Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
60/10.6TBMTS.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GARCIA CALEJO
Descritores: LIVRANÇA EM BRANCO
RELAÇÕES IMEDIATAS
PREENCHIMENTO ABUSIVO
PACTO DE PREENCHIMENTO
VENCIMENTO
ACÇÃO CAMBIÁRIA
AÇÃO CAMBIÁRIA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 10/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO BANCÁRIO - ACTOS BANCÁRIOS ( ATOS BANCÁRIOS ).
DIREITO COMERCIAL - TÍTULOS DE CRÉDITO / LIVRANÇAS.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Abel Pereira Delgado, “Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças” Anotada, 3.ª edição, p. 57.
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição p. 565.
- Calvão da Silva, in Estudos de Direito Comercial, 1996, pp. 102 e ss. e 217.
- Ferrer Correia, Letra de Cambio, pp.103 a 105; Lições de Direito Comercial, Vol. III, 1966, pp. 124, 129 a 134.
- G. Dia, Da Letra e Livrança, Vol. 4.º, 503.
- Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7ª edição, p. 15.
- José Gonçalves Dias, Da Letra e da Livrança, vol. IV, p. 555.
- Pinto Coelho, Lições de Direito Comercial, 2º Vol., Fascículo II, 2ª parte, pp. 30, 33, 37 a 44.
- Pinto Furtado, Títulos de Créditos., p. 145.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil” Anotado, Vol. I, 4ª edição, pp. 298, 299.
- Vaz Serra, BMJ 61.º, p. 264, 278 a 282; Rev.Leg. 55, p. 210.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 236.º, N.ºS 1 E 2, 238.º, N.º1, 342.º, N.º2, 334.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 674.º, N.º3, 682.º, N.º2.
LULL: - ARTIGOS 2.º, N.º2, 10.º, 16.º, 70.º, 75.º, 76.º, 77.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
-DE 17-9-2001 (COL. JUR. 2001, TOMO IV, P. 179).

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 20-5-2004, IN WWW.DJSI.PT ;
-DE 9-5-2006 IN WWW.DJSI.PT .
Sumário :
I - A livrança em causa, deve ser considerada como um título em branco, pois falta-lhe alguns dos requisitos essenciais, mas existe a assinatura de um obrigado cambiário.

II - A livrança em branco é admitida nos termos do art. 70.º da LULL, sendo que deve ser completada de harmonia com os acordos realizados.

III - Porque a livrança em causa está no domínio das relações imediatas, a excepção de preenchimento abusivo poderia ser oposta à portadora (a ré).

IV - A recorrente afirma o preenchimento abusivo por banda da ré somente em relação à data de vencimento. Porém, a interpretação que o acórdão recorrido fez das cláusulas do pacto de preenchimento, foi correcta, não sendo aceitável a representação que a recorrente faz de tais itens. A obrigatoriedade da ré preencher a livrança (somente) na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a autora, não encontra qualquer apoio na convenção de preenchimento.

V - Como a data de vencimento não está determinada (não consta da factualidade assente) não se prova a prescrição da acção cambiária. Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título e que esse vencimento ultrapassa o respectivo prazo de prescrição, o que não se demonstra no caso.

VI - Não se prova que a ré tenha agido de má fé ao querer accionar a autora pelo aval que prestou à subscritora.

Decisão Texto Integral:
                                     

                        Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

                       

                       

                       

                        I- Relatório:

                       1-1- AA, Lda., com sede na ..., nº ..., ..., em ..., instaurou contra Caixa BB, S.A., com sede na …, n° …, em Lisboa, acção declarativa com processo ordinário, alegando que a CC - …, S.A., da qual a A. é accionista, em 3/3/1994, celebrou com a Caixa BB, um contrato de abertura de crédito em conta corrente, no montante de 350.000.000$00. No decurso de alterações ao referido contrato, foi subscrita uma livrança, avalizada pela A., onde apenas constava a data de emissão de 11/3/1994, o nome da subscritora CC, o nome da A. e dos demais avalistas DD, S.A. e EE, Lda., também accionistas da CC, reservando a Caixa BB, nos termos da cláusula 4ª, da 3ª alteração ao contrato, o direito de preencher a livrança "quando se mostrar necessário, a juízo da Caixa", mas a al. a) da referida cláusula 4ª, esclarece que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento". Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da CC é grave, não tendo a Caixa BB qualquer possibilidade de receber o seu crédito. A Caixa BB, mesmo sem ter preenchido a livrança, considerou a importância da livrança vencida e em cobrança à A., facto que teve consequências nefastas para a A. que viu o seu crédito cortado e passou a pagar "spreads" mais elevados pelas obrigações em curso. Pelo menos desde 17/12/2003, a livrança está a pagamento pelo avalista DD que, tanto quanto a A. sabe, se prontificou a pagar. Assim, a data de vencimento da livrança ocorreu em 2003, data em que se verificou total incumprimento do contrato de crédito pela CC e em que a Caixa BB exigiu o cumprimento da avalista DD, simples devedor cambiário. A livrança em branco é prescritível no prazo referido no art. 70° da LULL e a data do seu vencimento resulta da conjugação do contrato de preenchimento com o título cambiário. Face ao acordo de preenchimento a livrança devia ser preenchida em 2003, data do incumprimento definitivo do contrato de crédito pela CC e como há bem pouco tempo se manifestava por preencher, não pode agora ser preenchida, porque prescreveu.

                       Conclui pedindo que se declare prescrita a livrança e, em consequência, extinta a obrigação da A. como avalista.

                       

                        Contestou a Caixa BB aceitando a qualidade de avalista da A. na livrança subscrita pela CC, que lhe foi entregue em caução do crédito concedido a esta, por contrato celebrado em 11/3/1994, contrato este que deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31/10/2014. Ainda assim, a A. e os restantes avalistas autorizaram a R. a preencher a livrança, quando tal se mostre necessário a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito". Deste acordo não resulta que a portadora da livrança tenha um prazo para a preencher ou que na mesma tenha que ser inserida uma determinada data de vencimento. O "quanto" e o "quando" da dívida, o montante da livrança e a sua data de vencimento são dois elementos essenciais do título que têm de ficar em branco quando, como é o caso, se destinam a caucionar um contrato de abertura de crédito, sob pena do título perder toda a sua utilidade, enquanto instrumento de titulação dos créditos emergentes dos ditos contratos, ficando os avalistas, subscritores da livrança em branco, sujeitos ao direito potestativo do portador preencher o título nos termos constantes do contrato de preenchimento. Enquanto a livrança não for preenchida, e nela inserida a data de vencimento, não se inicia qualquer prazo de prescrição. De qualquer forma, a A. promoveu e subscreveu os acordos dos co-avalistas com a R. para negociar o incumprimento da CC e ao invocar agora que tais negociações fizeram prescrever a sua obrigação age com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum propriu. E caso a A., como diz, conhecesse desde 2003 a "iminente" situação de insolvência da subscritora da livrança, ainda não decretada, tanto quanto é do conhecimento da R., poderia ter pago a divida e exercer o seu direito de regresso contra a CC reduzindo assim os riscos de não obter, por esta via, o pagamento, como agora alega.

                        Concluiu pela improcedência da acção.

           

                       A A. replicou, por forma a afastar a defesa da R., na parte em que a qualificou por excepção e requereu a ampliação do pedido, neste incluindo para além da declaração de prescrição da livrança, o seguinte: "ser declarada nula como titulo cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível e, em consequência e em qualquer caso extinta a obrigação da Autora, como avalista".

           

                       A R. triplicou opondo-se à requerida ampliação do pedido - não obstante o considerar mera decorrência do pedido inicial formulado pela A. - porque extravasaria o âmbito da presente acção, uma vez que existem outros responsáveis pelo pagamento da livrança que não são partes nos autos e por se haver tornado inútil a ampliação com o preenchimento, entretanto ocorrido, da livrança facto que é do conhecimento da A.

 

                       Foi admitida a ampliação do pedido, foi proferido despacho saneador que afirmou a validade e regularidade da instância e condensado o processo com factos provados e base instrutória.

                        Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que se respondeu à base instrutória e se proferiu a sentença.

                        Nesta julgou-se a acção procedente e, em consequência, declarou-se que se encontra prescrita relativamente a A. a acção cambiária da livrança identificada na petição como documento nº 6, emitida à ordem da R. em 94/03/04, subscrita pela CC-..., S.A., e avalizada, entre outros, pela A.

                       

                       1-2- Não se conformando com esta decisão, dela recorreu a R. Caixa BB de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, tendo-se aí, por acórdão de 24-3-2015, julgado procedente o recurso, revogando a decisão recorrida e julgando a acção improcedente.

                       

                       1-3- Irresignada com este acórdão, dele recorreu a A. para este Supremo Tribunal, recurso que foi admitido como revista e com efeito devolutivo.

                       

                        A recorrente alegou, tendo das suas alegações retirado as seguintes conclusões:

                        1- O douto acórdão recorrido na interpretação do pacto de preenchimento não levou em conta as boas regras de hermenêutica e abona-se em pressupostos manifestamente errados.

                       2- O primeiro elemento a ter em conta é o elemento gramatical (ou literal) e tem um sentido positivo do conteúdo do negócio e negativo que afasta aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio ou pelo menos uma correspondência ou ressonância no texto. Para tal é preciso atender às regras da linguagem, ou seja, o sentido dos termos e expressões negociais empregues no negócio jurídico.

                       3- O contrato de preenchimento, no seu sentido literal, não tem dificuldades, que um destinatário médio, ou seja, de inteligência cultura e diligência médias, não atinja. Daí, o sentido literal é o que lhe dá um destinatário médio, de acordo com as regras da linguagem.

                        4- O acórdão recorrido parte de pressupostos errados e assim refere: "O incumprimento pelo mutuário das obrigações assumidas é condição necessário do preenchimento da Iivrança".

Isto está errado.

De acordo com o parágrafo primeiro do pacto de preenchimento este titula as responsabilidades e não o incumprimento, pois se refere: Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente…

                       5- Acresce ainda que o incumprimento, não é condição necessária do preenchimento e pode haver responsabilidade sem incumprimento v.g. em caso de não renovação do contrato, referindo-se no parágrafo primeiro: "autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita Iivrança quando tal se mostre necessário a juízo da própria Caixa". Logo, conclui-se que a Caixa podia preencher a Iivrança, a seu juízo quando o tivesse por conveniente.

                       6- De seguida, com manifesta violação das regras da linguagem, entra na interpretação do pacto de preenchimento, que se desdobra em dois parágrafos e é do seguinte teor:

1° PARÁGRAFO:

Para titulação de todas as responsabilidades decorrentes da conta-corrente a mutuária e os segundos contraentes entregam à Caixa uma livrança em branco subscrita pela mutuária e avalizada pelos segundos e autorizam desde já a Caixa a preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte".

2° PARÁGRAFO

A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento da mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito".

                        7- O primeiro parágrafo é de carácter geral e representa uma simples possibilidade, o segundo uma actuação concreta, pois refere “a data de vencimento será fixada pela Caixa" em dois casos: o de incumprimento das obrigações assumidas pela mutuária ou para realização coactiva do respectivo crédito.

                       8- No acórdão “a quo", apenas se toma em consideração o segundo parágrafo, truncagem que perturba o entendimento do pacto de preenchimento, como resulta dos erros cometidos, pressupostos do acórdão.

                        9- No acórdão "a quo", considera-se o incumprimento à realização coactiva do crédito, entendendo-se que, verificado o incumprimento (condição que erradamente se julga necessária) se abriria prazo para a Caixa, quando quisesse, ou seja, a seu capricho, procedesse à realização coactiva do crédito.

Tal interpretação está errada

                        10- O segundo parágrafo está dividido em duas orações que correspondem a duas hipóteses:

A data de vencimento será fixada pela Caixa, em duas hipóteses:

1ª HIPÓTESE: Em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas

2ª HIPÓTESE: ou para realização coactiva do respectivo crédito.

As duas hipóteses estão separadas pela conjunção coordenada disjuntiva ou o que dá origem a uma oração coordenada disjuntiva.

                       11- As orações, podem ser coordenadas ou subordinadas. As subordinadas, como seria o caso da subordinada condicional se ou a final para condicionam o texto anterior, as coordenadas abrem uma oração independente ou autónoma. Acresce ainda que a conjunção ou é coordenada disjuntiva, o que, de acordo com os dicionários, significa; que desune ou separa. Na verdade disjuntar é não juntar, separar. As duas orações, entre si, são independentes.

                       12- A primeira oração, refere que: "A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento das obrigações assumidas"

O termo FIXADA, é o particípio passado do verbo fixar e adjectiva como nome predicativo do sujeito, a data de vencimento.

Como referem as gramáticas (sic. Celso Cunha e Lindley Cintra - Gramática, págs. 447): "as perifrases constituídas com o particípio passado exprimem o aspecto acabado, concluído e as constituídas com o infinitivo ou gerúndio exprimem aspecto inacabado, não concluído". O verbo, que na oração indica a acção é será, é do verbo ser, que, entre outras coisas, indica dar existência.

Logo, a primeira oração refere aquilo que dizem as palavras:

"Em caso de incumprimento das obrigações assumidas será fixada a data de vencimento".

É errada a posição do acórdão "a quo", quando refere que a partir do incumprimento podia a livrança ser preenchida quando a Caixa quisesse, pois não se usou o infinitivo, mas o particípio passado.

                        13- A segunda oração, que é perfeitamente autónoma da primeira, porque separada pela conjunção coordenada disjuntiva ou refere que a Iivrança será preenchida para efeito de realização coactiva do respectivo crédito, O testo, ao contrário do que pretende o acórdão "a quo", não condiciona tal poder ao incumprimento, nem o texto comporta tal interpretação e o efeito negativo da declaração impede esta, que não está minimamente contida no texto.

Assim, haja ou não incumprimento, podia a Caixa, preencher a livrança se pretendesse exercer coactivamente o seu crédito, pois o texto não a condiciona a coisa alguma, como aliás resulta também do parágrafo primeiro

                        14- Ora o incumprimento, verificou-se em 31/10/2004 e em 14/05/2009, a livrança estava por preencher.

Ao preencher a livrança em data posterior a 14/05/2009 a Caixa desrespeitou o pacto de preenchimento que apontava a data do preenchimento que foi 31/10/2004.

                       15- O desrespeito pelo pacto de preenchimento, gera preenchimento abusivo o que provoca a nulidade do título.

                       16- O acórdão recorrido parte do errado pressuposto de que o vencimento a partir do qual se conta a prescrição é o inscrito na própria Iivrança.

Ora acontece que o vencimento tem um sentido mais alargado. A este propósito refere Abel Delgado (Lei Uniforme de Letras e Livranças, anotação 3 do art. 41º):

"O dia do vencimento a que se refere o art. 41° nº1 é o dia em que a letra é exigível".

                       17- Ora a letra pode ser exigível, sem qualquer data de vencimento nos termos do art. 2°, 2 da LULL, em que se considera "à vista", ou, nas relações imediatas, por recurso à relação fundamental, como refere a doutrina mais acreditada em que destacamos Gonsalves Dias e Ferrer Correia.

                       18- A AA, Lda, porque subscreveu a relação fundamental, está no âmbito das relações imediatas, pois subscreveu o contrato, onde se insere o pacto de preenchimento.

                        19- Parte ainda do errado pressuposto de que a Iivrança só é prescritível depois de preenchida. Ora a Iivrança em branco é prescritível. Neste sentido Vaz Serra (Títulos de credito Boletim 61, págs. 289) e Abel Delgado (Lei Uniforme de Letra e Livranças, anotação 11 ao art. 10°).

                       20- Refere Vaz Serra: “a acção cambiária prescreve nos termos do artigo 70° da LULL- Tem-se discutido se a acção resultante da letra em branco é prescritível. A solução dominante é afirmativa e segundo ele essa prescrição é a prescrição cambiária e não a prescrição civil".

                        21. Refere Abel Delgado: "A acção resultante da letra em branco é prescritível, sendo essa prescrição a prescrição cambiária"

                        22- Como dissemos no âmbito das relações imediatas a relação é causal e não literal e abstracto. A este propósito refere Abel Delgado (Lei Uniforme das Letras e Livranças anotação 7 ao art. 17°): "Nas relações imediatas, tudo se passa como se a obrigação cambiária deixasse de ser literal e abstracta. Essa obrigação fica sujeita às excepções, que nessas relações pessoais, se fundamentam".

                       23- O recurso à relação fundamental é encarado por José Gonsalves Dias (Da Letra e da Livrança, pags 555 do vol. IV) também refere:

"Consequentemente, a fixação do prazo para determinar o decurso da prescrição da letra em branco, sem indicação do vencimento, não é impossível. Aqui, o recurso à prova estranha é justificável, por o exercício da acção cambiária andar ligada à convenção de preenchimento".

                       24- Também Ferrer Correia (Letra de Cambio, pags.103 a 105), refere que: "Nesta ultima hipótese, já sabemos que, dentro das relações imediatas, podem as partes invocar um acordo extra-cartular por onde se prove que foi fixado, embora não venha referido na letra, um outro vencimento. Por isso, a presunção daquele preceito só assume uma feição absoluta no domínio das relações mediatas.".

                       25. Ora o incumprimento ocorre em 31/10/2004 e a Iivrança em 14/05/2009, estava por preencher, pelo que decorreram mais de três anos consignado no art. 70° da LULL, pelo que a Iivrança, além de nula por preenchimento abusivo, prescreveu.

                       26- Mesmo aceitando, por pura dialéctica a posição do acórdão “a quo", a Iivrança teria prescrito, porque a contagem do prazo prescricional não se faz como se pretende.

                       27- Refere o sr. Juiz “a quo": “… tal incumprimento ocorreu em 31/10/2004, data em que a livrança se tornou exigível e se iniciou a contagem do prazo de prescrição, no entender da ré, (aqui há lapso, pois refere a Autora) desde que houvesse incumprimento da relação subjacente poderia preencher a livrança quando entendesse".

Assim conclui-se que no entender do acórdão "a quo", a Iivrança se tornou exigível em 31/10/2004, podendo, a partir de tal data preenche-la (a Caixa), quando quisesse

                        28- O prazo prescricional conta-se, ao contrário do que se pretende no acórdão “a quo" a contar da data em que a obrigação se tornou exigível, e não da data em que a Caixa a preencheu.

                       29- A este propósito refere Vaz Serra (Prescrição, Extintiva e Caducidade separata do Boletim do Ministério da Justiça, págs. 190):

“… pode acrescentar-se que se a prescrição só começasse a correr com a declaração de vontade (denuncia, interpelação) a finalidade da prescrição de criar uma situação jurídica segura não seria em muitos casos alcançada, pois tal declaração de vontade não poder muita vezes provar-se passado longo tempo" (em nota).

No texto refere:

".... se depender do credor fazer com que nasça o seu direito de agir contra o devedor (v.g. por denuncia ou aviso a este) a prescrição começa logo que o credor pode tornar exigível a obrigação, pois a partir de então, há inércia da sua parte".

                       30- De acordo com o acórdão "a quo" a obrigação tornou-se exigível em 31/10/2004, contando-se a prescrição de tal data, e não quando a Caixa, pode, a capricho, preencher a Iivrança.

                       31- Na tese vertida no acórdão "a quo", que não se aceita, a livrança teria prescrito também.

                        32- Da matéria de facto, apurada na resposta ao quesito 5, do documento nº 4, junto à petição, da resposta ao quesito 8, do especificado em H e do especificado em M e do tempo decorrido até ao preenchimento da livrança, conclui-se que:

A DD, obrigou-se ela própria a pagar o débito da CC à Caixa, para libertar as responsabilidades dos accionistas, para com a Caixa, onde se inseria a AA, Lda.

                        33- A Caixa acordou com a DD, que fosse ela própria a pagar, pois nunca interpelou a AA, Lda., porque a DD, se propôs, ela própria, a pagar, sendo que acordou com a DD, que a liquidação do débito, ocorresse com a reestruturação financeira do Grupo DD.

                       34- A AA, Lda., sedimentou a convicção indefectível que o assunto resolvido pela intervenção da DD, com apoio da Caixa, convicção esta reforçada com o largo tempo decorrido desde 2004 a 2009.

                       35- A Caixa veio a alterar a sua posição iniciada em 2003 e mantida ao longo do tempo, pois, NUNCA interpelou a Autora AA, Lda.

                       36- Ao alterar a sua posição, tão longo tempo mantida, frustrou as expectativas da Autora AA, Lda., sedimentadas no longo prazo decorrido, e incorreu em abuso de direito, na modalidade "venire contra factum proprium".

                       NESTES TERMOS, DANDO PROVIMENTO AO RECURSO E REVOGANDO O DOUTO ACÓRDÃO, CONSIDERANDO A ACÇÃO PROCEDENTE E PROVADA, SE FARÁ JUSTIÇA

                       A recorrida contra-alegou, pronunciando-se pela confirmação do acórdão recorrido.

                       

                        Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:

                       

                        II- Fundamentação:

                       2-1- Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelo recorrente, apreciaremos apenas as questões que ali foram enunciadas (art. 639º nºs 1 e 2 do Novo C.P.Civil)

                       Nesta conformidade, serão as seguintes as questões a apreciar e decidir:

                       - Se a livrança foi preenchida com desrespeito pelo pacto de preenchimento, o que provoca a nulidade do título.

                        - Se acção cambiária se encontra prescrita.  

                        - Se a R. Caixa agiu com abuso de direito.

                       

                       2-2- Vem fixada das instâncias a seguinte matéria de facto:

                       A) A sociedade CC-..., S.A., pediu um financiamento à ré Caixa BB, S.A., por contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria, importação e/ou exportação, celebrado em 3 de Março de 1994, considerado perfeito 11 de Março de 1994, alterado em 20 de Maio de 1994 (1ª alteração), alterado em 18 de Maio de 1995, considerado perfeito em 22 de Maio de 1995 (2a alteração), alterado em 12 de Agosto de 1996, considerado perfeito na mesma data (3ª alteração), conforme documento constante de fls. 23 a 45, cujo teor se dá por reproduzido.

                        B) O referido contrato, após as suas alterações, estipula o valor da abertura de crédito em Esc: 350.000.000$00 (trezentos e cinquenta milhões de escudos).

                       C) A referida CC, na execução do referido contrato de abertura de crédito em conta corrente, esgotou o referido crédito.

                        D) O crédito concedido pela Ré à CC era pelo período de 6 meses, renováveis.

                        E) No contrato de abertura de crédito referido em A), e para garantia do mesmo, foi subscrita uma livrança em branco, onde apenas consta a data de emissão de 94/03/04, o nome da subscritora CC e o nome dos avalistas DD, SA., AA, Lda. e EE, Lda., conforme documento constante de fls. 57 a 59, cujo teor se dá por reproduzido.

                        F) A Autora deu o seu aval na referida livrança.

                       G) A Ré enviou cópia à autora da referida livrança em branco em 14 de Maio de 2009.

                        H) Por carta de 17 de Dezembro de 2003, a Ré referiu que os débitos da CC seriam liquidados assim que fosse formalizado o processo de reestruturação financeira do Grupo DD, conforme documento constante de fls. 56, cujo teor se dá por reproduzido.

                        I) Na cláusula 4ª da 3ª alteração ao contrato referido em A), a Ré reservou o direito de preencher a livrança "quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa", estipulando na al. a) da referida cláusula 4ª que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento".

                       J) A livrança foi considerada vencida pela Ré Caixa BB e, assim, exigível a obrigação cambiária da avalista autora.

                      L) Em execução do Dec-Lei nº 204/2008, de 14 de Outubro, referente à centralização das responsabilidades por crédito concedido, a Ré considerou em cobrança da autora a aludida dívida.

                       M) A Autora nunca foi interpelada para pagar, pela intervenção do avalista DD, que se prontificou ela própria a pagar.

                       N) Tal livrança foi entregue à Ré em caução do crédito concedido à sociedade CC, por contrato celebrado em 11/3/1994, pelo período de seis meses, automaticamente renovado por iguais e sucessivos períodos, "a menos que a Caixa ou a 1ª contraente, denuncie o contrato por escrito, e com, pelo menos 30 dias de antecedência em relação ao prazo que estiver em curso" (cláusula 4ª).-

                        O) A Autora e os restantes avalistas autorizaram a Ré a "preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte:

                        a) A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito (...)".- 

                        1) A sociedade CC - ..., S.A., funcionava como central de compras nos mercados externos, predominantemente de bananas, com destino aos seus accionistas.

                      2) As sociedades DD, SA e EE, Lda. serviram-se da CC, para financiarem a sua própria tesouraria e procederem, por seu intermédio, às importações de banana e outras frutas.

                       3) Com referência ao exercício de 1999, a DD, SA devia à CC a quantia de esc.263.411.000$00 e a EE a quantia de esc.130.774.000$00.

                 4) As referidas empresas nunca regularizaram os seus débitos com a CC.

               5) As referidas DD, SA e EE, Lda., obrigaram-se a regularizar perante a CC, os débitos desta perante a Caixa BB.

                        6) Desde 2001, as relações comerciais da CC faziam-se quase exclusivamente com a DD, SA e a EE, Lda.

                       8) Em 2003, a CC não vinha a regularizar os seus débitos por créditos à importação de bananas com a Ré Caixa BB, tendo esta acordado com o grupo DD que tal liquidação de débitos seria efectuada assim que seja formalizado o processo de reestruturação financeira do Grupo.

                  9) Com a reestruturação do grupo DD têm vindo a ser pagos à CG.D. outros débitos que não os da CC.

                        10) O crédito da Caixa BB sobre a CC é derivado de financiamentos à importação de bananas.

                        11) Nas reservas ao relatório e contas de 2003, o ROC Dr. FF, denunciou o risco de incumprimento, colocando um cenário de eventual dissolução da CC, e índice que a situação de incumprimento existente perante a Caixa BB seria objecto de negociações entre os devedores daquela e a própria Ré, no sentido destes assumirem as referidas dívidas, negociações estas não concretizadas.

                        12) O ROC, na referida certificação de contas, refere: "Dada a relevância e significado dos efeitos das situações descritas, não estamos em condições de expressar, e não expressamos, uma opinião sobre as demonstrações financeiras".

                    14) Os administradores da EE, Lda. e DD, SA serviram-se da sua qualidade de também administradores da CC para usarem esta para financiar as suas próprias empresas.

                      15) Pelo menos desde 2004, a Ré sabia que a situação de incumprimento da CC era muitíssimo grave e calamitosa a sua situação financeira.

                     16) Pelo menos desde 2004, a situação de incumprimento da CC é grave, não tendo a Ré Caixa BB qualquer possibilidade de dela receber o seu crédito.

               17) Pelo menos desde 2004, a CC vive quase sem movimento ou actividade.

               18)       O Grupo de DD, SA. está em liquidação, procedendo à venda das suas lojas e sociedades em que tem participações sociais, com o que tem vindo a pagar outros débitos à Ré.

                  22) A informação do facto referido em L) circulou nos meios bancários, através do Banco Portugal.

                      26) O contrato referido em A) deixou de ser pontualmente cumprido pela mutuária em 31.10.2004.

               27) O pacto de preenchimento da referida livrança foi entregue em branco, excepto no que respeita à data de emissão, permitindo à R. preenchê-la em caso de incumprimento.

                     28) Têm ocorrido negociações com o denominado "Grupo GG", a que pertence, entre outras sociedades, a GG, SGPS, SA.

                        30) Tais negociações são do conhecimento da A..

                        31) A A. nunca se opôs a tais negociações.

                        32) De tais negociação resultou a amortização parcial de dívidas do Grupo GG à Ré, através da venda de imóveis onerados com hipotecas, tendo as verbas em causa sido canalizadas para amortização das dívidas para garantidas pelos respectivos imóveis.

                       33) A dívida da CC não tinha qualquer garantia real, pelo que nenhum dos imóveis alienados garantia dívidas da CC.

                     34) Em 2003 a CC não era proprietária de quaisquer bens imóveis. ------------------------------------------

                       2-3- No presente recurso, a recorrente sustenta que o incumprimento do contrato que originou a emissão da livrança (em branco) de que ela é avalista (à aceitante), se verificou em 31/10/2004 e em 14/05/2009, a livrança estava por preencher. Por isso, a R. Caixa, ora recorrida, ao preencher a livrança em data posterior a 14/05/2009 desrespeitou o pacto de preenchimento que apontava a data do preenchimento como a dita 31/10/2004. O desrespeito pelo pacto de preenchimento, gera o preenchimento abusivo o que provoca a nulidade do título.

                       Ou seja, a recorrente entende que o título cambiário é nulo por preenchimento abusivo por parte da R..

                       Logo numa primeira aproximação à resolução da questão não poderemos deixar de sublinhar que se nos afigura que esta causa de invalidade do título está absolutamente fora da instância, já que a A. na sua petição inicial não alega factos nesse sentido nem deduz o correspondente pedido. É certo que ampliou o pedido na réplica alegando factos atinentes a um possível abuso no preenchimento da livrança por parte da R., mas não concluiu em conformidade, tendo-se limitado a pedir a sua nulidade como título cambiário, por o seu preenchimento já não ser possível (evidente inconcludência).

                       Isto já seria suficiente para julgar improcedente a pretensão da recorrente quanto ao tema. Porém, para que não fiquem dúvidas e porque a argumentação da recorrente está relacionada com a invocada prescrição do título, iremos debater o assunto.

                       No douto acórdão recorrido sobre o preenchimento abusivo referiu-se, entre o mais: “…as partes acordaram que a livrança seria preenchida "quando tal se mostre necessário, ajuízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente" que "a data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coativa do respetivo crédito". O incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas é uma condição necessária do preenchimento da livrança, mas não determinante ou, porventura com mais clareza, verificado o incumprimento da relação subjacente a ré podia mas não estava obrigada a preencher a livrança; para um declaratário normal colocado na posição da ré, a declaração tem também o sentido do preenchimento da livrança poder ocorrer quando tal se mostre necessário, ajuízo da própria Caixa, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito. A obrigatoriedade da ré preencher a livrança na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a autora, não encontra, a nosso ver, apoio na convenção de preenchimento, por supor a sua injustificada abrogação parcial; de acordo com este, como dito, a livrança pode ser validamente preenchida, a juízo da ré, para efeitos de realização coativa do respetivo crédito e uma vez verificado o incumprimento da relação subjacente pela subscritora, segmento que a interpretação da autora elimina. A interpretação da cláusula de preenchimento que se corrobora é justificável na relação contratual duradoura - contrato de abertura de crédito em conta corrente à tesouraria -cujo débito a livrança se destinou a titular e não sacrifica desproporcionadamente os interesses da autora, pois esta, como se anota nos autos e se escreveu no Ac. STJ de 12-11-2002, se pretendia pôr termo à obrigação de duração indeterminada a que se vinculou pela assinatura da livrança em branco, bem podia - e para tanto gozavam de inteira liberdade de acção - ter notificado o Banco para proceder ao preenchimento e aposição de data de vencimento em data anterior assim fazendo antecipar o início do prazo prescricional da obrigação cambiária”.

                       Para apreciação o assunto, entendemos dar uma panorâmica, ainda que resumida, da situação debatida nos autos.

                       Como resulta da factualidade assente, a A. deu o seu aval à subscritora da livrança contendo esta apenas, para além da palavra livrança, a data de emissão de 4/3/1994, o nome da subscritora e o nome dos avalistas (alínea E) dos factos provados). Nesta conformidade e porque o escrito não contém nem a quantia determinada, nem época do pagamento, requisitos indispensáveis para produzir efeitos como livrança (art 75°, da LULL), o mesmo não poderá produzir efeito como livrança (art. 76º da mesma Lei).

                       Nesta conformidade a livrança em causa, deve ser considerada como um título em branco. Com efeito, uma livrança (letra) em branco é uma livrança incompleta, em que falta algum dos requisitos essenciais, mas onde existe, pelo menos, a assinatura de um obrigado cambiário1.

                      É necessário que tal assinatura, como é evidente, seja aposta num título donde conste a palavra «livrança» (art. 75º nº 1 da L.U.). Ou seja, “é indispensável que a assinatura conste de um título que seja apto, segundo a prática dos negócios, para incorporar obrigações cambiárias2.         No dizer do Prof. Pinto Coelho e em jeito de síntese, “a letra (livrança) em branco, é, pois, se nos é lícito dizer, uma letra incompleta, que contém, no entanto, uma assinatura destinada a fazer surgir a obrigação cambiária3. A livrança em branco, pese embora possa já ser um título de crédito endossável, enquanto lhe faltar qualquer elemento essencial, não é um título com plena eficácia4. Só adquirirá essa eficiência quando, ulteriormente, for preenchida com as indicações em falta.

                       A livrança em branco, deverá ser entregue pelo subscritor, ao credor, dando-lhe a autorização para a preencher. O preenchimento da livrança (letra) incompleta é uma condição imprescindível para que o título possa produzir os efeitos como livrança (letra). Esse preenchimento deverá ser efectuado segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Este concretizará os termos em que a obrigação cambiária se deverá constituir (indicação do montante, do tempo de vencimento, do lugar do pagamento, da estipulação de juros etc.). Só quando, no uso da autorização que concede o acordo de preenchimento, o possuidor do título o preenche, dotando-o de requisito próprios da letra, “é que surge para o primeiro signatário, para aquele que entrega o título incompleto, a obrigação cambiária5.

                       A entrega da livrança, sem que o respectivo subscritor dê autorização ao credor para a preencher, dá origem a uma livrança incompleta, mas já não a uma livrança em branco. Esta surge quando, para além da entrega da letra, o subscritor dá autorização ao credor para a completar, segundo o acordo ou contrato de preenchimento. Como sinteticamente salienta Pinto Furtado6letra (livrança) em branco é aquela que tem atrás de si um acordo para preenchimento ulterior, ao passo que na letra incompleta, não existe esse acordo. A primeira é uma letra em formação sucessiva, enquanto a segunda não passará de título nulo, que não poderá valer como letra, por falta de elementos essenciais”.

                       Trata-se, por conseguinte, aqui de uma livrança em branco.

                       O acordo ou contrato de preenchimento pode ser expresso, ou tácito. Existirá o primeiro, quando a estipulação, em relação ao preenchimento, é declarada expressamente. Ocorrerá o acordo tácito, quando o preenchimento deriva e é definido pelo conteúdo da relação jurídica fundamental subjacente7.

                       A livrança em branco é, claramente, admitida nos art. 77º e 10º da L.U.L.L., disposição que estabelece que “se uma letra (livrança) incompleta no momento de ser passada tiver sido completada contrariamente aos acordos realizados, não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”. Deste artigo resulta que não é indispensável que a letra/livrança contenha, logo de princípio, todos os requisitos a que alude o art. 75º da L.U.. Do confronto entre os arts. 75º e 76º da L.U. (em que, respectivamente, se estabelecem os elementos que a livrança deve conter e em que se demarcam os requisitos, cuja falta determina a invalidade do título como letra), por um lado, e o art. 10º, por outro, concluiu-se que o momento decisivo para se determinar a validade da letra não é o da emissão, mas sim o do vencimento8. Depois da emissão, poderá o título vir a ser dotado dos elementos necessários para que possa produzir efeitos como livrança, sendo necessário, porém, que esses requisitos constem nela na altura do seu vencimento. Se, neste momento, a livrança se não encontrar preenchida, então, nos termos dos arts. 75º e 76º, não poderá produzir efeitos como livrança.

                       A letra/livrança deve ser completada de harmonia com os acordos realizados. No caso de existir um preenchimento abusivo, como refere o mencionado art. 10º, “não pode a inobservância desses acordos ser motivo de oposição ao portador, salvo se este tiver adquirido a letra de má fé ou, adquirindo-a, tenha cometido uma falta grave”.

                        Quer dizer, ao portador de boa fé não será possível opor a excepção do preenchimento com inserção de elementos não convencionados. Pretende-se salvaguardar o desígnio do respeito pela convicção legítima do portador, com intuitos de facilitar a circulação da letra, a que se refere, também, o art. 16º da L.U.. A má fé, para esse efeito, consistirá no conhecimento ou na ignorância indesculpável (negligente) do preenchimento abusivo.

                       A doutrina9 costuma distinguir, no que diz respeito à excepção do preenchimento abusivo da letra/livrança, os casos em que o título foi preenchido pelo primeiro adquirente, dos casos em que o documento foi completado por terceiro. Trata-se de saber quais os meios de defesa que a lei concede ao subscritor, em relação ao portador, no caso de inobservância da convenção de preenchimento.

                       No caso de preenchimento pelo primeiro adquirente (a pessoa a quem o subscritor a entregou) e sendo este que reclama o pagamento, é evidente que a excepção lhe poderá ser oposta. É esta a situação dos autos (o avalista ao subscritor assume a mesma posição deste). Se é, porém, um terceiro que reclama o pagamento, mas que recebeu a letra (por endosso) já preenchida, caso esteja de boa fé e não lhe seja imputável culpa grave na respectiva aquisição, não será possível ao subscritor opor a excepção. No caso de preenchimento por um terceiro, se este recebeu a letra por tradição ou sucessão mortis causa, sendo um mero cessionário ou representante de quem recebeu o título, a excepção pode-lhe ser oposta. Se, todavia, esse terceiro recebeu a letra por endosso (já preenchida), não poderá o subscritor opor-lhe a excepção, a não ser no caso desse terceiro estar de má fé ou de, na altura da aquisição, ter cometido uma falta grave.

                       Para o que aqui interessa e porque a livrança em causa está no domínio das relações imediatas, a excepção do preenchimento abusivo poderia ser oposta à portadora (a R.).

                       É precisamente isto que a ora recorrente defende no presente recurso. Porém, como resulta do disposto no art. 342º nº 2 do C.Civil, compete à recorrente, como oponente, a prova da excepção.

                       Depreende-se que a recorrente afirma o preenchimento abusivo por banda da R. Caixa somente em relação à data de vencimento. Haja ou não incumprimento, afirma a recorrente, podia a Caixa preencher a livrança se pretendesse exercer coactivamente o seu crédito, pois o texto (do pacto de preenchimento) não a condiciona a coisa alguma, como aliás resulta também do parágrafo primeiro. O incumprimento, verificou-se em 31/10/2004 e em 14/05/2009, a livrança estava por preencher. Ao preencher a livrança em data posterior a 14/05/2009 a Caixa desrespeitou o pacto de preenchimento.

                        As cláusulas em questão são do seguinte teor:

                        “A Autora e os restantes avalistas autorizaram a Ré a "preencher a sobredita livrança, quando tal se mostre necessário, a juízo da própria Caixa, tendo em conta nomeadamente o seguinte:

                       a) A data de vencimento será fixada pela Caixa em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito (...)".                                                                                                                                                             

                       Como ponto prévio diremos que, como se sabe, em sede de interpretação das declarações vale o disposto no art. 236º nº 1 do C.Civil segundo o qual “a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele”. Esta disposição, como é comummente reconhecido, consagra a chamada teoria da impressão do destinatário, segundo a qual a declaração negocial deve ser interpretada como um declaratário medianamente sagaz, diligente e prudente a interpretaria, colocado na posição concreta do declaratário.

                       Refere Calvão da Silva (in Estudos de Direito Comercial, 1996, págs. 102 e segs. e 217) “o alcance decisivo da declaração será aquela que em abstracto lhe atribuiria um declaratário razoável, medianamente inteligente, diligente, sagaz, colocado na posição concreta do real declaratário, em face das circunstâncias que este efectivamente conheceu e das outras que podia ter conhecido, maxime dos termos da declaração, dos interesses em jogo e seu mais razoável tratamento, da finalidade prosseguida pelo declarante, das circunstâncias concominantes, dos usos da prática e da lei”.

                        Sublinharemos, porém, que a regra contida no referido nº 1 do art. 236º, deve ceder perante a regra enunciada no nº 2 do mesma disposição, segundo a qual “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.

                       No que toca aos negócios formais, estabelece o art. 238º nº 1 sempre do C.Civil que “nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso”, acrescentando o nº 2 que “esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuseram a essa validade”.

                        Por outro lado, este STJ é um Tribunal de revista, donde resulta que não conhece, fora os casos especiais dos arts. 674º nº 3 e 682º nº 2 do C.P.Civil, de matéria de facto, ficando, assim, o seu âmbito de apreciação circunscrito ao conhecimento de matéria de direito.

                       Serve isto para dizer que perante a situação que nos é colocada, deverá distinguir-se os casos em que a interpretação de declaração negocial resultou directamente da prova produzida nas instâncias por se haver directamente demonstrado que o declaratário conhecia a vontade real do declarante (matéria de facto), dos casos em que a interpretação negocial decorreu do recurso à teoria da impressão do destinatário, já acima referenciada (matéria de direito). Como se refere no Acórdão deste STJ de 9-5-2006 (in www.dgsi.pt/jstj.nsf) “a interpretação da vontade real, e não conjectural, das partes é matéria de facto, só cabendo a este STJ censurar este resultado interpretativo das instâncias se produzido ao arrepio dos nºs 1 dos citados artigos 236º e 238º. O Acórdão do STJ de 8 de Maio de 1991 - 080138 - julgou no sentido da interpretação da declaração negocial constituir matéria de direito, só sendo matéria de facto se feita de harmonia com a vontade real do declarante. (cf. Profs. Pires de Lima e A. Varela, "Código Civil Anotado", 3ª Ed., I, 223, citando Prof. Castanheira Neves e Prof. Vaz Serra, RLJ, 111, 380 e 112-154)”.

                       Ora, analisando o acórdão recorrido (e também a sentença de 1ª instância), verifica-se que a interpretação da vontade negocial em relação às cláusulas em causa, assentou nas regras consagradas nos arts. 236º nº 1 e 238º com vista à reconstituição do sentido virtual ou hipotético que o homem padrão atribuiria a tais declarações. Por isso, concluímos que nos encontramos perante uma questão de direito, para cuja apreciação este Supremo tem aptidão.

                        Vejamos então:

                       Na cláusula em questão dá-se, sem qualquer dúvida, à R. a possibilidade de preencher a livrança, por decisão dela própria (“a juízo da própria Caixa”). Portanto, segundo cremos, à Caixa foi-lhe concedida a possibilidade de preencher o título conforme a sua própria conveniência com vista, evidentemente, a ser ressarcida da quantia monetária adiantada (mutuada) à subscritora do título (através do contrato de abertura de crédito referenciado na factualidade assente).

                       Acrescenta-se depois, no pacto, que o preenchimento deverá ter em conta, nomeadamente, que a data de vencimento será fixada (pela Caixa) em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito.

                       Com o uso do advérbio «nomeadamente» quis-se exemplificar situações em que o vencimento do título poderia ser fixado pela credora. O significado do termos «nomeadamente» indica que assim deve ser entendido. Mas, segundo cremos, não se pretendeu restringir a possibilidade de a Caixa, noutras circunstâncias, poder preencher a data de vencimento do título.     De qualquer forma, ao usar-se a conjunção alternativa «ou» quis-se significar que em qualquer das exemplificadas situações[10], seria possível à Caixa o preenchimento do título com indicação da sua data de vencimento. Como se refere adequadamente no douto acórdão recorrido “uma vez que não faz sentido que a livrança seja preenchida se não houver incumprimento da obrigação subjacente, a referida conjunção alternativa só pode querer significar que o preenchimento tanto podia ocorrer no momento do incumprimento como no momento em que a Ré quisesse obter coercivamente a obrigação”.

                       Significa isto que a interpretação que o acórdão recorrido fez das aludidas cláusulas, foi correcta, não sendo aceitável a representação que a recorrente faz de tais itens. A obrigatoriedade da R. preencher a livrança (somente) na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a A., não encontra qualquer apoio na convenção de preenchimento.

                       Por isso, a posição da recorrente é insubsistente, não existindo qualquer razão para dissentir da orientação assumida pela Relação.

                       Defende depois a recorrente que o acórdão recorrido parte do errado pressuposto de que o vencimento a partir do qual se conta a prescrição é o inscrito na própria Iivrança. Acontece que o vencimento tem um sentido mais alargado. A este propósito refere Abel Delgado (Lei Uniforme de Letras e Livranças, anotação 3 do art. 41º): "O dia do vencimento a que se refere o art. 41° nº1 é o dia em que a letra é exigível". Ora a letra pode ser exigível, sem qualquer data de vencimento nos termos do art. 2°, 2 da LULL, em que se considera "à vista", ou, nas relações imediatas, por recurso à relação fundamental, como refere a doutrina mais acreditada. A AA, Lda, porque subscreveu a relação fundamental, está no âmbito das relações imediatas, pois subscreveu o contrato, onde se insere o pacto de preenchimento. O acórdão recorrido parte ainda do errado pressuposto de que a Iivrança só é prescritível depois de preenchida. Ora a Iivrança em branco é prescritível. Como dissemos no âmbito das relações imediatas a relação é causal e não literal e abstracto. O recurso à relação fundamental é encarado por José Gonsalves Dias (Da Letra e da Livrança, pags 555 do vol. IV) também refere: “Consequentemente, a fixação do prazo para determinar o decurso da prescrição da letra em branco, sem indicação do vencimento, não é impossível. Aqui, o recurso à prova estranha é justificável, por o exercício da acção cambiária andar ligada à convenção de preenchimento". Também Ferrer Correia (Letra de Cambio, pags.103 a 105), refere que: "Nesta ultima hipótese, já sabemos que, dentro das relações imediatas, podem as partes invocar um acordo extra-cartular por onde se prove que foi fixado, embora não venha referido na letra, um outro vencimento. Por isso, a presunção daquele preceito só assume uma feição absoluta no domínio das relações mediatas.". Ora o incumprimento ocorre em 31/10/2004 e a Iivrança em 14/05/2009, estava por preencher, pelo que decorreram mais de três anos consignado no art. 70° da LULL, pelo que a Iivrança, além de nula por preenchimento abusivo, prescreveu.

                       Esta argumentação da recorrente parte do pressuposto, não verificado, que existiu um preenchimento abusivo do título, mais particularmente que ocorreu o preenchimento incorrecto da data do seu vencimento. Como esse preenchimento abusivo não se demonstrou, o entendimento da recorrente carece de sentido.

                        Nos termos do art. 70º da L.U. (aplicável à livrança por força do art. 77º do mesmo diploma) “todas as acções contra o aceitante relativas às letras (e livranças) prescrevem em três anos a contar do seu vencimento”.

                       Como a data do vencimento da letra não está determinada (não consta da factualidade assente) é evidente que não se prova a prescrição da acção cambiária.

                       Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá, a nosso ver, quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título e que esse vencimento ultrapassa o respectivo prazo de prescrição, circunstâncias não demonstradas no caso vertente.

                       Por fim, a recorrente defende que a DD, se obrigou ela própria a pagar o débito da CC à Caixa, para libertar as responsabilidades dos accionistas, para com a Caixa, onde se inseria a AA, Lda. A Caixa acordou com a DD, que fosse ela própria a pagar, pois nunca interpelou a AA, Lda., porque a DD, se propôs, ela própria, a pagar, sendo que acordou com a DD, que a liquidação do débito, ocorresse com a reestruturação financeira do Grupo DD. A AA, Lda., sedimentou a convicção indefectível que o assunto resolvido pela intervenção da DD, com apoio da Caixa, convicção esta reforçada com o largo tempo decorrido desde 2004 a 2009. A Caixa veio a alterar a sua posição iniciada em 2003 e mantida ao longo do tempo, pois, nunca interpelou a A.. Ao alterar a sua posição, tão longo tempo mantida, frustrou as expectativas da A., sedimentadas no longo prazo decorrido, tendo incorrido em abuso de direito, na modalidade "venire contra factum proprium".

                       Quer dizer e em síntese, a recorrente invoca que a recorrida agiu com abuso de direito porque acordou com a DD, que fosse ela própria a pagar, não tendo interpelado a R. durante um largo período, tendo sedimentado a convicção que o assunto resolvido pela intervenção da DD. A Caixa ao alterar a sua posição, tão longo tempo mantida, frustrou as expectativas da A., tendo incorrido em abuso de direito, na modalidade "venire contra factum proprium". 

                       Estabelece o art. 334º do C.Civil que “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito ”. Para que ocorra o abuso de direito, é necessário, pois, que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Como esclarecem Pires de Lima e Antunes Varela (in C.Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição, pág. 298), a concepção adoptada pela lei é objectiva. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto. Nesta conformidade “os tribunais só podem, pois, fiscalizar a moralidade dos actos praticados no exercício de direitos ou a sua conformidade com as razões sociais ou económicas que as legitimam, se houver manifesto abuso (Pires de Lima e Antunes Varela mesma obra, pág. 299). Isto é, exige-se um abuso manifesto, que sucederá quando o sujeito ultrapasse de forma evidente e inequívoca os referidos limites (Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7ª edição, pág. 15). O juízo sobre o abuso de direito está dependente das concepções ético-jurídicas dominantes na sociedade. “A consideração do fim económico ou social do direito apela de preferência para os juízos de valor positivamente consagrados na própria lei (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 9ª edição pág. 565).

                        Poder-se-á assim dizer que o abuso de direito abrange o exercício de qualquer direito de forma anormal, quanto à sua intensidade ou execução de modo a comprometer o gozo de direitos de terceiros, criando uma desproporção entre os respectivos exercícios, de forma ofensiva e clamorosa dos valores sociais que se têm como adquiridos.

                       Como modalidade do abuso de direito a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, que ocorre quando “a pessoa pretende destruir uma relação jurídica ou um negócio, invocando, por exemplo, determinada nulidade, anulação, resolução ou denúncia de um contrato, estabelecida no interesse do contraente, depois de fazer crer à contraparte que não lançaria mão de tal direito ou depois de ter dada causa ao facto invocado como fundamento da extinção da relação ou do contrato (Antunes Varela, obra citada, pág. 566).

                       Ora, segundo cremos, esta situação não ocorre no caso vertente, porque não se vê que a R. tenha feito crer à A. que não deduziria contra ela a pertinente acção cambiária decorrente do aval que prestou à subscritora do título. A recorrente não poderia ignorar que o não pagamento da quantia mutuada iria desencadear o preenchimento da livrança e consequentemente um possível chamamento dela, avalista, ao pagamento da quantia em dívida.

                       Por outro lado, muito embora se tenha provado que a avalista DD se prontificou a pagar a quantia em dívida, não se demonstrou que alguma vez a R. tenha manifestado qualquer intenção ou ensejo de desobrigar a R. do aval que prestou.

                       Por isso nos parece que não se indicia que a R. tenha agido de má fé ao querer accionar a A. pelo aval que prestou à subscritora.

                        O recurso improcede.

                        Elabora-se o seguinte sumário (arts. 679º e 663º nº 7 do Novo C.P.Civil):

                       A livrança em causa, deve ser considerada como um título em branco, pois falta-lhe alguns dos requisitos essenciais, mas existe a assinatura de um obrigado cambiário.

                       A livrança em branco é admitida nos art. 77º e 10º da L.U.L.L., sendo que deve ser completada de harmonia com os acordos realizados.

                        Porque a livrança em causa está no domínio das relações imediatas, a excepção do preenchimento abusivo poderia ser oposta à portadora (a R.).

                        A recorrente afirma o preenchimento abusivo por banda da R. Caixa somente em relação à data de vencimento. Porém, a interpretação que o acórdão recorrido fez das cláusulas do pacto de preenchimento, foi correcta, não sendo aceitável a representação que a recorrente faz de tais itens. A obrigatoriedade da R. preencher a livrança (somente) na data do incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas, como defende a A., não encontra qualquer apoio na convenção de preenchimento.

                       Como a data do vencimento da letra não está determinada (não consta da factualidade assente) não se prova a prescrição da acção cambiária. Uma livrança em branco pode prescrever, mas isso só sucederá quando, dentro das relações imediatas, se prove, através do acordo extra-cartular/pacto de preenchimento, que foi fixado, um outro vencimento diferente do indicado no título e que esse vencimento ultrapassa o respectivo prazo de prescrição, o que não se demonstra no caso.

                        Não se prova que a R. tenha agido de má fé ao querer accionar a A. pelo aval que prestou à subscritora.

                        III- Decisão:

                        Por tudo o exposto, nega-se a revista.

                        Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Outubro de 2015

Garcia Calejo (Relator)

Helder Roque

Gregório Silva Jesus

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1 Sobre que assinatura pode criar a letra em branco Vaz Serra interroga: “a assinatura deverá ser a do sacador, ou pode ser a que qualquer outro subscritor ( aceitante, endossante )? Ente nós a Rev.Leg. 55, pág. 210 C. Gonçalves, Comen. Cód. Comercial II, nº 403º, J.G. Pinto Coelho, no Bol. Fac. Dir. Coimbra, 5, pág. 397, Marnoco e Sousa, II, nº 49, Sá carneiro nº 18 etc. citados por G. Dias IV, nº 393, entendem que pode ser a de outro subscritor e G.Dias, lug. cit., sustenta que só pode ser a do sacador”. Sobre o mesmo assunto, veja-se a Lei Uniforme Sobre Letras e Livranças de Abel Pereira Delgado, 3ª edição, pág. 57.
2 Ferrer Correia, ( Lições de Direito Comercial, Vol. III, 1966, pág. 124 ).
3 Lições de Direito Comercial, 2º Vol., Fascículo II, 2ª parte, pág. 30.
4 Vaz Serra ( BMJ 61º, pág. 264 ) sustenta que a letra em branco, não tendo, embora, plena eficácia, é um título de crédito endossável, “com fundamento no qual o crédito e a obrigação não surgem somente com o preenchimento, embora este seja necessário para fazer valer os direitos cambiários”.
5 Pinto Coelho ob. citada, 2º Vol., Fascículo II, 2ª parte, pág. 33.
6 Títulos de Créditos., pág. 145
7 Sobre o assunto, veja-se o Acórdão da Relação do Porto de 17-9-2001 ( Col. Jur. 2001, Tomo IV, pág. 179).
8 O Acórdão do STJ de 20-5-2004 ( in www.djsi.pt/jstj.nsf ), em sintonia com este entendimento, ponderou, a propósito de se saber em que momento a letra se deve considerar integrada por todos os elementos essenciais, que a questão não é resolvida pelos arts. 1º e 2º da L.U., mas antes pelo art. 10º, razão por que se fica a saber que o momento decisivo não é o da emissão da letras, mas sim o do seu vencimento
9 Ver Ferrer Correia ( ob. citada, pág. 129 a 134 ) Pinto Coelho ( ob. citada  2º Vol., fascículo II, 2ª parte, pág. 37 a 44 ), G. Dias ( Da Letra e Livrança, Vol. 4º, 503 ), Vaz Serra BMJ 61º, págs. 278 a 282.
[10] Em caso de incumprimento pela mutuária das obrigações assumidas ou para efeitos de realização coactiva do respectivo crédito.