/07.3TBOFR.C1, (Ac6rdão fundamento) entendeu-se que impondo o Regulamento que o pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado por escrito, tanto no que se refere à proposta como a aceitação, então, considerou que uma cláusula de pacto atributivo, aposta numa factura, enviada pela vendedora ao comprador (e, portanto ainda que com identificação expressa das partes), s6 é válida se houver aceitação escrita (e não meramente tácita).

3 - Concluiu, assim, que caso não exista aceitação escrita, tal cláusula de pacto atributivo tem apenas inserta uma proposta e não um verdadeiro pacto de jurisdição.

4. – Verifica-se, assim, a prolação pelo Tribunal da Relação de Coimbra e pelo Tribunal da Relação de Guimarães, no domínio da mesma legislação e decidindo sobre a mesma questão de direito, em sede de interpretação da mesma norma jurídica - art. 23.º do Regulamento (C.E) n.º 44/2001 -, de dois acórdãos, de forma diferente e contraditória.

5 - Interpretações diferentes que, debruçando-se sobre igual factualidade - quer nos seus elementos objectivos, quer subjectivos - conduziram a opostas soluções relativas à mesma questão jurídica, ou seja, considerando num caso a aceitação tácita do pacto atributivo de jurisdição e exigindo no outro a forma escrita para a sua validade enquanto cláusula atributiva de jurisdição.

6 - Impondo-se, por isso, no nosso modesto entendimento e salvo melhor opinião em contrário, que através do presente recurso excepcional de revista, seja fixada jurisprudência sobre a questão que, assim, se suscita.

Termos em que deve o recurso excepcional de revista ser aceite, alterando-se o Acórdão Recorrido de acordo com a interpretação dada ao art. 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 pelo Tribunal da Relação de Coimbra, por este ter feito o melhor enquadramento e interpretação da lei aos factos, tudo com as legais consequências.”

Contraminou a pretensão do recorrente, a demandada, tendo dessumido o quadro conclusivo que a seguir queda extractado.

“1. O presente Recurso de Revista Excepcional tem como fundamento a alegada oposição do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, em 27 de Novembro de 2007, no âmbito do processo n.º 9/07.3TBOFR.C1.

2. Sucede, porém, que não se encontram preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do mesmo.

3. A Revista Excepcional pressupõe que não seja admissível a Revista nos termos gerais, em virtude de existir uma dupla conforme, isto é, que o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação confirme, sem voto vencido e sem fundamentação diversa, a decisão da Primeira Instância (cfr. n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil).

4. Ora, in casu, o Acórdão foi proferido com voto vencido do Exmo. Senhor Juiz Desembargador António Beça Pereira.

5. Pelo que, não se verificando uma dupla conforme, é o presente Recurso de Revista Excepcional inadmissível.

6. Não existe contradição entre o Acórdão Recorrido e o Acórdão Fundamento.

7. Enquanto o primeiro defende a validade de um pacto privativo de jurisdição constante de uma nota de encomenda, isto é, da proposta contratual aceite tacitamente, o segundo defende a invalidade de um pacto privativo de jurisdição inserido em factura, posterior à celebração do contrato e portanto não oferecido à aceitação da outra parte.

8. Por isso é que no Acórdão Fundamento se refere - e bem, na esteira de jurisprudência comunitária - que embora seja suficiente que a convenção verbal fosse confirmada por escrito por uma das partes, desde que a outra haja sido notificada e não se tenha oposto, o mesmo não sucede quando não há um prévio acordo verbal (cfr. página 10).

9. A alínea a) do artigo 23.º do Regulamento (C E) 44/2001, de 16 de Janeiro, exige, entre outros requisitos para a admissibilidade do pacto, que o mesmo seja celebrado de forma escrita ou, caso o seja verbalmente, que o mesmo seja confirmado por escrito.

10. Contudo, não se exige que a aceitação seja escrita.

11. Pelo que, a Recorrente, ao tomar conhecimento das condições gerais constantes do pedido de encomenda da Recorrida, onde se baseou para elaborar a sua proposta de orçamento, e ao não manifestar qualquer reserva às mesmas, aceitou tacitamente o pacto atributivo de jurisdição.

12. Pelo que, bem andou o Tribunal da Relação de Guimarães ao confirmar a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância que se considerou internacionalmente incompetente para apreciar o presente Litigio.

13. Neste sentido, veja-se os Acórdãos deste Venerando Tribunal de 8 de Outubro de 2009 e de 23 de Abril de 1996, bem como os Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 14 de Dezembro de 2005 e de 24 de Janeiro de 2012, os quais confirmam a admissibilidade do pacto de atribuição de jurisdição aposto em condições gerais ou mesmo em facturas, com aceitação tácita da contraparte.

14. Por conseguinte, deve concluir-se pela validade do pacto atributivo de competência internacional aos tribunais judiciais de Sevilha, confirmando o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães.”

I.B. – Questões a merecer apreciação.

Na inferência do quadro conclusivo, supra extractado, apura-se a sequente questão a apreciar:

- Violação das regras de competência internacional.

II. – Fundamentação.

II.A. – De Facto.
“1 - Do pedido de encomenda junto a fls. 27-28, constam as condições gerais do contrato de prestação de serviços que celebrou com a autora, constando expressamente da sua Cláusula n.º 23 que em caso de litígio são competentes os Tribunais de Justiça de Sevilha.
2 - Juntas aos autos as facturas relativas aos serviços prestados, delas não consta qualquer indicação contrária à fixação daquele foro.
3 - O caso coloca-se entre duas empresas: uma portuguesa e outra espanhola.
4 – A autora cumpriu efectivamente o contrato.
5 – Todas as cláusulas do contrato surgem no mesmo contexto e têm a mesma apresentação gráfica.”

II.B. – de Direito.

II.B.1. - Violação das regras de competência internacional.

Mantém a recorrente a discordância do decidido por, em seu aviso, alínea a) do artigo 23.º do Regulamento (C E) 44/2001, de 16 de Janeiro exigir, no caso de não ter sido prefigurado um acordo (pacto) de jurisdição (internacional) se tornar necessário a vinculação, expressa, dos co-pactuantes, estando arredada a anuência ou aceitação tácita do pacto de jurisdição proposto por uma das partes, por exemplo numa proposta de contrato exteriorizado por um dos contraentes.

“Surge um problema de competência internacional, ou seja, de determinação de competência dos tribunais de um país no seu conjunto face aos tribunais estrangeiros, sempre que uma causa esteja, através dos seus elementos, em contacto com mais de uma ordem jurídica. Os tribunais portugueses serão competentes quando haja um elemento de conexão considerado pela nossa lei processual suficientemente relevante para ser factor atributivo de competência internacional aos nossos tribunais.” [[1]/[2]]

O pacto mediante o qual se retira competência a um ou vários tribunais portugueses e a atribui em exclusivo a um ou a vários tribunais estrangeiros, designa-se pacto privativo de jurisdição, sendo o pacto atributivo [[3]] de competência aquele mediante o qual se concede a competência a um ou a vários tribunais portugueses, podendo esta ser concorrente ou exclusiva. [[4]]

Para Miguel Teixeira de Sousa [[5]] constituem-se requisitos de validade dos pactos de jurisdição: “a. (…) se for justificado por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que, neste último caso, não envolva inconveniente grave para a outra (art. 99º/3-c CPC). Este requisito destina-se essencialmente a salvaguardar a posição da parte mais fraca.

b. O pacto de jurisdição não pode ofender a competência exclusiva dos Tribunais portugueses (art. 99º/3-a CPC); sobre esta competência, art. 65º-A CPC, isto é, o pacto não pode privar os Tribunais portugueses da sua competência exclusiva.

c. O pacto deve mencionar expressamente a jurisdição competente (art. 99º/3-e in fine CPC). A designação do Tribunal competente (pertencente à ordem jurídica de uma das partes, de ambas ou de nenhuma delas) pode ser feita directamente: nesta eventualidade, as partes indicam um Tribunal específico. Mas essa indicação também pode ser realizada indirectamente através de uma remissão para o Tribunal que for competente segundo as regras de competência vigentes na jurisdição designada: nessa hipótese, as partes designam globalmente os Tribunais de uma jurisdição.

d. O pacto de jurisdição só é válido se constar de acordo escrito ou confirmado por escrito (art. 9º/3-c CPC). Para este efeito, considera-se reduzido a escrito o acordo que consta de documentos assinados pelas partes ou que resulta de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste uma cláusula que remeta para algum documento que o contenha (art. 99º/4 CPC).”

O Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho, de 22 de Dezembro de 2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias, em 16.01.2001, reproduz, na essencialidade, no seu artigo 23.º, o artigo 17.º da Convenção de Bruxelas, de 27 de Setembro de 1968, relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial. [[6]]        

Nos termos deste normativo (artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, “1. Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:

a) Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou

b) Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.

2. Qualquer comunicação por via electrónica que permita um registo duradouro do pacto equivale «à forma escrita».

Os autores [[7]] soem aferir três requisitos de validade aos pactos de jurisdição abrangidos pelo artigo 17.º da Convenção de Bruxelas: “1.º A convenção deve ser celebrada ou por escrito, ou de acordo com os usos que as partes estabeleceram entre si ou, no âmbito do comércio internacional, de acordo com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contrato do tipo celebrado; 2.º A convenção não pode recair sobre matérias abrangidas pelo art.16.º da Convenção de Bruxelas (competências exclusivas); 3.º A convenção deverá determinar os litígios de que o tribunal designado pode conhecer ou qual a relação jurídica geradora dos litígios sujeitos à jurisdição convencionalmente estabelecida.”    

Quanto à forma – questão que aqui se apresenta em tela de juízo – estipula o artigo 110.º, n.º 2 do Código Processo Civil que «o acordo há-de satisfazer os requisitos de forma do contrato, fonte da obrigação, contanto que seja escrito». Exige-se, no mínimo a forma escrita, mesmo quando esteja em causa uma obrigação que pela lei substantiva possa ser validamente contraída verbalmente, Escreve Alberto dos Reis: “a convenção verbal é suficiente, em tal caso, para fazer nascer a obrigação substancial; mas não é suficiente para desviar do tribunal normalmente competente a acção destinada a exigir a obrigação”.[[8]]

Para Maria Victória Ferreira da Rocha, qualquer forma escrita á admissível. “a lei limita-se a exigir que «o acordo conste de um escrito». Desde que «se exiba um escrito contendo um acordo sobre o tribunal competente para a acção, o juiz há-de tomá-lo em conta, o que não quer dizer que tenha imediatamente por provada a estipulação de tribunal competente; isso dependerá da força probatória do escrito»” [[9]]  

Em decisões deste Supremo Tribunal citados pela Autora [[10]] foi decidido que bastava a redução do contrato a escrito, «não requerendo a aceitação especifica da cláusula atributiva de jurisdição. “E mais, considera que «ainda que se entendesse necessária a aceitação por escrito (ut. Vaz Serra; RLJ, ano 101, p.377) sempre seria de ponderar que o carácter formal da declaração não impede que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz (art. 217.º do C.Civil»” [[11]]     

No caso concreto, a demandada funda a atribuição da jurisdição – foro prorrogando – na aposição nas cláusulas gerais de compra que juntou com o pedido – cfr. fls. 27 e 28. No pedido que fez dos serviços, a demandada “BB” juntou, unilateralmente, um anexo em que constam as “condiciones generales de Compra”. Neste anexo ao pedido, ou nota de encomenda, vem aposta uma cláusula – a derradeira – sob o n.º 23 que refere (sic): “23. Jurisdicción: Salvo estipulación particular en contrario en contra de ambas as partes y no obstante las clausulas contrarias que puedan existir en la documentación comercial del proveedor, la aceptación deste pedido, entraña en caso de litigio, la atribuición de competencia de los tribunales de Justicia de Sevilla.”

O contrato de prestação de serviços celebrado entre os dois contraentes não consta de forma escrito nem foi reduzido a escrito, pelo que tem que se ter por adquirido que o contrato foi celebrado verbalmente, sendo a sua culminação concretizada com a nota de encomenda “Pedido” constante de fls. 27.

Não consta em qualquer parte do documento de “Pedido” a assinatura da demandante, nem está demonstrado que a demandante tenha expresso, de forma escrita, a sua aceitação à cláusula aposta nas “Condiciones generales de compra”.

Repontar-se-á que a demandante teve oportunidade de manifestar a sua não aceitação à clausula geral de atribuição de um foro privativo de jurisdição – o foro do Estado espanhol, concretamente o tribunal de Sevilha – e que não o fez, pelo que o seu silêncio deve ter-se como aceitação tácita, nos termos do artigo 217.º, n.º 2 do Código Civil. [[12]

A jurisprudência tem decidido de forma não uniforme a questão de formalização, ou necessidade de formalizar, por escrito, a aceitação de uma cláusula de atribuição de um forro prorrogando constante de um contrato. [[13]]

Com se disse supra o artigo 23.º do Regulamento 44/2001 exige que os pactos de atribuição se conformem com as regras insertas nas respectivas alíneas do seu artigo 1º: por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; b) respeito pelos usos que as partes estabeleçam entre si; c) usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contratos do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.  

Em nosso juízo, no caso concreto, a anexação a um pedido de encomenda de serviços de uma folha com as condições gerais de compra, não satisfaz o requisito inserto na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento.

Na verdade trata-se de uma folha anexa a um pedido de encomenda de serviços que assume uma proposta de adesão geral, ou seja sem especificação autónoma e individualizada de uma proposta de convenção de atribuição de jurisdição. Trata-se de uma cláusula dispersa e inserta numa folha anexa a que a parte contraente não dispensa atenção concreta e focalizada. Não consta que os contraentes tivessem verbalmente acordado ou convencionado um foro de jurisdição e ambas as partes tenham aderido á convenção estabelecida.

Em situações similares que vimos tratadas em outros arestos [[14]] as notas de encomenda encontravam-se assinadas pelos contraentes e nesse caso foi considerado estar verificado o requisito da aceitação, sob a forma escrita, da convenção de atribuição do foro de jurisdição.

No caso que nos ocupa, vinca-se e repisa-se, a nota de encomenda não se encontra assinada pelo contraente que a recebeu e cumpriu a prestação de serviços contidos na referida nota, sendo que não cumpre o requisito de convenção escrita a aposição num anexo referente às condições gerias de compra de uma cláusula em que uma das partes se arroga, unilateralmente e de forma genérica, a imposição de um foro de jurisdição.

A falta de confirmação por escrito, ou pelo menos uma conduta expressiva de aceitação da cláusula geral revelada pelos usos da contratação entre as partes, nos termos das alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 23.º do Regulamento 44/2001, ilaqueia o reconhecimento de que a parte que recebeu a proposta de aceitação, mediante um anexo ao pedido de encomenda, tivesse aceite a convenção de jurisdição que nesse anexo lhe era proposto.

Pelo exposto, não se considera validamente aceite, por um dos contraentes, o pacto de atribuição de foro constante do anexo a um pedido de encomenda de serviços formulado por uma das pates, em cláusula geral, e sem individualização e autonomia do referido pacto de jurisdição.

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Conceder a revista, e, consequentemente, revogando a decisão recorrida, atribuir a competência ao tribunal Judicial de Guimarães.

- Custas pela recorrida.

Lisboa, 9 de Julho de 2014

            Gabriel Catarino – (Relator)

            Maria Clara Sottomayor                   

            Sebastião Póvoas   

                       

__________________
[1] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, “Competência Internacional e autonomia privada: Pactos  privativos e atributivos de jurisdição no direito português e na Convenção de Bruxelas de 27-9-1968”, Revista de Direito e Economia, Ano XIII, 1987, p.176.    
[2] “(…) as normas de competência internacional definem a susceptibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras e que, além de receberem competência do artigo 65.º, os tribunais portugueses recebem-na, também, de convenções internacionais, sucedendo que estas, no seu campo especifico de aplicação, prevalecem sobre as normas portuguesas, nomeadamente as reguladoras da competência internacional constantes do código.” – cfr. Acórdão (de  Uniformização) do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2008, de 228 de Fevereiro de 2008, DR, I.ª Série, n.º 36, de 3 de Abril de 2008, citando Lebre de Freitas, “Código Processo Civil Anotado, Vol. I, pág. 124.            
[3] “Note-se que o pacto de jurisdição não pode ser, simultaneamente, privativo e atributivo. É evidente que um pacto que retira a jurisdição aos tribunais portugueses (sendo, nessa medida, um pacto privativo de jurisdição) a poderá atribuir a tribunais estrangeiros. Mas essa concessão de jurisdição aos tribunais estrangeiros, que não é sequer obrigatória (basta pensar nos casos em que a jurisdição é cometida a um tribunal arbitral), não permite a qualificação desse pacto como atributivo.
Com efeito, a distinção dos pactos de jurisdição em privativos a atributivos é geograficamente situada, porque caberá a cada estado determinar as competências próprias, que sejam legais, quer convencionais, Assim, é perspectiva do Estado português que o pacto se qualifica como privativo quando retira a jurisdição aos tribunais portugueses) ou atributivo (quando atribui jurisdição aos tribunais portugueses.” – Cfr. Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas”; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998.                  
[4] Cfr. Teixeira de Sousa, Miguel, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2.ª edição, 2007, pág. 125.
[5] Cfr. Teixeira de Sousa, Miguel, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 2.ª edição, 2007, págs. 126 a 128.
[6] A designada Convenção de Bruxelas entrou em vigor em Portugal em 1 de Julho de 1992, conforme Aviso n.º 95/92 do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e publicado no Diário da República, I-A, n.º 157, de 10 de Julho de 1992. 
[7] Cfr. Paula Costa e Silva, “A longa vacatio legis da Convenção de Bruxelas”; Anotação aos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Julho de 1997 e de 5 de Novembro de 1998”.
[8] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, “Competência Internacional e autonomia privada: Pactos  privativos e atributivos de jurisdição no direito português e na Convenção de Bruxelas de 27-9-1968”, Revista de Direito e Economia, Ano XIII, 1987, p. 195.
[9] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, op. loc. cit. pág. 195
[10] Cfr. Acs. De 32-01-1968, BMJ 173, p. 263 e de 23-7-1981, BMJ n.º 309, p. 303-308.
[11] Cfr. Maria Victória Ferreira da Rocha, op. loc. cit. p. 195-196

[12] Cfr. Ac. do S.T.J. de 8/10/2009, Cons. Serra Baptista, Proc. n.º 5138/06.8TBSTS.S1, 2.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, e que aqui seguimos de muito perto, “Na verdade, a declaração negocial pode ser expressa ou tácita: sendo tácita quando se deduz de factos que, com toda a probabilidade, a revelem. Não impedindo o carácter formal da declaração que ela seja emitida tacitamente, desde que a forma tenha sido observada quanto aos factos de que a declaração se deduz – art. 217.º, nºs 1 e 2 do CC .

Sendo certo que, para que se considere a existência de uma declaração negocial tácita, ela terá de deduzir-se do facto que, com toda a probabilidade a revele, do chamado facto concludentia. Havendo entre este e a declaração um nexo de presunção lógico dedutivo que permite deles deduzir uma declaração que lhe é logicamente anterior.”

[13] Cfr. De acordo com os Acs. do STJ de 1.7.99 (CJ-Acórdãos do STJ, 1999, 3º, pág. 11) e de 12.6.97 (BMJ 468, pág. 324), a exigência de aceitação formal,  por ambas as partes, pela forma escrita,  seria requisito invadeável para que o pacto de atribuição de jurisdição se cumprisse e viesse a tornar-se actuante no âmbito declarativo da competência. Ao invés nos Acs. do STJ de 17.6.97 (C.J-Acórdãos do STJ, 2º, pág. 128) e de 23.4.96 (BMJ 456, pág. 353), a atribuição do foro de jurisdição teria que constar de documento, sendo desnecessário que as ambas as partes tivessem formalizado a aceitação do pacto de atribuição mediante forma escrita. Bastaria, para esta corrente jurisprudencial, que a atribuição do foro de jurisdição constasse de uma cláusula e que a outra parte tivesse aderido (tacitamente) à cláusula escrita proposta em que fosse determinado foro competente para a dirimição do conflito adveniente de um litígio superveniente.”
[14] Cfr. Acórdão da Relação de Guimarães de 21 de Novembro de 2013, in www.dgsi.pt.