Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
22174/15.6T8PRT.P1.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
ADVOGADO
MANDATO FORENSE
PERDA DE CHANCE
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DO DESPEDIMENTO
INFRACÇÃO DISCIPLINAR
INFRAÇÃO DISCIPLINAR
ÓNUS DA PROVA
MATÉRIA DE FACTO
MATÉRIA DE DIREITO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 05/30/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA E BAIXA DOS AUTOS
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DOS DIREITOS / PROVAS / ÓNUS DA PROVA / CONTRAPROVA.
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / INCUMPRIMENTO DO CONTRATO / PODER DISCIPLINAR.
Doutrina:
- Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, p. 98-99;
- Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2012, p. 807, 808, 810 e 916;
- Maria de Fátima dos Anjos Colação, Breve Comentário ao “Novo” Crime de Falsas Declarações, Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, Universidade de Coimbra, 2016, p. 5, 6, 13-15, 32;
- Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, p. 288 e 289;
- Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2004, p. 233 e 314;
- Paulo Mota Pinto, Artigo doutrinário intitulado Perda de chance processual, RLJ Ano 145.º, Março-Abril de 2016, p. 174 e ss. e 190.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 342.º, N.º 1 E 346.º.
CÓDIGO DO TRABALHO, (CT): - ARTIGO 329.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 23-10-1987, PROCESSO N.º 001632, IN SASTJ, WWW.DGSI.PT;
- DE 18-04-2007, PROCESSO N.º 2842/06;
- DE 05-02-2013, PROCESSO N.º 488/09.4TBESP.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-03-2013, PROCESSO N.º 78/09.5TVLSB.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 30-09-2014, PROCESSO N.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1,IN WWW.DGSI.PT;
- DE 09-07-2015, PROCESSO N.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 12-05-2016, PROCESSO N.º 44/10.4TTVRL.G1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-04-2018, PROCESSO N.º 462/09.0TTBRR.L2.S1.
Sumário :
I. No caso de perda de chances processuais, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da ação em que a parte ficou prejudicada viesse a adotar.

II. Embora tal apreciação se inscreva, enquanto tal, em princípio, em sede de questão de facto, extravasando, nessa medida, os fundamentos do recurso de revista, deve admitir-se que possa, ainda assim, envolver erros de direito sobre a apreciação da prova ou do quadro normativo aplicável, estes sim passíveis de serem sindicáveis em sede de revista.  

III. O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).

IV. A infrações disciplinares laborais por factos ocorridos entre novembro de 2008 e março de 2010 não é aplicável, para os efeitos do disposto no artigo 329.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a incriminação de falsas declarações constante do artigo 348.º-A do Código Penal, por esta só ter sido introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21/02, em vigor desde 23/03/2013

V. Para efeitos de indemnização por perda de chance processual, embora recaia sobre o autor o ónus de provar a probabilidade de sucesso da ação de impugnação do despedimento instaurada em seu nome pelo réu, na qualidade de advogado, mas que acabou por ser julgada improcedente em virtude da caducidade imputável a este réu, não se pode ignorar que, no âmbito daquela ação de impugnação, era sobre a entidade patronal que recaía o ónus de provar os factos integrativos da justa causa do despedimento, cabendo ao trabalhador produzir a contraprova desses factos, nos termos do artigo 346.º do CC.  

VI. Nessa medida, cabe ao autor da presente ação demonstrar a alta probabilidade de a sua entidade patronal não lograr produzir aquela prova.

Decisão Texto Integral:         
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (A.) instaurou, em 15/09/2015, uma ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB (R.), advogado, alegando, em resumo, que:

. O A., funcionário dos … em 11/05/1981, contratou os serviços do R., então advogado do Sindicato dos …, para responder a uma nota de culpa elaborada no processo disciplinar iniciado pelos … e tendente ao seu despedimento por alegada prática de infração disciplinar grave, consistente em violação do dever de lealdade;

. O A., por intermédio do R., respondeu à nota de culpa, mas os … despediram-no com alegada justa causa por decisão de 05/03/2012 que lhe foi notificada em 07/03/2012;

. Após as referidas notificações, o R., no exercício do mandato que lhe foi conferido, instaurou, em 17/05/2012, ação de impugnação judicial de despedimento contra os …, tendo sido proferida sentença, em 08/10/ 2012, a julgar procedente a exceção de caducidade invocada pelos … com a respetiva absolvição do pedido, por se entender que a ação fora proposta depois de passado o prazo legal de 60 dias, considerando-se ainda que o R. não utilizou o procedimento legalmente previsto para a oposição ao despedimento;

. Interposto recurso dessa decisão, a Relação confirmou a sentença recorrida por acórdão de 06/01/2014, do qual foi também interposto recurso para o STJ, que não foi admitido por decisão sumária de 12/05/2014.

. Dessa decisão foi então interposto recurso para o Tribunal Constitucional que, também por decisão sumária de 19/11/2014, não conheceu do seu objeto, tendo sido ainda indeferida a reclamação deduzida para a conferência contra esta decisão por acórdão de 24/01/2015.

. Durante os três anos que decorreram entre a entrada da ação em juízo e a prolação deste último acórdão, o R. nunca informou o A. dos factos antes relatados, violando assim o princípio da confiança em que deve fundar-se a relação entre advogado e cliente.

. Não teve assim o R. um comportamento profissional adequado às responsabilidades da função de advogado, não agindo por forma a defender os legítimos interesses do A. nem tratou com zelo e diligência a questão que lhe foi confiada, violando assim o disposto nos artigos 387.º, n.º 2, do CT e 83.º, n.º 1, 92.º, n.º 2, 95.º, n.º 1, alínea b) e 103.º, n.º 1, do EOA.

. Por virtude dessa atuação o A. sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais, perdendo de forma irreversível, a oportunidade de ser apreciada a ilicitude do seu despedimento.

. A procedência da sobredita ação iria conferir ao A. o direito a uma indemnização pelos danos causados, patrimoniais e não patrimoniais, e à reintegração na empresa, caso não optasse por uma indemnização por antiguidade, sem prejuízo do direito ao recebimento das retribuições que deixou de auferir desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença que decretasse o despedimento, nos termos dos artigos 389.º, n.º 1, 390.º, n.º 1, e 391.º, n.º 1, do CT.

. Assiste assim ao A. o direito de ser indemnizado com base nas disposições conjugadas dos artigos 483.º, 496.º, n.ºs 1 e 4, 798.º e 799.º, n.º 1, 1157.º e 1161.º, alíneas a) e c), do CC.

. A título de danos patrimoniais, o A. tem direito a ser indemnizado nos seguintes montantes:

- € 64.800,00, correspondentes ao valor que receberia, em virtude da sua reintegração, desde março de 2012 a setembro de 2015, no total de 42 salários (€ 1.296,00 x 50 meses);

- € 3.905,60, relativos aos juros vencidos sobre cada um desses salários, à taxa de 4%, e ainda os juros vincendos;

- € 119.232,00 (€ 1.296,00 x 92 meses), correspondentes ao valor que receberia desde setembro de 2015 até à data da aposentação previsível para maio de 2023;

- € 132.000,00 (€ 1.000,00 x 132 meses), equivalentes ao valor da pensão de aposentação que receberia desde a data previsível da aposentação até aos 77 anos de esperança média de vida.   

. Em alternativa à reintegração, o A. teria direito a ser indemnizado, em virtude da perda de antiguidade, pelos seguintes montantes:

- € 54.432,00, correspondentes ao valor que receberia, desde março de 2012 até ao trânsito em julgado da decisão de despedimento em fevereiro de 2015, no total de 42 salários (€ 1.296,00 x 42 meses);

- € 3.280,70, relativos aos juros vencidos sobre cada um desses salários, à taxa de 4%, e ainda os juros vincendos;

- € 60.264,00 (€ 1.944,00 x 31 meses), correspondente ao valor que receberia por cada ano completo de antiguidade ou fração dele.

- € 8.407,22, de juros vencidos sobre a precedente verba, além dos juros vincendos.

. Além disso, a compensação pelos danos não patrimoniais deverá ser fixada, por equidade, em valor não inferior a € 25.000,00.

Conclui o A. a pedir que o R. fosse condenado nos seguintes termos:

a) – A título principal, por danos patrimoniais e não patrimoniais, presentes e futuros, a pagar-lhe a quantia de € 344.937,60 (€ 64.800,00 + € 3.905,60 + € 119.232,00 + € 132.000,00 + € 25.000,00), acrescida de juros, desde a data de entrada da ação em juízo, à taxa legal de 4%, sobre a importância de € 89.800,00 (€ 64.800,00 + € 25.000,00), até efetivo pagamento;

b) – Em via subsidiária, pela perda da indemnização por antiguidade, a pagar-lhe a quantia de € 151.383,92 (€ 54.432,00 + € 3.280,70 + € 60.264,00 + € 8.407,22 + € 25.000,00), a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros, desde a data de entrada da ação em juízo, à taxa legal de 4%, sobre a importância de € 139.696,00 (€ 54.432,00 + € 60.264,00 + € 25.000,00), até efetivo pagamento;

c) - Em qualquer dos casos das precedentes alíneas, a pagar-lhe as despesas totais a haver com mandatário judicial, decorrentes do presente processo, a liquidar em execução de sentença;

d) – Ainda, subsidiariamente, a título de dano por “perda de chance”, a pagar-lhe 75% do valor de cada um dos pedidos formulados nas alíneas a) ou b), e c).

    2. O R. apresentou contestação a sustentar que:

. Não foi contratado pelo A., apenas prestando serviços próprios da advocacia, em regime de avença, ao Sindicato Nacional dos … de que o A. é associado;

. O referido Sindicato distribuiu o processo ao R. para resposta à nota de culpa, o que ocorreu com o seu acompanhamento de todo o processo disciplinar e com a presença na audição das testemunhas oferecidas;

. Mesmo conhecendo o R. a caducidade da ação e prevendo os constrangimentos que tal facto acarretaria, decidiu em 17/05/2012, propor ação comum para impugnação do despedimento e, na mesma linha, esgotar todas as instâncias de recurso, ainda que sem sucesso;

. É habitual os advogados do Sindicato não terem contato direto com os seus associados, sendo este assegurado pelos respetivos serviços, só havendo contato direto quando os associados o requerem a fim de esclarecer dúvidas sobre a propositura da ação.

. No caso presente, quem não agiu com diligência foi o A. que não subscreveu o formulário previsto nos artigos 98.º-C e 98.º-D do Dec.-Lei n.º 295/2009, de 13/10, sendo falso que ele não tenha sido informado das diversas fases do processo;

. O A. era detentor do número de telemóvel do R. e do seu contato fixo e não se coibiu de lhe ligar com frequência a perguntar pelo andamento do processo;

. Mesmo não sendo essas as regras do Sindicato, o R. atendeu sempre o A., prestando-lhe as informações pedidas e que entendia serem necessárias;

. Em 2013 o A. mandatou o R. para intentar nova ação contra os … e que correu termos no Tribunal de Trabalho de …, na qual obteve merecimento de causa e recebeu a quantia de € 4.426,19;

. O A. bem sabia que os factos de que veio a ser acusado na nota de culpa representavam uma violação gravíssima dos seus deveres como trabalhador, a qual impossibilitava, de forma irreversível, a manutenção do vínculo laboral.

. Em relação à alegada perda de chance, o dano que daí decorre não tem acolhimento na lei portuguesa, conforme jurisprudência do STJ.

Concluiu o R. pela improcedência da ação e pediu a condenação do A. como litigante de má-fé.

3. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 506 a 522, de 04/10/2017, a julgar a ação totalmente improcedente.  

4. Inconformado com essa decisão, o A. recorreu dela para o Tribunal da Relação do Porto, em sede de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 605 a 630, de 13/09/2018, a julgar, por unanimidade, parcialmente procedente a impugnação da decisão de facto, mas mesmo assim improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

5. Desta feita, veio o A. interpor revista normal e, subsidiariamente, de revista excecional ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC, tendo aquela sido rejeitada conforme o despacho exarado a fls. 701-702, de 13/02/2019, e esta admitida nos termos do acórdão de fls. 709-710/v.º, de 28/03/2019, por se considerar que a suscitada questão de perda de chance o exigia.

6. Em sustentação revista interposta, o Reocorrente formulou as seguintes conclusões:

1.ª - Foi ilícita a conduta do R. perante o A., por força do não cumprimento, por aquele, dos deveres que para ele decorriam do EOA, então em vigor, e que assumiu perante o A.;

2.ª - O comportamento do R. impediu que o A. visse apreciadas, no processo de impugnação do despedimento, as razões pelas quais entendia dever o despedimento ter-se por ilícito.

3.ª - Para além dos 36 factos dados por provados na sentença de 1.ª Instância e no acórdão recorrido, outro deveria ter-se também por assente, conclusão permitida, e imposta, pelos elementos constantes dos autos: o de que a pensão de reforma do A. seria, caso não tivesse sido despedido, de € 1.310,25 ilíquidos, em 30/09/2022;

4.ª - Em processos como o presente, em que há que fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento”, in casu, do julgamento do processo laboral, neste é o R. a parte contra a qual deverá decidir-se, no caso de não se fazer prova de factos relevantes para a decisão, ou seja, é dele o ónus da prova;

6.ª - Os factos acusados na alínea a) da nota de culpa prescreveram, pois o exercício do poder disciplinar, quanto a eles, ocorreu muito mais de passado um ano sobre a verificação deles, sendo que, in casu, não tem aplicação o disposto no art.º 348.º - A do CP, por só ter sido aditado ao CP muito depois da prática dos acusados factos, para além de, não só não se verificar o condicionalismo do preceito, como a questão não ser de falsidade, apenas da prática de actos nas datas acusadas.

7.ª - Face à prescrição dos factos acusados na alínea a) na nota de culpa, não poderia o A. ser, por força deles, penalizado.

8.ª - A prescrição aludida faria, em qualquer caso, diminuir, acentuadamente, a gravidade dos factos imputados ao A., já que eram os de maior significado económico.

9.ª - À relação laboral entre o A. e …, eram aplicáveis, quanto aos factos da alínea a) da nota de culpa - ocorridos entre 11/2008 e 3/2010 -, o AE de 2006 (que previa, como coordenadas para a compensação para as deslocações do A., os locais de trabalho e de deslocação) e/ou o CT, mas não o AE de 2008, por não ter sido subscrito, quer pelo SNT… - sindicato em que o A. estava filiado -, quer pelo A., nem o AE de 2010, que ainda nem tinha sido publicado, pelo que o A. - mesmo que os factos desta alínea a) não estivessem prescritos, e estavam - nada recebeu a que não tivesse direito, já que foi remunerado em função dos locais de trabalho e de deslocação.

10.ª - Face às regras do ónus da prova no processo laboral, que aqui haviam de ser seguidas, não competia ao A. provar que fazia a sua vida habitual em P…, mas ao R. demonstrar que o A. a não fazia;

11.ª - Em todo o caso, tendo o A. demonstrado residir em P… haveria de considerar-se, ao menos, ter ele dois domicílios, pelo que podia considerar-se residente em qualquer deles, facto que retira todo o sumo ao processo disciplinar que lhe foi movido baseado, tão só, na questão da residência.

12.ª - À relação laboral entre o A. e …, eram aplicáveis, quanto aos factos da alínea b) da nota de culpa, ocorridos entre 3/2010 e 11/2011, o AE de 2006 e/ou o CT, até à publicação do AE de 2010, e este depois, sendo a previsão como na conclusão 9.ª, até à publicação do AE de 2010 e, depois, que o pagamento das compensações por deslocação levariam em conta os locais de trabalho ou de residência, se mais perto, e de deslocação, bem como a existência, ou não, de transportes públicos entre os locais de trajecto, sendo que há transportes públicos de P… para V… e não há transportes públicos de C… para V….

13.ª - Quer se tivesse como segura a residência do A. em P… (como devia ter), de onde há transportes públicos para V… e em função de cuja existência o A. foi compensado, quer se tivesse por segura a de C… (como não devia ser), de onde não há transportes públicos para V…, o que motivaria uma compensação bem mais elevada, pelo facto de o A. ter de utilizar automóvel próprio, certo é o autor nada ter recebido a mais do que lhe era devido.

14.ª - A comunicação do A. para …, na qual se fundou o despedimento, foi efetuada mais de 4 anos antes da ocorrência de qualquer dos factos imputados ao autor - que não podia adivinhar o futuro - e informava que o A. passava a residir mais perto, não mais longe, do respetivo local de trabalho, o que impedia a conclusão pela intencionalidade da conduta do A. e, assim, pela violação do dever de lealdade dele para com a entidade patronal.

15.ª - Os preceitos em que …, fundou a decisão de despedimento, expressamente mencionados na nota de culpa, não têm aplicação in casu.

16.ª - Os acusados comportamentos do A. não comprometeram a relação laboral com …, muito menos irreversivelmente, sendo absolutamente desmesurada a pena de despedimento, por comparação com as demais constantes da legislação aplicável.

17.ª - Por tudo isto, pode afirmar-se ser certo que o Mm.º Juiz do Trabalho consideraria procedente o pedido do A., com a consequente declaração da ilicitude do despedimento, e condenação do réu nos pedidos formulados pelo autor.

18.ª - Mas, se entendesse não poder haver uma certeza absoluta, então ter-se-ia afirmado uma séria, uma elevadíssima, probabilidade de que se concluiria pela certeza da procedência do pedido do autor na acção de impugnação do despedimento.

19.ª - Decidindo pela absolvição do R. dos pedidos, violou o acórdão recorrido o disposto no art.º 205.º, n.º 1, da CRP, no art.º 662.º do CPC, no AE de 2006 ou no CT e no AE de 2010, no art.º 82.º, n.º 1, do CC, nos artigos 126.º, 128.º, n.º 1, alínea f), 329.º, n.º 1, e 351.º, n.º 1, do CT, nos artigos 118.º, n.º 1, alínea d), e 348.º-A CP e nos artigos 16.º, n.º 1, 18.º e 20.º da Portaria n.º 348/87, de 24-04, pelo que é ilegal e, como tal, deve ser revogado e substituído por outro que, deferindo ao requerido, condene o R. nos pedidos formulados a título principal, ou a título subsidiário, se aqueles não deverem proceder.

7. O Recorrido apresentou contra-alegações a sustentar, no que aqui releva, que o A. não logrou provar que o seu comportamento não infringiu o respetivo dever de lealdade para com a sua entidade patronal.   


Cumpre apreciar e decidir.

        

II – Delimitação do objeto do recurso


     Como é sabido, no que aqui releva, o objeto do recurso é definido em função das conclusões formuladas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º, n.º 3 a 5, 639.º, n.º 1, do CPC.         

     Dentro de tais parâmetros, o objeto da presente revista excecional circunscreve-se aos invocados erros de direito sobre a viabilidade da ação de impugnação do despedimento que soçobrou perante a procedência da exceção de caducidade nela deduzida, mais precisamente:

a) – Quanto à prescrição do procedimento disciplinar, nos termos do art.º 329.º, n.º 1, do CT, por não ser aplicável ao caso o disposto no artigo 348.º-A, do CP, pelas infrações disciplinares tidas como cometidas entre novembro de 2008 e março de 2010;

b) – Quanto ao erro de qualificação da ilicitude tanto dessas infrações, se for caso disso, como das tidas por cometidas entre março de 2010 e novembro de 2011, por lhe não ser aplicável o AE de 2008, mas sim o AE de 2006 ou o CT e, em parte, o AE de 2010;

c) – E ainda a questão do pretenso erro de qualificação dessas infrações em termos de gravidade tal que justificasse o despedimento do A..


III – Fundamentação   

 

1. Factualidade dada como provada pelas instâncias


Vem dada como provada pelas instâncias a seguinte factualidade:

1.1. O autor (A.) nasceu em 09/05/1957 e foi admitido ao serviço de …, em 11/05/1981, tendo sido admitido nos quadros permanentes da referida sociedade em 01/04/1982, conforme documentos juntos a fls. 21, 22 e 403.

1.2. Na sequência do processo disciplinar instaurado por …, foi elaborada nota de culpa contra o A., a qual lhe foi remetida, em comunicação de 16/12/2011, e na qual se dava conta da intenção de se proceder ao seu despedimento com justa causa, por alegada prática de infração disciplinar grave, conforme documento junto a fls. 23 a 29.

1.3. O réu (R.) prestou serviços próprios de advocacia, em regime de avença, juntamente com outro advogado, ao Sindicato Nacional dos …, no Porto, do qual o A. é associado, sendo que o referido Sindicato oferece gratuitamente serviços de advocacia aos seus associados.

1.4. Após os associados se dirigirem ao Sindicato, quando necessitam da intervenção de um advogado, os serviços de pré-contencioso do Sindicato distribuem os processos pelos dois advogados.

1.5. O identificado Sindicato distribuiu o processo do A. ao R., para resposta à nota de culpa, o que o R. fez;

1.6. …, despediu o A. com alegada justa causa, por decisão de 05/03/2012, por este recebida a 7/03/2012, conforme documentos juntos a fls. 31 a 37.

1.7. O A. foi despedido pelas razões constantes da nota de culpa, traduzidas, no essencial, na consideração de terem sido provados, no decurso do processo disciplinar, os factos que seguem:

i) - O A., residindo embora em C…, V… – onde nunca deixou de residir - comunicou aos …, em 25/08/2004, que residia em P…, em cuja Loja Postal estava colocado;

ii) - O A., entre 18/11/2008 e 02/03/2010, prestou serviço, em dias intercalados, nas … de V… e C…;

iii) - Os trabalhadores deslocados tinham direito ao abono dos quilómetros percorridos entre o local habitual de trabalho, ou a residência, se mais perto, e o local de deslocação;

iv) – C…, V…, dista 13 quilómetros de V… e 19 quilómetros de C…; P… dista 26 quilómetros de V… e 39 quilómetros de C…;

v) - Residindo o A., de facto, em C…, V… e não em P…, recebeu ajudas de custo indevidas no valor de € 2.475,66, no período considerado;

vi) - Em 04/03/2010, o A. foi definitivamente transferido para V…;

vii) - Pela transferência definitiva do local de trabalho, teria o A. direito ao pagamento da diferença do passe de transporte coletivo, por haver transporte;

viii) - E o A. recebeu, de facto, entre março de 2010 e novembro de 2011, indevidamente - por não morar em P…, mas em C…, V… -, € 77,00/mês, no total de € 1.540,00;

ix) - O A. recebeu, pois, sem a eles ter direito, um total de € 4.015,66, por força da intencional, livre, consciente e deliberada comunicação de mudança de morada que, na prática, não ocorreu, conforme documento junto a fls. 102 a 144 e 148 a 171.

1.8. A notificação da decisão de despedimento foi efetuada por …, também diretamente ao R., por correio postal de 05/03/2012, recebido a 07/03/2012, conforme documento junto a fls. 35 a 37.

1.9. O A. outorgou procuração a favor do R., conforme documento junto a fls. 30.

1.10. Em 10/05/2012, o R. recebeu do Sindicato cópia do Documento Único de Cobrança relativo à taxa de justiça paga pelo A., nessa data, conforme documento junto a fls. 223 a 225 e, em 16/05/2012, uma declaração de associado do A., conforme documento junto a fls. 226.

1.11. Em 17/05/2012, o R. instaurou ação de impugnação judicial de despedimento contra …, processo que correu termos na secção única do Tribunal de Trabalho de …, sob o n.º 427/12.5TTVCT, conforme documento junto a fls. 38 a 52.

1.12. Realizada audiência de partes no identificado processo, em 04/06/2012, em cuja ata se consignou que "a persistência do litígio reside na discordância relativamente ao montante dos créditos reclamados pelo autor na petição inicial", foi proferida sentença, em 08/10/ 2012, que julgou procedente a exceção de caducidade invocada por …, com absolvição desta empresa do pedido, conforme documentos juntos a fls. 54 a 58.

1.14. O A., representado pelo R.:

i) - Interpôs recurso da decisão de 1.ª Instância para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 06101/2014, julgou “improcedente a apelação interposta pelo A., mantendo-se a decisão recorrida”, conforme documentos juntos a fls. 59 a 79.

ii) - Interpôs recurso do acórdão do Tribunal da Relação do Porto para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso que, por despacho de 12/05/2014, não foi admitido pela Exm.ª Relatora, conforme documentos juntos a fls. 81 a 88.

iii) - Interpôs recurso dessa decisão para o Tribunal Constitucional que, por decisão sumária de 19/1112014, não conheceu do recurso, conforme documentos juntos a fls. 89 a 93.

iv) - Deduziu reclamação contra a decisão sumária para a conferência do Tribunal Constitucional que, por acórdão de 24/01/ 2015, transitado em fevereiro de 2015, a indeferiu, conforme documentos juntos a fls. 94 a 98.

1.15. Durante cerca de três anos, período que mediou entre a entrada da ação em juízo e a prolação do acórdão do Tribunal Constitucional, o R. nunca informou o A. dos factos relatados nos precedentes pontos 13 e 14, tal como nunca o fez depois.

1.16. Entre 2008 e 2011, o A. utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas.

1.17. O domicílio fiscal do A. continuou a ser em V…, onde o A. mantém casa.

1.18. A mulher do A. trabalhava e a filha estudava em P….

1.19. Até 04/03/2010, o A. esteve colocado em P… e deslocado em V… e C….

1.20. Entre P… e V… há transportes públicos.

1.21. Entre C… e V…, sede do concelho, não há transportes públicos.

1.22. Não havendo transporte público da freguesia de C… para a sede do concelho, o A. tinha de utilizar automóvel próprio.

1.23. O A. trabalhou para …, durante mais de 30 anos, período durante o qual sempre foi diligente, assíduo e zeloso no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas, e chefiou, durante 25 anos, a … de P….

1.24. Durante os mais de 30 anos em que trabalhou para …, o A. nunca foi repreendido, cometeu qualquer ilícito, ou foi objeto de qualquer processo, tendo sido louvado pelo desempenho na chefia da Loja de P…, conforme documento junto a fls. 174.

1.25. Durante os mais de 30 anos em que trabalhou para …, o A. foi frequentemente premiado, conforme documentos juntos a fls. 175 a 178.

1.26. No último recibo de vencimento do A., …, retirou a quantia de € 2.386,12, relativa ao vencimento do Autor do mês de março de 2012, conforme documento junto a fls. 179.

1.27. Ao tempo do despedimento, o A. auferia um salário de € 1.293,20, acrescido de 7 diuturnidades, no montante de € 213,99, 1 diuturnidade especial, no valor de € 13,11 e subsídio de alimentação de € 9,01/dia, pelo que recebia, líquido, abatidos os legais descontos, € 1.296,74, conforme documento junto a fls. 181.

1.28. O A. era possuidor do número do telemóvel do R. e do seu contato telefónico fixo.

1.29. O A. teve conhecimento da sentença que decidiu a exceção de caducidade, que lhe foi notificada.

1.30. O A. sentiu-se enganado pelo R., que nunca lhe comunicou quaisquer vicissitudes processuais, designadamente que a petição havia entrado em juízo para além do prazo legal e que, por força disso, havia sido considerado caduco o direito que aquele pretendia fazer valer.

1.31. O A. tomou conhecimento das decisões intermédias e final do processo judicial por terceiros.

1.32. O R. não mais contatou o A. fosse para o que fosse.

1.33. Por ter passando de um rendimento mensal de € 1.296,74, para zero, sem direito a qualquer compensação ou indemnização, sem direito a assistência médica ou medicamentosa, de que beneficiava, enquanto trabalhador de , com uma vaga possibilidade de aposentação, sem meios de angariar o seu sustento, em face da idade e da situação do mercado laboral, tendo de viver uma vida austera e a expensas da mulher, o A. sente-se deprimido, angustiado e constrangido.

1.34. O A. vem sofrendo perturbações na sua vida diária e social, evitando o relacionamento com amigos e conhecidos, envergonhado com os juízos que possam fazer a seu respeito.

1.35. Os contatos com todos os associados são assegurados pelos serviços próprios do Sindicato, só tendo acesso ao advogado quando estes o solicitam.

1.36. O A. tem acesso ao serviço de informações da associação sindical de que é associado, que as presta sempre que solicitado, e sempre que necessário, com consulta prévia ao advogado titular do processo.

1.37. Nem o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações (SNT…) nem o A. subscreveram o Acordo de Empresa (AE) de 2008 – facto aditado pela Relação.


2. Factos dados por não provados


Foi dado como não provado que:

2.1. O A. telefonava frequentemente ao R. a perguntar pelo andamento do processo;

2.2. Quando recebeu a notícia de que a sua pretensão não tinha chegado a ser apreciada, jamais podendo sê-lo, o A. ficou em estado de choque, sentiu vertigens, náuseas e vómitos, com acentuada quebra da tensão arterial, e assim permaneceu doente por alguns dias;

2.3. O A. fecha-se em casa e toma antidepressivos;

2.4. Os advogados do Sindicato só têm contato com o processo físico que lhes é entregue, e todas as ações de pré-contencioso são asseguradas por serviços próprios da associação sindical;

2.5. Todas as informações relativas aos processos são transmitidas aos associados pelos serviços próprios do Sindicato;

2.6. O R. atendia o A., prestando-lhe as informações que lhe eram solicitadas e que entendia necessárias.


3. Do mérito do recurso


3.1. Dos contornos do litígio


Estamos no âmbito de uma ação em que o A. pretende ser indemnizado por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos valores acima discriminados, em sede principal ou subsidiária, a título de perda de chance processual, pelo facto de o R., na qualidade de advogado, ter instaurado uma ação de impugnação do despedimento individual daquele, efetuado pela respetiva entidade patronal – … -, ação essa que acabou por ser julgada improcedente por virtude da procedência da exceção de caducidade nela deduzida, fundada no decurso do prazo de 60 dias estabelecido no artigo 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02.

Na 1.ª instância, concluiu-se, em primeira linha, que a extemporaneidade da instauração daquela ação era imputável ao R. a título de conduta ilícita e culposa dos seus deveres profissionais nos termos dos artigos 92.º, n.º 2, e 95.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26-01, então em vigor.

Seguidamente, considerou-se que, estando em causa a perda de chance processual e sendo esta fundamento de pretensão indemnizatória pela frustração de vantagens que seriam altamente prováveis de obter ou pelas desvantagens que, na mesma medida, não ocorreriam, se a ação não tivesse soçobrado pela conduta ilícita e culposa do R., na qualidade de advogado do A., haveria então que ajuizar sobre a probabilidade consistente e séria de obtenção do ganho dessa causa.

Nesta última vertente, a 1.ª instância considerou que, quanto às infrações disciplinares imputadas ao A. ocorridas entre novembro de 2008 e março de 2010, por via do que este obtivera o recebimento indevido, por parte da sua entidade patronal – … –, o total de € 2.475,56, em que, além do mais, se fundara o despedimento em referência, se verificava, à data da remessa da nota de culpa em 16/12/2011, o decurso do prazo de prescrição de um ano estabelecido no artigo 329.º, n.º 1, do CT.

Todavia, foi entendido que tais infrações eram ainda assim suscetíveis de constituir o crime de falsas declarações previsto no artigo 348.º-A do CP, independentemente do exercício da correspondente ação penal, sujeito como tal ao prazo de prescrição do procedimento criminal de dois anos prevista no artigo 118.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código, prazo este interrompido com a comunicação da nota de culpa, concluindo-se, por isso, não se verificar a prescrição do respetivo procedimento disciplinar.

Além disso, foi considerado naquela instância que o direito a abonos por deslocações transitórias de serviço dos trabalhadores dos … se regia pelo Acordos de Empresa de 2008 - cláusula 45.º, n.º 1, alínea a) -, e de 2010 - cláusula 39.ª, n.º 1, alínea a) -, nos termos dos quais relevava o transporte de ida e regresso entre o local habitual de trabalho, ou a sua residência, se mais perto, e o local da deslocação.

Nessa base, tendo em conta que se provara apenas que o A., entre 2008 e 2011, utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário e principalmente de inverno, na qual passava muitas semanas, não obstante manter o seu domicílio fiscal em V…, onde possui casa, concluiu-se que o recebimento da quantia de € 2.475,56, por deslocações entre P… e V…, era indevido.

 

Por sua vez, quanto às infrações disciplinares imputadas ao A. ocorridas entre março de 2010 e novembro de 2011, mediante as quais o A, recebeu dos … a quantia de 1.540,00, a título de compensação por acréscimo de despesas de transporte em virtude da sua colocação definitiva em V…, também elas servindo de fundamento para o despedimento em causa, a 1.ª Instância, tendo como não verificado sequer o prazo de prescrição do procedimento disciplinar de um ano, considerou que o recebimento da sobredita quantia era indevido em face do AE de 2010, já que o A. não provou que fazia a sua vida habitual em P….


Perante tudo isso, concluiu a 1.ª Instância que as referidas condutas do A. se traduziam em violação grave do dever de lealdade, como manifestação do princípio da boa fé, nos termos do artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do CT, por parte do A., na condição de trabalhador dos …, implicando irreversível quebra de confiança na relação laboral e constituindo assim justa causa de despedimento nos termos do artigo 351.º, n.º 1, do mesmo Código.

Por consequência, foi considerado, na mesma instância, não ter ficado demonstrada uma consistente e séria probabilidade de vencimento da ação de impugnação judicial de despedimento instaurada pelo R., em nome do A., contra dos …, julgando-se assim improcedente a presente ação.

E foi também julgada improcedente a pretensão do A. de obter o pagamento das despesas totais com mandatário decorrentes do presente processo, a liquidar para efeitos de execução de sentença, por se considerar que elas só teriam lugar em sede de custas de parte.   


Inconformado, o A. recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, em sede de facto e de direito, sustentando, no que aqui mais releva e em síntese, que:

i) – Não é aplicável ao caso o disposto no artigo 348.º-A do CP, relativamente às pretensas infrações disciplinares ocorridas entre 2008 e 2010, tanto por se tratar de disposição criminal introduzida posteriormente como por nem sequer a incriminação ali prevista abarcar os factos em causa, concluindo assim pela prescrição do respetivo procedimento disciplinar; 

ii) – Relativamente às quantias tidas por indevidamente recebidas, eram aplicáveis o AE de 2006 ou o CT e, em parte, o AE de 2010, mas não o AE de 2008, por este não ter sido subscrito nem pelo SNT…, em que o A. é filiado, nem por ele próprio;

iii) – Fosse isto mesmo aditado à matéria dada como provada;

iv) -  No mais, seria procedente ou pelo menos com elevadíssima probabilidade de o ser, a ação de impugnação do despedimento instaurada pelo R., em seu nome, caso não se tivesse verificado a caducidade.


     Por seu lado, o R./apelado, não obstante pugnar pela confirmação do julgado, deduziu a ampliação do objeto da apelação, referindo no corpo das contra-alegações que não pode concordar com a resposta constantes dos pontos 15, 29, 30, 31 e 32 dos factos provados, mas concluindo, somente e no essencial, que:

i) – Não violou quaisquer normas deontológicas que devesse observar;

ii) – Aos factos dados como provados deverão ser acrescentados ainda os seguintes:

a) – O A. telefonava frequentemente ao R. a perguntar pelo andamento do processo; 

b) – Os advogados do Sindicato só têm contato com o processo físico que lhes é entregue e todas as ações de pré-contencioso são asseguradas por serviços próprios da associação sindical;

c) – Todas as informações relativas aos processos são transmitidas aos associados pelos serviços próprios do Sindicato;

d) – O R. atendia o A., telefonicamente, prestando-lhe as informações que lhe eram solicitadas e que entendia necessárias, de acordo.


      Por fim, a Relação, no acórdão recorrido, enunciou as seguintes questões a resolver:

 A – Quanto ao suscitado pelo Recorrente:

   1.ª – A questão prévia da junção do documento de fls. 546-548;  

   2.ª - A impugnação da decisão da matéria de facto;

  3.ª – A procedência do pedido do A., a título de dano por “perda de chance”, no pagamento de 75% do valor de cada um dos demais pedidos formulados;

B – Quanto ao suscitado pelo R./apelado, a única questão de alteração/ampliação da matéria de facto. 

        

     Nesse quadro, a Relação não autorizou a pretendida admissão do documento de fls. 546-548.

      No respeitante à impugnação da decisão de facto deduzida pelo A./ Recorrente, só foi admitido o aditamento do seguinte facto dado como provado:

“Nem o Sindicato Nacional dos … (SNT…) nem o autor subscreveram o acordo de empresa (AE) de 2008”


    Quanto ao mais impugnado pelo Recorrente, a Relação, considerando que só estava em causa o sobredito segmento decisório sobre a perda de chance, depois de ter por admissível uma tal pretensão, entrou na análise dos pontos tidos por pertinentes.

   Assim, no respeitante à prescrição do procedimento disciplinar relativamente às infrações ocorridas entre novembro de 2008 e março de 2010, sem fazer qualquer alusão à específica questão suscitada nesse particular pelo Recorrente, a Relação aderiu à tese da 1.ª instância nos seguintes ter-mos:

«Ora, entre outros fundamentos então invocados, o autor na petição inicial então elaborada, o mesmo chamou à colação a prescrição dos factos de que vinha acusado, à luz do disposto no art.º 329.º do Código do Trabalho (cf. art.º 48º e seguintes da mesma peça processual).

Segundo o n.º 1 do mesmo art.º 329.º, “O direito de exercer o poder disciplinar prescreve um ano após a prática da infracção, ou no prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime”.

No caso concreto o que se verifica é que os factos constantes da al. a) do artigo único da nota de culpa (cf. fls. 24 e 25) ocorreram entre Novembro de 2008 e Março de 2010, pelo que, aquando do início do processo disciplinar, com a remessa da referida nota de culpa, em 16/12/2011 (cf. fls. 23), havia já decorrido o prazo de um ano a que alude o n.º 1 do mencionado preceito.

No entanto e conforme salienta a Sr.ª Juiz “a quo”, aqueles factos poderiam, no entanto, constituir crime de falsas declarações, à luz do disposto no art.º 348.º-A do Código Penal, sendo que, em tal caso, o direito de exercer o poder disciplinar apenas prescreveria no prazo de dois anos previsto no art.º 118.º, n.º 1, al. d) do mesmo diploma,

E isto, independentemente do efectivo exercício da acção penal, prazo de dois anos, que se interrompeu com a comunicação da nota de culpa, podendo, assim, aqueles factos ser objecto de ponderação para efeitos do despedimento.»

    Seguidamente, sobre a questão de saber qual o AE aplicável para efeitos de determinação das despesas a suportar pelos … pelas deslocações transitórias do A. a V… entre novembro de 2008 e março de 2010, a Relação, depois de enunciar a tese sustentada limitou-se a considerar o seguinte:   

«Como está visto, o Instrutor que conduziu o processo disciplinar e elaborou a nota de culpa considerou, no entanto, como aplicável, o Acordo de Empresa de Março/2008, bem como o Acordo de Empresa de Janeiro/2010, por entender que o autor não justificou devidamente a razão pela qual entendia ser aplicável o AE de 2006.

Segundo o disposto na al. a) do n.º 1 da cláusula 45.ª do Acordo de Empresa de Março de 2008, bem como da al. a) do n.º 1 da cláusula 39.ª do Acordo de Empresa de Janeiro/2010, os trabalhadores deslocados em serviço têm direito ao transporte de ida e regresso entre o local habitual de trabalho, ou a sua residência, se mais perto, e o local de deslocação, ou ao pagamento da despesa respectiva.

Ora, tendo em conta que a residência efectiva do autor deveria ser a do Lugar de …, C…, em V…, conclui-se na nota de culpa que o local de residência ficava mais perto dos locais de deslocação, V… e C…, do que o local de trabalho habitual, P….

Mais, a ser assim, entendeu-se que o autor apenas teria direito a receber abo-nos quilométricos para as deslocações entre o Lugar de … e os locais de deslocação, V… e C….

Por isso e tendo o autor recebido “abonos quilométricos” para deslocações entre P…, local habitual de trabalho e V… e C…, locais de deslocação, conclui-se que o mesmo recebeu indevidamente a quantia adicional de € 2.475,66.

Já quanto ao lugar de residência do autor, o que aqui se apurou, foi apenas e só que entre 2008 e 2011, o mesmo utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas, não obstante manter o seu domicílio fiscal em V…, onde possui casa.»


     E no referente às infrações disciplinares ocorridas entre março de 2010 e novembro de 2011, considerou também a Relação que:

«No que toca ao período a que alude a al. b) do artigo único da nota de culpa, referente à situação em que o Autor foi colocado definitivamente em V…, período esse que ocorreu entre Março de 2010 e Novembro de 2011, o que estava em causa era o direito do Autor ao pagamento do passe de transporte colectivo, que os … pagaram, no montante de € 77/mês, no montante total de € 1.540,00.

Para o autor tinha aplicação o disposto no art.º 53.º, n.º 3, al. b), do Acordo de Empresa de 2010, segundo o qual, “Não havendo lugar a mudança de domicílio e verificando-se um acréscimo de encargos com transporte entre o novo local de trabalho e o domicílio, a Empresa garante ao trabalhador, consoante o caso, uma das compensações seguintes: (…) b) Pagamento ao correspondente acréscimo de despesas de transporte”.

Segundo tal tese, continuando o autor, tal como alega, a fazer a sua vida habitual em P…, teria direito ao pagamento do correspondente acréscimo de despesas de transporte, pelo que teria recebido as quantias a que tinha direito.

No entanto, tem razão a Sr.ª Juiz “a quo” quando afirma que a prova produzida nos presentes autos é insuficiente para se poder concluir que o autor fazia a sua vida habitual em P... .

E isto porque o que resultou provado foi apenas que o autor utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas, não obstante continuar a manter o seu domicílio fiscal em V…, local onde possui casa e residência.»

        

No mais que aqui releva, a Relação concluiu tal como a 1.ª Instância no sentido da total improcedência da ação e, por consequência, pela confirmação da sentença recorrida.


Perante isso, o A./Recorrente insurge-se, por considerar que o Tribunal da Relação nem rebateu nem tão pouco equacionou as razões por ele convocadas, em especial, quanto à aplicação do artigo 348.º-A do CP e do AE de 2008, limitando-se a seguir acriticamente a fundamentação da 1.ª instância.

Na verdade, constata-se que, no acórdão recorrido, foi reeditada a tese da 1.ª instância relativamente à aplicação do referido artigo 348.º-A do CP, sem se curar das razões aduzidas pelo Recorrente sobre a não aplicação daquele artigo ao caso dos autos.    

Também quanto à questão de saber se seria aplicável ao caso o AE de 2006 ou os AE de 2008 e de 2010, a Relação secundou a orientação da 1.ª instância, considerando aplicável os AE de 2008 e de 2010, sem dar outra explicação, o que não pode deixar de se estranhar, tanto mais que determinou o aditamento como facto provado de que o AE de 2008 não fora subscrito nem pelo Sindicato Nacional dos … (SNT…) em que o A. é filiado nem por este. Exigia-se pois que indicasse a razão pela qual, não tendo este AE sido subscrito por estes, ainda assim o mesmo seria de aplicar ao caso.


Aqui chegados, importa agora apreciar as questões já acima enunciadas.


3.2. Apreciação das questões suscitadas na revista


3.2.1. Enquadramento preliminar


Antes de mais, importa reter que, como já foi referido, na 1.ª instância, se concluiu, em primeira linha, que a extemporaneidade da instauração da ação de impugnação do despedimento do A. era imputável ao R. a título de conduta ilícita e culposa dos seus deveres profissionais nos termos dos artigos 92.º, n.º 2, e 95.º, n.º 1, alínea b), do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26-01, então em vigor.

Sucede que o R., sendo parte vencedora do veredito ali proferido, questionou em sede de ampliação do objeto da apelação interposta pelo A., ou seja em via de defesa subsidiária, aquele juízo preliminar de imputação, pedindo para tanto que fossem aditados determinados factos com vista a serem dados como provados. Tal questão foi enunciada, no acórdão recorrido (fls. 612) como a única questão suscitada pelo R.

Todavia, no referido acórdão, não chegou a ser convocada a sobredita questão preliminar, entrando-se logo, em sede de mérito, no enquadramento teórico da pretensão de indemnização por perda de chance, como se alcança de fls. 618 e segs., para se prosseguir depois na abordagem das questões ali tidas por pertinentes em sede da impugnação deduzida pelo Recorrente.

Assim, chegando-se, como se chegou, à conclusão da improcedência da ação, embora nada mais se tenha dito sobre a questão subsidiária suscitada pelo Recorrido, é de considerar ter esta questão ficado prejudicada em virtude daquela conclusão, todavia, ainda dependente do que for decidido na presente revista.


     No que respeita agora à pretensão indemnizatória fundada em perda de chance processual, tal como foi considerado pelas instâncias, trata-se duma pretensão destinada a obter o ressarcimento de um dano aferível em função da probabilidade consistente e séria de quem, não obtendo ganho de causa por motivo imputável ao respetivo mandatário forense, o pudesse obter, não fora a ocorrência de tal motivo.  

   A possibilidade desse tipo de pretensão encontra suporte doutrinário e jurisprudencial, mormente no quadro atual da jurisprudência deste Supre-mo Tribunal.

Não obstante as divergências quanto à caracterização ou não da perda de chance como dano autónomo, não vemos que exista obstáculo a que essa perda de chance ou de oportunidade de obter uma vantagem ou de evitar um prejuízo, impossibilitada definitivamente por um ato ilícito, não possa ser qualificada como um dano em si, posto que sustentado num juízo de probabilidade tido por suficiente em função dos indícios factualmente provados[1].

     Assim, desde que se prove, desse modo indiciário, a consistência de tal vantagem ou prejuízo, ainda que de feição hipotética mas não puramente abstrata, terá de se reconhecer que ela constitui uma posição favorável na esfera jurídica do lesado, cuja perda definitiva se traduz num dano certo contemporâneo do próprio evento lesivo. 

      É certo que se poderá colocar a questão de saber se, em tais casos, estamos ainda em sede de identificação do dano ou já no plano do estabelecimento do seu nexo de causalidade, sabido como é que a definição da chance perdida terá de ser feita sempre na perspetiva do resultado final para que tende.

      De todo o modo, uma coisa será, em primeira linha, identificar a própria perda de chance com consistência suficiente, em função do resultado final hipotético definitivamente perdido, para ser qualificada como dano emergente e certo, outra algo diferente será depois imputar essa perda à conduta lesiva, segundo as regras da causalidade adequada. Embora se reconheça que essa dicotomia seja discutível, se concentrarmos o juízo de probabilidade na aferição da consistência necessária à identificação do dano, já o estabelecimento do seu nexo de causalidade com a conduta ilícita se revela facilitado.

     Nesse conspecto, o juízo de probabilidade sobre a consistência da perda de chance deve “ser encarado com grandes cautelas e apenas nas situações em que a privação da probabilidade de obtenção de uma vantagem se possa caracterizar, com mais evidência, como um dano autónomo”[2].

     Problemático será saber quais os índices de probabilidade para o reconhecimento da perda de chance como dano autónomo, ou seja, se a própria probabilidade de vantagem perdida pode ser reconhecida como juridicamente relevante, não obstante a impossibilidade de demonstração do respetivo resultado final.

     Assim, no campo da responsabilidade civil contratual por perda de chances processuais, em vez de se partir do princípio de que o sucesso de cada ação é, à partida, indemonstrável, parece mais curial ponderar, perante cada hipótese concreta, qual o grau de probabilidade segura desse sucesso, pois pode muito bem acontecer que o sucesso de determinada ação, à luz de um desenvolvimento normal e típico, possa ser perspetivado como uma ocorrência altamente demonstrável, à face da doutrina e jurisprudência então existentes.

      Nessa base, será de aceitar que uma vantagem perdida por decorrência de um evento lesivo, desde que consistente e séria, ou seja com elevado índice de probabilidade, possa ser qualificada como um dano autónomo, não obstante a impossibilidade absoluta do resultado tido em vista.

De resto, a jurisprudência do STJ tem vindo a admitir a relevância de situações pontuais, desde que a prova permita, com elevado grau de probabilidade, ou verosimilhança, concluir que o lesado obteria certo benefício não fora a chance perdida. Isto mais não é do que admitir afinal o dano por perda de chance na base de um juízo de probabilidade elevado e que só poderá ser aferido em cada caso concreto. O que parece discutível é se deve ser feito de forma categorial ou se em função da espécie do caso, como propendemos a admitir.

Em suma, afigura-se razoável aceitar que a perda de chance se pode traduzir num dano autónomo existente à data da lesão e portanto qualificável como dano emergente, desde que ofereça consistência e seriedade, segundo um juízo de probabilidade suficiente, independente do resultado final frustrado.

Demonstrada assim essa espécie de dano, questão diferente será já a avaliação do quantum indemnizatório devido, segundo o critério da teoria da diferença nos termos prescritos no artigo 566.º, n.º 2, do CC. Será também neste plano de avaliação que se poderá lançar mão, em última instância, do critério da equidade ao abrigo do n.º 3 do mesmo normativo, o qual não pode, pois ser utilizado em sede de determinação da própria consistência da perda de chance.

No caso de perda de chances processuais, como é a tratada nos presentes autos, a primeira questão está em saber se o hipotético sucesso do desfecho processual, decorrente do recurso que o R. deixou de interpor, assume um padrão de consistência e de seriedade que, face ao estado da doutrina e jurisprudência se revela suficientemente provável para o reconhecimento do dano.  

Para tanto, importa fazer o chamado “julgamento dentro do julgamento” no sentido da solução jurídica altamente provável que o tribunal da ação em que a parte ficou prejudicada viesse a adotar.

A determinação da perda de chance processual por via do julgamento dentro do julgamento encontra-se bem espelhada, por exemplo, nos acórdãos do STJ, de 05/02/2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, de 14/03/2013, proferido no processo n.º 78/09.5TVLSB.L1.S1 e de 30/09/2014, proferido no processo n.º 739/09.5TVLSB.L2-A.DS1[3].

Muito embora tal apreciação se inscreva, enquanto tal, em princípio, em sede de questão de facto, extravasando, nessa medida, os fundamentos do recurso de revista[4], deve admitir-se que possa, ainda assim, envolver erros de direito sobre a apreciação da prova ou do quadro normativo aplicável, estes sim passíveis de serem sindicáveis em sede de revista.

O ónus de prova de tal probabilidade impende sobre o lesado, como facto constitutivo que é da obrigação de indemnizar (art.º 342.º, n.º 1, do CC).

É esta linha de orientação que se seguirá na apreciação das questões suscitadas.


3.2.2. Quanto à questão respeitante à prescrição do procedimento disciplinar relativamente às infrações disciplinares tidas por cometidas pelo A. entre novembro de 2008 e março de 2010


Como decorre do acima exposto, o A. foi sujeito a um procedimento disciplinar laboral instaurado pela respetiva entidade patronal – … -, no decurso do qual lhe foi comunicada uma nota de culpa em 16/12/2011 a dar conta da intenção de se proceder ao seu despedimento.

Os fundamentos apresentados consistiam, além do mais e no que ora interessa, nos seguintes factos:

- O A., residindo embora em C…, V… – onde nunca deixou de residir - comunicou aos …, em 25/08/2004, que residia em P…, em cuja Loja Postal estava colocado;

- O A., entre 18/11/2008 e 02/03/2010, prestou serviço, em dias intercalados, nas … de V… e C…;

- Os trabalhadores deslocados tinham direito ao abono dos quilómetros percorridos entre o local habitual de trabalho, ou a residência, se mais perto, e o local de deslocação;

- C…, V…, dista 13 quilómetros de V… e 19 quilómetros de C…; P… dista 26 quilómetros de V… e 39 quilómetros de C…;

- Residindo o A., de facto, em C…, V… e não em P…, recebeu ajudas de custo indevidas no valor de € 2.475,66, no período considerado;

- O A. recebeu tal quantia, sem a ela ter direito, por força da intencional, livre, consciente e deliberada comunicação de mudança de morada que, na prática, não ocorreu, conforme documento junto a fls. 102 a 144 e 148 a 171.

O despedimento foi consumado por decisão de 05/03/2012, recebida pelo A. em 7/03/2012.

Quer na ação de impugnação desse despedimento instaurada, em 17/05/2012, pelo R., como mandatário do A., e que acabou por ser julgada improcedente por procedência da exceção de caducidade ali deduzida, quer na presente ação, o A. invocou a prescrição do procedimento disciplinar quanto aos referidos factos ocorridos entre novembro de 2008 e março de 2010, por decurso do prazo de um ano estabelecido no artigo 329.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT), aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12-02, entre a data da prática daqueles factos e a data da comunicação da nota de culpa que lhe foi feita em 16/12/2011.

Em ambas as instâncias, embora fosse reconhecida a verificação do decurso daquele prazo, foi entendido que as infrações em causa eram ainda assim suscetíveis de integrar o crime de falsas declarações previsto no artigo 348.º-A do Código Penal, sujeito ao prazo de prescrição criminal de dois anos nos termos do artigo 118.º, n.º 1, alínea d), do mesmo Código, prazo este que se havia interrompido com a comunicação da nota de culpa, pelo que o procedimento disciplinar não se encontrava prescrito, face à ressalva final constante do indicado artigo 329.º, n.º 1, do CT.

É este entendimento que o Recorrente questiona pelas razões acima enunciadas, desde logo, em sede de apelação, o que não teve qualquer rebate por parte do tribunal a quo, que se limitou a reeditar acriticamente a tese da 1.ª instância, e que ora continua a pugnar.


Vejamos.


O artigo 329.º, n.º 1, do CT estabelece que:

O direito de exercer o poder disciplinar prescreve no prazo de um ano após a prática da infração, ou o prazo de prescrição da lei penal se o facto constituir igualmente crime.

Todavia, como foi dito, foi considerado pelas instâncias que, embora se verificasse o decurso do referido prazo prescricional de um ano, os factos em causa ocorridos entre novembro de 2008 e março de 2010 poderiam constituir crime de falsas declarações à luz do disposto no artigo 348.º-A do CP, não se percebendo bem a que declarações se reportam: se à declaração de alteração de residência manifestada pelo A. aos … em 25/08/ 2004, se a qualquer outra declaração ocorrida entre novembro de 2008 e março de 2010, mas que não se encontra individualizada nos factos provados.

Ora, no indicado artigo 348.º-A do CP, introduzido pela Lei n.º 19/2013, de 21/02, que entrou em vigor em 23/03/2013, prescreve-se o seguinte:

1. Quem declarar ou atestar falsamente à autoridade pública ou a funcionário no exercício das suas funções identidade, estado ou outra qualidade a que a lei atribua efeitos jurídicos, próprios ou alheios, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.

2. Se as declarações se destinarem a ser exaradas em documento autêntico o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa.

  Por sua vez, segundo o artigo 386.º, n.º 2, do CPC, para efeitos da lei penal, são equiparados a funcionário público os gestores, titulares dos órgãos de fiscalização e trabalhadores de empresas concessionárias de serviços públicos.

   Assim, naquele normativo tipifica-se um crime de perigo abstrato, de mera atividade, cuja conduta aí incriminada se consubstancia na declaração falsa manifestada perante autoridade pública ou funcionário, independentemente de qualquer resultado[5].

     Convém ter presente que, outrora, o referido crime se encontrava previsto no artigo 22.º do Dec.-Lei n.º 33725, de 21/06/1944, mas que, entretanto, fora sobreposto por sucessivos diplomas, tais como a Lei n.º 2/91, de 21-05, que, no seu artigo 37.º, criminalizava as falsas declarações prestadas a autoridade pública relativamente à identificação civil e criminal, o qual foi revogado pela Lei n.º 57/98, de 18-08, na parte relativa à identificação criminal e, por fim, pela Lei n.º 33/99, de 18-05, que revogou, na sua totalidade, o indicado artigo 37.º[6]

     Por seu lado, o Código Penal de 1982 passou a diferenciar os crimes de falsificação de documentos, dirigidos à tutela de valores e interesses da vida em sociedade, e os crimes contra a realização da justiça dentre os quais os crimes de falsidade de depoimento ou declarações e os de falsidade de testemunho.

     No entanto, a jurisprudência tendia ainda a considerar que se continuava a aplicar o art.º 22.º do Dec.-Lei n.º 33725 quanto a falsas declarações prestadas fora do âmbito processual, pelo facto de aquele artigo não ter sido expressamente revogado pelo Código Penal[7].

      Todavia, na sequência da Reforma do Código Penal de 1995, introduzida pelo Dec.-Lei n.º 48/95, de 15-03, deixou de existir preceito incriminatório de falsas declarações prestadas perante funcionário fora do âmbito processual.[8] 

       Mostra-se pois seguro que, desde pelo menos 1995 até à introdução do novo crime de falsas declarações previsto no artigo 348.º-A do CP por via da Lei n.º 19/2013, de 21/02, em vigor desde 23/03/2013, as falsas declarações prestadas fora do âmbito processual não constituíam infração criminal.

      Assim sendo, às infrações disciplinares laborais imputadas ao A. por factos tidos por ocorridos entre novembro de 2008 e março de 2010 não é aplicável a incriminação constante do referido artigo 348.º-A do CP, pelo que o respetivo procedimento disciplinar prescreveu em virtude do decurso do prazo de um ano estabelecido no artigo 329.º, n.º 1, do CT.

      De resto, nem sequer aquela incriminação se mostra aplicável ao caso presente, na medida em que incide sobre declarações falsas prestadas perante autoridade pública, enquanto tal, não compreendendo, portanto, as declarações falsas prestadas fora dessa órbita, mormente no quadro das relações laborais, como sucede no caso.

      Nem dos factos em presença se divisa que eles possam constituir qualquer outro tipo de crime, nomeadamente o de falsificação ou contrafação de documento previsto no artigo 256.º, n.º 1, do CP em que se tutela a segurança e credibilidade no tráfico jurídico probatório relativamente à prova documental. 


     Em suma, a impugnação do despedimento do A. através da ação em nome dele interposta pelo R., caso não tivesse sido instaurada fora de prazo, teria toda a probabilidade de sucesso no tocante à prescrição do procedimento disciplinar laboral pelas infrações que lhe foram imputadas tidas por cometidas entre novembro de 2008 e março de 2010.

      Termos em que o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação de direito, que importa aqui deixar assim reparado.


3.2.3. Quanto às infrações disciplinares tidas por cometidas pelo A. entre março de 2010 e novembro de 2011


Como decorre do anteriormente exposto, o despedimento do A. fundou-se ainda em infrações disciplinares laborais ocorridas entre março de 2010 e novembro de 2011 mediante as quais aquele recebeu dos … a quantia de € 1.540,00, a título de compensação por acréscimo de despesas de transporte quando se encontrava colocado definitivamente em V….

Na impugnação judicial daquele despedimento, o A. pretendia demonstrar que tinha residência habitual em P… e não em C… de V… ou que, pelo menos, a entidade patronal não provara que assim não fosse, como lhe competia, questionando ainda que lhe fosse aplicável o AE de 2008 e, em parte, o AE de 2010.

Além disso, questionava que tais factos assumissem gravidade suficiente para implicar o despedimento efetuado, tanto mais que a importância desse modo recebida seria inferior àquela a que teria direito, caso residisse em C…, por utilização de veículo próprio, já que não existiam transportes públicos entre esta localidade e V….


Neste domínio, a 1.ª instância, tendo como não verificado o prazo de prescrição do procedimento disciplinar de um ano, considerou que o recebimento da sobredita quantia era indevido em face do AE de 2010, já que o A. não provou que fazia a sua vida habitual em P….

 

Na mesma linha, a Relação entendeu que:

«(…) a prova produzida nos presentes autos é insuficiente para se poder concluir que o autor fazia a sua vida habitual em P….

E isto porque o que resultou provado foi apenas que o autor utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas, não obstante continuar a manter o seu domicílio fiscal em V…, local onde possui casa e residência.»

     Seguidamente, ainda na esteira do entendimento da 1.ª instância, a Relação, depois de equacionar o dever de lealdade do trabalhador para com a entidade patronal, enquanto manifestação do princípio da boa fé, à luz do disposto no artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do CT, considerou que as infrações disciplinares laborais imputadas ao A., ocorridas entre novembro de 2008 e novembro de 2011 mediante as quais ele recebeu indevidamente a quantia total de € 4.015,66, pela sua gravidade e consequências, eram suscetíveis de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral pela quebra absoluta de confiança que representavam.


         Vejamos.

        

       Não parece sofrer dúvida que o procedimento disciplinar a que o A. foi sujeito pelas infrações laborais que lhe foram imputadas tidas por ocorridas entre março de 2010 e novembro de 2011 não se encontrasse prescrito em face do disposto no artigo 329.º, n.º 1, do CT, uma vez que não havia decorrido o prazo de um ano ali estabelecido; nem o A. põe isso sequer em causa.  

Assim sendo, impor-se-á agora reponderar se as ditas infrações ocorridas entre março de 2010 e novembro de 2011 - mediante as quais o A. teria recebido indevidamente a quantia de € 1.540,00 a título de compensação por acréscimo de despesas de transporte, quando se encontrava colocado definitivamente em V… - são suscetíveis de constituir violação do dever de lealdade em termos de comprometer a subsistência do vínculo laboral.

 

O artigo 351.º, n.º 1, do CT dispõe que:

Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.

  Seguidamente, o n.º 2 contém uma enunciação exemplificativa de comportamentos do trabalhador suscetíveis de constituir justa causa de despedimento, em que se incluem a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa e as falsas declarações relativas à justificação de faltas.

      E o n.º 3 prescreve que:

  Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou ente o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. 

     Nesta conformidade, a doutrina e a jurisprudência têm qualificado a justa causa de despedimento como conceito indeterminado, o qual, conforme se colhe do recente acórdão da Secção Social do STJ, de 04/04/2018, proferido no processo 462/09.0TTBRR.L2.S1[9], é balizado por três componentes:

i) – uma conduta ilícita e culposa do trabalhador consubstanciada na violação dos seus deveres contratuais, grave em si mesma e pelas suas consequências;     

ii) – a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral;

iii) – o nexo de causalidade entre aquela conduta e esta impossibilidade.

     Como se pondera no indicado aresto, para além da materialização daqueles elementos integrativos do conceito de justa causa, exige-se que a “dimensão global” da gravidade do comportamento do trabalhador “torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral”, o que deve ser aferido segundo “um juízo de prognose em que se projeta o reflexo da infração e do complexo de interesses por ela afetados na manutenção da relação de trabalho, em ordem a ajuizar da tolerabilidade” desta manutenção.


     Mais ali se refere que “a impossibilidade de manutenção da relação laboral deve ser apreciada no quadro da inexigibilidade com a ponderação de todos os interesses em presença, existindo sempre que a subsistência do contrato represente uma insuportável e injusta imposição ao empregador”.

     Nessa linha, já em anterior acórdão da mesma Secção Social, de 12/05/2016, proferido no processo n.º 44/10.4TTVRL.G1.S1[10], foi considerado o seguinte:

«(…) para a verificação da justa causa, não basta a mera existência dum dos comportamentos tipificados no n.º 2 do … [artigo 351.º do CT], pois será sempre necessário que, para além disso, se possa concluir que a conduta do trabalhador provocou a rutura do contrato por se ter tornado impossível manter a relação laboral, impondo-se que a rutura seja irremediável em virtude de não haver outra sanção suscetível de sanar a crise contratual aberta com a conduta do trabalhador

E verificar-se-á a impossibilidade prática da subsistência da relação laboral quando se esteja perante uma situação de quebra de confiança do empregador, por o comportamento do trabalhador ser suscetível de criar no espírito daquele a dúvida sobre a idoneidade futura da sua conduta, estando portanto o conceito de justa causa ligado à ideia de inviabilidade do vínculo contratual, correspondendo a uma crise extrema e irreversível do contrato.»  

      Também Diogo Vaz Marecos, in Código do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2012, em anotação ao artigo 351.º, pp. 807 e 808, escreve que:

«Verifica-se a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral quando ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre o empregador e o trabalhador, susceptível de criar no espírito do primeiro a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral.

   (…)

  Da própria noção de justa causa resulta que a sanção de despedimento, enquanto sanção expulsiva deve ser reservada a situações extremas, em que não seja razoavelmente equacionável a aplicação de uma qualquer outra sanção conservatória (…)»


     Por sua vez, como é sabido, o dever de lealdade consagrado no artigo 128.º, n.º 1, alínea f), do Código do Trabalho de 2009 consiste num dos deveres acessórios autónomos da prestação principal da relação jus-laboral.

A esse propósito, no acima citado acórdão da Secção Social do STJ, de 04/04/2018, proferido no processo 462/09.0TTBRR.L2.S1, entre outros, em sede do disposto no citado normativo, foi considerado, com apoio em doutrina avalizada, o seguinte:

«Ao dever de lealdade é reconhecida pela Doutrina uma dimensão ampla e uma dimensão restrita, concretizando-se esta nos deveres de não concorrência e de sigilo que são objeto de consagração expressa naquela norma [art.º 128.º, n.º 1, alínea f), do CT].    

Em sentido amplo, o “dever de lealdade é o dever orientador geral da conduta do trabalhador no cumprimento do contrato”, entroncando, por um lado, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos, e, nesta perspetiva “não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no artigo 762.º, n.º 2, do CC”[11].

O dever de lealdade, nesta dimensão ampla, comporta ainda um duplo sentido que se materializa no “envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo e na componente organizacional do contrato”[12] 

O elemento “da pessoalidade explica que a lealdade do trabalhador no contrato seja, até certo ponto, uma lealdade pessoal, cuja quebra grave pode constituir motivo para a cessação do contrato. É este elemento de pessoalidade, traduzido na lealdade pessoal, que justifica, por exemplo, o relevo de condutas extralaborais do trabalhador graves para o efeito de configuração de uma situação de justa causa de despedimento, bem como o relevo da perda da confiança pessoal do empregador no trabalhador para o mesmo efeito.”

 (…)

Conforme refere MONTEIRO FERNANDES, “o que pode dar-se por seguro é que o dever geral de lealdade tem uma faceta subjetiva que decorre da sua estreita relação com a permanência de confiança entre as partes (nos casos em que este elemento pode considerar-se suporte essencial de celebração do contrato e da continuidade das relações que nele de fundam)”, sendo necessário “que a conduta do trabalhador não seja, em si mesma, suscetível de destruir ou abalar tal confiança, isto é, capaz de criar no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta daquele”, sendo certo que “este traço do dever de lealdade é tanto mais acentuado quanto mais extensa for a (eventual) delegação de poderes no trabalhador e quanto maior for a atinência das funções exercidas à realização final do interesse do empregador”[13].     



     Nas palavras de Diogo Vaz Marecos[14]:

  «O dever de lealdade caracteriza-se assim por constituir um dever geral de lealdade que deve estar presente em toda e qualquer relação de trabalho subordinado, e que impõe ao trabalhador que nas relações com o empregador aja com franqueza e honestidade, de acordo com a boa fé que deve presidir à execução do contrato, cfr. 1 do artigo 126.º e n.º 2 do artigo 762.º do Código Civil.»

     E tem sido entendido que “o dever de lealdade não é suscetível de graduações, constituindo um valor absoluto, pelo que, qualquer infidelidade a ele envolve falta grave eliminando a confiança depositada até ao momento da sua comissão pela entidade patronal no infractor”[15].

     Mostra-se também pertinente a ponderação feita no acórdão recorrido quando, na parte final, se refere que:

«(…) o facto de o mesmo [o autor] ter trabalhado na empresa aqui ré durante mais de 30 anos, período durante o qual foi sempre diligente, assíduo e zeloso no cumprimento das tarefas que lhe foram cometidas, nunca ter sido repreendido, nunca ter cometido qualquer ilícito, ou ter sido objecto de qualquer processo, e de ter sido frequentemente premiado, e louvado pela sua entidade patronal pelo desempenho na chefia da Loja de P…, invocadas pelo Autor como atenuantes a ter em consideração, nos termos do disposto no art.º 20.º, n.º 1 do Regulamento Disciplinar aprovado pela Portaria n.º 348/87, de 28/04, deve funcionar, não como circunstância atenuante mas sim como circunstância agravante. Tudo porque subscrevemos a ideia de que o dever de lealdade se acentua quer quando o trabalhador tem um cargo de maior confiança, como é um cargo de chefia, quer quando o trabalhador está há longo tempo ao serviço da empresa.

Deste modo e como se afirma, no citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.04.2007, no processo n.º 2842/06:

“Nos casos em que o trabalhador está situado na organização da entidade empregadora em cargos de maior confiança – em que o dever de lealdade é mais acentuado, por mais extensas e qualificadas serem as funções atribuídas – a subsistência dessa confiança constitui o fundamento da permanência do vínculo.”.

Mais ainda: “A circunstância de o trabalhador estar há longo tempo ao serviço do empregador, actuando sem faltas, torna mais grave a violação dos seus deveres laborais, por representar uma frustração da maior confiança que, devido à duração regular da prestação laboral, nele normalmente devia depositar o empregador.”.

Por último quando se afirma o seguinte: “Este nível de confiança acrescido inerente ao desempenho de funções de chefia dificilmente se compadece, na prática, com o sancionamento de infracções disciplinares, através da aplicação de uma multa ou da suspensão com perda de retribuição, uma vez que acesso a estes cargos e a sua manutenção pressupõe necessariamente a existência de uma especial relação de confiança entre o empregador e o respectivo titular.”».


Será pois à luz de todas as precedentes considerações que importa ajuizar se os factos em referência imputados ao A. no mencionado procedimento disciplinar constituem violação do dever de lealdade suscetível de quebrar a confiança que os … nele depositavam para efeitos do prosseguimento da relação laboral.

Nesse quadro, embora recaia aqui sobre o A. o ónus de provar a probabilidade de sucesso da ação de impugnação do despedimento instaurada em seu nome pelo R., não se pode ignorar que, no âmbito daquela ação de impugnação, era sobre à entidade empregadora que incumbia o ónus de provar os factos integrativos da justa causa do despedimento[16], incluindo portanto o de que o A. residia em C… e não em P… como lhe declarara, cabendo a este produzir a contraprova desse facto, nos termos do artigo 346.º do CC.

Assim sendo, agora na presente ação, caberá ao A. demonstrar a alta probabilidade de a sua entidade patronal não lograr aquela prova.    


No que para tanto releva, da factualidade provada consta que:

1.7 - O A. foi despedido pelas razões constantes da nota de culpa, traduzidas, no essencial, na consideração de terem sido provados, no decurso do processo disciplinar, os factos que seguem:

i) - O A., residindo embora em C…, V… – onde nunca deixou de residir - comunicou aos …, em 25/08/2004, que residia em P…, em cuja Loja Postal estava colocado;

iii) - Os trabalhadores deslocados tinham direito ao abono dos quilómetros percorridos entre o local habitual de trabalho, ou a residência, se mais perto, e o local de deslocação;

iv) – C…, V…, dista 13 quilómetros de V… e 19 quilómetros de C…, P… dista 26 quilómetros de V… e 39 quilómetros de C…;

vi) - Em 04/03/2010, o A. foi definitivamente transferido para V…;

vii) - Pela transferência definitiva do local de trabalho, teria o A. direito ao pagamento da diferença do passe de transporte coletivo, por haver transporte;

viii) - E o A. recebeu, de facto, entre março de 2010 e novembro de 2011, indevidamente - por não morar em P…, mas em C…, V… -, € 77,00/mês, no total de € 1.540,00;

ix) - O A. recebeu, pois, sem a eles ter direito, [tal quantia], por força da intencional, livre, consciente e deliberada comunicação de mudança de morada que, na prática, não ocorreu, conforme documento junto a fls. 102 a 144 e 148 a 171.

1.16. Entre 2008 e 2011, o A. utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas.

1.17. O domicílio fiscal do A. continuou a ser em V…, onde o A. mantém casa.

1.18. A mulher do A. trabalhava, e a filha estudava, em P….

1.19. Até 04/03/2010, o A. esteve colocado em P… e deslocado em V… e C….

1.20. Entre P… e V… há transportes públicos.

1.21. Entre C… e V..., sede do concelho, não há transportes públicos.

1.22. Não havendo transporte público da freguesia de C… para a sede do concelho, o A. tinha de utilizar automóvel próprio.


 Sucede, porém, que dos factos descritos em 1.16 a 1.18 não se extrai com a necessária nitidez se e em que condições e com que regularidade o A. vivia ou morava em P….

Com efeito, apura-se apenas que, apesar de ter o seu domicílio fiscal e manter casa em C…, entre 2008 e 2011, utilizava uma casa situada em P…, emprestada por um amigo, o que fazia sempre que necessário, e principalmente de Inverno, na qual passava muitas semanas; e que a sua mulher trabalhava e a filha estudava em P….

Nesse contexto, afigura-se relevante concretizar, quanto possível, no respeitante ao ponto 1.16, em conjugação com a matéria dos pontos 1.17 e 1.18, o modo em que se traduziu afinal tal utilização sempre que necessária e com que regularidade ou periodicidade o A. o fazia ao longo do ano, de forma a apurar se ou em que medida o mesmo teria ali centrada a sua vida pessoal e familiar, apesar de “manter casa” em C… e de lá ter o seu domicílio fiscal.

 

Por outro lado, no acórdão recorrido, refere-se que, entre março de 2010 e novembro de 2011, seria aplicável o AE de 2010, mas não se refere em que data é que este AE entrou em vigor, o que, de resto, foi questionado pelo Recorrente, ao sustentar que esse AE só foi publicado em 15/09/2010 (fls. 540), sendo que foi dado como provado pela Relação que o AE de 2008 não foi subscrito nem pelo sindicato de que o A. é filiado nem por ele próprio.

Haverá pois que clarificar o âmbito de aplicação temporal do AE de 2010 e o seu alcance quanto aos factos ocorridos entre março de 2010 e novembro de 2011, independentemente do que fora entendido no procedimento disciplinar laboral.


Todo este circunstancialismo será útil para ajuizar sobre o grau de probabilidade que o A. tinha de, no âmbito da ação de impugnação do despedimento instaurada pelo R., como advogado daquele, lançar dúvida séria sobre os factos que incumbia à entidade patronal ali provar no sentido de que o A. residia em C… e não em P… e de que a declaração que o mesmo fez em 25/08/2004 ou o ulterior aproveitamento dessa declaração revelam uma intenção deliberada de comunicar e/ou manter uma aparente mudança da sua morada que não existia e de, por essa via, provar a violação do dever de lealdade para efeitos de concretizar a justa causa do despedimento.  


Em suma, afigura-se que o juízo de probabilidade sobre o eventual sucesso da ação de impugnação do despedimento instaurada pelo R., em nome do A., requer não só a cabal concretização do ponto de facto e clarificação dos elementos acima indicados, mas também implica uma nova ponderação global sobre a gravidade dos factos ocorridos entre março de 2010 e novembro de 2011, agora sem relevo dos ocorridas entre novembro de 2008 e março de 2010, em ordem a determinar se aqueles, no contexto em que ocorreram, são de molde a constituir justa causa do despedimento por violação do dever de lealdade.

De notar que essa reponderação não se traduz em mera apreciação de direito, mas envolve ainda um julgamento em sede de facto que não se afigura caber na competência deste tribunal de revista para além do quadro normativo em que se inscreve.


    Por fim, há que não esquecer que o R. deduziu, em sede de apelação, defesa subsidiária e ampliação da matéria de facto tendentes a excluir a sua responsabilidade contratual, questão que ficara prejudicada com a solução dada pela Relação.

     Não obstante isso, haverá que apreciar previamente essa questão, atenta a hipótese de vir a reconhecida a probabilidade do sucesso da ação de impugnação do despedimento, seja pela própria Relação, seja ainda em sede de eventual recurso de revista que venha ainda a ser interposto. Mais precisamente, a prejudicialidade daquela questão não deve ser equacionada apenas em função da solução que seja dada pela Relação às demais questões, mas ainda na perspetiva da sua relevância para a solução que possa vir a ser adotada no âmbito de eventual recurso de revista subsequente.   


IV - Decisão


Pelo exposto, acorda-se em conceder parcialmente a revista, decidindo-se anular o acórdão recorrido e determinar a baixa do processo ao Tribunal da Relação do Porto para, nos termos acima delineados:

a) – Antes de mais, providenciar pela concretização, quanto possível, do ponto de facto 1.16;

b) – Conhecer da questão de defesa subsidiária e ampliação suscitada pelo R./apelado para a hipótese de se reconhecer a probabilidade do sucesso da ação de impugnação do despedimento pela própria Relação ou ainda em sede de eventual recurso de revista subsequente;

c) – Reponderar a probabilidade do sucesso da ação de impugnação do despedimento, atentos agora os factos ocorridos entre março de 2010 e novembro de 2011, com exclusão dos ocorridos entre novembro de 2008 e março de 2010, para efeitos de indemnização por perda de chance processual;  

As custas do recurso serão devidas pela parte vencida a final.

Lisboa, 30 de maio de 2019

Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching

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[1] Vide a este propósito, o acórdão do STJ, de 09/07/2015, relatado pelo aqui relator, no processo n.º 5105/12.2TBSXL.L1.S1, acessível na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj.
[2] A este propósito, vide comentário do Juiz Conselheiro Carlos Alberto Fernandes Cadilhe, in Regime da responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e Demais Entidades Públicas, Anotado, Coimbra Editora, 2011, pag. 98-99, citado no acórdão indicado na nota precedente.  
[3] Todos estes arestos estão citados por Paulo Mota Pinto, Artigo doutrinário intitulado Perda de chance processual, in RLJ Ano 145.º, Março-Abril de 2016, pp. 174 e segs., tendo sido relatados, respetivamente, pelos Juízes Conselheiros Hélder Roque, Maria dos Prazeres Beleza e Mário Mendes, acessíveis na Internet - http://www.dgsi.pt/jstj. .
[4] Neste sentido, vide Paulo Mota Pinto, artigo citado p. 190
[5] A este propósito, vide Breve Comentário ao “Novo” Crime de Falsas Declarações – Dissertação de Mestrado em Ciências Jurídico-Criminais, de Maria de Fátima dos Anjos Colação, Universidade de Coimbra, 2016, p. 32, disponível na Internet.
[6] Vide Breve Comentário ao “Novo” Crime de Falsas Declarações, acima citado, pp. 5 e 6.
[7] Estudo cit., p. 13.
[8] Vide Estudo cit. pp. 13-15.
[9] Relatado pelo Juiz Cons. António Leones Dantas, acessível na Base de Dados Jurídicas da DGSI.
[10] Relatado pelo Juiz Cons. Gonçalves Rocha, acessível na Base de Dados Jurídicas da DGSI.
[11] Citação de Maria do Rosário Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, Almedina, 2016, p. 288.
[12] Idem, p. 289.
[13] Citação de Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª Edição, Almedina, 2004, p. 233.
[14] Ob. cit. p. 314.
[15] Vide acórdão do STJ, de 23/10/1987, proferido no processo n.º 001632jstj00011209 com sumário acessível na Internet.
[16] A este propósito, vide, por todos, Diogo Vaz Marecos, Código do Trabalho Anotado, Coimbra Editora, 2.ª Edição, 2012, pp. 810 (nota 13) e 916. (nota 9)