Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
322/09.5YFLSB
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: JOÃO CAMILO
Descritores: MATÉRIA DE FACTO
ALTERAÇÃO
REQUISITOS
REJEIÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
JUROS DE MORA
PRESTAÇÃO
LIQUIDEZ
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 07/07/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. Sendo impugnada a decisão da matéria de facto, o apelante terá de, nos termos do art. 690º-A do Cód. de Proc. Civil, indicar concretamente quer os pontos da matéria de facto que entende terem sido mal decididos, quer os concretos pontos da prova constante dos autos que impõem resposta diversa, com indicação dos pontos da prova que relevam para o efeito em relação a cada facto impugnado.
II. Na falta de tais especificações, deve ser rejeitada a impugnação, sem haver lugar a prévio convite ao aperfeiçoamento das alegações do apelante.
III. Os juros de mora pedidos numa acção de responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito ou pelo risco que incidam sobre condenações ilíquidas não devem ser fixados na acção declarativa, por só na liquidação se saber se a mesma liquidação teve em conta a actualização das indemnizações, de acordo com o espírito do acórdão de uniformizador de 9-05-2002.
IV. De acordo com a doutrina deste acórdão uniformizador, a restrição à parte final do nº 3 do art. 805º do Cód. Civil apenas se deve aplicar quando da sentença onde a indemnização foi fixada resultar, de forma segura, que essa fixação tomou em conta valores actuais à data da mesma fixação. Caso contrário, tem de ser aplicado o referido preceito da parte final do nº 3 do art. 805º mencionado, ou seja, deverão ser concedidos juros de mora desde a citação sobre as quantias liquidadas naquela sentença.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


AA, BB, CC, DD, estes últimos por si e em representação de sua filha menor EE, FF e GG intentaram, em 03.08.2000, na Comarca de Silves, acção declarativa ordinária contra a Companhia de Seguros GG, S.A. hoje denominada Império - GG, Companhia de Seguros S. A. - e HH, pedindo que estes fossem condenados a pagar as seguintes quantias:
a) Aos autores AA, BB, DD, FF e GG, a quantia de 30.000.000$00;
b) Ao autor CC a quantia de 38.293.011$00 pelos danos emergentes e ainda no pagamento de todas as despesas médicas e medicamentosas devidas por tratamentos de fisioterapia, canadianas ou outros equipamentos auxiliares de marcha, botas ortopédicas e meias elásticas que se vierem a revelar necessárias;
c) À autora DD a quantia de 4.350.000$00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do mesmo acidente;
d) Ao autor AA a quantia de 28.000.000$00 pelos danos patrimoniais e não patrimoniais;
e) Ao autor BB a quantia de 4.000.000$00 devida a título de danos patrimoniais, a que acrescerão as quantias a liquidar em execução de sentença pelos factos alegados na petição inicial (v. nºs 178º e 179º);
f) À autora DD a quantia que se apurar em liquidação de sentença pelos danos patrimoniais e não patrimoniais;
g) Juros de mora à taxa de 7% sobre todas estas quantias desde a data do acidente até integral pagamento.

Alegaram, para tanto e em resumo:
- No dia 5.9.1999, pelas 16,00 horas, pela Estrada Nacional nº254, no sentido Albufeira-Lisboa circulava à velocidade de 40Km/h o veículo automóvel de matrícula ..-..-.. que no Sítio dos Queimados (Km 70,7), apesar de se ter desviado para o lado direito da faixa de rodagem, foi violentamente colidido frontalmente pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-.., objecto de contrato de seguro com a ré Companhia de Seguros GG, S.A. pelos danos emergentes da respectiva circulação (apólice nº 0000000000), o qual era conduzido pelo réu HH, e, seguidamente, foi colidido pelo veículo automóvel de matrícula ..-..-.., os quais circulavam no sentido Lisboa-Albufeira.
- Do acidente resultou a morte de um e ferimentos nos demais ocupantes do veículo de matrícula ..-..-.., assumindo a ré seguradora a responsabilidade civil por todos os danos causados pelo referido veículo de matrícula ..-..-...

Contestou o réu HH por excepção alegando que o quantitativo dos pedidos está dentro do limite do seguro de responsabilidade civil, e por impugnação.
Contestou igualmente a ré Companhia de Seguros Império GG, por impugnação, mas aceitando que o acidente se ficou a dever ao réu HH condutor do veículo automóvel por si segurado.
Replicaram os autores respondendo à excepção.
Foi proferido o despacho saneador, onde se rejeitou a ilegitimidade do réu HH, foi seleccionada a matéria de facto considerada assente e organizada a base instrutória.
Foi apresentado pelos autores articulado superveniente relativamente ao autor CC, onde foram alegados novos factos, de que este tomou conhecimento pelo relatório pericial que lhe diz respeito, sobre a sua incapacidade e evolução dos tratamentos, requerendo que esses factos fossem aditados à base instrutória, apresentando prova documental e indicando peritos.

Após ter sido proferido despacho liminar de admissão do articulado superveniente, veio a ser proferido novo despacho sobre o articulado superveniente, tendo sido decidido que os factos aí articulados fossem aditados à base instrutória.
Requerida pelos autores a comparência dos peritos à audiência de discussão e julgamento, foi indeferida tal diligência, com fundamento em só no articulado superveniente ter sido requerida essa comparecência e o requerido não se enquadrar na previsão do art.588º CPC.
Deste despacho recorreram de agravo os autores, mas a instância de recurso veio a ser julgada extinta na Relação de Évora por despacho do Relator, aquando da subida do agravo com a apelação que veio a ser interposta da sentença final.
Os autores desistiram do pedido formulado contra o réu HH, desistência que foi homologada por sentença.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento no âmbito da qual os autores requereram a ampliação do pedido por forma a que a ré fosse condenada a pagar as despesas médicas e medicamentosas que viessem a ser necessárias no decorrer do tempo pelo agravamento da situação do autor CC, o que o Mmo. Juiz deferiu após ouvir a parte contrária, tendo os respectivos factos sido incluídos na base instrutória.
Foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente, com base na culpa do (ex-réu) HH, condenando-se a ré ........ GG, S.A a pagar:
- Aos autores AA, BB, DD, FF e GG a quantias indemnizatórias de € 50.000,00 pela morte da JJ e de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais que a mesma sofreu; - A cada um dos autores AA e BB a quantia indemnizatória de € 20.000,00 pelos danos não patrimoniais que sofreram com o falecimento daquela;
- A cada um dos autores DD, FF e GG a quantia indemnizatória de € 10.000,00 pelos danos não patrimoniais que sofreram com o falecimento da mesma JJ;
- Ao autor A. CC a quantia indemnizatória de € 30.000,00 por danos não patrimoniais;
- Ao mesmo autor CC uma quantia indemnizatória a liquidar em execução de sentença pelos rendimentos que deixou de auferir da sua actividade profissional e as despesas com tratamentos futuros e material ortopédico que venham a ser necessários; - Ao autor AA as quantias indemnizatórias, de € 127.194,00 por danos emergentes, e o que se vier a apurar em liquidação;
- À autora DD a quantia indemnizatória a liquidar em execução de sentença pela perda de rendimentos profissionais;
- Ao autor BB a quantia indemnizatória a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais futuros;

- Havendo que deduzir, das quantias respeitantes aos autores AA e CC as que a ré já pagou a título de indemnização provisória.
- E condenou a Ré a pagar os juros de mora sobre as quantias fixadas, desde a citação e até ao integral pagamento.

Inconformada, recorreu de apelação a Ré Império GG, S.A., e, subordinadamente, recorreram os autores.
A apelação dos autores foi julgada improcedente, tendo o recurso da ré sido procedente parcialmente.
Inconformados vieram os autores e a ré interpor a respectiva revista, tendo apresentado as suas alegações onde formularam as respectivas conclusões.
Corridos os vistos legais, urge apreciar e decidir.
Como é sabido – arts. 684º , nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, a que pertencerão toda as disposições a citar sem indicação de origem -, o âmbito dos recursos é delimitado pelo teor das conclusões dos recorrentes.
O conhecimento das revistas irá fazer-se pela ordem da sua interposição, ou seja, iniciando-se pelo recurso dos autores e seguindo-se a revista da ré.
Mas antes de mais há que especificar a matéria de facto que as instâncias deram por provada e que é a seguinte:
1) No dia 5.9.1999, pelas 16,00 horas, o veículo automóvel de marca “Nissan”, modelo “Vanette” e de matrícula ..-..-.., conduzido pelo A.CC, circulava pela Estrada Nacional n°264, no sentido Albufeira-Lisboa;
2) Ao quilómetro 70,7 no Sítio dos Queimados, entre S. Marcos da Serra e S. Bartolomeu de Messines, o referido veículo ..-..-.. e o veículo automóvel de marca “Honda”, modelo “Civic”, de matrícula ..-..-.. colidiram frontalmente;
3) E seguidamente ocorreu também o embate com o veículo automóvel de marca “Peugeot” e de matrícula ..-..-..;
4) O veículo de matrícula ..-..-.. era conduzido pelo R.HH;
5) E o veículo de matrícula ..-..-.. era conduzido por II;
6) Os referidos veículos ..-..-.. e ..-..-.. circulavam no sentido Lisboa-Albufeira;
7) No local e na ocasião do acidente, decorriam em ambos os sentidos da referida Estrada Nacional nº264 grandes obras ao longo de 37 quilómetros da via;
8) Por contrato de seguro titulado pela apólice n° 0000000000 a Ré Companhia de Seguros GG, S.A. assumiu a responsabilidade civil emergente da circulação do veículo de matrícula ..-..-..;
9) A Ré Companhia de Seguros GG, S.A., assumiu em Outubro de 1999 e sem quaisquer reservas, a responsabilidade do seu segurado pela produção do sinistro pelo que desencadeou a abertura de processos clínicos para acompanhamento médico a todos os sinistrados ocupantes do veículo de matrícula ..-..-.., através da “Médis Acidentes”;
10) A Ré Companhia de Seguros GG, S.A. pagou em Abril de 2000 a FF, proprietário do veículo de matrícula ..-..-.., a quantia de 1.923.200$00 referente ao valor da perda total desse veículo e encargos com a viatura de substituição;
11) A Ré Companhia de Seguros GG, S.A. tem pago aos 1°, 2°, 3° e 4° A.A. despesas médicas e medicamentosas, despesas mensais com fisioterapia e despesas com deslocações;
12) JJ veio a falecer no dia 8.9.1999, pelas 6,45 horas, em consequência directa e exclusiva das graves lesões traumáticas torácicas e abdominais que lhe foram provocadas por este acidente de viação;
13) Por escritura de habilitação celebrada no dia 15.10.1999, no Cartório Notarial de Lisboa, os A.A.AA BB, DD, FF e GG foram habilitados como únicos herdeiros da referida JJ;
14) A A. DD nasceu no dia 28.1.1999 e é filha dos A.A. CC e DD;
15) O A. CC nasceu no dia 3.6.1966;
16) O A. AA nasceu no dia 13.1.1941 e era casado com a referida JJ à data do falecimento desta;
17) A A. DD nasceu no dia 9.6.1968 e é filha do A. AA e da referida JJ;
18) O A. BB nasceu no dia 27.7.1985 e é filho do A. AA e da referida JJ;
19) O veículo de matrícula ..-..-.. circulava à velocidade de 40 km/h;
20) O veículo de matrícula ..-..-.. circulava a velocidade superior a 100 km/h;
21) À sua frente a faixa de rodagem encontrava-se completamente ocupada por uma longa fila de trânsito, com mais de 5 quilómetros, que avançava em marcha muito lenta;
22) O R. HH iniciou uma ultrapassagem, ocupando, para o efeito, a hemi-faixa de rodagem esquerda, atento o seu sentido de marcha;
23) As obras da via estavam devidamente sinalizadas, encontrando-se no local fixado e sinalizado como limite de velocidade 50 km/h;
24) Ambas as hemi-faixas de rodagem encontravam-se separadas por traço contínuo;
25) A largura da hemi-faixa de rodagem direita atento o sentido em que circulava o veículo de matrícula ..-..-.. encontrava-se reduzida a 3,90 metros e a “berma” ocupada por uma faixa nova de alcatrão, não transitável;
26) Ao aperceber-se da rápida aproximação dos veículos de matrículas ..-..-.. e ..-..-.. o condutor do veículo de matrícula ..-..-.. ainda conseguiu desviar-se o máximo possível para a direita;
27) Mas não foi o suficiente para evitar o embate frontal, primeiramente pelo veículo de matrícula ..-..-.. que o fez capotar, e seguidamente ainda foi embatido pelo veículo de matrícula ..-..-..;
28) A Ré Companhia de Seguros GG, S.A. pagou a diversos estabelecimentos hospitalares (Hospital do Barlavento Algarvio, Hospital São Francisco Xavier, Hospital Egas Moniz, Hospital de Sant’Ana) as despesas com o internamento e sucessivas intervenções cirúrgicas relativas aos diversos sinistrados;
29) No veículo de matrícula ..-..-.. seguiam os A.A. CC e AA, à frente e à direita do condutor;
30) E no assento de trás a referida JJ e os A.A. DD e BB;
31) Ao colo da referida JJ viajava a A. DD;
32) Os ocupantes do veículo de matrícula ..-..-.. tiveram que ser desencarcerados daquela, operação que demorou cerca de 40 minutos;
33) Com excepção da A. EE e da referida JJ que foram projectadas para fora da viatura;
34) Os ocupantes do veículo de matrícula ..-..-.. foram transportados para o Hospital do Barlavento Algarvio;
35) De onde a referida JJ, ainda no próprio dia 6, foi transportada, dada a gravidade do seu estado, através de helicóptero da Força Aérea Portuguesa, para o Hospital de S. Francisco Xavier;
36) Onde, contudo, o helicóptero não pode aterrar por falta de iluminação da pista, acabando por aterrar no aeroporto de Lisboa, sendo depois aquela sinistrada transportada de ambulância para o Hospital S. Francisco Xavier;
37) A referida JJ, ao longo dos 3 dias que antecederam a sua morte, recebeu diversas transfusões de sangue, padeceu intensas dores, angústia e sofrimento, determinados, quer pelas graves físicas lesões de que padecia, quer pela ansiedade em que se encontrava por desconhecer o estado dos restantes sinistrados, nomeadamente, do seu marido, da filha e do filho menor e da neta;
38) Antecipou e pressentiu a aproximação da própria morte que a gravidade das lesões sofridas permitiu antever, o que lhe intensificou a profundidade e a intensidade do sofrimento físico e psicológico que caracterizou os seus últimos dias de vida;
39) Todos os filhos de JJ sofreram intensamente com o padecimento da própria mãe, sofrimento este que se agravou com a sua morte;
40) Todos mantinham com a mãe laços profundos e intensos de afecto, carinho e grande amizade, um convívio permanente e uma relação de grande proximidade;
41) A referida JJ era uma pessoa alegre, saudável, bem disposta, dedicada e carinhosa, determinada e voluntariosa, respeitada e considerada, que vivia com intensidade para toda a sua família – marido e filhos – empenhando-se total e permanentemente no acompanhamento destes, apoiando-se permanente e diariamente;
42) Atitude que mantinha mesmo relativamente aos filhos já maiores e com vida pessoal e familiar organizada, a quem auxiliava diariamente, nomeadamente, tomando conta dos netos, preparando e organizando reuniões familiares semanais;
43) O A. AA já era, à data do acidente, reformado por invalidez absoluta;
44) Dependia total e exclusivamente da sua mulher, a referida JJ que lhe prestava diariamente todo o apoio e assistência de que ele carecia, organizando a vida doméstica, preparando e confeccionando refeições, ocupando-se das compras, limpeza da casa e tratamento das roupas;
45) Prestando ao seu marido todo o apoio, afecto e auxílio de que o mesmo carecia, acompanhando-o constantemente para todo o lado, uma vez que eram um casal inseparável;
46) Privado da sua esposa, continua e continuará com intenso sofrimento, proporcional ao profundo grau de ligação e dependência de ambos;
47) O A. BB dependia totalmente da respectiva mãe que lhe prestava diariamente apoio e acompanhamento, tratando da sua roupa, preparando-lhe as refeições, mas também lhe prestando todo o acompanhamento a nível escolar, auxiliando-o e assistindo-o nos estudos, trabalhos e diversas actividades escolares;
48) Em consequência do referido acidente o A. CC sofreu:
a) Fractura cominutiva do terço médio da diáfise do fémur esquerdo;
b) Fractura cominutiva do terço médio inferior da diáfise dos ossos da perna esquerda com extensão intra articular;
c) Fractura incompleta do escafóide társico e do cubóide à esquerda;
d) Fractura do maleo-tibial direito complicada de zona de contusão cutânea suprajacente;
49) Ainda no dia do sinistro, o A.CC foi submetido a intervenção cirúrgica com vista à osteotáxis da tíbia com “ortofix” e encavilhamento do peróneo homolateral;
50) Posteriormente, ainda no Hospital do Barlavento Algarvio, nos dias 13.9.1999 e 20.9.1999, foi submetido a novas intervenções cirúrgicas;
51) Só no dia 21.9.99, e após lhe ter sido retirada a tala gessada instalada na perna direita, iniciou a reabilitação funcional do tornozelo, efectuando diariamente e para o efeito, a adequada fisioterapia;
52) No dia 27.9.1999 o A. CC foi transferido para o Hospital S. Francisco Xavier e daí, no dia 30.9.1999, foi transferido para o Hospital Egas Moniz, em Lisboa, onde lhe foi dada alta hospitalar para posterior reinternamento;
53) Vindo a ser neste último hospital, submetido a novas intervenções cirúrgicas nos dias 13.10.1999 e 14.5.2000;
54) As intervenções cirúrgicas a que o A. CC foi sujeito são, em regra, demoradas e todas carecem de anestesia geral, o que necessariamente o debilita;
55) Foram fortíssimas e constantes as dores físicas de que, ininterruptamente e desde a data do acidente, o A. CC vem padecendo;
56) Pelo menos nos 10 meses seguintes ao acidente o A. CC permaneceu imobilizado e acamado;
57) Tendo sofrido complicações várias, nomeadamente diversas infecções;
58) O A. CC continuou a ser acompanhado em consulta externa de ortopedia do referido Hospital Egas Moniz até Agosto de 2006 e a fazer diariamente fisioterapia que lhe é prestada no domicílio até ao ano de 2006, que continua a mostrar-se necessária;
59) Durante os primeiros 5 meses, para além de acamado, esteve sem possibilidade de se deslocar pelos seus próprios meios, nem mesmo com o auxílio de canadianas;
60) Em face da situação em que se encontrava e que se manteve, pelo menos, durante os 3 anos seguintes ao acidente, careceu permanentemente do auxílio de outras pessoas, mesmo para realizar a sua higiene pessoal, vestir-se e alimentar-se;
61) Anteriormente ao acidente, o A. CC era uma pessoa activa e empreendedora, na área da construção civil, gozando de boa saúde mental e física;
62) Por força do seu estado encontra-se com grave depressão nervosa que carece de acompanhamento psiquiátrico e medicação adequada;
63) E abandonou toda e qualquer actividade lúdica e de convívio social;
64) Pelo seu corpo e nomeadamente, relativamente a ambas as pernas, ficarão para toda a vida cicatrizes múltiplas, o que lhe causa desgosto e constrangimento;
65) Antes do acidente o A. CC era uma pessoa alegre e bem disposta, o que actualmente não se verifica;
66) As dores e padecimentos prolongar-se-ão por tempo que não é presentemente possível prever;
67) O A. CC exercia, à data do acidente, como empresário em nome individual, actividade na área de construção civil;
68) Em consequência do acidente ficou impossibilitado de acompanhar e concluir atempadamente os contratos de empreitada que tinha celebrado e se encontravam em curso;
69) O A. CC em consequência do acidente deixou de celebrar contratos de empreitada já antes negociados;
70) O A. CC encontrava-se em face de expansão da sua actividade;
71) Antes do acidente era o A. CC que provinha ao integral sustento do seu agregado familiar composto pela sua companheira DD e da filha menor, a A.DD, suportando todos os encargos inerentes à sua habitação, alimentação e vestuário, proporcionando-lhes um bom nível de vida;
72) O A. CC, impossibilitado de desenvolver qualquer actividade profissional, vem perdendo e continuará a perder a capacidade financeira que possuía;
73) O A. CC vendeu a casa que possuía;
74) O A. CC vendeu a viatura que possuía;
75) Após o acidente o A. CC teve necessidade de obter disponibilidade financeira para fazer face aos seus compromissos, e daí as vendas referidas nas alíneas 73) e 74);
76) O A. CC tinha ainda pagamentos em dívida relativamente a assalariados seus e fornecedores;
77) A A. DD em consequência do acidente sofreu fractura de 4 costelas e hematoma organizado na perna esquerda;
78) Tendo ficado muito afectada psicologicamente, em virtude, quer da morte da respectiva mãe, quer por força das lesões sofridas pela filha, a A. EE, quer ainda pelas graves lesões sofridas pelo seu companheiro;
79) A A. DD projectava desenvolver actividade como vendedora imobiliária após o seu regresso de férias, em Setembro de 1999;
80) O que se tomou inviável, quer em face das próprias lesões sofridas, quer por força de todo o circunstancialismo emergente do acidente, designadamente a situação critica em que ficou o seu companheiro, o A. CC, a própria filha, o respectivo pai e irmão e a necessidade premente de prestar apoio e assistência a todos eles;
81) Teve alta no dia 8.5.2000;
82) A A. DD necessitou de acompanhamento psicológico, pelo menos, no ano seguinte ao acidente;
83) Em consequência das lesões sofridas, a A. DD sofreu dores a nível torácico e na perna esquerda;
84) A A. DD em consequência das lesões sofridas no acidente ficou com uma área ligeiramente hiperpigmentada no terço médio da face anterior da perna esquerda, com contornos irregulares e eixo maior vertical com 5,5 cm x 1,5 cm de largura máxima, onde existem duas cicatrizes vestigiais, verticais, com 1 cm e 0,8 cm, o que lhe causa desgosto e constrangimento;
85) A A. DD continua desempregada e sem condições para retomar a sua actividade profissional, por força da necessidade de prestar diária e permanentemente a assistência e apoio de que carece o seu companheiro, o A. CC;
86) À A. DD fora apresentada proposta de trabalho como vendedora imobiliária, sendo-lhe oferecido um vencimento na ordem dos € 500,00 mensais, a que acresceriam, eventualmente, comissões de venda;
87) Em consequência do acidente o A. AA sofreu:
a) Fractura do esterno com sequelas a nível pulmonar;
b) Fractura de duas costelas;
88) Inicialmente internado no Hospital do Barlavento Algarvio, foi transferido no dia 6.9.1999 para o Hospital S. Francisco Xavier, de onde foi transferido para o Hospital de Sant’Ana, na Parede;
89) Teve o braço esquerdo engessado durante mais de 1 mês;
90) Todas as descritas lesões, em particular as inerentes ao esterno e costelas partidas, causaram-lhe e continuam a causar intensas e permanentes dores e padecimentos;
91) As dores sentidas pelo A. AA agravam-se com as mudanças climatéricas;
92) O A. AA à data do acidente encontrava-se já reformado por invalidez absoluta e dependia absolutamente da sua mulher, a referida JJ que não exercia qualquer actividade profissional para lhe prestar permanentemente toda a assistência de que este carecia, assegurando toda a actividade doméstica normal, preparando refeições, tratando da casa, e sobretudo, prestando todo o apoio psicológico de que este também carecia;
93) O A. AA ficou e continua profundamente abalado com todas as sequelas resultantes do acidente, em particular por força do falecimento e da perda da sua mulher, mas também pelas lesões sofridas pela filha, o companheiro desta, a neta e pelo próprio filho, o A. BB;
94) O que determinou que se encontre com grave depressão nervosa de prolongado tratamento;
95) Já antes do acidente, e no âmbito do processo clínico que culminou com a sua reforma por invalidez absoluta, tivera acompanhamento desta natureza, mas todas as circunstâncias e sequelas do acidente agravaram o seu estado psíquico;
96) Pelo menos nos primeiros 2 anos após o acidente o acompanhamento psicológico representa um encargo mensal na ordem de 100.000$00;
97) Na sequência do acidente e a fim de ser possível a prestação de assistência e apoio a todos os doentes, o A. AA reuniu-os na sua própria residência;
98) Para o que se tomou necessário a contratação inicial de 2 empregadas domésticas, para prestarem serviço diário, a tempo inteiro, com vista a assegurar, não só as normais tarefas domésticas, tratamento de roupas, compra de alimentos, confecção de refeições, mas também para conseguir assegurar o apoio e assistência de que todos os familiares sinistrados careciam;
99) Para satisfazer as necessidades de apoio do seu agregado familiar, o A. AA carece de assistência de terceira pessoa;
100) Os custos actuais com a empregada doméstica contratada ascendem a 150.000$00 por mês;
101) Encargo este que se prolongará, pelo menos e necessariamente, até que este o A. BB conclua os seus estudos;
102) Quanto ao A. BB, sofreu este em consequência do acidente:
a) Fractura dos ossos da perna direita complicada de ferida;
b) Fractura diafisária do fémur esquerdo;
c) Fractura da base do I metacarpo da mão esquerda;
103) Tendo dado entrada, após o sinistro, no Hospital do Barlavento Algarvio, foi primeiramente transferido para o Hospital de S. Francisco Xavier e posteriormente transferido para o Hospital de Sant’Ana;
104) O A. BB foi submetido a intervenção cirúrgica no dia 10.9.1999, no Hospital de Sant’Ana, para encavilhamento do fémur esquerdo e osteotáxis da tíbia direita;
105) Tendo tido alta hospitalar no dia 24.9.1999, passando a ser seguido, desde então, em ambulatório na consulta externa de ortopedia e fisiatria deste Hospital;
106) Desde Outubro de 1999 e pelo menos durante 6 meses após o acidente, o A. BB continuou a efectuar diariamente fisioterapia;
107) No dia 17.2.2000 foi-lhe retirado o aparelho “ortofix”;
108) Tendo até então se deslocado apenas com o auxílio de canadianas, o que só deixou de acontecer no dia 16.3.2000;
109) Não pode efectuar um apoio consistente sobre a perna esquerda, onde se encontra instalada a cavilha, coxeando ostensivamente ao caminhar;
110) Ocorreu uma deficiente consolidação da fractura do polegar da mão esquerda, originando uma saliência óssea persistente e ostensiva, que provavelmente assim persistirá para o resto da vida e lhe determina limitações diversas relativamente à mão esquerda;
111) A remoção do material instalado na perna esquerda (cavilha AO) só ocorreu em Dezembro de 2000;
112) À data do acidente o A. BB encontrava-se matriculado na Escola Secundária de Linda-a-Velha e ia iniciar a frequência do 9°ano de escolaridade;
113) Após o acidente e em consequência das lesões que sofreu permaneceu acamado e imobilizado os primeiros 2 meses;
114) O que o impediu de acompanhar o início do ano lectivo, perdendo completamente os primeiros meses de aulas e o acompanhamento das diversas disciplinas;
115) Só nos finais de Dezembro o A. BB começou a frequentar a Escola, mas sem conseguir cumprir o horário escolar diário completo, por força da necessidade de realizar, também diariamente fisioterapia, com horário coincidente;
116) Carecendo, para o efeito, que o pai, o A. AA, lhe assegurasse diariamente o necessário transporte, para a Escola e de regresso a casa;
117) O A. BB ficou profundamente afectado, não só em consequência da perda da respectiva mãe, mas também por força do traumatismo próprio do acidente, das próprias lesões sofridas e do inerente sofrimento, gravado pelo simultâneo sofrimento dos demais familiares, pai, irmã e cunhado;
118) O que determinou a necessidade de imediato apoio psicológico;
119) Tal perda fê-lo adoptar uma atitude de permanente isolamento, quer do mundo exterior, quer relativamente aos familiares mais próximos, tomando-se um adolescente silencioso, triste, reservado e deprimido;
120) Continua a recusar-se a falar sobre qualquer assunto relacionado com o acidente;
121) O A. BB continua a ter dores em ambas as pernas;
122) O A. BB apresenta lesões cicatriciais em ambas as pernas e no braço e mão esquerdos, que não desaparecerão;
123) O A. BB tem sequelas físicas que o acompanharão para toda a vida e lhe causam e causarão desgosto e constrangimento;
124) A A. DD em consequência do acidente sofreu traumatismo craneano, com perda de conhecimento e ferida na região frontal que determinou que levasse 8 pontos;
125) Em consequência do que apresenta uma cicatriz, já vestigial, ao nível do crâneo;
126) O seguro referido na alínea 8) supra cobre a responsabilidade até ao montante de 500.000.000$00, equivalente a € 2.493.989,49;
127) Em consequência do sinistro dos autos e por força das lesões sofridas, o A. CC não poderá voltar a desempenhar a profissão que habitualmente exercia à data do acidente, sendo absoluta e permanente a sua incapacidade para o trabalho habitual;
128) Em consequência do sinistro dos autos e por força das lesões sofridas, o A. CC não poderá voltar a desempenhar qualquer outra profissão, sendo absoluta e permanente a sua incapacidade para todo e qualquer trabalho;
129) Em consequência do acidente, o A. CC manteve-se com incapacidade geral temporária absoluta nos períodos de 5.9.1999 a 20.6.2000, de 26.4.2001 a 31. 5.2001, de 3.1.2002 a 28.2.2002, de 20.6.2002 a 31.7.2002 e de 28.7.2005 a 3.8.2005, mantendo-se com incapacidade geral temporária parcial de 70% no restante período de incapacidade, fixando-se a data de consolidação em 4.8.2006;
130) Em consequência do sinistro e por força das lesões sofridas, o A. CC foi sujeito a 10 intervenções cirúrgicas em consequência do acidente e, em Agosto de 2006, mostravam-se consolidadas as lesões, não estando previstas novas intervenções cirúrgicas;
131) O A. CC é actualmente portador de sequelas anátomo-funcionais que lhe conferem uma incapacidade parcial permanente geral de 55%, sendo a mesma incompatível com a actividade profissional que exercia antes do acidente, bem como com todas as actividades no âmbito da sua preparação técnica;
132) Em consequência do sinistro dos autos e por força das lesões sofridas, do tempo de incapacidade, períodos de internamento hospitalar, múltiplas intervenções cirúrgicas e terapias a que vem sendo e continuará a ser submetido, deve o “quantum doloris” sofrido pelo A. CC qualificar-se como “importante”, no âmbito da escala de sete graus: “1- Muito ligeiro; 2- Ligeiro; 3- Moderado; 4- Médio; 5- Considerável; 6- Importante; 7- Muito importante;
133) Relativamente ao A. CC, as sequelas resultantes do acidente de viação, a nível do membro inferior esquerdo, irão seguramente sofrer um agravamento da sua situação actual, agravamento este habitual e previsível com o decorrer do tempo, carecendo periódica e ciclicamente o sinistrado de efectuar tratamentos de fisioterapia e o recurso a analgésicos, pelo menos nos períodos de agudização, necessitando também utilizar para sempre canadianas como auxiliar de marcha, bota ortopédica e meia elástica, devendo todo este material ser substituído periodicamente sempre que se tomar necessário.

I. Revista dos autores:
Estes nas suas alegações formulam conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se deduz que os mesmos para conhecer neste recurso levantam as seguintes questões:
a) O douto acórdão recorrido é nulo por haver omitido as conclusões 16ª a 20ª (num total de 26) das suas alegações do recurso de apelação e consequentemente provocou a omissão do conhecimento das questões nelas levantadas ?
b) O mesmo acórdão contém contradição insanável entre o decidido relativamente à conclusão vertida na alínea h) das alegações da ré seguradora na apelação e o decidido relativamente à conclusão 21ª da apelação dos autores ?
c) O acórdão recorrido é igualmente nulo por haver omitido a pronúncia relativamente à fixação de juros sobre todas as quantias, designadamente sobre as a liquidar em execução de sentença ?
d) E ainda por haver omitido a pronúncia sobre a suscitada reapreciação da prova, inerente alteração das respostas dadas à matéria de facto e consequente reforma da decisão da 1ª instância ?
e) E também por haver omitido a quantificação dos valores indemnizatórios devidos aos sinistrados CC, DD e BB ?
f) Devem ser fixados juros de mora desde a citação relativamente às indemnizações a liquidar posteriormente ?
g) Devem ser ressarcidos os danos patrimoniais e não patrimoniais futuros relativamente à autora DD peticionados nesta acção a liquidar futuramente ?

A recorrida não contra-alegou.
Por seu lado, posteriormente, a Relação de Évora proferiu acórdão ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 668º, no qual apreciou as arguidas nulidades, suprindo umas e rejeitando outras.
Vejamos então as questões acima elencadas como objecto deste recurso.

a) Nesta primeira questão defendem os recorrentes a nulidade do acórdão recorrido por haver omitido a especificação de algumas das conclusões das suas alegações da apelação e haver omitido a apreciação das questões nelas expressas.
A Relação ao conhecer desta nulidade reparou-a no sentido de transcrever as mesmas conclusões – cfr. fls. 1556 e 1557 -, mas nada diz directamente sobre as questões nelas colocadas, talvez por as mesmas estarem alegadas em outras conclusões que foram objecto de apreciação.
Sempre diremos que a simples omissão de transcrição de parte das conclusões dos apelantes não integra qualquer nulidade processual, nomeadamente a prevista na al. d) do nº 1 do art. 668º, pois nesta se prevê a omissão de pronúncia sobre questões de que a sentença devesse conhecer. Estas questões são as previstas no artigo 660º, nº 2, ou seja, as que as partes submetam à sua apreciação e a simples omissão de transcrição daquelas conclusões não preenche tal conceito.
O que pode preencher este conceito é a omissão de apreciação das questões que as mesmas conclusões contenham como objecto do recurso.
Ora naquelas conclusões omitidas levantam-se várias questões.
Em primeiro lugar na conclusão 0-1 fala-se na quantificação dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes para o autor CC da incapacidade para o trabalho absoluta e permanente de que ficou a padecer, questão esta que a conclusão anterior – o) - já tratara.
Ora esta questão foi tratada com desenvoltura a fls. 1420 e seguinte do acórdão recorrido.
Nas conclusões o-2 e o-3 os recorrentes tratam aparentemente da pretensão de, relativamente aos danos pedidos pelo autor AA, alterar a decisão dada aos quesito 9º, 91 e 93º da base instrutória, satisfazendo o pedido deduzido a esse título na íntegra, com base nos documentos constantes dos autos, nomeadamente do Relatório do Instituto de Medicina Legal, da cópia dos recibos juntos com a petição inicial, tudo conjugado com o depoimento da testemunha KK, constante do registo digital de 01.00 a 01.39.
No acórdão de apreciação das nulidades arguidas nas alegações da revista, proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, a fls. 1554 e segs., concluiu-se que aquela pretensão não integrava um pedido de alteração da decisão da matéria de facto, dado que os mencionados artigos 90º, 91º e 93º da base instrutória foram dados por provados – não pretendendo os recorrentes resposta total ou parcialmente não provada -, mas sim uma pretensão de quantificação desses danos, ou seja, de diversa interpretação dos mesmos e da respectiva aplicação àqueles do direito.
E é efectivamente certo que ali não foi formulado qualquer pedido de alteração de decisão da matéria de facto e, por isso, não ocorreu a tal omissão de pronúncia.
Na conclusão o-4 os recorrentes referem que devem ser reapreciadas as respostas dadas aos quesitos 70 a 72, 78º e 79, no sentido de serem quantificadas as indemnizações referentes à autora DD.
Também aqui, tal como o acórdão de fls. 1554 referiu, se não trata de pedido de alteração da decisão da matéria de facto – pois esses quesitos foram dados por provados em grande parte e nomeadamente o quesito 78 foi integralmente dado por provado, e não se mostra que os recorrentes pretendam respostas menos positivas - mas trata-se neste aspecto de uma pretensão de uma diversa valoração ou interpretação daquelas respostas para permitir a quantificação da indemnização pretendida.
Esta questão, como tal, fora omitida no acórdão em recurso, mas tal nulidade foi sanada a fls. 1560 a 1562 conhecendo-se de tal pretensão no sentido da sua rejeição, de forma que nos não merece qualquer reparo.
Na conclusão o-5 os recorrentes alegam a omissão da pretensão de ver quantificada a indemnização devida ao autor BB por danos patrimoniais futuros.
Esta pretensão foi apreciada no acórdão recorrido a fls. 1421, com remissão para fls. 1416 e 1417, no sentido de que se não provaram os danos patrimoniais futuros deste autor pelo que nada havia a condenar, mesmo em montante a liquidar futuramente, tendo o acórdão de fls. 1554 rectificado um lapso de escrita que continha o acórdão ao ter omitido a palavra “não” referente a não se justificar a condenação em causa.
Desta forma não foi omitida a apreciação de qualquer questão levantada nas conclusões dos apelantes, ou tendo havido uma omissão, ela foi já suprida, pelo se encontra sanada, não havendo nulidade subsistente, improcedendo, assim, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão pretendem os recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por conter uma contradição entre o decidido relativamente à conclusão h) das alegações da ré na sua apelação e o decidido relativamente à conclusão 21ª da apelação dos autores.
Esta questão foi já apreciadas no acórdão de fls. 1554 de forma a não deixar dúvidas, dado que havia uma aparente contradição resultante do lapso de escrita já acima aflorado. E tal decisão é de tal forma clara que nos limitamos a transcrevê-la:
“ Invocam os autores recorrentes a nulidade do acórdão resultante da contradição insanável entre o que foi decidido relativamente à conclusão h) das alegações de recurso da ré e o que foi decidido relativamente á conclusão 21ª (al. p) no acórdão).
Está in casu em causa a condenação da ré, na sentença recorrida, no pagamento ao autor BB de quantia indemnizatória a liquidar em execução de sentença pelos danos patrimoniais futuros.
Conforme se alcança do acórdão (e das conclusões relativas a ambas as apelações), enquanto que a ré (conclusão h) pugnava por não dever sequer haver lugar a essa condenação, mesmo com remissão para liquidação de sentença, os autores (conclusões p) e 0-5) pugnavam para que fosse quantificada essa indemnização (sem necessidade de liquidação de sentença).
No acórdão recorrido, conheceu-se primeiramente da questão suscitada pela ré, concedendo-se provimento nessa parte à apelação da ré, considerando-se não haver efectivamente lugar a essa condenação (vide fls. 1417).
Por sua vez, no que respeita à apreciação da questão suscitada pelos autores (vide fls. 1421), esta Relação considerou que a questão já havia sido apreciada (estando assim prejudicado o seu conhecimento).
Todavia, por manifesto lapso acabou por ali se consignar que “esta questão já foi apreciada no sentido de ser justificada a condenação mesmo em quantia a liquidar”.
Trata-se de evidente lapso na medida em que o que se quis consignar foi, logicamente, que “esta questão já foi apreciada no sentido de não ser justificada a condenação mesmo em quantia a liquidar”.
Ademais, foi precisamente nesse sentido que, procedendo (apenas) nessa parte a apelação da ré, se revogou a sentença recorrida na parte em que condenou a ré a pagar ao autor BB indemnização relativa aos danos patrimoniais futuros (vide fls. 1422 – al. b) da parte decisória.
Inexiste assim a apontada contradição, havendo tão-somente, a nosso ver, evidente lapso de escrita que importa corrigir.”
Soçobra, desta forma, mais este fundamento do recurso.

c) Nesta terceira questão defendem os recorrentes que o acórdão recorrido é nulo por haver omitido a decisão de serem devidos juros de mora relativamente a todas as quantias atribuídas mesmo as que forem a liquidar posteriormente.
Tal como reconheceu o acórdão de fls. 1554, esta nulidade foi cometida, por o acórdão recorrido não haver apreciado essa questão que fora levantada pelos autores recorrentes na apelação nas suas conclusões 1ª a 8ª.
Porém, essa nulidade foi suprida no citado acórdão a fls. 1559, conhecendo-se da mesma pretensão no sentido da sua rejeição, pelo que ficou sanada essa nulidade prevista no citado art. 668º, nº 1 al. d), primeira parte.

d) Nesta quarta questão defendem os recorrentes que o citado acórdão ainda é nulo por haver omitido a pronúncia sobre a suscitada reapreciação da prova, inerente alteração das respostas dadas à matéria de facto e consequente reforma da decisão da 1ª instância.
Ora analisando as conclusões constantes das alegações dos autores apresentadas na apelação vemos que aqueles pedem a alteração da decisão dada aos quesitos 52, 53, 54, 55, 59, 60, 61, 62 a 64, 66 e 67, na conclusão 14ª.
Além disso nas conclusões 17ª a 18ª parece haver os autores pretendido a alteração às respostas dadas aos quesitos 90º, 91 e 93, como já acima referimos e concluímos no sentido de que não foi efectivamente formulado tal pretensão, mas sim uma pretensão de diversa valoração daquelas respostas e diversa aplicação do direito.
E também na conclusão 19ª parecem aqueles recorrentes pretender a alteração das respostas dadas aos quesitos 70º a 72 , 78 e 79, mas também já vimos acima que tal pretensão apenas se refere a uma alteração do direito aplicado.
Em relação ao primeiro grupo de respostas a alterar o acórdão recorrido, a fls. 1420 apreciou tal pretensão concluindo que se não verificam os pressupostos legais exigidos no art. 690º-A para a referida reapreciação.
E não temos qualquer crítica a fazer a esta decisão.
Com efeito, do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 de 25/02 – diploma que veio consagrar e regulamentar o registo das audiências e da prova nelas produzida – pode ler-se ” a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
E acrescenta a seguir “ não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido”.
Tal como concluiu magistralmente o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 18-11-2008, no processo 08A3406:
“Assim, depois de referir pretender consagrar «um efectivo segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto», que não deveria redundar na criação de factor de agravamento da morosidade da justiça, donde a necessidade de adoptar um sistema que tendente a garantir, o melhor possível, o equilíbrio entre as garantias das partes e a celeridade do processo, o legislador verteu na exposição de motivos os transcritos parágrafos, aos quais fez seguir outros, em que escreveu:
«A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação.
Esse especial ónus de alegação (…) assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que (…) possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito em julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.
Daí que se estabeleça, no art. 690º-A, que o recorrente deve, sob pena de rejeição do recurso, para além de determinar com toda a precisão os concretos pontos da decisão que pretende questionar, motivar o seu recurso através da transcrição das passagens da gravação que reproduzem os meios de prova que, no seu entendimento, impunham decisão diversa sobre a matéria de facto».
Ora, da leitura e interpretação do contido no desenvolvimento dos seis parágrafos que o legislador dedicou à justificação do regime acolhido no então introduzido art. 690º-A, crê-se que a ideia central a reter é que a lei, como expressamente está afirmado no preâmbulo sob apreciação, quis vedar completamente a impugnação “de forma genérica e global” da decisão de facto, pedindo, “pura e simplesmente a reapreciação de toda a prova produzida”, manifestando “genérica discordância” com a decisão da 1ª instância.
No mais, satisfeitos os ónus cuja satisfação prevê, o art. 690º-A não estabelece limites.
Esses ónus não correspondem a mais que a exigências de fundamentação do recurso em termos de obtenção do falado equilíbrio possível entre a celeridade possível e as garantias das partes e que a lei pretendeu alcançar através de um apertado controlo do conteúdo da alegação, impondo a especificação dos concretos pontos de facto, dos concretos meios probatórios e sua indicação concretizada na referência da acta.
Com efeito, bem denuncia o regime adoptado pretender assegurar às partes o direito a um segundo grau de jurisdição quanto à matéria de facto, mediante a respectiva reapreciação pela Relação, mas sempre condicionado a uma impugnação séria e, para tanto, sujeita à alegação e discriminação das aludidas especificações.
Assim, é perfeitamente natural e razoável que para efeito de correcção de erros “pontuais” e “concretos” se exija a indicação dos concretos pontos erradamente julgados, como se explica no relatório preambular, por contraposição à confessada impossibilidade de reapreciação genérica, global mediante pedido puro e simples, ou seja, desprovido de especificação concretização.
Com a opção por tal fórmula, não parece que o legislador tivesse querido fixar limitações quantitativas ao âmbito de impugnação, seja quanto ao número de factos, seja quanto ao número ou proveniência de indicação das testemunhas cujos depoimentos são invocados. O que quis seguramente, isso sim, como declara, foi proibir a impugnação genérica da decisão de facto, mediante simples manifestação de discordância, impondo um específico ónus de impugnação.”
Aplicando estes ensinamentos e de acordo com o disposto no art. 690º-A nº 1, tinham os recorrentes de além de especificar os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente decididos, indicar os concretos meios de prova constantes dos autos ou do registo de prova neles realizado, que imponham decisão diversa sobre a matéria de facto impugnada.
Assim, tinham os recorrentes de indicar os concretos meios de prova que para cada um dos factos pretensamente mal decidido entendia deverem ser reapreciados.
Porém, os recorrentes nas alegações da apelação apenas indicaram os quesitos pretensamente mal decididos – conclusão 14ª – e anteriormente – conclusões 12ª e 13ª - e apontam os “diversos meios de prova produzidos”, “todos os meios de prova documental constantes dos autos” relativamente a este autor – CC – e a seguir apontam como exemplo, a cópia dos contratos juntos com a petição inicial e na sessão de julgamento de 9-03-2006, declarações fiscais relativas aos anos de 1998 e 1999, relatório pericial do IML de 00-00-00, tudo conjugado com a prova testemunhal, nomeadamente das testemunhas LL – registo digital de 00.00 a 40.08m e MM – registo digital de 40.09 a 59.39.
Porém tal como concluiu o douto acórdão recorrido, não foi indicado circunstanciadamente os concretos meios de prova que imponham decisão diversa, indicação essa que naturalmente se tem de fazer individualmente para cada um dos pontos da matéria de facto impugnada.
Por isso, nos teremos do art. 690º-A, nº 1, se tinha de rejeitar a pretendida alteração da decisão da matéria de facto.
Defendem os recorrentes que devia ter-lhes sido dirigido convite para o aperfeiçoamento das alegações, no sentido de precisar ou fornecer as especificações em falta.
Não desconhecemos que tem havido neste Supremo Tribunal de Justiça opiniões divergentes sobre esta matéria, mas, por nós Relator, sempre entendemos que tal convite se não adequa ao espírito da lei que enquanto no art. 690º nº 4 previu um convite à formulação ou aperfeiçoamento das conclusões das alegações de recurso, no art. 690º-A, nº 1 falou em ter o recorrente de fazer as aludidas especificações “ sob pena de rejeição “.E a razão de ser da introdução do duplo grau de jurisdição da matéria de facto acima explanada, vai de encontro ao entendimento que adoptamos.
Assim, não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento no caso em apreço, antes se justifica a rejeição da reapreciação da decisão da matéria de facto de imediato, tal como é jurisprudência maioritária, segundo pensamos deste Supremo Tribunal de Justiça, citando como exemplos os acórdãos de 12-10-2004, no agravo nº 2774/04; de 9-06-2005, no agravo nº 2426/04 e de 12-07-2005 no agravo nº 1803/05.
Soçobra, desta forma, mais este fundamento do recurso.

e) Nesta quinta questão defendem os recorrentes que o acórdão recorrido ainda é nulo por haver omitido a quantificação dos valores indemnizatórios devidos aos autores CC, DD e BB.
Tal como lembrou o acórdão de fls. 1554. a questão levantada nas alegações da apelação pelos autores no tocante à quantificação da indemnização devida ao autor CC foi apreciada no acórdão recorrido, a fls. 1419, pelo que se não omitiu o conhecimento de tal questão.
De igual modo a pretensão de quantificar a indemnização devida ao autor BB também foi conhecida no acórdão recorrido a fls. 1416 e 1417 no sentido de que não tem fundamento a pretensão de atribuição àquele de uma indemnização, pelo que obviamente se não pode quantificar aquela.
Finalmente, a pretensão de quantificar a indemnização devida à autora DD que fora levantada nas conclusões das alegações da apelação dos autores não foi apreciada no acórdão recorrido, tal como reconheceu o acórdão de fls. 1554.
E neste acórdão foi suprida tal nulidade, sendo apreciada tal pretensão no sentido da sua rejeição, o que nos não merece qualquer crítica, dado que a matéria de facto apurada para a quantificação dessa indemnização que diz respeito a danos futuros ainda não determináveis e, por isso, carece de ser liquidada posteriormente.
Naufraga, assim, mais este fundamento do recurso.

f) Nesta sexta questão defendem os recorrentes que devem ser fixados juros de mora desde a citação relativamente às indemnizações atribuídas como carecendo de liquidação posterior.
Esta questão é mais melindrosa e requer uma apreciação mais demorada.
Os juros de mora constituem a sanção pela mora do devedor – art. 804º e 806º do Cód. Civil.
O art. 805º, nº 3 do Cód.. Civil estipula que se o crédito for ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, salvo se a falta de liquidez for imputável ao devedor.
A este dispositivo legal constante da forma original deste artigo, veio o Decreto-Lei nº 262/83 de 16/6 acrescentar a expressão ”tratando-se, porém, de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número.
Esta alteração, tal como se pode ler do preâmbulo do referido Decreto-Lei nº 262/83 visou combater os efeitos desequilibradores da inflação nas relações jurídicas creditícias, nomeadamente na área ou domínio ora em questão.
Estando em causa a responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, quis-se resguardar o lesado daqueles efeitos e manter íntegra a indemnização a que tivessem direito, apesar da demora da liquidação numa época de desvalorização intensa do valor da moeda, evitando que o protelamento do pagamento viesse a aproveitar ao devedor e compensado, assim, a demora na liquidação.
Assim e à primeira vista e tal como vinha sendo decidido neste Supremo Tribunal, pareceria que a condenação em quantia ilíquida em caso de responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, não impedia que fossem atribuídos juros de mora desde a citação.
Porém, entretanto, foi proferido o acórdão uniformizador do STJ de 9-05-2002 que veio fazer uma interpretação restritiva daquele dispositivo, no sentido de que sempre que a indemnização pecuniária, por facto ilícito ou pelo risco, tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do nº 2 do art. 566º do Cód. Civil, a mesma vença juros de mora, por efeito do disposto nos arts. 805º, nº 3 e 806º do mesmo diploma, a partir da decisão actualizadora e não a partir da citação.
Ora o espírito deste acórdão leva-nos a fazer igual interpretação restritiva do citado nº 3 do art. 805º.
É que aquando da liquidação da indemnização ilíquida se haverá de tomar em conta que os montantes liquidados devem vencer juros desde a citação na acção declarativa, salvo se esses montantes forem actualizados.
Por isso, sem embargo de reconhecer que tais indemnizações podem, hipoteticamente, vir a vencer juros desde a citação para a acção declarativa, não podem aqui serem os mesmo reconhecidos, por só na liquidação ser apurado se eles se vencem ou não, decorrente de então o julgador liquidador haver ou não actualizado esses montantes.
Soçobra, desta forma, também este fundamento do recurso.

g) Finalmente, resta a pretensão dos autores de que sejam ressarcidos os danos patrimoniais e não patrimoniais relativamente à autora DD.
Em relação a esta autora, a petição inicial alega apenas que a mesma aquando do acidente em causa tinha sete meses de idade e nele sofreu traumatismo craniano, com perda de conhecimento e ferida na região frontal que determinou que levasse 8 pontos, em consequência do que passou a exibir uma significativa cicatriz, ao nível do crânio. Mais refere aquela peça processual que atendendo àquela idade se não pode determinar a existência ou não de sequelas emergentes do referido traumatismo o que só o seu crescimento poderá revelar.
Daqui resulta que independentemente da prova feita, não havia que indemnizar esta autora, no tocante aos danos futuros.
Com efeito, se é a mesma – através dos seus representantes legais - que afirma que se não pode dizer se no futuro haverá sequelas emergentes do acidente, logo os eventuais danos futuros não são previsíveis, como exige o art. 564º, nº 2 do Cód. Civil, para a sua relevância para o efeito.
Por outro lado, destes factos apenas se provou que aquela no acidente sofreu traumatismo craniano, com perda de conhecimento e ferida na região frontal que determinou que levasse 8 pontos e do que resultou apresentar agora uma cicatriz, já vestigial, ao nível do crânio e que aquela tinha então sete meses de idade.
Os danos não patrimoniais para serem atendidos têm de revestir gravidade que os torne merecedores da tutela jurídica – art. 496º, nº 1 do Cód. Civil.
Desta forma a natureza “vestigial” de uma cicatriz no crânio que é um local de pouca ou nenhuma visibilidade, não nos parece revelar uma gravidade merecedora de tutela jurídica.
Soçobra, desta forma, mais este fundamento do recurso e com ele toda a revista dos autores.

II. Revista da Ré.
Esta nas suas alegações formula conclusões que por falta de concisão não serão aqui transcritas e das quais se deduz que a mesma, para conhecer neste recurso levanta as seguintes questões:
a) Os juros atribuídos sobre as indemnizações arbitradas devem apenas ser contados da data da sentença de 1ª instância e não da data da citação ?
b) A indemnização pelos danos patrimoniais atribuída ao autor AA de € 115.222,80 deve ser reduzida a € 91. 985,25 ?

Os aqui recorridos apresentaram as suas contra-alegações nas quais refutam os argumentos da recorrente e pedem a manutenção do decidido.
Vejamos agora cada uma das concretas questões acima mencionadas como objecto deste recurso.
a) Nesta primeira questão insurge-se a recorrente contra o facto de as indemnizações arbitradas vencerem juros de mora desde a data da citação quando, em seu entender, da sentença de 1ª instância resulta que os valores arbitrados tomaram em conta a data da sua fixação e não a da propositura da acção, ou sejam aqueles valores foram actualizadas para a data da sentença. Nesta conformidade e aplicando a doutrina do acórdão do STJ de uniformização de jurisprudência de 9-05-2002, os juros deveria apenas ser contados da data da sentença de 1ª instância.
Já vimos acima a finalidade ou fundamento dos juros moratórios
Também já apreciamos a norma constante da parte final do nº 3 do art. 805º do Cód. Civil e a razão da sua introdução na reforma do preceito de 1983.
Também já apreciamos acima a doutrina do acórdão de uniformização deste Supremo Tribunal de 9-05-2002.
Vem entendendo este Supremo Tribunal que para vingar a aplicação restritiva imposta pela doutrina do acórdão uniformizador não é preciso que a sentença em causa contenha a referência expressa a essa actualização, antes bastando que tal actualização resulte, de algum modo mas de forma que não levante dúvidas, do teor da mesma sentença – cfr. acs. de 3-02-2005, de 12-10-2006 e de 25-10-2007 citados no acórdão recorrido.
Desta forma há que analisar atentamente a sentença de 1ª instância no sentido de apurar se da mesma se pode concluir, sem margem para dúvidas, que a fixação das indemnizações ali levada a cabo tomou em conta o valor do dinheiro na data da mesma fixação.
Se tal não resultar, ter-se-á de aplicar a parte final do nº 3 do art 805º acima mencionado, ou seja, serão os juros moratórios contados desde a citação.
A recorrente defende que a sentença de 1ª instância contém elementos que levam àquele entendimento de fixação actualizada das indemnizações, apontando como tal a referência na mesma a acórdãos posteriores à propositura da presente acção sobre fixação de indemnizações.
Analisando cuidadosamente a sentença de 1ªinstância, em nossa opinião, daquela não resulta, com segurança, que os valores ali fixados tenham sido actualizados à data da mesma sentença – 2007.
O único indício que a recorrente aponta nesse sentido e de que o voto de vencido ao acórdão recorrido fez eco, consistiu na referência que a mesma sentença fez a decisões jurisprudenciais que fixaram indemnizações semelhantes às aqui em causa, nomeadamente a fls. 1198 onde para fixar a indemnização decorrente da perda do direito à vida da vítima JJ se referem acórdãos de 2003, de 2004 e de 2006.
Mas nada se diz se os montantes ali fixados tomaram em conta o momento da sua fixação ou o momento da propositura das respectivas acções onde foram fixados.
Por isso, entendemos que da referida sentença não resulta, sem margem para dúvidas, que os valores ali fixados tenham sido actualizados com referência à data da sentença em causa, pelo que se tem de aceitar que se não aplica aqui a doutrina do acórdão uniformizador citado e, por isso, se aplica integralmente a segunda parte do nº 3 do art. 805º mencionado.
Improcede, desta forma, este fundamento do recurso.

b) Nesta segunda questão a recorrente insurge-se contra o montante fixado de € 115.222,80 para compensar os danos patrimoniais sofridos pelo autor AA o, decorrente da necessidade de durante onze anos precisar de uma empregada doméstica a quem paga 150.000$00 por mês, derivada da falta da vítima MM, sua mulher e mãe do autor BB, entendendo que deve em sua substituição ser fixado o montante de € 91.985,25.
Vejamos.
Aquela indemnização visa, como dissemos, reparar a falta do trabalho doméstico da vítima JJ para a satisfação das necessidades do autor BB, seu filho menor e até que este atinja a idade de 25 anos, para o que faltavam onze anos.
Também foi referido sem oposição que a referida empregada doméstica aufere 150.000$00 por mês.
Logo haverá que calcular o montante que resulta de catorze meses por ano daquele vencimento a multiplicar por onze anos, o que dá o montante de € 115.222,80.
Achado este montante há que ponderar que o credor AA vai receber um montante de imediato que apenas terá de despender parcelarmente ao longo dos onze anos, podendo auferir dos rendimentos daquele montante recebido e durante o tempo até ao seu efectivo e parcelar dispêndio.
Esses rendimentos do dinheiro são habitualmente superiores à taxa de inflação, havendo normalmente um rendimento líquido em termos de valores reais.
Por outro lado, o referido vencimento da empregada doméstica deverá ser actualizado de acordo com a taxa de inflação que previsivelmente virá a verificar-se.
Haverá assim, um lucro do autor lesado que deverá ser tomado em conta na fixação daquele valor.
Por isso, pensamos que esse montante deve ser reduzido para € 105.000,00.
Procede, desta forma parcial, este fundamento do recurso.

Pelo exposto, nega-se a revista pedida pelos autores e se concede parcialmente a revista da ré alterando o montante da indemnização dos danos patrimoniais atribuída ao autor AA de € 115.222,80, para € 105.000,00, mantendo-se o mais fixado.
Custas pela revista dos autores a cargo destes e pela revista da ré, a cargo desta na proporção de três quartos e o restante quarto a cargo dos autores.

Lisboa, 07 de Julho de 2009

João Moreira Camilo ( Relator )
Fonseca Ramos
Cardoso de Albuquerque.