Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4294
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
DIREITOS PRIVADOS
Nº do Documento: SJ200602160042942
Data do Acordão: 02/16/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 3565/05
Data: 09/22/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : Em litígio privado internacional, entre duas sociedades comerciais, a autora com sede em Portugal, a ré com sede na Suíça, as normas da Convenção de Lugano Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, celebrada em 16-09-88, respeitantes à competência internacional, prevalecem sobre os artºs. 65º, 65º-A e 99º do CPC.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) "Empresa-A.", com sede na Rua do Telhado, ...,Vila Nova de Gaia, intentou acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, contra "Empresa-B" com sede em 2, Chemin du Pavillon, Ch1218 Le Grand Saconnex, Genéve, Suíça, impetrando, como decorrência da procedência da acção:

1. A declaração de nulidade das cláusulas 11ª e 16ª do contrato a que se alude na petição inicial.

2. A condenação da ré a pagar-lhe 699.775,50 euros, "quantum" esse correspondente à soma dos seguintes montantes: 545.871 euros e 21.936,59 euros, a título de indemnização de clientela e por investimentos efectuados na vigência do contrato de concessão comercial, respectivamente, e 131.967,91 euros "pela recompra dos produtos contratuais que a A. tem em stock."

Em abono da procedência da acção, em resumo, aduziu:

Manterem, desde o ano de 1994, autora e ré relações comerciais, tendo em vista a distribuição, em Portugal, pela primeira, dos produtos da marca "CORIAN" que a segunda representa.

Só em 1996 terem formalizado essas mesmas relações, " reduzindo-as a escrito no contrato de concessão comercial que consta de cópia" junta como doc. nº 1.

Ter o contrato em apreço sido apresentado pela ré à autora como não sujeito a discussão, constituindo modelo tipo que aquela impõe aos seus distribuidores, sendo por demais evidente que o seu clausulado se apresenta redigido de forma rígida, genérica, tendo como alvo destinatários intermediados, sem qualquer possibilidade de ser objecto de uma negociação livre e prévia.

Configurar o contrato em apreço um verdadeiro contrato de adesão, a sua duração se encontrando estipulada no seu ponto 11, o qual "dispunha que o mesmo passaria a vigorar a partir de 1 de Junho de 1996, produzindo plenamente os seu efeitos desde essa data para o futuro e até que qualquer das partes a ele pusesse termo, mais estipulando que essa cessação deveria ser comunicada à outra parte com noventa dias de antecedência, caso fosse efectuada durante os primeiros cinco anos de vigência ou, por cada ano adicional a essa vigência, esse prazo seria alargado de um mês até um máximo de doze meses.

Ter sido a autora informada pela ré da sua intenção de pôr termo ao contrato por carta de 30-11-01, junta como doc. nº 2, em que a demandada confirmava a denúncia do contrato de concessão comercial e sua consequente cessação em 31-05-02, assim, efectivamente, o contrato, por denúncia unilateral da ré, se tendo extinguido a 31 de Maio de 2002, a ré tendo expressado, como motivo para essa denúncia, designadamente em reunião com a autora, em 27-11-02, o facto de querer proceder a uma mudança de estratégia, reduzindo o número de distribuidores dos seus produtos a nível mundial e separar a parte da distribuição comercial da transformação industrial dos produtos que representa.

Revelar a denúncia do contrato de concessão comercial pela ré um comportamento abusivo da mesma.

Ter a autora, à data da cessação do contrato, em armazém, em estado novo, o stock "de produtos contratuais" que consta do inventário cuja cópia constitui o doc. junto sob o nº 4, produtos esses cujo valor ascende a 131.967,91 euros e que para a demandante são totalmente inúteis, findo o contrato e deixando de ser a representante da ré em Portugal, valor aquele que a ré deve pagar-lhe recuperando a totalidade dos stocks.

Serem abusivas, desproporcionadas e lesivas da parte a quem o contrato foi apresentado, como definitivo e imutável, as cláusulas las 11ª e l6ª do mesmo, por mor do vazado nos art.s 59º a 66º e 127º a 148º da petição inicial.

Ser-lhe devido, a título de indemnização de clientela, o montante supracitado, por via do expresso nos art.s 83º a 119º da petição inicial, em tal quantitativo rondando a sua média de margem de lucro bruta dos últimos cinco anos.

Ter efectuado investimentos, no valor líquido de 21.936,59 euros, a fim de poder executar o contrato de concessão, aqueles, como a ré bem sabe, nunca podendo, de modo algum, rentabilizados, "num horizonte temporal de duração do contrato tão restrito", prejuízo pelo qual a ré deve ser responsabilizada, a título de danos emergentes pela cessação do contrato, de acordo com as exigências da boa fé.

b) Contestou "Empresa-B", como ressuma de fls. 173 e segs., por excepção e impugnação, concluindo no sentido de dever ser julgada procedente a matéria da excepção, com consequente absolvição sua da instância, por declaração de incompetência do tribunal para conhecer do litígio, "devendo, em qualquer caso", a acção ser julgada totalmente improcedente, por não provada, absolvendo-se a sua pessoa, por força de tal, do pedido.

c) Replicou a autora, propugnando o demérito da defesa exceptiva (cfr. fls. 332 e segs.).

d) No despacho saneador, foi julgada procedente "a excepção de incompetência relativa" do tribunal," por infracção das regras de competência internacional resultantes da violação de pacto de jurisdição, para o julgamento da presente acção", em consequência do que, nos"termos dos arts. 108º, 111º, nº 3, 288º, nº1 al. e) e 494º, al.a), do CPC", foi a ré absolvida da instância.

e) Com a decisão a que se alude em d) se não tendo conformado, da mesma, sem êxito, agravou a autora, já que o TRP, por acórdão de 05-09-22, com o teor que fls. 453 a 455 evidenciam, negou provimento ao agravo, assim confirmando a decisão recorrida.

f) Ainda irresignada, de tal acórdão agravou a demandante, a qual, na alegação oferecida, em que se bate pela justeza da concessão de provimento ao recurso, com consequente declaração de competência do tribunal português para conhecer da acção, tendo tirado as seguintes conclusões:

1. Tal como no caso do Acórdão proferido por este Venerando Tribunal de 5/11/98, no entendimento da agravante, o pacto atributivo de competência a tribunal estrangeiro ali em causa é semelhante ao que ora é objecto do presente recurso, até na omnipotência e discricionariedade de que a Ré, ora Agravada, ficou investida.

2. A apreciação da cláusula 16 do contrato que consta dos autos, efectuada pelo Tribunal recorrido, por remissão para a argumentação proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, com todo o respeito que é muito, não nos parece ter tido em conta o sentido de um normal declaratário, nem a solução que conduziria a um maior equilíbrio das prestações nem ainda a solução que os ditames da boa fé imporiam no caso - as quais deveriam ser tidas em conta conforme estipulado nos arts. 236º, nº l, 237º, 2ª parte, e 239º do Código Civil.

3. Pelo contrário, entende-se que o Tribunal de que se recorre alargou e entendeu o âmbito da declaração em causa para além da vontade do declarante ou, pelo menos, da vontade que um declaração normal na posição do real declaratário dela podia deduzir.

4. Com efeito, do teor da cláusula do contrato em causa só se poderia concluir que ao se referir a qualquer controvérsia que resulte do mesmo, pretendia naturalmente dizer a qualquer controvérsia que resulte da celebração e vigência do contrato, o que vale por dizer, do cumprimento, da execução, da interpretação do mesmo enquanto este se encontre "em aberto".

5.Ao invés se o mesmo findou, se encontra cumprido e se não se põe em causa , por um lado, qualquer incumprimento do mesmo e, por outro, a legalidade da sua cessação, estamos perante comportamentos abusivos por parte da Recorrida, situados em momento pós-contrato.

6. Pelo exposto entende-se que não poderá vingar a interpretação que o Tribunal recorrido efectuou e que, assim, a cláusula em causa não seria de aplicar ao litígio, tal como concluiu o anterior Acórdão deste Tribunal em oposição com o Acórdão recorrido

7. Mas ainda que outro fosse o entendimento, como também conclui o

Acórdão deste Tribunal de 05/11/98, a verdade é que, ao mover a

acção em causa a Agravante peticionou que a Recorrida seja

condenada no pagamento de determinada importância em dinheiro,

correspondente a indemnização por prejuízos sofridos e

compensatória da clientela angariada com o seu exclusivo esforço e

dispêndio, em virtude da cessação do contrato nos termos do art° 33º

do DL n° 178/86. Contrato que cessou de acordo, ainda, com o

disposto nos arts. 24° e 28° do mesmo diploma.

8. E esse referido direito de indemnização de clientela não está dependente do tempo de vigência do contrato ou da sua duração e acresce a eventuais indemnizações devidas por violações do contrato. Assim como o pedido de reembolso pelos investimentos realizados e a obrigação de recompra de stocks, são pretensões que se apresentam, ainda, como uma consequência da cessação do contrato, como natural decorrência, fundada nos princípios da boa fé contratual.

9. Ou seja, num e noutro caso não estão em causa obrigações ou prestações das partes relativas à execução ou cumprimento do contrato mas, antes, obrigações que entroncam nos efeitos da sua cessação, liquidadas em determinados montantes pecuniários

10. Ora bem, justificando-se juridicamente o pedido efectuado na petição inicial, com o disposto no art. 33° do Dec.-Lei n° 178/86 (indemnização de clientela), "in casu, se existe o referido meio próprio de indemnização, ou não, é algo a apreciar, oportunamente, em termos de mérito. De qualquer modo, a indemnização de clientela pressupõe a cessação do contrato. É, portanto, algo que dele resulta, mas que lhe sucede, que lhe sobrevive, nada tendo a ver com o seu cumprimento, interpretação ou mesmo execução.", como concluiu o Acórdão oposto àquele de ora se recorre.

11. É certo que a Ré/ Agravada num esforço teórico pretende afastar a qualificação jurídica do contrato como de concessão comercial, com o único propósito de, assim, tentar afastar a aplicação analógica do diploma que regula o contrato de agência mas, não é menos verdade que, pelo menos, concorda estarmos perante um contrato de distribuição comercial Ora, a jurisprudência e a doutrina têm vindo a considerar aplicável analogicamente aos contratos de distribuição comercial legalmente atípicos o regime jurídico tipificado no DL n° 178/86 para o contrato de agência, sobretudo no que diz respeito ao regime aplicável à cessação e aos efeitos posteriores a esta

12. Por outro lado, nos termos do art. 774° do Código Civil, a prestação correspondente a certa quantia em dinheiro deve ser efectuada no lugar do domicílio do credor ao tempo do cumprimento e, conforme o disposto no art° 74° do Código de Processo Civil, a acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações ou a indemnização pelo inadimplemento será proposta no tribunal do lugar em que a obrigação devia ser cumprida. Tratando-se da responsabilidade baseada em facto ilícito, o tribunal competente é aquele em cuja área o facto ocorreu.

13. Assim, em face dos elementos integrativos da causa de pedir, a divida pecuniária - suposto que exista - deve ser paga no domicílio da recorrente (credor)

14. E se as convenções atributivas de competência exclusiva a uma jurisdição estrangeira são permitidas pelo art. 99° do C.P.C., por outro lado e ainda de acordo com a mesma disposição legal, não devem considerar-se relevantes as convenções que correspondam a manifestações de oportunismo, capricho ou mera comodidade. Quando tal ocorre, e como fundamentou o Douto Acórdão de 5/11/1998, pode acontecer que o exercício do direito ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social. Comunidade quê há-de ser a nossa, aquela em que estamos inseridos. A ofensa pode até não ser intencional, bastando que, objectivamente, atinja a consciência pública, sendo suficiente que o exercício do direito, o seu uso, se mostre anti-funcional, como se refere no Acórdão oposto ao recorrido, decidindo sobre uma situação idêntica à dos presentes autos.

15. Mais ainda, dispõe o art. 38° do citado Decreto-Lei n° 178/86: Aos contratos regulados por este diploma que se desenvolvam exclusiva ou preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da portuguesa, no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais vantajosa para o agente. Isto porque, os contratos referidos envolvem, pois, complexo leque de tarefas ligadas à sua negociação de preparação numa actividade desenvolvida in loco. A indemnização de clientela, ou equivalente, destina-se mais a compensar o agente dos proventos a que, após a cessação do contrato, a outra parte ainda poderá continuar a beneficiar, na sequência daquela actividade.

16. Sendo assim a lei portuguesa, como é, aplicável, não será um tribunal estrangeiro que a vai ter em conta, como refere o Douto Acórdão proferido em 5/11/1998. E sendo a causa de pedir integrada por factos ocorridos em território nacional, tal concede ao tribunal português competência internacional, mesmo nos termos do artigo 65° do Código de Processo Civil, como acrescenta ainda aquela Acórdão.

17. Aliás, solução contrária seria atribuir relevância antifuncional a cláusula em que uma das partes põe e dispõe, arbitrária e leoninamente, acerca da competência, como aquela que constava do contrato em apreço no douto Acórdão de 05/11/98 e conforme consta da cláusula constante do contrato ora em apreço Pois que, sendo a R. demandada, como efectivamente se verifica no caso, o tribunal da Suíça seria sempre o competente, apesar de o contrato ser totalmente executado em Portugal, enquanto que se a R. fosse a demandante poderia escolher o foro competente, nos termos do pacto em causa.

18. No caso em apreço o contrato desenvolveu-se e implementou-se em Portugal e todos os frutos resultantes da relação negocial em causa estão apenas e tão somente presentes na zona que foi a de actuação da Recorrente - o território português. E apenas aqui podem ser verificáveis e objecto de prova.

19. Se a recorrente não se vir de todo impedida, na prática, da prova dos seus direitos, é evidente que ficará sempre, pelo menos, gravemente prejudicada.

20. Por outro lado, a decisão de 1998 deste Supremo Tribunal de Justiça concluiu pela compatibilidade das conclusões a que chegou - atribuição de competência aos Tribunais Portugueses para julgarem situações idênticas à dos autos (pedidos de indemnização de clientela), apesar da existência de pactos atributivos de jurisdição a tribunais estrangeiros - com as convenções internacionais. Nomeadamente, com as Convenções de Bruxelas e de Lugano.

21. Razão pela qual, o chamamento da Convenção de Lugano pela decisão recorrida não pode ser entendido como um ponto diferenciador do presente caso de outros porque, como vimos, aquela também foi tida em conta no Acórdão oposto à decisão da que se recorre - ou seja, esse, não é de certo o ponto diferenciador.

22. Ainda o mencionado Acórdão chamou à colação a Convenção de Haia, nomeadamente o disposto no seu art. 16°: "Na aplicação da presente convenção poderá atribuir-se efeito às disposições imperativas de qualquer Estado com o qual a situação apresente uma conexão efectiva se e na medida em que, segundo o direito desse Estado, tais disposições forem aplicáveis, qualquer que seja a lei designada pelas suas regras de conflitos".

23. No caso objecto deste recurso, já vimos existir uma conexão efectiva entre a situação concreta e o território português (pois que a causa de /pedir é integrada por factos ocorridos em território nacional), que ao litígio em causa seria aplicável por analogia o regime do contrato de agência, com fundamento no qual a presente acção foi interposta e também já vimos que o disposto no art. 38° desse diploma é uma disposição imperativa (que tem subjacente valores de ordem pública) pelo que, tal como no referido Acórdão oposto àquele de que agora se recorre, o Digníssimo Tribunal Recorrido deveria ter concluído diferentemente.

24. Por conseguinte, o referido Acórdão de 05/11/98 concluiu pela invalidade de pacto semelhante àquele a que ora se encontra em causa, ao qual se aplicava a mesma legislação, ali a Convenção de Bruxelas, aqui a Convenção de Lugano (em tudo idêntica à de Bruxelas pois que, como vimos é uma extensão desta aos Estados- membros da EFTA).

25. Pelo que, atentos ambos os Acórdãos, constatamos existirem semelhantes situações em litígio, no âmbito da aplicação da mesma legislação, sendo que as conclusões de um são opostas às de outro.

26. Consequentemente, pelas razões aduzidas e que se demonstraram pela igualdade de circunstâncias do caso objecto do Acórdão deste Supremo Tribunal de 5/11/98, quer com a decisão da 1ª Instância quer com o Acórdão do Venerando Tribunal da Relação ora recorrido, estes deveriam, muito respeitosamente e no nosso modesto entendimento, ter concluído também pela invalidade do pacto atributivo de competência ao Tribunal Suíço

27.A existência de inconveniente grave inferiu-se do exercício antifuncional de um direito conferido pelo pacto atributivo de competência à recorrida, de forma discricionária e omnipotente, assim ofendendo "a consciência pública", que, e pelo menos, sempre prejudicaria gravemente a prova dos direitos da Recorrente, os quais só podem ser objecto de verificação no local em que aquela desempenhou a sua actividade, isto é, no território português.

28. Assim, quanto ao facto do douto Acórdão de que se recorre, por remissão para a fundamentação da decisão proferida na 1ª instância, não vislumbrar qualquer violação do disposto no art. 99°, n° 3. alínea c) entende a Agravante que essa conclusão se encontra em oposição com a fundamentação e com as conclusões supra explicitadas do douto Acórdão anteriormente proferido por este Tribunal.

29. E ainda, é o Tribunal português o competente nos termos também da referida alínea a) do art° 99° do C.P.C., uma vez que, O direito de indemnização de clientela é um direito indisponível para efeitos de aplicação do artigo 99º, n° 3, alínea c) do C.P.C. - agora alínea a) do art. 99°.

30. Por tudo quanto vimos, deveria, com todo o respeito, o pacto ter sido considerado inválido e a lei portuguesa deve ser aplicada ao caso.

31. Nessa medida, e consequentemente, se todos os factos ocorreram em território português, se o pedido nesta acção - obrigações pecuniárias - há-de ser satisfeito no lugar do domicílio do credor nos termos preceituados no art. 774° do Código Civil, devem ser declarados competentes para julgar a causa os tribunais portugueses do domicilio da Recorrente, nos termos conjugados dos arts. 65° e 74º do C.P.C..

32. E a declaração desta competência não vai contrariar o disposto nas Convenções aplicáveis ao caso e referidas na Douta decisão de que ora se recorre, uma vez que, nos termos da Convenção de Lugano- o requerido pode ser demandado perante o tribunal do lugar onde a obrigação deve ser cumprida.

33. Ou seja, o Tribunal competente é o tribunal português da sede ou estabelecimento da Recorrente.

34. Assim, entende a agravante que, em oposição ao citado Acórdão deste Venerando Tribunal de 5/11/98, a douta decisão recorrida faz errada interpretação da cláusula 16ª do contrato em apreço, bem como do art. 99º, nº 3 do Código de Processo Civil, do art 38º do DL 178/86 de 3/7 e ainda da compatibilidade das conclusões que o Douto Acórdão de 5/11/98 chegou com as Convenções de Bruxelas e de Lugano.

g) Contra-alegou a ré, defendendo merecer provimento o agravo.

h) Colhidos que foram os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Eis como se configura a materialidade relevante para o julgamento do recurso:

1. A autora é uma sociedade comercial com sede em Vila Nova de Gaia.

2. A ré é uma sociedade comercial com sede em Genebra, na Suíça.

3. Autora e ré, por escrito particular, assinado por ambas as partes, para produzir efeitos a partir de 96-06-01, acordaram, consoante documento junto sob o nºl com a petição inicial, a acção tendo sido intentada 03-04-16 (cfr.carimbo aposto a fls.2) nos termos seguintes, "inter alia": a) A ré nomeia a autora distribuidora para venda de produtos da marca CORIAN, nomeação essa que não reveste qualquer carácter de exclusividade, sendo Portugal a área geográfica de principal responsabilidade da distribuidora e aquela em que a demandada avalia o seu desempenho.

b) O contrato produz efeitos a partir de 1 de Junho de 1996 e continua plenamente em vigor e a produzir efeitos, salvo e até à respectiva resolução por qualquer das partes, mediante aviso prévio por escrito ou por telex confirmado por escrito à outra parte, num prazo máximo de noventa dias, se o referido aviso ocorrer nos primeiros cinco anos de contrato.O período de aviso será ampliado um mês por cada ano de execução do contrato, até um máximo de doze meses....

c) O contrato é interpretado de acordo com Lei Suíça e "encontra-se sujeito a Recurso ..para o Tribunal Federal Suíço em Lausana. Os tribunais de Genebra ou, por opção do autor, os tribunais do estabelecimento principal do réu terão competência sobre qualquer controvérsia que resulte do presente, salvo se as partes acordarem diversamente por escrito»’

4. A ré denunciou o acordo a que se alude em 3., por carta de 30-11-01, dirigida à autora, que a recebeu, para produzir efeitos a 31-05-02

III. 1. Liminarmente, visto o teor das conclusões da alegação da recorrente, as quais, consoante consabido, balizam o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº1 do CPC), como o plasmado na contra-alegação, em sustentação da bondade da rejeição do 2º agravo instalado, deixar enunciado o seguinte:

Mesmo inexistindo oposição entre o acórdão impugnado o invocado pela autora na conclusão da 1ª da predita peça processual, tal como, diga-se, com o, também deste Tribunal, de 10-7-97, in BMJ 469-418 e segs., sempre o recurso em apreço seria de admitir considerado o prescrito no art. 754º n.s 1 e 3 734º nº 1 a ), ambos do CPC, ao arrepio do entendido pela demandada.

Por outro lado:

Não é pelo facto de nos supracitados Acs. se ter perfilhado o entendimento que da leitura dos mesmos ressalta, no tocante a questões nucleares, a versar, outrossim, no caso vertente, com solução díspar, adiante-se desde já, que defesa é a confirmação, "in casu",do acórdão impugnado.

Não têm tais arestos o valor consignado nos art.s 732º-A e 732º-B do CPC.

Prossigamos:

2. No atinente ao vazado nas conclusões lª a 6ª da alegação de "Empresa-A":

Escreveu-se, com toda a pertinência, quanto ao valimento da consideração da cláusula noticiada em II. 3. c) para a decisão concernente à excepção dilatória cuja procedência ditou a absolvição da instância de "Empresa-B, na sentença apelada, com acolhimento no acórdão sob recurso, elaborado, aliás, por remissão, como permitido pelo art.713º nº 5 do CPC:

"Nos presentes autos, a autora pretende ser ressarcida dos alegados prejuízos e receber a designada indemnização de clientela, o que entende ser-lhe devido pela ré por força da denúncia (operada pela ré) de um contrato escrito celebrado entre ambas, qualificado pela autora como contrato de concessão comercial, nos termos do qual ficou acordado que a autora procederia à distribuição, em Portugal, dos produtos de uma marca representada pela ré, o que fez durante algum tempo, até à denúncia do contrato por parte da ré.

A autora alega, ainda que aludindo a acórdãos dos tribunais superiores que se pronunciaram sobre questões relativamente diferentes desta, que o litígio em causa nos autos não resulta do contrato, mas de um comportamento posterior, e, como tal, a cláusula 16ª do contrato não é aplicável.

Acontece que, ao contrário das situações sobre que se pronunciaram os acórdãos referidos pela autora e concordando-se ou não com os mesmos, a cláusula do contrato em causa não restringe o seu âmbito a uma ou algumas questões emergentes do contrato, mas a "qualquer controvérsia" que do mesmo resulte,entendendo-se, naturalmente, aquela expressão como referente a qualquer litígio que se relacione com o contrato em que se insere a cláusula. E o certo é que é exactamente com base naquele contrato que a autora interpõe a presente acção e apresenta os seus pedidos. Este é, aliás, o entendimento que, além do mais, resulta da aplicação das regras da interpretação das declarações negociais previstas no art. 236º e ss.do CC."

Sendo certo que:

a') A denúncia a relação obrigacional complexa derivada do contrato cuja renovação ou continuação ela impede" - cfr. Antunes Varela "Das Obrigações em Geral" -2ª Edição- vol. II-Almedina, 1978.

b’) O art. 33º do DL nº 178/86, de 3 de Julho,como recorda António Pinto Monteiro, consagra uma espécie de "indemnização" "muito interessante, a chamada indemnização de clientela", tratando-se," no fundo, de uma compensação devida ao agente, após a cessação do contrato - seja qual for a forma por que se lhe põe termo ou o tempo por que o contrato foi celebrado (por tempo determinado ou por tempo indeterminado) e que acresce a qualquer outra indemnização a que haja lugar-, pelos benefícios de que o principal continua a auferir com a clientela angariada ou desenvolvida pelo agente. É como que uma compensação pela "mais-valia" que este lhe proporciona, graças à actividade por si desenvolvida na medida em que o principal continue a aproveitar-se dos frutos dessa actividade, após o termo do contrato de agência " (in "Contrato de Agência"-5ª Edição Actualizada-Almedina 2004-, pág.s 132 e 133).

Menos verdade não é que:

c’) A cláusula em apreço, devidamente interpretada, aplica-se a todos os litígios emergentes do contrato, esteja este, na expressão da ré, já fechado" atenta a havida denúncia, não sendo, longe disso, despicienda a diferença de redacção daquela, face à que, no Ac. deste Tribunal, de 5/11/98 (in BMJ 481-416 e segs.), conduziu à não aplicação de " pacto privativo atributivo de jurisdição, o contrato extinto.

Como se enfoca no Ac. de 10-7-97, à colação já chamado, versando sobre hipótese similar à vertente," é unívoco que a causa de pedir (complexa) emerge do contrato "denunciado," não sendo por aí que se escapa ao pacto privativo e atributivo de jurisdição constante do respectivo contrato, vertido na cláusula 16ª, nos seguintes termos:

Artigo 16º

2- O tribunal competente que irá decidir em todos os assuntos em disputa que emerjam deste contrato deverá ser o Tribunal de Breda, na Holanda.

Portanto, o pacto é tão claro quanto é certa a emergência".

"Lida", como importa, a cláusula em causa, com sageza anota a ré, na sua contra-alegação," não oferecerá controvérsia que os pedidos da Agravante na presente acção judicial se fundam, emergem ou resultam do contrato que integra a causa de pedir da acção tal como foi configurada pela Agravante. Tratam-se evidentemente de consequências resultantes da sua vigência, consequências essas que vêm produzir os seus efeitos em momento posterior à sua cessação, mas nem por isso deixam de ser um resultado directo e imediato do contrato.

Efectivamente, resulta com meridiana clareza que os pedidos de indemnização de clientela, de indemnização por investimentos efectuados na vigência do contrato, de recompra dos produtos contratuais em stock pressupõem a existência do contrato no qual se fundam, sendo este a fonte do qual tais pedidos emergem.

Atento o referido teor da cláusula 16ª do contrato em discussão facilmente encontramos, sem necessidade de grande esforço interpretativo, a expressa e inequívoca regulação pelas partes da competência para o julgamento de todas ("qualquer controvérsia", na acepção da cláusula contratual em análise)as acções/litígios emergentes ou em conexão com o contrato celebrado, e não, como pretende a Agravante, apenas a competência para o julgamento dos litígios relativos à validade, execução e interpretação do mesmo".

E se é vítrea a conexão entre os pedidos indemnizatórios e o contrato denunciado, muito mais evidente se antolha tal relevante ligação no tocante ao pedido de declaração de nulidade das cláusulas citadas em I. a) 1.

Em suma:

Pelo dissecado, falece a pretensão da autora, consistente em ver não aplicada a cláusula dita.

3. É apodíctico estarmos ante um litígio privado internacional, conectado com as ordens jurídicas de Portugal e da Suíça (cfr. J. Batista Machado, in "La competente internacionale en droit portugais", vol. I da Obra Dispersa, Braga, 1991, pág.. 711), Estados aqueles Contratantes da Convenção da Convenção de Lugano, celebrada a 18-9-88, Relativa à Competência Judiciária e à Execução de Decisões em Matéria Civil e Comercial, a qual, no nosso País, entrou em vigor a 1-7-92 (aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República nº 33/91, de 24 de Abril de 91, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 51/91, de 30 de Outubro) e a l de Janeiro de 92 na Suíça, Convenção essa a aplicar, na hipótese em apreço, como decorre do estipulado no seu. art. 1º, não se estando, mas flagrantemente, ante caso prevenido nos art.s 12º, 15º e 16º, o que releva visto estatuído no art. 17º nº 3 de tal Convenção.

Pois bem:

Consoante reza o art. 8º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa:

"As normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português."

Observa Gomes Canotilho que a nossa Constituição terá, assim, aderido "à tese da recepção automática, condicionada apenas ao facto de a eficácia interna depender da sua publicação oficial" e que" a ideia do legislador constituinte foi a de aceitar a vigência das normas internacionais como tais e não como normas internas"(in "Direito Constitucional", 5ª Edição, Coimbra, 1991, pág.913).

Se é um facto que, nas palavras de Lebre de Freitas, in "Código de Processo Civil Anotado", vol. I ,pág.124 (Coimbra Editora, 1999), as "normas de competência internacional definem a susceptibilidade de exercício da função jurisdicional pelos tribunais portugueses, tomados no seu conjunto, relativamente a situações jurídicas que apresentam elementos de conexão com uma ou mais ordens jurídicas estrangeiras" e que, além "de receberem competência do artº 65º, os tribunais portugueses recebem-na também de Convenções internacionais", sucede que estas, no"seu campo específico de aplicação prevalecem sobre as normas processuais portuguesas, nomeadamente as reguladoras da competência internacional constantes do Código", outra não sendo a tese sufragada, quanto a tal prevalência, por Ferrer Correia (in "Lições de Direito Internacional Privado", vol. I.,pág. 494-Almedina, 2000) e Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente (in "Comentário à Convenção de Bruxelas"-Lex-1994-, págs. 124 e segs.), noutro sentido a jurisprudência deste Tribunal: vide, entre outros, defendendo que as normas das Convenções de Bruxelas e Lugando prevalecem sobre as dos art.s 65º, 65º-A e 99º, todos do CPC, Acs. de 12-6-97 (BMJ 468-324), 11-2203, 12-02-04, 03-03-05 e 29-06-05 (docs. nºs SJ 200311110031376, SJ2004022120001287, SJ 00503030042831, SJ200503030003167 e SJ200506290022197, in www.dgsi.pt/jstj., respectivamente).

Logo, não deve, com acerto, convocar-se, ao contrário do que fez a agravante, o disposto no art. 99º do CPC, maxime, no seu nº 3 a) e c), nem o prescrito no art. 19º g) do DL nº 446/85, de 25 de Outubro, tal como nos art.s 334º , 398º e 774º do CC, 65º e 74º do CPC e 5º nº 1 da Convenção de Lugano, em ordem a, em tais normativos, outrossim, fazer repousar a bondade do recurso, como destaca a demandada nas conclusões o) a x) da contra-alegação, errónea não sendo, evidentemente, a asserção seguinte: o regime convencional é menos restritivo que o do CPC no respeitante ao âmbito das matérias susceptíveis de serem abrangidas por pactos de jurisdição, desde logo por não excluir a admissibilidade da designação pelas partes do tribunal competente para julgar questões sobre direitos indisponíveis (cfr. Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, in obra citada, pág.126).

Note-se: nem sequer estamos perante direito indisponível, ao contrário do que se mostra defendido na conclusão 29ª da alegação da autora.

Estão preenchidos, sim, os requisitos substanciais e formais definidos pelo art. 17º da Convenção de Lugano (cfr. al. a) do n 1 do art. 17º da Convenção de Lugano e II. 1. a 3.).

Ainda, face ao teor do art. 38º do DL n 177/86, de 3 de Julho, invocado pela autora (conclusões 15ª a 23ª e 34ª):

Entendendo-se que tal norma tem só a ver com a electio juris, com o direito material aplicável, como defendido na sentença apelada, tal em nada briga com a bondade da tese contra a qual se insurge a demandante, nada obstaculando a que, por força da aplicação das pertinentes normas de DIP, o tribunal suíço aplique o direito substantivo português.

A questão controvertida coloca-se, porém, insiste-se, a montante, por se prender com a determinação do tribunal competente, em razão do relatado.

Que se sustente que o art. 38º do DL nº 177/86 releva, igualmente, no plano da jurisdição internacional competente, abrangendo a electio iudicis, como defende Pinto Monteiro, in obra citada, págs.149 e segs., então a Convenção de Lugano, paralisaria a aplicação de tal artigo de lei, como factor de determinação da competência internacional aos tribunais portugueses, Convenção essa que não poderia ser postergada, como, igualmente, pondera o último autor citado, in obra referida, pág. 151.

Recorde-se ter inocorrido designação a que se reporta o art. 5º da Convenção da Haia de 14 de Março de 1978, aprovada, para ratificação, pelo Decreto nº 101/79, de 18 de Setembro, jogar não podendo, também, o exarado no art 16º desta última Convenção, em prol da tese da demandante.

Enfim: não colhendo o invocado pela ré, em ordem à evidenciação do mérito do agravo, antes a violação do pacto privativo de jurisdição se antolhando flagrante, nega-se provimento ao recurso, confirmando-se a decisão impugnada.

Custas pela recorrente (art. 446º nºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 16 de Fevereiro de 2006.

Pereira da Silva

Rodrigues dos Santos

Moitinho de Almeida