Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
339/19.1JELSB-A.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: RECURSO PER SALTUM
CÚMULO JURÍDICO
CÚMULO ANTERIOR
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 06/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO.
Sumário :
I - Nos termos do art. 471.º, n.º 2, do CPP, é territorialmente competente, para o conhecimento superveniente do concurso de crimes, o tribunal da última condenação; tendo em conta a data da prolação dos diversos acórdãos condenatórios nos diversos processos referidos, e constantes da matéria de facto, o último julgamento ocorreu nestes com a prolação de acórdão a 13-01-2021.
II - Atendendo ao momento temporal que delimita a realização de um cúmulo jurídico de penas aplicadas em diversos processos (e que é o do primeiro trânsito em julgado) verificamos que de entre todos os processos onde o arguido veio a ser condenado o primeiro trânsito em julgado ocorreu a 23-11-2017; consequentemente são integrados no mesmo cúmulo jurídico todos os factos praticados em momento anterior.
III - As penas que devem ser agora cumuladas já o foram num outro processo cuja decisão já transitou em julgado; ora qualquer decisão nestes autos sobre uma pena única a aplicar ao englobamento daqueles mesmos factos julgados, resultante do conhecimento superveniente do concurso de crimes, porque já conhecido em processo anterior, com decisão transitada em julgado, constituiria um ato inútil [cf. art. 130.º do CPC ex vi art. 4.º do CPP], sabendo que prevalece a decisão prolatada no âmbito do anterior processo, segundo a regra da prevalência da primeira decisão transitada em julgado (art. 625.º, n.º 1, do CPC ex vi art. 4.º do CPP).
Decisão Texto Integral:


Proc. n. º 339/19.1JELSB-A.L1.S1

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:  

I

Relatório

1. No Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Oeste (Juízo Central Criminal de Cascais — Juiz 2) foi julgado, em audiência de discussão e julgamento, ao abrigo do disposto no art. 472.º, do CPP, o arguido AA e, por acórdão de 17.11.2021, foi condenado na pena única conjunta de 9 (nove) anos de prisão, resultante do cúmulo jurídico das penas aplicadas nos processos n.ºs 339/19.1JELSB (estes autos), 281/15... e 472/15....

2. Inconformado, o Ministério Público junto do Tribunal da Comarca de Lisboa-Oeste interpôs recurso do acórdão cumulatório; o recurso foi admitido por despacho de 03.02.2022.

O recorrente concluiu a motivação nos seguintes termos:

«1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão cumulatório de 17.11.2021, nos termos do qual foi decidido proceder ao cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, condenado o mesmo em duas penas únicas de cumprimento sucessivo, nomeadamente:

- uma de 9 anos de prisão, aplicada em cúmulo das penas parcelares sofridas nos processos n.º 339/19…, do Juízo Central Criminal de …, n.º 281/15…, do Juízo Local Criminal de …, e n.º 472/15…, do Juízo Central Criminal de …;

- outra de 6 anos de prisão, aplicada em cúmulo das penas parcelares sofridas nos processos n.º 76/16…, do Juízo Central Criminal de …, e n.º 449/15…, do Juízo Local Criminal de ….

2. Considerando as condenações sofridas por aquele arguido, tal como resulta do respectivo certificado de registo criminal e das certidões juntas aos autos, tenta a data do primeiro trânsito em julgado de decisão condenatória (23.11.2017, no processo n.º 76/16…) e as datas da prática dos factos nas subsequentes condenações (processos n.º 76/16…, 449/15…, 472/15…, 281/15… e 339/19…), entende-se encontrarem-se em relação de concurso superveniente, em conformidade com o disposto nos art.ºs 77.º, n.º 1, e 78.º, n.º 1, do Código Penal, os crimes praticados pelo condenado no âmbito dos processos n.º 76/16…, 449/15…, 472/15… e 281/15…, porque os factos respeitantes aos processos n.º 449/15…, 472/15… e 281/15… foram praticados previamente àquele primeiro trânsito em julgado da decisão proferida no processo n.º 76/16…, cumprindo realizar cúmulo jurídico para aplicação de pena única.

3. Já no que respeita aos factos respeitantes ao processo n.º 339/19…, os mesmos foram praticados posteriormente ao trânsito em julgado no processo n.º 76/16…, pelo que se encontra excluído do concurso a pena aplicada naqueles autos.

4. Com efeito, sendo certo que o momento determinador para circunscrever o concurso de crimes em conhecimento superveniente é a data do primeiro trânsito em julgado, encontra-se excluído do concurso de crimes o crime objecto do processo n.º 339/19…, e, consequentemente encontra-se excluída do cúmulo jurídico que se impõe realizar a pena aplicada neste processo n.º 339/19..., precisamente porque os respectivos factos foram praticados após o trânsito em julgado do processo n.º 76/16….

5. É competente para a realização do cúmulo jurídico o tribunal da última condenação, que ainda esteja numa relação de concurso com qualquer das outras condenações, em conformidade como disposto no art.º 471.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, sendo, in casu, o processo n.º 281/15…, o qual, porém, corresponde a um Juízo Local Criminal, quando, atenta a pena máxima abastractamente aplicável ao cúmulo, é competente o tribunal colectivo, nos termos do art.º 14.º do Código de Processo Penal, razão pela qual foi extraída certidão e a mesma enviada ao Juízo Central Criminal de Lisboa, que originou o processo de cúmulo jurídico n. 26672/20…, em sede do qual foi proferido, em 09.06.2021, o supra referenciado acórdão de cúmulo jurídico, englobando as penas aplicadas nos processos n.º 76/16…, 449/15…, 472/15… e 281/15…, o qual transitou já em 30.09.2021, após o trânsito em julgado, em 23.09.2021, dos cúmulos efectuados nos processo n.º 472/15… e 339/19… (quanto ao primeiro acórdão de cúmulo realizado nos presentes autos em 30.06.2021).

6. Pelo exposto, entende-se que no processo de cúmulo n.º 26672/20... foi já devidamente realizado cúmulo jurídico englobando as penas aplicadas nos processos cujos crimes se encontram em relação de concurso superveniente – processos n.º 76/16..., 449/15..., 472/15... e 281/15... – sendo que este acórdão de cúmulo foi o último a transitar em julgado, devendo, por tal, prevalecer sobre os demais acórdãos de cúmulo efectuados e, não havendo, por isso, fundamento para a realização do novo cúmulo jurídico realizado no âmbito dos presentes autos e objecto deste recurso – acórdão cumulatório de 17.11.2021 -, pelo que defende dever o mesmo ser revogado.

7. Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso e revogada a decisão recorrida, fazendo V. Exas. a costumada justiça.»

3. O arguido respondeu ao recurso e concluiu nos seguintes termos:

«1. As penas têm fins de natureza preventiva, o que se justifica pela necessidade de subtrair à disponibilidade de cada pessoa o mínimo dos seus direitos, liberdades e garantias, permitido a realização livres, tanto quanto possível, da personalidade de cada um enquanto membro da sociedade.

2. O Artigo 40.º, do Código Penal, inserido na revisão de 1995, passou a prever expressamente que a finalidade primordial na aplicação da pena reside na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade.

3. Por outro lado, a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa, devendo ter-se em consideração todos os elementos que refletem a culpa do agente pelo facto cometido, garantindo-se a sua dignidade pessoal.

4. A medida da pena será dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto. A proteção de bens jurídicos assume um significado prospetivo, que se traduz na tutela das

expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida. É esta a ideia de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, que decorre do princípio da necessidade da pena (Artigo 18º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa). O limite máximo consiste na tutela de bens jurídicos e o limite mínimo é constituído pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico.

5. Dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva vão atuar pontos de vista de prevenção especial que vão determinar a medida da pena, função positiva de socialização e função negativa de advertência do agente. A medida da necessidade de socialização do agente é o critério decisivo das exigências de prevenção especial. Se não for possível a socialização fica em aberto a possibilidade de intimidação individual ou de indispensável segurança individual.

6. O douto tribunal a quo, no caso concreto, concluiu, e decidiu bem.

7. O recorrente não aduz agora qualquer elemento novo que devesse ter sido valorado pelo douto tribunal a quo.

8. Em consequência, inexiste em nosso entender, razão ao recorrente nesta pretensão.

9. Ao decidir como decidiu, ao julgar como julgou, o douto tribunal a quo, decidiu bem, e julgou com a Justiça que o caso concreto reclamava,

Em consequência, deverá ser negado provimento ao presente recurso e confirmado o Mui Douto Acórdão recorrido».

4. Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer nos seguintes termos:

«Somos de parecer que este TRL deve declarar-se materialmente incompetente para conhecer do recurso em apreço e determinar a sua remessa ao Supremo Tribunal de Justiça, com conhecimento à 1.ª instância.»

5. O Tribunal da Relação de Lisboa, segundo a decisão de 31.03.2022, entendeu “julgar incompetente este Tribunal da Relação para o conhecimento do recurso interposto pelo Ministério Público” e determinou que os autos fossem remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça por ser o competente nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal (CPP).

6. No Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela procedência do recurso considerando que:

«(...) 2. Crendo-se não haver obstáculo ao conhecimento do recurso por parte do Supremo Tribunal de Justiça, deverá o mesmo ser apreciado em sede de conferência, de acordo com o disposto no art.o 419o do Código de Processo Penal.

Ora, na verdade, se “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso” – como estabeleceu o ac. STJ de fi- xação de jurisprudência nº 9/2016 –, o cúmulo jurídico deverá fazer-se por referência ao pro- cesso nº 76/16..., transitado em julgado em 23-11-2017; sucedendo que os factos pra- ticados nos processos nos 449/15..., 472/15... e 281/15... são anteriores àquele trânsito em julgado, sendo a condenação mais recente a deste último.

3. Assim, concluindo, parece-nos procederem os argumentos expostos pelo Exmo. Colega junto do Juízo a quo, inclusivamente no que se reporta à competência do Tribunal que deverá proceder à realização do cúmulo jurídico.»

7. O arguido foi notificado ao abrigo do art. 417.º, n.º 2, do CPP, e não respondeu.

8. Colhidos os vistos, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.

II

Fundamentação

A. Matéria de facto

Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos:

«O arguido foi condenado:

1°- No processo comum colectivo n.º 339/19.1 JELSB, do Juízo Central Criminal de Cascais — J2, por acórdão proferido em 13/01/2021, transitado em julgado em 12/02/2021, pela prática, em co-autoria material, em 28/07/2019, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p.p. pelos artigos 21º, nº. 1 e 24º, al. h), do D.L. nº 15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela 1- C anexa a este diploma legal, na pena de 7 anos de prisão;

Os factos que estiveram na base dessa condenação são, para o que ora releva e em síntese, os seguintes:

1- O arguido AA, no dia 28 de Julho de 2019, encontrava-se em cumprimento de pena privativa da liberdade no Estabelecimento Prisional ..., sito na Estrada ..., Lugar ..., em ..., área do município de ....

2- A arguida BB, nessa data, encontrava-se inscrita junto do Estabelecimento Prisional na lista de visitas autorizadas ao recluso AA na qualidade de namorada do mesmo.

3- Em data e local não concretamente apurados, a arguida BB adquiriu e guardou consigo 20 pedaços (bolotas) de canábis (resina), com o peso líquido de 190,780 gramas, com um grau de pureza de 28.3% (THC), passíveis de serem divididas em 1080 (mil e oitenta) doses individuais.

4- As 20 bolotas encontravam-se individualmente embrulhadas numa película aderente transparente as quais, por sua vez, encontravam-se embrulhadas em dois invólucros de película aderente transparente em latex formando dois volumes compridos.

5- Uma vez na posse das 20 bolotas de canábis (resina) mencionadas, a arguida BB, no dia 28 de Julho de 2019, dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional ... com vista a proceder à entrega de tal produto ao arguido AA durante a visita.

6- A arguida BB logrou entrar no Estabelecimento Prisional e na sala destinada às visitas, na posse das 20 bolotas de canábis.

7- Durante a visita, a arguida BB entregou ao arguido AA os dois volumes contendo as 20 bolotas de resina de canábis.

8- O arguido recebeu os volumes e colocou-o dissimuladamente no interior das calças prendendo-os com elásticos às pernas.

9- No final da visita, na sequência de uma revista realizada ao arguido, o mesmo mantinha na sua posse, guardando consigo junto à zona genital, 20 pedaços (bolotas) de canábis (resina), com o peso líquido de 190,780 g/L, com um grau de pureza de 28.3%, (THC) passíveis de serem divididas em 1080 (mil e oitenta) doses individuais.

10- O produto estupefaciente encontrado na posse do arguido AA destinava-se a ser cedido a outros reclusos do Estabelecimento Prisional.

11- Os arguidos conheciam as características do produto que detinham e transportavam consigo, nas circunstâncias que se descreveram, bem sabendo que se tratava de produto considerado estupefaciente.

12- Sabiam, igualmente, os arguidos que não podiam adquirir, receber de terceiros, obter, transportar, deter ou por qualquer forma ceder, vender, distribuir ou proporcionar a outrem o referido produto que detinham.

13- Apesar disso os arguidos agiram como acima se descreve, querendo introduzir no interior do estabelecimento prisional substâncias estupefacientes bem sabendo que este é um local destinado à ressocialização e que ao agirem como se descreve punham em causa a sua própria ressocialização frustrando as finalidades subjacentes à aplicação de uma pena de prisão e o sentimento de confiança que os cidadãos depositam num estabelecimento prisional enquanto local onde se visa alcançar a reinserção social.

14- Com a conduta supra descrita, os arguidos agiram de modo deliberado, voluntário, livre e consciente, bem sabendo que os seus actos eram proibidos e punidos por lei e, não obstante terem capacidade de determinação em sentido diverso, não se inibiram de os realizar.

2º- No processo comum singular nº 281/15... do Juízo Local Criminal de …, por sentença proferida em 19/10/2020, transitada em julgado em 18/11/2020, pela prática, em 12/06/2015, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203°, nº 1 e 204°, nº 2, al. e), do Código Penal, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão.

Os factos que estiveram na base dessa condenação são, para o que ora releva e em síntese, os seguintes:

1- Entre o dia 12 de junho de 2015, entre 12h e o dia 26 de junho de 2015 pelas 10h20, os arguidos delinearam um plano e dirigiram-se à Avenida … , em ..., para se apoderar dos objetos que ali se encontrarem.

2- Na execução do planeado, os arguidos utilizando um "pé de cabra" abriram a porta de entrada da referida habitação tendo por ali se introduzido.

3- Os arguidos no interior da referida residência apoderam-se e fizeram seus os seguintes objetos:

a) Um aspirador, uma Televisão marca "...", um telemóvel marca ...", um rádio leitor de cassetes, um relógio modelo ..., um relógio da marca ... ", um relógio marca ... ", um berbequim;

4- Com atuação dos arguidos causaram prejuízos em montante não concretamente apurado;

5- Os objetos nunca foram recuperados pelo ofendido.

6- Os arguidos agiram da forma descrita, em comunhão esforços e na execução do planeado, com o propósito de se apoderarem e de fazerem seus os referidos objetos que se encontravam no interior da habitação, bem sabendo que não lhe pertenciam, e que atuavam contra a vontade do seu legítimo dono.

7- Agiram de forma livre e consciente, bem sabendo que as sua condutas não eram permitidas, sendo punidas por lei.

8- O ofendido à data dos factos residia em casa da companheira, apenas se deslocando à habitação identificada em 1., de forma esporádica, aos fins de semana.

9- Os troféus da pesca encontravam-se guardados numa vitrine em vidro, situada junto à escada, no interior do apartamento.

3º- No processo comum colectivo n° 472/15..., do Juízo Central Criminal de …, por acórdão proferido em 26/06/2020, transitado em julgado em 25/02/2021, pela prática, em 15/11/2015, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1 204º, nº 2, alínea e), ambos do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão.

Os factos que estiveram na base dessa condenação são, para o que ora releva e em síntese, os seguintes:

1- No dia 14 de Novembro de 2015, pelas 08h30, arguido, de forma não concretamente apurada, arrombou a porta de acesso à esplanada do Centro "... ", sito na Rua ..., em ... e desta forma acedeu ao seu interior.

2- Ali chegado, o arguido retirou, fazendo seus, os seguintes objectos: três televisores LCD, no valor de € 1 427,99, €37,50, referentes ao fundo de caixa, e três garrafas de whisky, de valor não apurado.

3- Munido com tais objectos e valor monetário, o arguido abandonou o local.

4- O arguido agiu voluntária, livre e conscientemente, com o propósito concretizado de retirar e fazer seus os mencionados objecto, bem sabendo que tais objectos não lhe pertenciam e que actuava contra a vontade do respectivo proprietário e, bem assim, que ao entrar no Centro "... ", através de arrombamento, o fazia no desconhecimento e contra a vontade do mesmo.

5- O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

O arguido foi ainda condenado:

4º- Por acórdão proferido em 06/06/2017, transitado em julgado em 23/11/2017, no âmbito do Processo n° 76/16..., do Juízo Central Criminal de Lisboa, J6, pela prática, em 27/02/2016, em co-autoria material de seis crimes de roubo, p. e p., nos artigos 210º nº 1 e nº 2 alínea b), com referência ao 204º nº 2 alínea í) e nº 4, do Código Penal, nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão por cada um deles e na pena única de 6 anos de prisão.

Os factos que estiveram na base dessa condenação são, para o que ora releva e em síntese, os seguintes:

NUIPC 76/16...

No dia 27 de Fevereiro de 2016, cerca das 16H00, os arguidos AA, de alcunha "CC", e DD encontravam-se na Rua ..., em ..., quando verificaram que, numas escadas ali existentes, se encontravam sentados EE, FF e GG, pelo que decidiram pedir-lhes um cigarro.

Como os ofendidos GG e EE lhes responderam que não tinham, os arguidos desceram as escadas, contornaram os edifícios envolventes e surgiram de novo junto dos ofendidos, pela parte de cima, para surpresa destes.

Ali, o arguido AA empunhou uma faca de cozinha, com cerca de 8 cm de cabo e de 11 cm de lâmina, na direcção de GG e exigiu insistentemente que lhe entregasse o respectivo telemóvel, exigência que momentaneamente não foi satisfeita.

Entretanto, temendo pela possibilidade de ser atingido pela faca empunhada pelo arguido AA, GG entregou o telemóvel de marca ... e um chapéu.

Imbuídos do mesmo sentimento de temor, EE entregou um telemóvel e uma nota de cinco euros, enquanto FF entregou um telemóvel de marca ....

Enquanto o arguido AA agia na forma referida, o arguido DD manteve-se próximo, numa postura de apoio e vigilância.

Na posse de tais bens e valor, que fizeram seus, os arguidos abandonaram o local.

Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de se apoderarem dos bens e valor que sabiam não lhes pertencerem, sabendo que o faziam contra a vontade dos respectivos donos, tendo usado da ameaça com a faca para levar os ofendidos a entregar-lhos e para obstar a qualquer resistência.

Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo da reprovabilidade penal das suas condutas.

NUIPC 252/16…

No dia 1 de Abril de 2016, o arguido AA e outro indivíduo encontravam-se no ..., em ..., quando verificaram que ali também se encontrava HH ao telemóvel, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem de tal equipamento telefónico, com recurso à violência física se para tanto fosse necessário.

Para melhor atingirem os seus desígnios apropriativos, dirigiram-se ao ofendido, a quem ladearam e pediram tabaco.

Como este respondeu negativamente e colocou de imediato o telemóvel no bolso, o arguido AA empunhou um canivete na sua direcção e exigiu que lhe entregasse a carteira.

Receando pela possibilidade de ser atingido por aquele canivete, HH retirou a carteira do bolso, tendo o arguido AA dali retirado a quantia de € 13,00, após o que devolveu a carteira ao ofendido.

Seguidamente, o mesmo arguido ordenou ao ofendido que entregasse o telemóvel ao outro indivíduo acima referido, sob pena de levar uma facada.

Continuando a temer pela sua integridade física, o ofendido entregou o telemóvel.

Depois de entregar o telemóvel, o ofendido pediu ao arguido AA que o devolvesse, tendo tal arguido respondido: "Estás a brincar comigo!".

Na posse do telemóvel e da quantia de € 13,00, que fizeram seus, o arguido AA e o outro indivíduo acima referido abandonaram o local.

O arguido AA e o outro indivíduo acima referido no ponto 10º agiram do modo descrito com o propósito de se apoderarem do bem e do valor que sabiam não lhes pertencerem, sabendo que o faziam contra a vontade do respectivo dono, tendo usado da ameaça com um canivete como forma de levar o ofendido a entregar-lhes os referidos bem e valor e de obstar a qualquer resistência.

O arguido AA agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo da reprovabilidade penal das suas condutas.

NUIPC 129/16...

No dia 7 de Abril de 2016, cerca das 19H15, os arguidos AA e DD encontravam-se na Rua ..., em ..., quando verificaram que no ring de futebol ali existente se encontravam II e JJ a jogar à bola, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem de bens e valores que aqueles tivessem consigo, com recurso a um canivete que o arguido AA possuía.

Para tanto, aproveitando o momento em que JJ saiu do ring para ir buscar uma bola que transpusera a rede, os arguidos dirigiram-se a II, com quem entabularam conversa, no decurso da qual o arguido AA ordenou a II que se sentasse ao seu lado, ordem que este, por temer pela sua integridade física, prontamente acatou.

De seguida, o arguido AA encostou o referido canivete à barriga II e obrigou-o a entregar tudo o que tinha nos bolsos, exigência que este prontamente acatou, entregando o telemóvel da marca ..., modelo ..., no valor de €59,50.

Aguardaram então os arguidos pelo regresso de JJ ao ring e, quando tal sucedeu, o arguido AA questionou-o sobre se tinha algo de valor consigo, onde morava, quais os bens que ali guardava e quem se encontrava naquele momento na habitação.

Como o ofendido lhe respondeu que em sua casa apenas se encontrava a irmã de treze anos, o arguido AA disse ao arguido DD para ficar ali com o II, enquanto ele se iria deslocar juntamente com JJ à residência deste.

Porém, enquanto assim combinavam, JJ, aproveitando um momento de distracção dos arguidos, colocou-se em fuga, motivo pelo qual aqueles também prontamente abandonaram o local, levando consigo o telemóvel, que fizeram seu.

Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de se apoderarem do telemóvel que sabiam não lhes pertencer, sabendo que o faziam contra a vontade do respectivo dono, tendo usado da ameaça com um canivete como forma de levar o ofendido a entregar-lhes o telemóvel e de obstar a qualquer resistência.

Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo da reprovabilidade penal das suas condutas.

NUIPC 288/16...

No dia 18 de Abril de 2016, entre as 16h30 e as 17h00, os arguidos AA e DD encontravam-se perto da Estação ... de ..., em ..., quando verificaram que ali também se encontrava KK, a cerca de dois metros daquela estação, fazendo uso do seu telemóvel, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem daquele equipamento telefónico, com recurso a uma faca com cerca de 11 a 13 cm de lâmina que o arguido AA possuía.

Na execução de tal plano, dirigiram-se ao ofendido e, enquanto o arguido DD se posicionou à sua retaguarda, o arguido AA, encarando o ofendido de frente, empunhou a referida faca e exigiu-lhe a entrega do telemóvel que tinha consigo.

Temendo pela possibilidade de ser golpeado pela faca, o ofendido entregou o telemóvel, no valor entre €60 e € 80.

Na posse do telemóvel, que fizeram seu, os arguidos abandonaram o local.

Os arguidos agiram do modo descrito com o propósito de se apoderarem do telemóvel que sabiam não lhes pertencer, sabendo que o faziam contra a vontade do seu dono, tendo usado da ameaça com uma faca como forma de levar o ofendido a entregar-lhes o telemóvel e de obstar a qualquer resistência.

Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo da reprovabilidade penal das suas condutas.

5º- Por sentença proferida em 21/05/2018, transitada em julgado em 21/06/2018, no âmbito do Processo n° 449/15..., do Juízo Local Criminal de …, foi condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p., nos artigos 203º nº 1, 204º nº 2 alínea e) com referência ao 202º alínea d) do Código Penal, por factos ocorridos a 23/10/2015.

Os factos que estiveram na base dessa condenação são para o que ora releva e em síntese, os seguintes:

No dia 23 de Outubro de 2015, a hora não apurada, o arguido AA dirigiu-se à residência da ofendida LL, sita na Avenida .... °, em ..., com um plano previamente gizado de se apoderar de objectos que aí se encontrassem.

Assim, ao chegar ao local, forçou a porta da referida residência, com um pé de cabra, entrou no seu interior e retirou os seguintes objectos:

- um fio em ouro amarelo de malha grossa, com um pendente em ouro;

- € 1.000,00 em numerário;

- um rádio despertador de marca que não se logrou apurar;

- pelo menos, dois relógios de senhora da marca ... e .... Estes objectos eram propriedade de LL.

O arguido guardou e levou consigo o mencionado dinheiro e os supra referidos objectos, agindo de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

6º- Por acórdão proferido em 10/10/2018, transitado em julgado em 09/11/2018, no âmbito do Processo n° 19125/18..., do Juízo Central Criminal de …, que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas no âmbito dos Processos n°s. 449/15... e 76/16..., na pena única de 7 anos e 2 meses de prisão.

7º- Por acórdão proferido em 08/07/2021, transitado em julgado em 23/09/2021, no âmbito do Processo n° 472/15..., do Juízo Central Criminal de…, que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas no âmbito dos Processos n°s. 449/15... e 76/16..., na pena única de 8 anos de prisão.

8º- Por acórdão proferido em 30/06/2021, transitado em julgado em 23/09/2021, no âmbito do Processo nº 339/19..., do Juízo Central Criminal de ... (os presentes autos), que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas no âmbito dos Processos n°s. 339/19…, 281/15... e 472/15..., na pena única de 9 anos de prisão.

9º- Por acórdão proferido em 09/06/2021, transitado em julgado em 30/09/2021, no âmbito do Processo nº 26672/20..., do Juízo Central Criminal de ...5, que procedeu ao cúmulo jurídico das penas aplicadas no âmbito dos Processos n°s. 449/15..., 76/16..., 281/15... e 472/15..., na pena única de 8 anos de prisão.

10º- Por sentença proferida em 02/07/2015, transitada em julgado em 30/09/2015, no âmbito do Processo nº 269/11..., do Juízo Local Criminal de ..., pela prática, em 19/05/2011, de um crime de coacção, na pena de 60 dias de multa.

Por despacho de 26/01/2016, transitado em julgado a pena de multa foi convertida em 40 dias de prisão subsidiária.

Por despacho de 25/05/20166, transitado em julgado a 05/07/2016, a pena de multa foi declarada extinta pelo pagamento.

Condições pessoais do arguido

Segundo informações recolhidas pela DGRSP "AA é o mais velho de uma fratria de 3 irmãos (dois germanos e o mais novo uterino). A progenitora, quando se encontrava na 2.ª gravidez, separou-se do pai do arguido por considerar que aquele não reunia condições para a apoiar na prestação de cuidados aos filhos. Aos 4 anos de idade, o seu progenitor viria a falecer, devido a problemas de toxicodependência.

Posteriormente, a sua mãe encetou novo relacionamento afetivo com o atual companheiro (padrasto do arguido), do qual têm um filho em comum. A mãe exercia atividade laboral como auxiliar de serviços gerais num infantário e o padrasto como cantoneiro.

De acordo com o arguido a relação com o padrasto nunca foi saudável, por não aceitar a união com a progenitora, referindo que aquele "... era muito rígido e que, desde cedo, nunca acatou as regras e normas do agregado, fazendo o que queria... ".

Por volta dos 10/11 anos de idade, o arguido começou a evidenciar acentuadas dificuldades de relacionamento, tanto com a mãe como com o padrasto.

O agravamento a nível intrafamiliar destas situações conflituosas, associado ao contexto sociocomunitário em que a família estava inserida - ..., com problemáticas conotadas com marginalidade e delinquência - parece ter contribuído para que o arguido se afastasse do seu agregado familiar, encetando fugas de casa, pernoitando na rua e permanecendo em locais desconhecidos da progenitora, aparecendo apenas pontualmente para pernoitar uma ou duas noites, iniciando a sua integração em grupos de pares associados a práticas antissociais e consumo de substâncias psicotrópicas nomeadamente, haxixe e bebidas alcoólicas.

Os comportamentos disruptivos do arguido manifestaram-se também a nível escolar, tendo o seu percurso sido pautado por desajustamentos, quer em contexto de sala de aula, quer no recreio, com problemas de ajustamento às normas escolares, caracterizados pelo absentismo, originando o abandono dos estudos e ocorrido intervenção da Justiça por este concretizar atos relacionados com práticas delinquentes, nomeadamente roubos. Neste contexto, esteve internado, durante um ano, na ..., de onde encetava fugas com frequência, vagueando pela rua e ficando em casa de amigos, situação que originou o seu acolhimento em casa dos avós paternos, até à data do seu internamento em Centro Educativo. Apesar de ter tentado integrar novamente o

sistema de ensino aos 14 anos, não foi capaz de prosseguir os estudos p ocupar o seu tempo livre no convívio com elementos conotados com vivências marginais, situação que culminou com a aplicação de uma medida tutelar de internamento no Centro Educativo ..., para cumprir 3 anos e 6 meses, por roubos. Esteve em internamento durante 6 meses. Numa saída a casa AA não regressou à instituição, tendo encetado uma relação afetiva com a futura mãe dos seus filhos, passando o casal a residir em casa dos avós do arguido. Um ano depois, foi detido para cumprimento da restante medida, tendo sido conduzido para o Centro Educativo ... (...). No decurso do cumprimento desta medida, devido ao encerramento do Centro Educativo ..., viria a ser transferido para o Centro Educativo ..., cumprindo três meses de internamento.

Durante a sua institucionalização, AA concluiu o 9º ano de escolaridade e, ao concluir o curso profissional de cozinha, realizou um estágio no Hotel ..., situado em ..., altura do nascimento do seu filho, atualmente com 6 anos de idade.

Aos 18 anos, saiu do Centro Educativo e foi viver com o agregado (companheira e filho), para casa do sogro e cunhado, em habitação camarária, num Bairro ... (...).

(...)

Do que nos foi dado avaliar, à data da prisão, em 19.05.2016, residia com a companheira e um filho de ambos, em casa do sogro, em habitação camarária, num Bairro ....

Em termos profissionais exerceu algumas atividades irregulares, de cariz temporário, na montagem de carroceis aos fins-de-semana.

Já em meio prisional, nasceu outro filho (MM), a .../.../2016. A relação afetiva com a mãe dos filhos terminou, tendo, entretanto, o arguido encetado novo relacionamento.

A nível institucional AA apresenta um percurso muito irregular, averbando várias sanções disciplinares.

No que concerne ao futuro refere que pretende regressar ao agregado de sua avó materna, atualmente constituído por esta e por dois tios do arguido, e iniciar atividade laboral na área da hotelaria/restauração para, posteriormente, reorganizar a sua vida de forma autónoma.

(...)

Em relação à sua história criminal, AA avalia parcialmente os danos da sua conduta delituosa, bem como os riscos inerentes a um estilo de vida disruptivo, tendendo a ter uma atitude superficial e desculpabilizante, uma vez que atribui essa

conduta à imaturidade e permeabilidade à pressão de pares, agravada pelo consumo regular de substâncias psicoativas. (...)

AA encontra-se no EP ... há cerca de 3 anos mas ainda não encetou concretamente um processo de mudança uma vez que tem sido alvo de procedimentos disciplinares, essencialmente por posse de telemóveis, pelo que se encontra inativo, adiando a prossecução de uma alteração da sua conduta para uma fase posterior da execução da(s) sua(s) pena(s), que, em conjunto, é muito extensa, o que o leva a considerar não valer a pena investir para já numa alteração de conduta pelo pouco impacto em termos de ressocialização que a mesma eventualmente terá.

Relativamente à pena que resultará do presente cúmulo jurídico, o arguido tem expetativa em ver atenuada e resolvida a sua situação jurídico-penal, de forma a poder, logo que reúna condições, iniciar as medidas de flexibilização da pena, por forma a potenciar a sua futura reinserção social. (...)".».

B. Matéria de direito

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões apresentadas pelo Ministério Público e, perante estas, verifica-se que recorre do acórdão cumulatório por considerar não só que a última condenação não ocorreu no âmbito destes autos, mas sim no processo n.º 472/15... cujo acórdão é de 26.02.2020, como além disso este cúmulo não devia ter sido realizado, por existir um outro anteriormente já cumulando as penas que deviam ser cumuladas e cuja decisão já transitou em julgado a 30.09.2021.

Vejamos.

Tendo em conta as penas de prisão que foram aplicadas ao arguido, verifica-se que foi condenado nos seguintes processos:

ProcessoData dos factosAcórdão prolatado a Data do

trânsito em julgado

339/19…

(estes autos)

28.07.201913.01.202112.02.20211 crime de tráfico de estupefacientes agravado — pena de prisão de 7 anos
281/15…12.06.201519.10.202018.11.20201 crime de furto qualificado — pena de prisão de 2 anos e 3 meses
472/15...15.11.201526.06.202025.02.20211 crime de furto qualificado — pena de prisão de 3 anos
76/16...27.02.2016

01.04.2016

07.04.2016

06.06.201723.11.2017

6 crimes de roubo —pena de prisão de 2 anos e 6 meses para cada um
449/15...23.10.201521.05.201821.06.20181 crime de furto — pena de prisão de 2 anos e 4 meses

As diversas penas em que o arguido foi condenado já foram integradas em diversos cúmulos realizados:

ProcessoCumulou as penas aplicadas nos processosAcórdão prolatado a Data do

trânsito em julgado

Pena única aplicada
19125/18…76/16…

449/15…

10.10.201809.11.2018Pena de prisão de 7 anos e 2 meses
472/15...76/16…

449/15…

08.07.202123.09.2021Pena de prisão de 8 anos
339/19...

(estes autos)

339/19…

472/15…

30.06.202123.09.2021Pena de prisão de 9 anos
26672/20...449/15…

76/16…

281/15…

472/15…

09.06.202130.09.2021Pena de prisão de 8 anos
339/19... (estes autos; o acórdão agora recorrido)1.º cúmulo

339/19...

281/15...

472/15...

2.º cúmulo

76/16...

449/15...

17.11.2021sob recursoPena de prisão 9 anos

Pena de prisão de 6 anos

Perante os diversos factos julgados em processos distintos, havendo necessidade de proceder a um conhecimento superveniente de concurso de crimes, haverá que determinar o tribunal competente caso se vislumbre necessidade de reformulação de cúmulos anteriormente já realizados.

Nos termos do art. 471.º, n.º 2, do CPP, é territorialmente competente, para o conhecimento superveniente do concurso de crimes, o Tribunal da última condenação.

Tendo em conta a data da prolação dos diversos acórdãos condenatórios nos diversos processos referidos supra, e constantes da matéria de facto, o último julgamento ocorreu nestes autos (proc. n.º 339/19...) com a prolação de acórdão a 13.01.2021.

Assim sendo, parecia que competia agora, e no âmbito destes autos, realizar o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos diversos processos.

De acordo com o disposto nos arts. 77.º e 78.º, do Código Penal e no acórdão de fixação de jurisprudência nº 9/2016, o momento temporal que irá delimitar os crimes que estejam em concurso será o do primeiro trânsito em julgado, devendo integrar-se todos os crimes que tenham sido praticados em momento anterior.

Ora, compulsados estes autos, verifica-se que foram integrados no concurso de crimes em conhecimento superveniente e determinada a pena única a aplicar aos factos julgados no âmbito dos processos n.ºs 339/19... (estes autos), 281/15... e 472/15...; foi ainda realizado um segundo cúmulo jurídico que englobou as penas aplicadas nos procs. n.ºs 76/16... e 449/15...

Todavia, atendendo ao momento temporal que delimita a realização de um cúmulo jurídico de penas aplicadas em diversos processos (e que é o do primeiro trânsito em julgado) verificamos que de entre todos os processos onde o arguido veio a ser condenado (procs. n.ºs 339/19..., 281/15..., 472/15..., 76/16 e 449/15...) o primeiro trânsito em julgado ocorreu a 23.11.2017 no processo n.º 76/16... Consequentemente são integrados no mesmo cúmulo jurídico todos os factos praticados em momento anterior. Sabendo que os factos dos procs. n.ºs 339/19..., 281/15..., 472/15..., 76/16 e 449/15... foram praticados a 28.07.2019, 12.06.2015, 15.11.2015, 27.02.2016, 01.04.2016, 02.04.2016 e 23.10.2015, necessariamente apenas se podem integrar no mesmo cúmulo os factos julgados nos procs. n.ºs 281/15..., 472/15..., 76/16 e 449/15.... Ou seja, a pena de prisão de 7 anos aplicada à prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado em 2019 não integra o cúmulo jurídico e deverá ser executada sucessivamente à pena única aplicada no cúmulo daqueles processos referidos.

Mas, sabendo que no âmbito do proc. n.º 281/15 se constatou a necessidade de conhecer supervenientemente o concurso de crimes julgados nos procs. n.ºs 281/15..., 472/15..., 76/16 e 449/15..., e porque o proc. n.º 281/15... correu num Juízo Local onde não se podia efetuar aquele julgamento por, atendendo à pena, ser competente um tribunal coletivo, o julgamento ao abrigo do disposto nos arts. 471.º e 472.º, do CPP, foi realizado no Juízo Central Criminal de Lisboa, onde “nasceu” o processo de cúmulo n.º 26672/20... que por acórdão de 09.06.2021, transitado em julgado a 30.09.2021, aplicou uma pena única ao arguido de 8 anos de prisão resultante do cúmulo das penas aplicadas nos procs. n.ºs 281/15..., 472/15..., 76/16 e 449/15... — «Nos termos e pelos fundamentos expostos, os Juízes que compõem o Tribunal Colectivo deliberaram condenar AA na pena única de 8 (oito) anos de prisão, em cúmulo jurídico das penas impostas nos processos 76/16... do Juiz … do Juízo Central Criminal de … do Tribunal Judicial da comarca de …, 449/15... do Juiz … do Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da comarca de …, 281/15... do Juiz … do Juízo Local criminal de … Tribunal Judicial da comarca de Lisboa e 472/15... do Juiz … do Juízo Central Criminal de … do Tribunal Judicial da comarca de ….» (dispositivo do acórdão referido).

Ora, sabendo que o cúmulo jurídico realizado no acórdão agora recorrido agregou a pena aplicada no âmbito destes autos com as penas aplicadas naqueles outros, quando tal não é admissível à luz do disposto nos arts. 77.º e 78.º, do CP, deveria agora em sede de recurso proceder-se à sua alteração.

Porém, as penas que devem ser cumuladas já o foram no proc. n.º 26672/20... cuja decisão já transitou em julgado. Ora, qualquer decisão nestes autos sobre uma pena única a aplicar ao englobamento dos factos julgados, resultante do conhecimento superveniente do concurso de crimes, nos proc. n.ºs 281/15..., 472/15..., 76/16 e 449/15.... constituiria um ato inútil [cf. art. 130.º do Código de Processo Civil (CPC) ex vi art. 4.º, do CPP], sabendo que prevalece a decisão prolatada no âmbito do proc. n.º 26672/20..., segundo a regra da prevalência da primeira decisão transitada em julgado (art. 625.º, n.º 1, do CPC ex vi art. 4.º, do CPP).

Assim sendo, o arguido deve cumprir a pena única de 8 anos aplicada no proc. n.º 26672/20... e sucessivamente a pena aplicada nestes autos de 7 anos.

III

Conclusão

Nos termos expostos, acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público determinando que o arguido cumpra a pena única de 8 anos de prisão aplicada no processo n.º 26672/20... (acórdão de 09.06.2021, transitado em julgado a 30.09.2021) resultante do cúmulo das penas aplicadas nos processos n.ºs 76/16..., 449/15..., 281/15... e 472/15... e, sucessivamente, a pena aplicada nestes autos (proc. n.º 339/19.1JELSB) de 7 anos de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, de acordo com o acórdão de 13.01.2021, transitado em julgado a 17.02.2021.

 

Sem custas nos termos do art. 522.º, n.º 1, do CPP.

Supremo Tribunal de Justiça, 23 de junho de 2022

Os Juízes Conselheiros,

Helena Moniz (Relatora)

António Gama

Eduardo Loureiro