Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
5539/04.6TVLSB.L2.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: MARIA CLARA SOTTOMAYOR
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
VENDA SOBRE AMOSTRA
RECLAMAÇÃO
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / COMPRA E VENDA.
DIREITO COMERCIAL - CONTRATOS ESPECIAIS DO COMÉRCIO / COMPRA E VENDA.
DIREITO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS - COOPERATIVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, p. 354.
- Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, n.º 852.
- Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2005 p. 755.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 442.
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pp. 443-444, 446-447.
- Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1987, p. 223.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, 276.º, 298.º, N.º2, 473.º, 874.º, 879.º, 919.º.
CÓDIGO COMERCIAL (CCOM): - ARTIGOS 2.º, 99.º, 463.º, 469.º, 471.º.
CÓDIGO COOPERATIVO: - ARTIGOS 7.º, 9.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 721.º, 722.º, N.º 3, 729.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18-02-1997, PROCESSO Nº. 96A788;
-DE 06-12-2001, PROCESSO N.º 01B2857;
-DE 05-12-2002, PROCESSO N.º 02B3555;
-DE 23-11-2006, CJ/STJ, 2006, TOMO III, PP. 132-136;
-DE 25-10-2011, PROCESSO N.º 1453/06.9TJVNF.P1.S;
-DE 25-10-2011, PROCESSO 1453/06.9TJVNF.P1.S1;
-DE 06-03-2012, PROCESSO N.º 2698/03.9TBMTJ.L1.S1.
Sumário :
I - O contrato de compra e venda celebrado entre uma sociedade e uma cooperativa, mediante o qual a primeira se obriga a fornecer um bem fabricado por encomenda com base em amostra, para que a segunda os revenda ao público, auferindo lucro, tem natureza comercial.

II - Mesmo quando a compra e venda não possa ser considerada subjectivamente comercial, aplica-se a lei comercial, pois esta rege os actos de comércio, sejam ou não comerciantes as pessoas que neles intervenham.

III - A tal não obsta o segmento final do art. 99.º do Código Comercial, pois a excepção que consagra abrange, apenas, os actos referentes exclusivamente aos comerciantes, como, por exemplo, a obrigatoriedade de adoptar uma firma, de ter uma escrituração comercial, de dar balanço ou prestar contas, ou regras quanto à prova de certos actos.

IV - A compra e venda sobre amostra não se basta com a exibição de uma amostra no acto da pré-contratação e com a celebração do contrato tendo-a por base, antes implica ainda que as partes apenas queiram ter como perfeito o contrato quando a mercadoria total entregue esteja de acordo com a mencionada amostra.

V - Na compra e venda sobre amostra o contrato apenas se tem como eficaz após exame sem reclamação ou decorridos oito dias sobre a entrega.

VI - Comunicando a compradora à vendedora, naquele prazo, que a ausência de impressão de logótipos coloca em causa o acordo celebrado e o pagamento do preço, tem de entender-se tal declaração como reclamação de desconformidade, nos termos do artigo 236.º do Código Civil.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 5539/04.6 TVLSB.L2.S1

Acordam na 1.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I - Relatório

AA, com os sinais dos autos, veio instaurar a presente acção declarativa de condenação com processo comum ordinário, contra BB - ..., com os sinais dos autos, alegando ter vendido à Ré três milhões de óculos para eclipse, não tendo a Ré pago parte do preço, no montante de € 485.151,00, o que pede seja condenada a fazer acrescido de juros vencidos e vincendos.

A Ré contestou por impugnação e excepção alegando, em síntese, que a Autora entregou parte dos óculos sem as características acordadas como essenciais, pelo que o montante peticionado não é devido. Pediu a condenação da Autora como litigante de má-fé em multa e indemnização.

A Autora replicou, impugnando a matéria da excepção e defendendo ter cumprido o contrato.   

A Ré apresentou articulado superveniente, alegando pagamento parcial, na sequência do qual a Autora reduziu o pedido em conformidade, ou seja, no montante de € 54.388,50 de capital e juros correspondentes, redução que não foi homologada, mas foi tida em atenção na sentença.  

Procedeu-se a audiência preliminar, tendo sido proferido saneador tabelar e organizada a matéria de facto assente e a base instrutória, sem reclamações.

Cumprido o demais legal, foi proferida sentença que condenou a Ré a pagar os montantes peticionados, deduzido o montante da redução, por entender que, sendo embora defeituosa a prestação dos óculos sem logótipo, a Ré não observou o preceituado nos artigos 913.º, n.º 2 a 916.º, n.º 2 do Código Civil, quanto a denúncia dos defeitos, exigência de reparação, redução do preço ou resolução, pelo que estava obrigada ao cumprimento da sua prestação: o pagamento integral do preço.

A Ré apelou da decisão, requerendo a fixação de efeito suspensivo com fundamento no prejuízo que decorreria da execução.   

            A Autora interpôs recurso subordinado.

Iniciaram as partes uma fase processual anómala de resposta e contra-resposta, finda a qual foi indeferida a fixação de efeito suspensivo ao recurso principal, admitido como apelação. Não foi admitido o recurso subordinado.

A Relação alterou o efeito da apelação e determinou a ampliação da matéria de facto, com inclusão da impugnação motivada apresentada pela Autora à alegação da excepção da essencialidade das características dos óculos, para julgamento restrito à ampliação.  

Cumprido o demais legal, quanto à matéria do aditamento que foi julgada não provada, foi proferida sentença de teor idêntico à anterior.

Desta decisão apelou a Ré.

O recurso foi recebido como apelação, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Distribuídos os autos nesta Relação, foi requerida pela Recorrente a junção de um documento que está a fls. 1785.

Após contraditório foi remetida para a conferência a apreciação da junção, a qual veio a ser indeferida.

Por acórdão datado de 11 de Abril de 2013, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa «julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e absolvendo a Ré do pedido formulado pela Autora e, bem assim, do da sua condenação como litigante de má-fé».

A Autora, inconformada, recorre de revista, apresentando, na sua alegação de recurso, as seguintes conclusões:

«I. Ao concluir que estamos perante um contrato-promessa de compra e venda sob amostra abrangendo toda a mercadoria, o tribunal a quo fez uma errada interpretação da lei, ofendendo o disposto no art. 236.º do Código Civil.

II. Desde o primeiro momento que a recorrente afirmou a impossibilidade temporal de produzir os 3 milhões de óculos pretendidos pela Associação Nacional de Farmácias;

III. A recorrente propôs-se fabricar 1,5 milhões, de origem, e fornecer outros 1,5 milhões, que tinha fabricados, em armazém, sem compromissos com outros clientes.

IV. Complementarmente propôs-se imprimir nesses lotes, que tinha armazenados, os logótipos pretendidos pela referida ANF.

V. Foram estipulados preços autónomos para o fabrico de origem dos óculos com os logótipos, para o fornecimento dos óculos em stock e para as impressões nos mesmos.

VI. Tomando em consideração toda a matéria dada como provada, é inequívoco que um declaratário normal consideraria haver incumprimento do contrato se, após a avaria que impediu a impressão dos logótipos nos óculos já fabricados e que se encontravam em stock, a recorrente não tivesse procedido ao fornecimento.

VII. Efetivamente, a recorrente tinha assumido, antes de tudo, o compromisso de vender à ANF duas partidas de óculos, que tinha em armazém, totalizando 1,5 milhões de exemplares.

VIII. Destinando-se o fornecimento a resolver um problema de saúde pública, tendo a ANF invocado, expressamente, que os óculos se destinavam ao Ministério da Saúde de Portugal, afigurava-se óbvio, para qualquer declaratário normal, que a falta dos logótipos não afetava a qualidade da mercadoria, para o fim a que ela se destinava.

IX. Se não tivesse fornecido os 1,5 milhões de óculos sem a impressão dos logótipos, teria a recorrente incumprido o contrato, tanto mais que era claro e inequívoco que havia fornecido à ANF um preço de venda que não incluía as impressões.

X. E que o preço das impressões foi estabelecido de forma autónoma.

XI. Tendo sido fixado o preço da compra e venda, para os lotes de óculos em stock, sem o preço da impressão, não pode interpretar-se o fax a que se refere o ponto 31 da matéria de facto dada como provada como um reclamação eficaz, para os termos do disposto no art. 471.º do Código Comercial.

XII. Os óculos que se encontravam em stock e que foram entregues à recorrida às especificações e à amostra, necessariamente sem a impressão.

XIII. De qualquer modo, a recorrida não procedeu sequer à devolução da mercadoria, tendo ficado com ela.

XIV. O comprador de coisa defeituosa não pode ter B...ício maior que o comprador de mercadoria à consignação, estando obrigado a pagar o preço ou a devolver a coisa, sendo certo que a recorrida nem pagou nem devolveu os óculos.

XV. Ao considerar que os óculos que a recorrente forneceu, no estado em que se encontravam, eram coisa defeituosa, o tribunal fez errada interpretação da lei, porquanto nenhum defeito lhes foi apontado, por relação à amostra.

XVI. Mesmo que se entendesse, o que só como hipótese teórica se aceita, que os referidos óculos eram coisa defeituosa, apenas pelo facto de não terem a impressão dos logótipos, não podia o tribunal a quo, pura e simplesmente, absolver a recorrida do pagamento do respetivo preço sem que a mesma os tenha devolvido, em termos que permitissem a sua comercialização.

XVII. Os referidos óculos, que a recorrente tinha o seu stock, tinham todas as condições para ser comercializados e usados, nomeadamente nos eclipses que ocorreram depois dessa data.

XVIII. Não os tendo devolvido e tendo ficado com eles, não pode a recorrida pretender ficar com a mercadoria e não pagar o respectivo preço.

XIX. Se outra razão não houvesse, sempre teriam de considerar-se que, não tendo procedido à devolução, houve enriquecimento sem causa da recorrida, na mesma medida do empobrecimento do recorrente, que viu o seu ativo reduzido pelo valor da fatura não paga.

XX. O douto acórdão recorrido ofende assim, também, o art. 473.º do Código Civil.

XXI. Não tendo a recorrente cobrado qualquer montante pelas impressões que não fez nos óculos que tinha em stock e que forneceu, cumpriu, de forma perfeita o contrato, no que se refere à compra e venda, estando a recorrida obrigada a pagar o preço e as despesas de transporte que foram acordadas.

XXII. Depois do que afirmou nas declarações enviadas à ANF, a recorrente teria incumprido o art. 406.º, 1 do Código Civil se não tivesse entregue os óculos que tinha em stock, mesmo sem as impressões.

XXIII. Nesse sentido, o douto acórdão recorrido ofende, também, o art. 406.º do Código Civil».

A Ré apresentou contra-alegações, pugnando para que seja mantida a decisão que julga a acção improcedente e, em consequência, absolve a Recorrida.

Tendo em atenção as conclusões da Recorrente e inexistindo questões de conhecimento oficioso - artigo 684.º, n.º 3, 685.º A, nº 1 e 3, com as excepções do artigo 660.º, n.º 2, in fine, ambos do CPC – as questões a decidir são as seguintes.

I) Da qualificação do contrato e das obrigações decorrentes do mesmo;

II) Do incumprimento e suas consequências.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação de facto

 

Os factos dados como provados, aos quais foi aditada uma alteração ao facto n.º 31 pelo Tribunal da Relação de Lisboa, são os seguintes:

 

1. A Autora entregou à Ré três milhões (3.000.000) de óculos especiais para visualização do eclipse solar, não apresentando um milhão, trezentos e sessenta e sete mil e quinhentos (1.367.500) destes óculos impressos os quatro logótipos da Direcção Geral de Saúde, do CC, da DD e da Associação Nacional de Farmácias. ". - (al. A) dos Factos Assentes e arts. 1.º e 4.º da B.I.).

2. Após ter sido confirmada a encomenda dos três milhões de óculos, a Ré procedeu ao pagamento de 50% do valor da encomenda, no valor de 517.500 (al. B) dos Factos Assentes).

3. Em 31.05.2004 a Autora enviou à Ré o original do documento cuja cópia se encontra a Fls.101, com o seguinte teor:   

"( ... ) FACTURA N.º ... Estrasburgo, 24/05/2004

Código Descrição Quantidade Preço Montante Unitário L.IVA

V/ ENCOMENDA REFERENCIA N.º MJT…..cm

N/GUIA DE REMESSA DE 17 E 18/05/2004

ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C...

Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta

ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta

ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo E...

Taxas de Transporte - Seguro para Cadaval

PAGAMENTO POR TRANSFERÊNCIA BANCÁRIA AQUANDO DA RECEPÇÃO DA FACTURA ( ... )

MONTANTE LÍQUIDO DE IVA 19,6%

MONTANTE TOTAL € 1.002.651,00

Sinal € 517.500,00

Saldo a pagar € 485.151,00 - (al. C) dos Factos Assentes).

4. A Autora enviou o seguinte e-mail:

"( ... ) Exma. Senhora EE,

Agradecemos o vosso pedido de fornecimento de óculos especiais para observação do Sol durante a Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 e enviamos em anexo o nosso orçamento (em formato Pdf).

Passamos a assinalar as diferentes questões discutidas durante a nossa conversa telefónica de sexta-feira, dia 16/04/2004 e os pedidos que nos formularam por mensagem enviada por correio electrónico nesse mesmo dia.

1) Confirmamos que os nossos óculos são fabricados com um filtro solar especial, possuem a certificação e a homologação "CE". A frente e o verso de cada par de óculos exibe o logótipo, no verso, figura o número do certificado de conformidade e o organismo certificador, bem como as nossas coordenadas, a fim de assegurar controlo total. No verso de cada par de óculos estão indicadas as instruções de utilização (anexo em formato Pdf - certificado de conformidade).

2) Impressão de logótipo: os nossos óculos são concebidos de forma a possibilitar a impressão de um logótipo em cada uma das hastes numa cor ou em duas cores no máximo.

O custo é de 0,06 Euros por par de óculos, por haste e por cor.

O custo é elevado porque a impressão do logótipo tem de ser feita individualmente, tal aplicando-se também aos óculos que temos actualmente em stock.

Nos casos de fabricos especiais - prazos de 4/5 semanas - os custos de impressão de logótipos são reduzidos entre 0,02 e 0,03 Euros por par de óculos e pelas duas hastes, consoante os textos/mensagens a imprimir.

3) A disponibilidade dos óculos não é, nesta data, Sábado dia 17/04/2004, objecto de qualquer reserva por parte do cliente: 972.500 óculos E..., ref. … e 550.000 óculos C..., ref. …, perfazendo um total de 1.522.500 óculos.

Temos programas de fabrico para encomendas específicas para as semanas de 17 a 19 de Maio, mas podemos ainda incluir encomendas adicionais, de modo a que possamos efectuar a vossa entrega em Lisboa no dia 17/05/2004.

Confirmamos que vos enviaremos esta segunda-feira, por DHL - entrega em Lisboa na terça-feira - amostras dos nossos óculos - oferta de preço - certificado de conformidade "CE", a fim de que possam ficar na posse de todos os elementos necessários à tomada de uma decisão.

Comunicar-vos-emos logo no início da tarde de segunda-feira o número de registo de DHL relativo ao envio das amostras.

Anexamos também a esta mensagem os horários do eclipse anular e parcial do Sol em todo o Portugal que ocorrerá no dia 3 de Outubro de 2005.

Não hesitem em nos contactar caso necessitem de alguma informação ou esclarecimento adicional relativo à protecção ocular ligada ao fenómeno de dia 8 de Junho de 2004.

Melhores cumprimentos. ( ... )" - (al. D) dos Factos Assentes).

5. Foi enviado à Autora em 22-04-2004 por EE o seguinte e-mail:

"( ... ) Caro Sr.FF,

Veja por favor em anexo modelo dos óculos com os logótipos.

O nosso Ministério da Saúde propõe-se encomendar 3 milhões de óculos modelo C... (o modelo amarelo) com os logótipos impressos a preto (numa só cor).

Data de entrega: Sexta-feira, dia 14 de Maio de 2004 ou, o mais tardar, segunda-feira, dia 17 de Maio.

O preço de € 0,02 por impressão, conforme vosso orçamento, é o mais desejável.

Melhores cumprimentos, ( ... )" - (al. E) dos Factos Assentes).

6. Foi enviado pela Autora em 22/04/2004 o seguinte e-mail:

"( ... ) Exma. Senhora EE,

No seguimento da sua mensagem enviada hoje por correio electrónico e das nossas conversas telefónicas sobre o projecto de encomenda de 3 milhões de óculos para observação de Vénus no dia 8 de Junho de 2004, a ser entregue no dia 14/17 de Maio de 2004, vimos informar as modalidades e as disponibilidades:  

1) Fabrico de 1,5 milhões de óculos modelo C... - amarelo/preto - com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03 Euros = 0,345 Euros.

2) Colocação à vossa disposição de 550.000 óculos modelo C... que temos em stock - amarelo/preto - com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03Euros = 0,345 Euros.

3) Colocação à vossa disposição de 950.000 óculos modelo E... que temos em stock - malva/preto - com impressão a cor preta de 2 logótipos diferentes nas duas hastes (4 logótipos no total), pelo preço unitário de 0,315 Euros + impressão de 0,03Euros = 0,345 Euros.

4) Apresentação de prova final para aprovação, antes de dar início à impressão dos logótipos nas duas hastes com a vossa aprovação.

5) Condições de entrega: preço da partida de Estrasburgo - custos de transporte descontados sobre a factura definitiva.

6) Condições de pagamento: 50% do valor da encomenda aquando da adjudicação, a pagar por meio de transferência bancária. Remanescente da factura a pagar aquando da entrega da mercadoria, pelo valor líquido, sem desconto, e por transferência bancária.

Enviamos em anexo, em formato Pdf, a nossa factura provisória que contém as nossas coordenadas para efectuar o pagamento.

Melhores cumprimentos. ( ... )" - (al. F) dos Factos Assentes).

7. Em anexo ao e-mail requerido na al. F) foi enviado o seguinte documento:

"( ... ) FACTURA PROVISÓRIA N.º … Estrasburgo, 22/04/2004 Código Descrição Quantidade Preço Montante Unitário L.IVA ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... Impressão de 4 logótipos s/2 hastes em cor preta ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta

ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo E... Impressão de 4 logótipos s/ 2 hastes em cor preta

Transporte para Lisboa ( ... ) CONDIÇÕES DE PAGAMENTO:

- 50% AQUANDO DA ENCOMENDA: € 517.500,00

- REMANESCENTE AQUANDO DA RECEPÇÃO DA MERCADORIA, LÍQUIDO,

SEM DESCONTO E COM ACRÉSCIMO DO CUSTO DE TRANSPORTE (...)

MONTANTE LIQUIDO DE IVA 19,6% MONTANTE TOTAL (...)" - (al. G) dos Factos Assentes).

8. Pela Associação Nacional de Farmácias foi enviado em 23/04/2004 à Autora o seguinte fax:

"( ... ) Assunto: Encomenda de 3 milhões de óculos para a passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004

Caro Sr. FF,

No seguimento da sua mensagem enviada por correio electrónico no dia 22 de Abril contendo as condições relativas a preço, entrega e pagamento, vimos por este meio confirmar a nossa encomenda de 3 milhões de óculos para observação da Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 a ser entregue no dia 14/17 de Maio de 2004, pelo preço unitário de € 0,34. Os óculos deverão ser embalados em caixas de 50 unidades.

A factura para pagamento de 50% do valor da encomenda deverá ser endereçada à nossa cooperativa de distribuição farmacêutica, BB, que tem as seguintes coordenadas:

(...) A mercadoria deverá ser entregue no seguinte endereço (ver esquema anexo à presente telecópia):

( ... ) Ficamos a aguardar que nos enviem a prova final para que possam dar início aos trabalhos de impressão com a nossa aprovação, estamos ao vosso dispor para qualquer informação que entendam por necessária e apresentamos os nossos melhores cumprimentos.

( ... ) (segue-se relatório de envio da telecópia)" - (al. H) dos Factos Assentes).

9. A Autora enviou em 25/04/2004 o seguinte e-mail:

"( ... ) Exma. Senhora EE,

Conforme combinado, enviamos em anexo a confirmação da encomenda n.º … e a nova factura provisória emitida em nome da BB.

Agradecia que nos confirmassem por mensagem enviada por correio electrónico que o pagamento foi feito para a nossa conta bancária, a fim de que possamos dar início o mais rápido possível à impressão dos logótipos.

A prova final para impressão será enviada na segunda-feira ao final do dia ou, o mais tardar, na terça-feira. O fabrico terá início de acordo com o nosso plano, pela impressão dos óculos no final do dia de quarta-feira, dia 28, depois de acordada por vós a prova final para impressão que já foi por nós anteriormente enviada.

Estarei ausente do meu escritório entre as 9h30m e as 13h de segunda-feira (hora de França).  

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. I) dos Factos Assentes).

10. Em 26/04/2004 foi enviado, em resposta ao e-mail aludido na al. I), o seguinte e-mail:

"( ... ) Caro Sr. FF,

Agradecíamos que nos confirmasse a encomenda e a emissão da nova factura em nome da BB. Já solicitámos ao banco o pagamento e estamos à espera do n.º de transacção bancária para vos informar.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. J) dos Factos Assentes).

11. EE enviou em 27-04-2004 à autora o original do fax cuja cópia se encontra a fls. 68 com o seguinte teor:

"( ... ) Caro Sr. FF,

No seguimento do vosso pedido, enviamos a confirmação do pagamento de € 517.000,00 feito pela agência bancária para crédito da vossa conta.

Melhores cumprimentos, ( ... )" - (al. L) dos Factos Assentes).

l2. Em anexo ao fax referido em L) seguiu documento de fls. 65 com o seguinte teor:

"ASSUNTO: Confirmação da ordem de pagamento ORDENS DE PAGAMENTO EMITIDAS 2004/04/27 B… - COMPANHIA - EURO 10:28:03 Nr….

Valor ORDEM: 517 500.00 EUR Mn03+ Dt.Valor Cobert.: 2004/04/28 ORDENANTE: IDENTIFICAÇÃO: Comp: 020 Nome: BB COOP

NACIONAL FARMÁCIAS

Conta: … Morada: TRAV ... Moeda: EUR

Local: LISBOA

CPost.: …

N Fiscal: …

B...ICIÁRIO DETALHES DE PAGAMENTO AA INST … RUE …B.P. 95 … FRANCE

Conta/IBAN:

FR…

IBAN

(S/N):

COD.INSTRUCAO BANCO B.... INSERIDO PELA SUCURSAL BPRSFR2A BANQUE ...Tipo Cobertura: TARGET/TEI

BANCO DO B…: BPRSFR2A BANQUE ..." - (al. M) dos Factos Assentes).

13. Em anexo ao fax referido em L) seguiu documento de fls. 66 com o seguinte teor:

"Exmos Senhores

BANCO …

Exma Senhora Dra. GG

Rua …, Lote … - …º

… LISBOA …

Exmos Senhores

Assunto: Transferência bancária

Conta Nº: …

 Pela presente, solicitamos a V.Exas que, por débito da nossa conta de depósitos à ordem número …, se digne, transferir a quantia de € 517.500,00 (QUINHENTOS E DEZASSETE MIL E QUINHENTOS EUROS) a favor de:

AA EX

…RUE …

… … - FRANCE

para a conta BANQUE … - FRANCE SWIFT CODE BIC: BPRS - FR2A IBAN - ACCOUNT NUMBER: FR….

Agradecemos que acusem a recepção desta ordem de pagamento

Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos apresentando os nossos melhores cumprimentos.” (al. N) dos Factos Assentes).

14. Em 27-04-2004 EE enviou à autora o seguinte E-mail:

“(…) Caro Sr. FF,

Agradeço ainda que reduza (ponha mais pequeno) o logótipo da "HH" (o logótipo maior à esquerda) na próxima prova final para impressão que aguardamos.

Obrigada e até amanhã. ( ... )” - (al. O) dos Factos Assentes).
15. A autora enviou a EE em 27-04-2004 o seguinte E-mail:  
“Exma Senhora EE,

Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face anterior dos óculos.

Telefono-lhe dentro de 15 minutos para lhe dar informações complementares.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. P) dos Factos Assentes).

16. A autora enviou a EE o seguinte E-mail:

“Exma Senhora EE,

Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face anterior nas versões 1 e 2, bem como da face posterior.

Para a face anterior, reduzimos o logótipo da "HH" em 15% sobre o lado esquerdo e preparámos duas versões para o lado direito - imã com o logótipo do Ministério da Saúde colocado na parte inferior (BAT Logos V.1) e outro com o logótipo colocado um pouco mais alto (BAT Logos V.2).

Vou estar no meu escritório hoje toda a manhã e ausente entre as 12h e as 14h30, hora de França.

Contactem-me caso haja alterações.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. Q) dos Factos Assentes).

17. Em anexo ao E-mail referido na al. Q) foram enviados os documentos juntos a fls. 73, 74 e 75. - (al. R) dos Factos Assentes).

18. EE enviou à autora em 28-04-2004 o e-mail com o seguinte teor:

“Caro Sr. FF,

Escolhemos a versão 2.

O texto tem erros em português. As correcções a fazer são as seguintes:

            - 2ª linha - (…) (necessita de um espaço entre as palavras)

            - 5ª linha - (… ) (e não “…”)  

            - 6ª linha - (… ) (e não “…”)

            - 7ª linha - ( …) (e não “…”)

            - 7ª linha - (…) (e não “…”)

            - 9ª linha - (…) (e não “…”)

            - 10ª linha - (… ) (e não “…”)

Amanhã estarei no escritório à vossa disposição para qualquer outra informação.

Obrigada e bom trabalho.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. S) dos Factos Assentes).

19. A autora enviou a EE a 29-04-2004 o seguinte E-mail:

 “Exma Senhora EE,

Enviamos em anexo, em formato Pdf, a prova final para impressão da face posterior modificada de acordo com as vossas instruções desta noite.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. T) dos Factos Assentes).

20. Em anexo ao E-mail referido na al) T foi enviado o documento de fls. 78 dos autos. - (al. U) dos Factos Assentes).

21. EE enviou à autora em 13-05-2004 o seguinte E-mail:

"Caro Sr. FF,

Necessitamos saber se vai tudo bem com a produção da nossa encomenda e se os 3 milhões de óculos já foram expedidos. Seria possível dar-me o contacto (telefone móvel) do motorista do camião?

Os nossos agradecimentos antecipados e ficamos a aguardar um resposta vossa.

Cordialmente, ( ... ) - (al. V) dos Factos Assentes).

22. A autora enviou a EE em 13-05-2004 o seguinte E-mail:

"Exma Senhora EE,

No seguimento do seu contacto telefónico de hoje, informamos a situação em que se encontra a entrega dos 3 milhões de óculos:

1) ECLIPSE VIEWER "CE" MODELO C..., quantidade 1.500.000 - Fabrico -

Esta série é fabricada com a impressão dos quatro logótipos e encontra-se neste momento na fase de embalagem por caixas de 2.000 óculos para ser expedida.

A totalidade estará terminada este Sábado, dia 15 de Maio.

2) ECLIPSE VIEEWER "CE" Modelo E... - quantidade 950.000 - Stock -

Estas duas séries que tínhamos em stock e nas quais vão ser impressos os quatro logótipos - até à data foram impressos mais de 200.000 óculos, entretanto a máquina de impressão sofreu uma avaria esta manhã por volta das 10h30m e a operação foi interrompida; aguardamos a chegada da peça de substituição para que possamos colocar a máquina em funcionamento.

3) Tínhamos inicialmente previsto o envio global num camião contendo exclusivamente o carregamento correspondente à totalidade da vossa encomenda, que partiria de Estrasburgo na manhã de segunda-feira, dia 17 de Maio e chegaria ao Cadaval na manhã de quarta-feira, dia 19 de Maio.

Depois da nossa conversa telefónica, contactámos a transportadora a fim de saber se lhes poderíamos enviar parte da mercadoria na sexta-feira, de modo a que fosse entregue no Cadaval durante a manhã de terça-feira, dia 18 de Maio. Teremos a resposta durante a manhã de amanhã, sexta-feira e informá-los-emos de imediato.

Vimos confirmar que tudo faremos para vos satisfazer, tendo em conta o prazo para realização da encomenda - menos de 3 semanas - as nossas equipas de produção, acabamento e expedição tudo estão a fazer para que os prazos de entrega sejam respeitados o mais possível.

Não deixaremos de vos manter informados das possibilidades de amanhã. Dar-vos-emos as coordenadas do motorista e o seu número de telefone móvel, para que possam entrar directamente em contacto com ele caso seja necessário.

Cumprimentos cordiais, ( ... )” - (al. X) dos Factos Assentes).

23. EE enviou à autora em 15-05-2004 o seguinte E-mail:

“Exmo Sr. FF,

Agradecemos o seu último E-mail esclarecendo a situação da produção e as possibilidades de envio.

Contudo, solicitamos que nos confirme também se a embalagem final da encomenda global será feita por pacotes de 50 óculos, como acordado.

Atenciosamente,

EE" - (al. Z) dos Factos Assentes).

24. A autora enviou a EE em 14-05-2004 o seguinte E-mail:

“Exma Senhora EE,

Em resposta ao seu último e-mail, confirmamos-lhe que sistematicamente o acondicionamento no interior de cada embalagem é feito em conjuntos de 50 óculos, tal como todas as nossas entregas.

Logo que tenhamos informações respeitantes à entrega, informá-la-emos.

Estarei ausente do meu escritório esta manhã, encontrar-me-ei entre o atelier de produção e a companhia de transportes, a fim de organizar e coordenar concretamente toda a organização para a expedição dos óculos para Portugal no mais curto espaço de tempo.

Saudações cordiais. ( ... )” - (al. AA) dos Factos Assentes).

25. EE enviou à autora em 14-05-2004 o seguinte E-mail:

"Obrigado pelos esclarecimentos! Saudações cordiais,

EE" - (al.BA) dos Factos Assentes).

26. EE enviou à autora em 17-05-2004 o seguinte E-mail:

"Caro Sr. FF,

Aguardamos que nos confirme a entrega de 1,5 milhões de óculos na terça-feira, dia 18 de Maio, conforme acordado na vossa última mensagem enviada por correio electrónico, bem como a hora de chegada ao Cadaval.

Esperamos que as vossas diligências tenham sido bem sucedidas e agradecemos que nos contactem com a maior brevidade possível.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. CA) dos Factos Assentes).

27. A autora enviou a EE em 18-05-2004 o seguinte E- mail:

" Cara Sra. EE,

Apresento as minhas desculpas por na sexta-feira ter estado ausente do escritório, mas a produção de óculos para todos os nossos clientes tem de continuar e temos de organizar as entregas.

Não nos foi possível enviar os óculos na sexta-feira porque o camião esteve imobilizado durante o Sábado e o Domingo - com excepção dos que transportam bens perecíveis, nenhum outro camião tem autorização para circular.

Podemos confirmar-vos que um camião saiu de Estrasburgo em direcção ao Cadaval transportando o vosso carregamento de óculos.

É um camião cheio somente para entrega da vossa encomenda - ele chegará ao Cadaval no final da manhã ou princípio da tarde - seguem-se as coordenadas:

(...) Os motoristas não informam os seus telefones móveis para que não sejam incomodados enquanto conduzem.

Anexamos a nossa guia de remessa detalhada relativa a 2.487.550 óculos. O remanescente será cobrado hoje e as coordenadas relativas à entrega do restante da vossa encomenda ser-vos-ão dadas no final do dia.

Cumprimentos cordiais, ( ... )" - (al. DA) dos Factos Assentes).

28. Em anexo ao E-mail referido na al. DA) seguiu cópia da seguinte guia de remessa:

"GUIA DE REMESSA Estrasburgo, 17/05/2004

CÓDIGO DESCRIÇÃO QUANTIDADE

Vossa encomenda nº MJT…..cm de 23/04/2004 ÓCULOS Modelo C... + Impressão 4 Logótipos

12 paletes de 40 caixas de 2.000 óculos 900.000 unidades ÓCULOS Modelo C... + Impressão 4 Logótipos

1 palete de 40 caixas de 2.500 óculos 100.000 unidades

1 palete de 44 caixas de 2.500 óculos 100.000 unidades ÓCULOS Modelo C... + Neutros sem Impressão dos 4 Logótipos 2 paletes de 40 caixas de 2.500 óculos 200.000 unidades

1 palete de 20 caixas de 2.500 óculos 50.000 unidades

1 palete de 36 caixas de 2.500 óculos 90.000 unidades

ÓCULOS Modelo E... + Neutros sem Impressão dos 4 Logótipos 8 paletes de 40 caixas de 2.500 óculos 800.000 unidades

1 palete de 20 caixas de 2.500 óculos 50.000 unidades

1 palete de 36 caixas de 2.500 óculos 90.000 unidades

TOTAL DA 1ª ENTREGA: 2.487.550 unidades

Local de entrega: ( ... )

Carregamento de 29 paletes - Peso 13.700 Kg" - (ai. EA) dos Factos

Assentes).

29. A autora enviou à Associação Nacional de Farmácias em 18-05-2004 o fax com o seguinte teor:

" ( ... ) À atenção das Senhoras II E EE

Bom dia minhas Senhoras,

Fazemos referência à vossa encomenda do dia 23 de Abril de 2004 de 3.000.000 de óculos para observação directa da Passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004.

Confirmamos que as duas expedições de dia 17 e 18 de Maio de 2004, não exibem, na sua totalidade, a impressão dos quatro logótipos.

Com efeito, conforme indicado na nossa mensagem enviada por correio electrónico no dia 13 de Maio de 2004 pelas 18h56m, a nossa máquina de impressão dos logótipos avariou às l0h30m - e ainda continuamos à espera de receber a peça necessária para por a máquina em funcionamento.

Consequentemente, todos os trabalhos de impressão de logótipos estão parados e os óculos estão a ser entregues sem impressão.

Passamos a informar os detalhes das entregas relativas à vossa encomenda:

- ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... - Quantidade fabricada 1.500.000, fabricámos 1.423.300 óculos com os quatro logótipos

- ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... em stock, imprimimos os quatro logótipos em 210.000 óculos

- ECLIPSE VIEWER "CE" Modelo C... e E... em stock, entregámos 1.366.700 óculos sem impressão dos logótipos.

Sendo este o total da vossa encomenda, 1.633.300 óculos entregues com os quatro logótipos e 1.366.700 óculos entregues sem impressão.

Estamos desolados com este contratempo, mas creiam que fizemos tudo ao nosso alcance para vos satisfazer dentro do prazo acordado para a realização desta encomenda.

Melhores cumprimentos, (...)" - (al. FA) dos Factos Assentes).

30. A autora enviou à Associação Nacional de Farmácias, em 27-05-2004, o fax com o seguinte teor:

“(…) À atenção do Sr. JJ, Sras. II E EE

Bom dia Senhoras e Senhor Presidente,

Fazemos referência à vossa telecópia de 23 de Abril de 2004 relativa aos 3.000.000 de óculos para observação do Sol durante a passagem de Vénus que ocorrerá no dia 8 de Junho de 2004.

1) Prazo de entrega:

A vossa encomenda estará pronta para entrega no dia 14/17 de Maio de 2004 e a nossa oferta de preços de dia 17 de Abril de 2004 especificava que, para uma quantidade de 3.000.000, o atraso seria de 3-4 semanas, ou seja semana de 20-21/2004.

A entrega de 2.487.550 óculos ao transportador ocorreu no dia 17 de Maio de 2004, consistindo no primeiro envio por camião completo (vi mensagem por correio electrónico de 18-05-2004) e os 513.250 óculos remanescentes no dia 18 de Maio de 2004 (vi mensagem por correio electrónico de 19-05-2004), tudo em conformidade com a nossa oferta de preços; chegada a Lisboa no prazo máximo de 72h.

Informamos que se tivéssemos procedido ao primeiro envio na sexta-feira, dia 14 de Maio de 2004, o camião não poderia circular no Sábado, dia 15, e no Domingo, dia 16, devido à interdição que só não se aplica aos bens perecíveis, o que não é o caso. Deste modo, a primeira carga foi-vos enviada no início da manhã do dia 20 de Maio de 2004.

Quanto ao segundo envio, verificado no dia 18 de Maio de 2004, este fez parte de um agrupamento de encomendas, o camião não pode circular na quinta-feira, dia 20 de Maio de 2004 dado que era dia de Ascensão, feriado em França e nenhum camião é autorizado a circular.

O camião chegou a Lisboa ao final da tarde de sexta-feira, dia 21 de Maio de 2004.

Tentámos entrar em contacto telefónico convosco durante a tarde de sexta-feira, dia 21 de Maio de 2004 para saber se o camião poderia descarregar no Sábado de manhã (vi mensagem por correio electrónico de 23-05-2004).

Por mensagem enviada por correio electrónico no dia 25 de Maio, informaram-‑nos que não iriam estar nos vossos escritórios durante todo o dia 21 de Maio.

Queremos assinalar que o prazo de entrega foi por nós inteiramente respeitado, ou seja, 3 a 4 semanas após a recepção da encomenda.

2) Impressão dos logótipos nos óculos

Na mensagem que enviámos por correio electrónico no dia 22 de Abril de 2004, informámos que iríamos proceder ao fabrico de 1,5 milhões de óculos modelo C... com a impressão dos quatro logótipos e do vosso preço de venda nas hastes e que colocaríamos à vossa disposição o nosso stock de 550.000 óculos modelo C... e de 950.000 óculos modelo E..., pelo que seria necessário imprimir os quatro logótipos e o preço de venda nas hastes.

A produção dos 1,5 milhões de óculos modelo C... desenvolveu-se normalmente, conforme o esperado, no respeitante à substituição dos óculos C... e E... que tínhamos em stock. Iniciámos os trabalhos de impressão nos óculos que tínhamos em stock no final da manhã de quarta-feira, dia 12 de Maio e até às 10h30m de quinta-feira, dia 13 de Maio. A máquina de impressão avariou, o que provocou a paragem da produção. Os quatro logótipos já tinham sido impressos em 210.000 óculos e o vosso preço de venda também já tinha sido impresso nas hastes dos mesmos. Informámos-vos da interrupção no dia 13 de Maio de 2004. Estamos em condições de vos confirmar que à data a máquina se encontra parada e que a peça de substituição da defeituosa nos era entregue durante a semana de 1 de Junho de 2004.

Por telecópia de dia 24 de Maio de 2004, vieram acusar-nos de não os termos informado sobre as consequências da avaria na nossa máquina de impressão dos logótipos nos dois modelos de óculos que temos em stock.

Por mensagem enviada por correio electrónico no dia 13 de Maio de 2004 comunicámos a avaria desse mesmo dia e que “a operação está interrompida”, o que significa dizer, para sermos ainda mais precisos, que não seria possível efectuar qualquer impressão nos óculos.

Tal situação não põe em cheque a venda dos óculos, tendo em conta que o objectivo principal do nosso produto é a protecção oftalmológica durante a observação dos raios solares durante os fenómenos celestes, como por exemplo os eclipses solares e a passagem de Vénus. Os óculos não estão, de modo algum, alterados.

Consequentemente, e tendo em conta o que acabou de ser dito, enviamos nesta data em anexo uma mensagem por correio electrónico junta à qual se encontra a nossa factura e as nossas guias de remessa.

A nossa facturação detalhada basear-se-á nos € 0,345 por par de óculos, entregues com a nossa impressão dos quatro logótipos e do vosso preço de venda nas hastes e nos € 3,315 por par de óculos entregues sem impressão, em conformidade com o nosso orçamento de dia 17 de Abril de 2004 e a nossa mensagem enviada por correio electrónico no dia 22 de Abril de 2004, aos quais acrescerão os custos de transporte e seguro.

Do mesmo modo informamos que fizemos tudo o que estava ao nosso alcance para satisfazer a vossa encomenda - em três semanas - e que as nossas equipas de produção acabamento e de expedição estão destacadas para vos satisfazer e que infelizmente sofremos um acaso ao nível da impressão dos óculos que temos em stock.

Esperamos que as nossas relações comerciais entre a vossa Associação, a Sra. EE e a nossa sociedade, bem como com o abaixo-assinado, não sejam alteradas por este incidente involuntário da nossa parte.

Queiram Senhoras e Senhor Presidente aceitar os nossos melhores cumprimentos. ( ... )" - (al. GA) dos Factos Assentes).

31. Associação Nacional de Farmácias enviou à autora, o mais tardar em 24 de Maio de 2004, o fax com o seguinte teor[1]:

“(…) Assunto: ANF PT - Encomenda de 3 milhões de óculos para a passagem de Vénus (8/06/2004)

Caro Sr. FF,

No seguimento das últimas conversas telefónicas, informamos o seguinte:

1. No dia 13 de Maio informaram-nos por mensagem enviada por correio electrónico que a vossa máquina de impressão tinha sofrido uma avaria, o que, de alguma forma, justificava os atrasos no prazo anteriormente acordado para a entrega de 3 milhões de óculos (inicialmente acordada para o dia 14 de Maio, o mais tardar, dia 17 de Maio, a entrega da nossa encomenda só ocorreu no dia 20 de Maio)

2. Nunca fomos informados que a avaria afectaria a entrega dos óculos em conformidade com a nossa encomenda, ou seja óculos com a impressão de quatro logótipos.

3. Estamos verdadeiramente surpreendidos com o facto de a guia de remessa indicar o envio de óculos sem a impressão dos logótipos, o que condiciona a venda dos mesmos devido ao acordo estabelecido com o nosso Ministério da Saúde.

4. O que ocorreu coloca em cheque a venda dos óculos e o pagamento à vossa empresa do montante acordado.

5. Queríamos que ficassem informados desta situação.

Melhores cumprimentos, (...)" - (al. HA) dos Factos Assentes e aditamento operado nesta Relação).

32. Os referidos óculos foram entregues em duas remessas, a 19.05.2004 e a 24.05.2004, na morada indicada pela ré para o efeito. – (art. 2.º da B.I.).

33. A factura seria paga em duas vezes: seriam entregues 517.500,00 como confirmação da encomenda e o restante - 485.151,00 - na data de recepção de encomenda. – (art. 3.º da B.I.).

34. Entre os dias 19 e 22 de Abril de 2004 foram estabelecidos diversos contactos entre a Associação Nacional de Farmácias e a A. a fim de ser apresentado um orçamento por parte desta última para o fornecimento de 3 milhões de óculos para observação directa do sol durante a passagem de Vénus. - (art. 5..º da B.l.).

35. Autora e Ré enviaram e receberam os E-mails referidos nas alíneas D), E), F), G), I), J) e o Fax referido na alínea H), todos dos Factos Assentes, rectificando-se no entanto o texto do e-mail aludido na alínea D) por deficiência de tradução (no primeiro parágrafo após o n.º 3) de forma a que dele passe a constar:

- "Temos programas de fabrico para encomendas específicas para as semanas 17 a 19 mas podemos ainda incluir encomendas adicionais." – (arts. 6.º , 7.º, 8.º e 9.º da B.I. - resposta conjunta).

36. Relativamente à avaria da máquina de impressão a A., enviou à Ré o e-mail na alínea X), e teve com ela conversa telefónica em que reproduziu o que aí consta, nada mais sendo referido pela A. sobre o assunto até ao envio do e-mail e anexo referidos em DA) e EA). – (art. 11.º da B.I.).

37. A Ré enviou à Autora, que a recebeu, carta datada de 7/6/2004, da qual consta, na respectiva parte final:

"Acontece que não cumpriram nenhuma das duas condições essenciais para a celebração do contrato.

Com efeito, a encomenda foi despachada e recepcionada fora do prazo de entrega acordado. Além do mais, parte substancial dos óculos encomendados não exibia os logótipos exigidos e acordados. No que respeita a esta última questão, não houve, da vossa parte, nenhuma informação a este respeito.

O atraso na entrega da encomenda - por si só motivo para resolver o contrato - poderia eventualmente ser tolerado, mas, face à violação da segunda condição essencial do contrato, somos forçados a não exibir impressos os quatro logótipos, tal como anteriormente exigido e acordado.

Assim, informamos que os referidos óculos que correspondem a 1.367.500 unidades, se encontram à vossa disposição desde o momento em que chegaram.

Agradecemos que tomem as providências necessárias para que os mesmos regressem às vossas instalações.

Agradecemos que nos enviassem a factura relativa aos óculos que exibem os quatro logótipos, que nos foram enviados, a fim de que possamos proceder ao seu pagamento" - (Acordo das partes).

III – Fundamentação de direito

 

I) Qualificação do contrato e obrigações decorrentes do mesmo

1. A decisão das instâncias e o seu fundamento

A sentença de 1.ª instância entendeu que os factos do caso integram um contrato de compra e venda, tal como definido no art. 874.º do Código Civil[2] e com os efeitos imediatos consagrados no art. 879.º, nomeadamente, de acordo com o princípio da consensualidade, segundo o qual a propriedade se transfere por mero efeito do contrato (art. 408.º, n.º 1 e 879.º, alínea a). Nesta sequência, aplicou o regime do cumprimento defeituoso, entendendo que, sendo embora defeituosa a prestação dos óculos sem logótipo, não foi observado pela Ré o preceituado nos artigos 913.º, n.º 2 a 916.º, n.º 2 quanto à denúncia dos defeitos, exigência de reparação, redução do preço ou resolução, pelo que estava obrigada ao cumprimento da sua prestação: o pagamento integral do preço. Fundamentou-se a 1.ª instância no facto de a mensagem electrónica reproduzida no facto provado n.º 31 se limitar a uma declaração vaga e genérica, em que a Ré comunica à contraparte a ocorrência de cumprimento defeituoso, sem clarificar o que pretende e sem respeitar os requisitos da interpelação admonitória para resolução do contrato.

Já o acórdão recorrido revogou a sentença de 1.ª instância, entendendo que estamos perante a um contrato de compra e venda sobre amostra previsto no art. 469.º do Código Comercial, contrato que só se considera perfeito «se o comprador examinar as cousas no acto de entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias» - artigo 471.º, n.º 2 do Código Comercial. Ou seja, a compra e venda apenas se tem como firmada após exame sem reclamação ou decorridos oito dias sobre a entrega. Não consta que tenha sido exigido exame na entrega, pelo que a Ré (compradora) estava obrigada à reclamação nos oito dias subsequentes à entrega, sem a qual o contrato se tornava plenamente eficaz.

Tendo sido os óculos em causa entregues a 19 de Maio e a 24 de Maio de 2004 (facto provado n.º 32), e tendo a Ré sabido da falta de impressão, em 18 de Maio de 2004 (antes da entrega), em face da guia de remessa, considerou o Tribunal da Relação que a carta, enviada o mais tardar no dia 24 de Maio de 2004 e transcrita no facto provado n.º 31, foi feita dentro do prazo de oito dias após a entrega e coloca em causa o acordo celebrado em termos de a Ré se declarar exonerada da sua prestação principal de pagar o preço dos óculos.

2. Os factos do caso objecto de qualificação

A recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso pugna por uma versão dos factos distinta da que ficou provada, visando, no fundo, obter indirectamente uma alteração da matéria de facto. Alega que se propôs apenas fabricar 1,5 milhões de óculos e fornecer outros 1,5 milhões que tinha em armazém e que foram estabelecidos preços autónomos para o fabrico de origem dos óculos com os logótipos, para o fornecimento dos óculos em stock e para a impressão nos mesmos (conclusões II, III, IV, V, VII, X e XI). Estes factos impediriam, na sua perspectiva, que se interpretasse o fax a que se refere o ponto 31 da matéria de facto como uma reclamação eficaz, pois o preço da compra e venda para os lotes de óculos em stock foi fixado sem o preço da impressão, o que permitiria concluir que a impressão dos logótipos não era uma qualidade essencial da coisa.

Ora, este Supremo Tribunal de Justiça não conhece de matéria de facto, salvo nas situações em que se tenha dado a violação de uma regra de direito probatório material ou em que se entenda que a decisão de facto deve ser ampliada (arts 721.º, 722.º, n.º 3 e 729.º, n.º 2 do CPC), pelo que terá de se ater exclusivamente à factualidade que as instâncias deram como provada. E, na verdade, como resulta claramente da alínea F) da matéria de facto assente, o que foi acordado entre as partes foi que todos os óculos, independentemente de fabricados ou em stock, seriam entregues com impressão de logótipos, o que torna irrelevante a discriminação, no preço unitário de cada par de óculos, do valor de cada peça sem impressão e do valor da impressão.

Esclarecida esta questão, optámos por reproduzir aqui o resumo e a ordenação cronológica da matéria de facto feita pelo Tribunal da Relação de Lisboa, para melhor se compreender o encadeamento dos factos pertinentes, a fim de decidir pela integração dos mesmos num determinado tipo contratual.

Segundo o facto n.º 4 da matéria assente, referente ao documento que consta a fls 43 e 48/49, resulta que, em 17 de Abril de 2004 (sábado), a Autora refere um contacto telefónico anterior de EE de 16 de Abril de 2004, a pedir o fornecimento de óculos especiais para observação do Sol durante a passagem de Vénus no dia 8 de Junho de 2004 e responde a esse contacto. Na resposta, a Autora indica as características dos óculos, a possibilidade de impressão de logótipos e o custo dessa impressão. Indica ainda que tem óculos em stock e programas de fabrico aos quais pode ainda adicionar encomendas, de modo a efectuar a entrega em Lisboa no dia 17 de Maio de 2004. Acrescenta que enviará uma amostra na segunda seguinte (19 de Abril) para que a Ré tenha todos os elementos para tomar uma decisão.

Em 22 de Abril de 2004, EE, na sequência daquelas informações, responde indicando o modelo dos óculos e os logótipos escolhidos, cuja impressão pede seja a uma cor e indicando o preço que considerava ajustado. Refere ainda que a entrega deve ocorrer a 14 de Maio ou o mais tardar a 17 de Maio (ponto 5 da matéria de facto assente e doc. 52).

Ainda em 22 de Abril de 2004, a Autora responde ao referido mail referenciando a encomenda de três milhões de óculos, a ser entregue no dia 17 de Maio de 2004. Especifica que um milhão e meio modelo C... será fabricado e que o restante está em stock, sendo quinhentos e cinquenta mil modelo C... e novecentos e cinquenta mil modelo E.... Mais refere que em todos serão impressos os quatro logótipos indicados a cor preta. Indica os preços unitários e compromete-se a apresentar uma prova final para aprovação, antes de dar início à impressão dos logótipos (ponto 6 da matéria de facto e doc. 54 e 56). Enviou factura provisória em conformidade (ponto 7 da matéria de facto e doc 55 e 57).  

Em 23 de Abril de 2004, a Associação Nacional de Farmácias (ANF) responde à mensagem referida no parágrafo anterior, confirmando a encomenda de três milhões de óculos e indicando que a factura deveria ser endereçada à Ré, cooperativa de distribuição farmacêutica da ANF, aguardando a prova final para aprovação a fim de que fossem depois iniciados os trabalhos de impressão (ponto 8 da matéria de facto e docs 58 e 61).  

A Autora enviou, em 25 de Abril de 2004, nova confirmação de aceitação da encomenda e nova factura provisória em nome da Ré, pedindo a confirmação do pagamento de 50% do preço, a fim de que fossem iniciados os trabalhos de impressão, no final do dia 28 de Abril, após aprovação da prova final para impressão a enviar entre segunda e terça (portanto, a 26 ou 27 de Abril) (ponto 9 da matéria de facto assente e doc. 62 e 63).  

Em 26 de Abril de 2004, da parte da Ré, é indicada a ordem de pagamento enviada ao banco, quanto a metade do preço, afirmando aquela que, logo que tenham a referência da operação bancária, a mesma será enviada (ponto 10 da matéria de facto assente e docs 62 e 63).

Em 27 de Abril, é confirmado o pagamento à Autora (pontos 11 a 13 da matéria de facto e docs 64, 65, 68) do montante de € 517.000,00.  

Na sequência desta comunicação, a Autora enviou a prova dos óculos com impressão dos logótipos (ponto 16 da matéria de facto assente e docs 72, 73, 74 e 75), iniciando-se uma troca de mensagens, em 27 de Abril de 2004, entre EE e a Autora, quanto à redução do tamanho e localização dos logótipos (pontos 14, 15 e 16 da matéria de facto assente e docs 70 e 71) que se desenvolve, em 27 de Abril de 2004, concluindo-se às 19:28 horas (hora de Lisboa) com a indicação de EE de que aguardaria o envio da prova final com as alterações propostas (ponto 14 da matéria de facto), as quais foram enviadas conforme fls 73 a 75 (ponto 17 da matéria de facto assente).  

Face à prova final, em 28 de Abril de 2004, EE enviou à Autora a indicação da prova que fora escolhida e das correcções a efectuar (ponto 18 da matéria de facto e doc. 77).

Em resposta, a Autora, em 29 de Abril de 2004, enviou a prova final modificada de acordo com as indicações de 28 de Abril (pontos 19 e 20 da matéria de facto assente e docs 77 e 78).

             3. Da natureza comercial ou civil da venda

A Autora defende que estes factos não configuram uma venda sobre amostra como entendeu o acórdão recorrido, pois, desde logo, não se trata de uma venda comercial, dada a falta de qualidade de comerciante de uma das partes – a BB – a qual por ser uma cooperativa não é comerciante, pois os seus actos visam os interesses dos cooperadores e interesses sociais, e não a obtenção de lucros. Sendo assim, na perspectiva da Recorrente estamos perante uma venda civil, nos termos dos arts 874.º e 879.º do Código Civil, à qual se aplica o regime das coisas defeituosas previsto nos arts 913.º e seguintes.

Em primeiro lugar, dir-se-á que as cooperativas, apesar de serem pessoas colectivas que prosseguem, de acordo com a Constituição, finalidades sociais e de interesse público, não lhes está vedado a prática de actos de comércio.

            Nos termos do art. 7.º do Código Cooperativo, as cooperativas podem exercer qualquer actividade económica, não lhes estando vedado o exercício de qualquer actividade que possa ser exercida por empresas privadas, aplicando-se-lhes as normas que regem essas empresas privadas. Embora a cooperativa não seja uma sociedade, aplica-se subsidiariamente ao sector cooperativo os princípios do Direito das Sociedades (art. 9.º do Código Cooperativo).

A Cooperativa, em regra, tem uma estrutura jurídica semelhante a uma empresa e realiza uma função produtiva, podendo praticar actos de comércio, que se enquadrem dentro dos seus fins sociais. Por outro lado, basta que uma das partes seja comerciante, para que se aplique, em relação à parte não comerciante, o regime do contrato mercantil.

Conforme se tem entendido neste Supremo Tribunal (acórdão de 06-03-2012, proferido no processo n.º 2698/03.9TBMTJ.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves), «Sendo a compra e venda objectivamente comercial – art. 463.º, n.º 1, do CCom –, apesar de ser subjectivamente civil – art. 464.º, n.º 2, do CCom –, o contrato assume, no seu todo, natureza mercantil, como resulta do disposto no art. 99.º do CCom. O segmento final do art. 99.º do CCom não afasta a aplicação à parte não comerciante da disciplina prevista no Código Comercial, para aquele tipo contratual, pois, de contrário, esvaziar-se-ia o princípio geral contido na norma: essa excepção refere-se apenas àqueles actos que ali são regulados para se aplicarem exclusivamente aos comerciantes, como, por exemplo, as que determinam a obrigatoriedade de adoptar uma firma, de terem uma escrituração comercial, de dar balanço ou prestar contas, ou que fixam regras quanto à prova de certos actos».

No caso sub judice, o acto em causa preenche as duas vertentes de que depende o carácter comercial, nos termos do artigo 2.º do Código Comercial. Esta disposição legal estatui que “serão considerados actos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.

O art. 2.º do Código Comercial consagra dois tipos de actos comerciais: os objectivamente comerciais, que o são independentemente da qualidade dos respectivos sujeitos e que estão regulados no Código Comercial; e os subjectivamente comerciais, que têm tal natureza devido ao facto de serem comerciantes as pessoas que nele intervêm e que encontram a sua regulamentação no Código Comercial e no Código Civil.

Ora, o contrato em causa nos autos, para além de ser um acto subjectivamente comercial, em relação à sociedade-Autora (AA), é também um acto objectivamente comercial, pois a compra, pela BB, de 3 milhões de óculos especiais não se destinava ao consumo próprio, mas à comercialização desses bens no mercado.

Ora, nos termos do art. 463.º do Código Comercial «são consideradas comerciais: 1.º as compras de coisas móveis para revender, em bruto ou trabalhadas, ou simplesmente para lhes alugar o uso».

Sendo assim, não restam dúvidas que o contrato de compra e venda discutido nos autos assume uma natureza comercial, pois os óculos foram adquiridos por € 0,34 e destinavam-se a ser vendidos ao público por € 1,50, tratando-se de uma revenda com finalidades lucrativas (alíneas H) e R) dos factos assentes).

 Estamos, portanto, em face dos elementos constantes dos autos, perante um contrato de compra e venda objectivamente comercial celebrado entre comerciantes, no exercício da sua actividade (arts 2.º e 463.º do Código Comercial).

4. Da qualificação jurídica dos factos e das obrigações decorrentes do contrato

             Entende, também, a Autora que a impressão dos logótipos não era uma qualidade essencial da coisa, cuja ausência provocasse ineficácia do contrato, como sucede na venda sobre amostra. Tratar-se-ia, antes, de uma compra e venda civil de óculos com a finalidade de permitirem a visualização do eclipse solar, de forma protegida, fim que foi escrupulosamente respeitado pela Autora, não se verificando, portanto, os pressupostos para a aplicação do regime de coisas defeituosas dos artigos 913.º CC e segs, produzindo o contrato os efeitos previstos no art. 879.º CC, em virtude dos quais estaria a Ré obrigada ao pagamento da totalidade do preço, por não se ter verificado qualquer cumprimento defeituoso ou parcial.

A diferença entre os dois institutos é relevante. Na verdade, caso se entenda que se trata de uma venda mercantil sobre amostra, o contrato é ineficaz, se o bem vendido não corresponde à amostra. Enquanto a compra e venda civil permanece eficaz no caso de a coisa não possuir as qualidades acordadas, aplicando-se-lhe as regras da venda de coisas defeituosas (arts 913.º e segs. do CC), a eficácia da venda mercantil sobre amostra fica sujeita à condição suspensiva da conformidade do bem entregue com a amostra apresentada ou qualidade descrita, caindo no caso da sua não verificação (art. 469.º, in fine do Código Comercial). Além disso, dada a premência das necessidades de segurança nas transacções comerciais, o negócio mercantil, não obstante a eventual falta de coincidência entre a coisa vendida e a amostra, torna-se perfeito se o comprador não reclamou da desconformidade da coisa vendida no acto da entrega (caso as tenha examinado nesse momento) ou no prazo de oito dias (no caso de falta de exame ou de exame posterior), nos termos do art. 471.º do Código Comercial. Para este efeito, tem-se entendido, na jurisprudência deste Supremo Tribunal e na doutrina, que o prazo de oito dias começa a contar, não na data da entrega ou recepção da coisa, mas apenas na data em que os efeitos da coisa vendida se tornam conhecidos ou cognoscíveis do comprador de acordo com um padrão de diligência exigível no tráfico comercial[3].

Nos termos do art. 469.º do Código Comercial, «As vendas feitas sobre amostra da fazenda, ou determinando-se só uma qualidade conhecida ao comércio, consideraram-se sempre como feitas debaixo da condição de a coisa ser conforme à amostra ou à qualidade convencionada».

O conceito de venda sobre amostra refere-se a dois tipos de amostra: a amostra individual (ou “amostra de fazenda”), em que se contrata uma coisa que deve corresponder às características gerais da amostra apresentada, e a amostra-tipo (ou “amostra por qualidade conhecida no comércio”), em que se contrata uma qualidade rigorosamente igual à amostra exibida

A modalidade de venda sobre amostra-tipo envolve uma condição suspensiva, cuja não verificação, ou seja, a não conformação da mercadoria com a amostra, importa a ineficácia do acto.

Na venda mercantil, o exercício dos direitos do comprador está condicionado pela observância de um ónus, que se traduz no exame da mercadoria e na denúncia ao vendedor de qualquer diferença em relação à amostra apresentada, no prazo de oito dias (prazo de caducidade), sob pena de decaimento dos direitos que, em princípio, resultam do inadimplemento do vendedor. A lei presume, «iuris et de iure», que o contrato só se torna perfeito após a aceitação pelo comprador da mercadoria entregue pelo vendedor. 

Trata-se, agora de proceder à integração dos factos do caso num tipo contratual. O Código Civil e o Código Comercial prevêem um conjunto muito amplo de tipos legais. No caso sub iudice, está em causa a qualificação dos factos como compra e venda civil ou comercial.

Já vimos que se trata de uma compra e venda comercial e não civil.

Estamos no domínio da contratação mercantil internacional, em que os modelos de contratação se distinguem do modelo legal clássico rígido e estereotipado, de acordo com o qual o contrato é o produto de um casamento perfeito entre uma proposta e uma aceitação ou é formalizado num documento unitário assinado por ambas as partes.

No caso concreto, verifica-se uma contratação à distância, sem qualquer relação de imediação física e simultânea das partes contratantes, e em que as declarações de vontade são produzidas e transmitidas por meios informáticos, maxime, através de correio electrónico, sem que tenha sido reduzido a escrito um documento formal unitário que define os direitos e obrigações de cada um das partes e qualifica a relação jurídica contratual estabelecida. Temos, apenas, um conjunto de mensagens electrónicas trocadas entre as partes, que consubstanciam declarações negociais cuja sucessão nos permite compreender a vontade das partes, definir o conteúdo da relação jurídica contratual estabelecida e a sua qualificação.

 Para determinar a natureza e o conteúdo das relações estabelecidas entre as partes, é, assim, fundamental averiguar qual a vontade revelada pelas partes, quando definiram as condições e a estrutura da relação jurídica em causa, e proceder à análise do condicionalismo factual do caso, do comportamento das partes e do conteúdo das declarações trocadas entre ambas, através de um método tipológico, que consiste na procura de indícios aproximativos do modelo típico.

  Da interpretação do conteúdo das mensagens electrónicas trocadas, em preparação dos termos do contrato, decorre a insistência da Ré na impressão dos logótipos de acordo com um modelo pré-definido, a ponto de esta analisar cuidadosamente os logótipos a incluir e de fazer correcções ao trabalho da Autora a este respeito, correcções que foram aceites pela Autora, reenviando e reformulando a prova final para impressão, de acordo com as instruções pormenorizadas fornecidas pela Ré, que a Autora aceitou e com cujos exactos termos se comprometeu.

Estes factos, de acordo com o princípio da autonomia privada, significam que estamos perante uma amostra-tipo – os óculos de eclipse solar nos quais se acordou a impressão de logótipos – e que se contratou a venda de bens de qualidade rigorosamente igual à amostra exibida, que serve de referência ou modelo.

Da análise da factualidade do caso resulta, com clareza, que para a compradora eram qualidades essenciais da amostra, não só a aptidão técnica dos óculos para a visualização do eclipse, mas também a impressão dos logótipos da Direcção Geral de Saúde, do CC, da DD e da Associação Nacional de Farmácias, no tamanho e na cor definidos na amostra-tipo, e que esta essencialidade foi conhecida ou cognoscível, para o vendedor. Esta cognoscibilidade resulta do sentido objectivo das declarações negociais trocadas para o declaratário normal, nos termos do art. 236.º, n.º 1 do Código Civil, tal como resulta do conjunto das mensagens electrónicas trocadas e do comportamento das partes, conforme alíneas E), F), H), I), O), P), Q, S) T) dos factos assentes, tendo em conta a finalidade prática do negócio, o comportamento das partes na fase pré-negocial e na execução do negócio jurídico, as circunstâncias de tempo e de lugar da sua celebração.

Sendo assim, uma vez que ambas as partes têm a qualidade de comerciantes, foi celebrado entre as partes um contrato de compra e venda, objectiva e subjectivamente mercantil, na modalidade de venda sobre amostra, nos termos dos artigos 469.º e seguintes do Código Comercial.

Verificam-se, assim, no caso concreto, os elementos legais da venda sobre amostra, estando, pois, o negócio sujeito ao respectivo regime jurídico:

1 - O vendedor obrigou-se a entregar uma coisa exactamente igual à amostra, sujeitando-se ao confronto dela pelo comprador ou pelos peritos;

2 - A conformidade da mercadoria vendida com a amostra tem-se por verificada e o contrato como perfeito, se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar imediatamente contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias após a sua recepção efectiva.

3 - Enquanto na venda sobre amostra do art. 919.º do Código Civil a aludida desconformidade dá lugar à aplicação das regras que regulam a venda de coisas defeituosas (arts. 913 e seguintes), no caso da venda comercial sobre amostra a mesma desconformidade implica a ineficácia do acto.

4 - Decorrendo do art. 469.º do Código Comercial que a produção dos efeitos da compra e venda comercial sobre amostra só tem início se a coisa for “conforme à amostra ou à qualidade convencionada”, funcionando tal conformidade como uma condição suspensiva estatuída por lei, considera-se o contrato perfeito desde a sua celebração se essa condição se verificar, uma vez que a conformidade actua retroactivamente (art. 276.º CC).

II) Incumprimento do contrato; prazo de reclamação; consequências.

Em caso de incumprimento – desconformidade do bem com a amostra-tipo - por razões de segurança jurídica, o comprador tem um prazo curto para reagir e denunciar os defeitos, sob pena de se considerar o contrato perfeito, se não o fizer, conforme tem decidido este Supremo Tribunal de Justiça:

I - Celebrado um contrato comercial de compra e venda por amostra (arts. 469.º e 471.º do CCom), o ónus, que incumbe ao comprador, de invocar e demonstrar a desconformidade entre a mercadoria entregue e a amostra que serviu de base ao contrato não se confunde com a denúncia de defeitos, respeitando, antes, à verificação da condição negativa a que se encontra subordinado o contrato – a condição de a coisa ser conforme à amostra –, da qual depende a consideração do negócio como perfeito.

II - A não invocação de desconformidade relativamente à amostra não afasta a possibilidade de a coisa entregue enfermar de defeito, designadamente, de vício que impeça a realização do fim a que é destinada, como a falta, não patente, de aptidão para tal finalidade.

III - O prazo previsto no corpo do art. 471.º do CCom, de oito dias a partir da entrega da mercadoria, para exame e reclamação, é um prazo de caducidade, conforme resulta do disposto no art. 298.º, n.º 2, do CC.

IV - Quando estabelecida em matéria não excluída da disponibilidade das partes a caducidade não é apreciada oficiosamente pelo tribunal, devendo ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita (art. 303.º, ex vi do art. 333.º, n.º 2, do CC)» (Acórdão deste Supremo Tribunal de 25-10-2011, proferido no processo n.º 1453/06.9TJVNF.P1.S, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira)

« (…)III - O prazo curto de 8 dias, a que se refere o art. 471.º do CCom, não foi estabelecido em benefício do vendedor comercial, e tem a ver, essencialmente, com a celeridade, segurança e certeza que o legislador quis imprimir à contratação comercial, tanto se verificando para a compra e venda condicional, dos arts. 469.º e 470.º do CCom, como para a compra e venda pura, sujeita ao regime comercial.

IV - O mencionado prazo de 8 dias só pode contar-se a partir da entrega da mercadoria, quando, nesse prazo curto, a simples inspecção dela habilita o comprador a aperceber-se da desconformidade e, consequentemente, a protestar e rejeitar a coisa entregue. Diferentemente, se o defeito é tal que só com exames especiais, designadamente laboratoriais, pode ser detectado, o prazo só se iniciará decorrido o período de tempo razoável e necessário, conforme as circunstâncias, para que o comprador tome conhecimento do defeito, agindo com a diligência devida» (acórdão de 06-03-2012, proferido no processo n.º 2698/03.9TBMTJ.L1.S1, relatado pelo Conselheiro Moreira Alves).

De acordo com os factos provados n.º 22, 28 e 29, a Autora, por avaria da máquina, não imprimiu os logótipos em 1.367.500 óculos, que, não obstante não respeitarem os requisitos da amostra-tipo, foram enviados à Ré e em relação aos quais foi solicitado o pagamento, que a Ré recusou.

Trata-se, portanto, de um incumprimento do contrato de venda sobre amostra, o qual tem por efeito a ineficácia do contrato, que não produzirá efeito translativo nem efeito obrigacional, em relação aos bens desconformes à amostra. Sendo ineficaz o contrato, a Ré não teria que proceder ao pagamento dos óculos que não apresentam os logótipos acordados.

O regime jurídico da compra e venda sobre amostra exige, contudo, como vimos, por razões de segurança jurídica, que a denúncia da falta de conformidade da coisa seja feita num curto espaço de tempo, sob pena de o contrato se tornar perfeito.

De acordo com a factualidade provada, está assente que foi enviada a comunicação transcrita no ponto n.º 31 da matéria de facto e que a Ré a fez pelo menos em 24 de Maio de 2004.

Não há dúvida que tal comunicação foi feita nos oito dias subsequentes à entrega.

Mas constitui uma reclamação, para o efeito de considerarmos que o contrato de compra e venda sobre amostra não ficou perfeito?

A referida carta afirma o seguinte:

«2. Nunca fomos informados que a avaria afectaria a entrega dos óculos em conformidade com a nossa encomenda, ou seja óculos com a impressão de quatro logótipos.

3. Estamos verdadeiramente surpreendidos com o facto de a guia de remessa indicar o envio de óculos sem a impressão dos logótipos, o que condiciona a venda dos mesmos devido ao acordo estabelecido com o nosso Ministério da Saúde.

4. O que ocorreu coloca em cheque a venda dos óculos e o pagamento à vossa empresa do montante acordado».

De acordo com a teoria da impressão do declaratário, consagrada no art. 236.º, n.º 1 do CC, estas declarações da Ré não podem deixar de significar uma denúncia dos defeitos e a invocação do regime da venda sobre amostra: a ineficácia do contrato, a qual provoca a não produção do efeito translativo em relação aos óculos desconformes e não produção do efeito obrigacional traduzido no dever de pagar o preço.

Como dizem Pires de Lima/ Antunes Varela, “A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só na capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem a descoberta da vontade real do declarante”.[4]

“Além de ser um acto determinante (meio de auto-determinação), a declaração é, também, porém, um acto social de comunicação, que tem de ter relação com aquele a quem se destina ou o conhece”[5]. A interpretação da declaração negocial deve ser, assim, assumida como uma “operação concreta, integrada em diversas coordenadas”, tendo em conta “o conjunto do negócio, a ambiência em que ele foi celebrado e vai ser executado”[6].

O Código Civil aderiu à teoria objectivista, na variante da teoria da impressão do destinatário. “A declaração deve valer com o sentido que um destinatário razoável, colocado na posição concreta do real declaratário, lhe atribuiria; considera-se o real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente, mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido, e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável [7].

“O Código não se pronuncia sobre o problema de saber quais as circunstâncias atendíveis para a interpretação. (…) Serão atendíveis todos os coeficientes ou elementos que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, na posição do declaratário efectivo, teria tomado em conta. A título exemplificativo, Manuel de Andrade referia «os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.»[8].

A declaração emitida, pela Ré, reflecte claramente, para o declaratário real e para qualquer pessoa, colocada na posição de um declaratário normal, uma intenção de denunciar a desconformidade das coisas e de não se vincular ao pagamento do respectivo preço.  

No contexto do caso dos autos e na ambiência em que foi emitida a declaração, e, tendo em conta as negociações prévias, torna-se claro que «o sentido objectivo da declaração»[9], perceptível pelo declaratário normal, contém uma declaração de denúncia da desconformidade e a invocação, pela compradora, do regime da ineficácia parcial do contrato relativamente às coisas desconformes com a amostra. 

A reclamação deve, contudo, ser feita no prazo de oito dias, conforme exige o art. 471.º do Código Comercial (Conversão em perfeitos dos contratos condicionais): «As condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos como perfeitos, se o comprador examinar as coisas compradas no acto da entrega e não reclamar contra a sua qualidade, ou, não as examinando, não reclamar dentro de oito dias».

De acordo com a orientação seguida por este Supremo Tribunal de Justiça[10], a entrega meramente simbólica não permite o exame das coisas, devendo os oito dias contar-se a partir do momento em que as mercadorias cheguem realmente ao poder do comprador e por forma a que ele as possa examinar ou conhecer.

Sendo assim, no caso sub judice, tratando-se de mercadorias que vêm do estrangeiro, o prazo de caducidade de oito dias para a reclamação de desconformidade conta-se a partir da entrega, pois apenas neste momento foi possível à Ré efectuar o exame às coisas. 

Na mensagem em que a Autora referiu a avaria da máquina de impressão, a 13 de Maio de 2004 (facto provado n.º 22), não indicou que iria enviar uma parte da encomenda sem a referida impressão, antes se tendo comprometido a resolver o problema da máquina, tendo afirmado “estas duas séries que tínhamos em stock e nas quais vão ser impressos os quatro logótipos” (…) “aguardamos a chegada da peça de substituição para que possamos colocar a máquina em funcionamento”.

Foi apenas, aquando do envio da guia de remessa de 18-05-2004 e do envio de fax, na mesma data, que a Ré foi informada que uma parte dos óculos tinham sido expedidos sem impressão.

Tendo sido a entrega feita nos dias 19 e 24 de Maio (facto provado n.º 32) e a denúncia declarada, o mais tardar, a 24 de Maio, conforme facto provado n.º 31, foi observado o prazo de oito dias após a entrega (ou após o conhecimento do defeito), pelo que o contrato não adquiriu eficácia em relação às coisas desconformes. 

Não se verificando a condição suspensiva estatuída pela lei (art. 469.º do Código Comercial), o acto não produz os seus efeitos contratuais definitivos (efeito translativo da propriedade, obrigação de pagar o preço e de entregar a mercadoria), que até aí estavam suspensos. Por isso, o comprador pode rescindir o contrato e receber o preço, se já o houver pago, ou recusar-se a pagá-lo, como sucedeu no caso concreto dos autos.

Por último, alega a Recorrente que a Ré nunca devolveu a mercadoria recusada à Autora, pelo que incorre no dever de indemnizar pelo enriquecimento sem causa, nos termos do art. 473.º do CC.

Contudo, da matéria de facto (facto provado n.º 37) resulta que a Ré declarou que tinha a mercadoria recusada disponível para ser levantada pela Autora e que agradecia que esta tomasse as providências adequadas para proceder ao seu levantamento.

Com efeito, a Ré enviou à Autora, que a recebeu, carta datada de 7/6/2004, da qual consta, na respectiva parte final: «Assim, informamos que os referidos óculos que correspondem a 1.367.500 unidades, se encontram à vossa disposição desde o momento em que chegaram. Agradecemos que tomem as providências necessárias para que os mesmos regressem às vossas instalações. Agradecemos que nos enviassem a factura relativa aos óculos que exibem os quatro logótipos, que nos foram enviados, a fim de que possamos proceder ao seu pagamento».

Ora, a Ré, tendo declarado que os óculos desconformes se encontram à disposição da autora, a quem solicita as providências adequadas para que estes regressem às instalações da mesma, cumpriu com os deveres de correcção e lealdade contratual que lhe cabiam, nas circunstâncias do caso.

            Tratando-se de um contrato internacional, e implicando o transporte dos bens custos, não cabe à Ré proceder à entrega das mercadorias, que legitimamente rejeitou por incumprimento da Autora, nem suportar as despesas inerentes a esse transporte. Cabe antes à parte que incumpriu o acordado, se tem interesse na recuperação das mercadorias, proceder ao levantamento das mesmas a expensas suas, conforme propôs a Autora. Com efeito, a não impressão dos logótipos foi imputável à Autora, constituindo o prejuízo daí decorrente um risco negocial da Autora e não da Ré. 

Em consequência, não se verifica qualquer enriquecimento sem causa da Ré, que não tinha qualquer obrigação de efectuar o transporte dos óculos, mas apenas, como sucedeu, de os ter disponíveis para serem levantados pela Autora, o que esta não fez porque não quis, preferindo intentar processo judicial contra a Ré, quando bem podia e devia ter chegado a um acordo com esta, dada a situação de incumprimento lhe ser imputável. 

Em conclusão, a autora não tem razão na demanda, pois não houve qualquer incumprimento por parte da Ré da obrigação de pagar o preço, devido à ineficácia parcial do contrato, nem qualquer enriquecimento sem causa, pois não logrou a autora provar, como lhe competia, os requisitos do art. 473.º do Código Civil.

Improcedem, assim, todas as conclusões da alegação de recurso da recorrente.

IV – Decisão

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

(Anexa-se sumário)


Lisboa, 1 de Julho de 2014


Maria Clara Sottomayor (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves

__________________

[1] Facto alterado pelo Tribunal da Relação de Lisboa com a seguinte fundamentação: «Como resulta dos articulados (mormente dos pontos 38 a 41 da contestação a fls. 134) e da conjugação dos documentos de fls. 146, 90 e 92/93, as partes estão de acordo em que a comunicação a que se refere o ponto 31 da matéria de facto considerada assente na sentença impugnada, foi remetida e recebida o mais tardar em 24 de Maio de 2004.

Nos termos do disposto nos artigos 484.º, nº 1, e 490.º, n.º 1 e 2, do CPC, tem de ter-se como assente o referido facto, por acordo das partes.

O artigo 713.º, n.º 2, do CPC, impõe a aplicação ao acórdão da Relação das regras estatuídas para a sentença de primeira instância, devendo ter-se em conta, para além do mais, os factos admitidos por acordo.

Deve aditar-se, assim, à matéria de facto assente aquele facto».

[2] Doravante, todos os artigos citados, sem menção de origem, pertencem ao Código Civil.
[3] Cf. STJ 23-11-2006 (Rodrigues dos Santos), CJ/STJ, 2006, Tomo III, pp. 132-136; Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, p. 354.
[4] Cf. Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume I (Artigos 1.º a 761.º), 4.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Limitada, Coimbra, 1987, p. 223.
[5] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 442.
[6] Cf. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2005 p. 755.
[7] Cf. Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, ob. cit., pp. 443-444.
[8] Ibidem, pp. 446-447.
[9] Cf. Hörster, A Parte Geral do Código Civil Português, Teoria Geral do Direito Civil, Almedina, Coimbra, 2000, n.º 852.
[10] Vide, entre outros, os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 18-02-1997 (Cardona Ferreira), Processo 96A788, de 06-12-2001 (Abílio Vasconcelos), Processo n.º 01B2857, de 05-12-2002 (Oliveira Barros), Processo n.º 02B3555; de 25-10-2011 (Nuno Cameira), Processo 1453/06.9TJVNF.P1.S1; de 06-03-2012 (Moreira Alves), Processo n.º 2698/03.9TBMTJ.L1.S1.