Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
816/14.0T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: CHAMBEL MOURISCO
Descritores: TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
DISCRIMINAÇÃO
ÓNUS DA PROVA
INVERSÃO DO ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 06/01/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / SUJEITOS DO CONTRATO / DIREITO À IGUALDADE / PROÍBIÇÃO DA DISCRIMINAÇÃO - DIREITO COLECTIVO ( DIREITO COLETIVO ) / CONVENÇÃO COLECTIVA ( CONVENÇÃO COLETIVA ) / PRICÍPIO DA FILIAÇÃO.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS.
Doutrina:
- João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, 311 (467).
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 783.
- Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, 790.
- Lucia Silvagna, «Paritá di tratamento nell’impresa e struttura del rapporto di lavoro», RIDL 1983, parte II, 918 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 342.º, N.º 1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 7.º, 411.º.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGOS 24.º, 25.º, N.º 5, 496.º
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 13.º, 59.º, N.º 1, AL. A).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22/4/2009, NO PROCESSO N.º 3040/08, DE 14/12/2016, NO PROCESSO N.º 4521/13.7TTLSB.L1.S1.
Sumário :
1. O Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.

2. O art.º 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.

3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando‑se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção.

5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

                                                           I

  1. AA instaurou a presente ação emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra CTT – Correios de Portugal, S.A., pedindo a condenação desta:

- A reconhecer a existência de violação do princípio constitucional e universal da igualdade de “para trabalho igual salário igual” e consequentemente, reconhecer-lhe o direito a receber o mesmo valor que os restantes trabalhadores nível 4;

- A reconhecer que o que foi contratado – e que era a legítima expetativa do trabalhador – era um vencimento de nível 4 igual aos outros trabalhadores que exerçam iguais funções;

- A ordenar o pagamento do valor em dívida, resultante da diferença salarial desde abril de 2010, incluindo o valor que deveria ter sido pago a título de subsídio de férias e subsídio de Natal, até efetivo e integral pagamento;

- A pagar juros de mora à taxa legal desde que esses valores eram devidos e não foram pagos.

Como fundamento invoca, em síntese, a violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual” face às funções de chefe de equipa de tratamento no COCS (Centro Operacional dos Correios do Sul), de nível 4, que se encontra a exercer em comissão de serviço, com efeitos desde 23/03/2010 e diferenças salariais daí decorrentes.

Não tendo sido obtida a conciliação na audiência de partes, a Ré contestou, alegando, em síntese, que discorda, do valor da presente ação, do cálculo das diferenças remuneratórias pedidas pelo Autor, da pretensão de juros moratórios sobre as mesmas, invocando a prescrição, e dos fundamentos atinentes à pretensão das reclamadas diferenças remuneratórias, tendo concluído:

a) Deve ser julgado procedente o incidente relativo ao valor da ação;

b) Deve ser julgada procedente a exceção de prescrição de juros;

c) Deve ser julgada improcedente a ação, devendo, em consequência, a Ré ser absolvida dos pedidos formulados pelo Autor.

d) Pede que o Autor seja condenado como litigante de má-fé em montante a fixar pelo tribunal.

O Autor respondeu às exceções deduzidas pela Ré no sentido de as mesmas deverem ser julgadas improcedentes até porque se mantém em vigor entre as partes o contrato de trabalho que as une.

Foi proferido despacho saneador, no qual foi fixado à causa o valor de € 35.904,00, tendo sido relegado para a sentença final a apreciação da questão da prescrição dos juros de mora.

Foi dispensada a convocação de audiência preliminar, bem como a fixação da matéria de facto assente e a elaboração de base instrutória.

Fixaram-se como temas de prova a violação do princípio da igualdade, a fixação da retribuição do Autor em valor idêntico ao dos demais colegas de nível 4 e a prescrição dos juros de mora.

Designou-se data para audiência de discussão e julgamento.

Na data designada para esta audiência e uma vez que as partes declararam pretender chegar a acordo quanto à matéria de facto, as mesmas prescindiram da audição de testemunhas e de alegações de direito, requerendo prazo para apresentação desse acordo, prazo que lhes foi concedido, considerando-se, desse modo, prejudicada a realização da audiência de discussão e julgamento.

De seguida foi proferida sentença que decidiu julgar a ação procedente e em consequência:

a) Declarou verificada a violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição da discriminação, na vertente do subprincípio “para trabalho igual salário igual”;

b) Condenou a Ré a pagar ao Autor as diferenças retributivas entre o que vinha auferindo e o correspondente ao nível 4, fazendo repercutir tais diferenças nas férias, subsídios de férias e de Natal desde abril de 2010 até à data da propositura da ação (sendo aquele valor o constante do anexo 8 junto com a contestação da Ré);

c) Declarou improcedente a exceção de prescrição dos juros de mora;

d) Condenou a Ré a pagar juros de mora, sobre as quantias devidas em b), desde o seu vencimento, até integral e efetivo pagamento.

- Fixou as custas a cargo da Ré, atento o integral decaimento.

2. A Ré requereu a reforma desta sentença quanto a custas e, inconformada com a mesma, dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, que decidiu julgar a apelação procedente e, em consequência, alterar a sentença recorrida, julgando a ação improcedente e absolvendo a R. do pedido deduzido pelo Autor.

 

3. Inconformado com esta decisão, o A. interpôs recurso de revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

1. O que estava em causa nos presentes autos era verificar e decidir se o Autor fora vítima de discriminação negativa por parte da Ré;

2. Se essa discriminação seria admissível face à lei e constituição quando segundo a Ré ocorreu por aplicação de um acordo de empresa distinto, e por diferente antiguidade/progressão de carreira do Autor em relação aos outros referidos trabalhadores;

3. Ou se violaria o princípio previsto no Código de Trabalho de "para trabalho igual, salário igual" e mormente do princípio geral de não discriminação previsto na Constituição;

4. Em síntese poderá concluir-se:

• O Autor foi nomeado para Chefe de Equipa do Tratamento, nível 4, o mesmo cargo que os referidos trabalhadores;

• O Autor e os referidos trabalhadores exercem funções iguais do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

• Mesma qualidade porque as avaliações são semelhantes e têm necessariamente de ser boas, uma vez que o Autor antes da nomeação através do concurso de 07de dezembro de 2009 já exercera esse cargo em regime de interinidade/substituição entre fevereiro de 2008 e março de 2010, ora se não fosse bom no cargo não teria certamente sido nomeado para o mesmo, em regime de comissão de serviço;

• Mesma quantidade porque a Ré não colocou nunca em causa o desempenho do Autor;

• Mesma natureza porque todos tinham as mesmas funções, conforme provado no ponto 14. da sentença;

• Mesma duração, deduzindo-se a mesma, uma vez que os trabalhadores terão horários de duração igual;

• Mesma intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade que se deduz por se tratar do mesmo cargo - Chefe de Equipa do Tratamento, nível 4;

• O Autor aufere um vencimento base muito inferior aos referidos trabalhadores;

• A Ré admite em todos os seus articulados que existe diferenciação salarial entre o Autor e os referidos trabalhadores;

• A Ré justifica tal diferenciação com base numa diferente convenção coletiva de trabalho, progressão de carreira e antiguidade;

• Tais critérios não são objetivos e legalmente aceites e como tal verifica-se uma efetiva discriminação negativa do Autor em relação aos referidos trabalhadores;

• Existe discriminação salarial entre os trabalhadores da Ré.

5. O Autor presta os seus serviços segundo as ordens, fiscalização e diretivas para a Recorrente desde 28 de setembro de 2000;

6. Em 07 de dezembro de 2010, a Ré abriu um concurso interno com o título "Recrutamento e Seleção: Operações (OPE) Centro Operacional de Correio do Sul (COCS) LOCAL: Lisboa O Centro Operacional de Correio do Sul pretende recrutar um Chefe de Equipa (Nível 4) para a área do Tratamento;

7. O Autor concorreu ao referido, tendo sido nomeado em comissão de serviço para o cargo Chefe de Equipa do Tratamento no COCS, de nível 4, com efeitos desde o dia 23 de março de 2010;

8. Entre fevereiro de 2008 e março de 2010 o Autor exerceu ininterruptamente o mesmo cargo, mas em regime de interinidade/substituição;

9. Naturalmente aquele criou a legítima expectativa, que a tal cargo corresponderia um vencimento de chefia de nível 4, porquanto não só em regime de interinidade/substituição auferiu retribuição correspondente àquele cargo como era essa a situação que se verificava com todos os outros trabalhadores da Ré, que tinham a mesma categoria profissional e que exerciam idênticas funções, designadamente os trabalhadores BB, CC e DD;

10. Expectativa criada também de forma lógica, uma vez que o cargo a que concorreu e para o qual veio a ser nomeado era de "Chefia" de nível 4, o que correspondia a mais responsabilidade, mais funções e tarefas, um nível de exigência e de aptidão superior, uma exigência e superiores conhecimentos da estrutura e funcionamento da Recorrente, de verificação e análise do trabalho exercido por outros, dar ordens e instruções a Colegas e atribuir tarefas e horários a Colegas;

 11. O Autor pensou que a um cargo com mais exigências correspondesse, naturalmente, a um aumento de vencimento base que até aí auferia, caso contrário não teria concorrido;

12. O Autor e os referidos trabalhadores têm a mesma categoria profissional - Chefia, nível 4;

13. A Ré não logrou comprovar que a discriminação, que admite existir entre o Autor e os restantes trabalhadores com a mesma categoria profissional e a exercerem funções da mesma natureza, quantidade e qualidade, uma vez que invoca diferentes progressões, antiguidades e acordo de empresa para diferenciar os mesmos, se baseia em critérios objetivos e legalmente admitidos e previstos para o efeito.

14. Mesmo que coubesse ao Autor comprovar essa discriminação, violando um princípio constitucional, aquele fê-lo de forma clara e evidente.

15. Fê-lo através da demonstração de admissão expressa pela própria Ré em todos os seus articulados, que existe uma diferença de salários entre o Autor e os restantes trabalhadores com a mesma categoria profissional e a exercerem funções da mesma natureza, quantidade e qualidade se baseiam num acordo de empresa diferente, em diferentes progressões e antiguidade, conforme pontos I), V), X) a XII) das Alegações do recurso para o Tribunal da Relação e Contestação da Ré:

-"da cronologia apresentada, resulta como facto incontroverso que a progressão na carreira do Recorrido foi bastante diferente dos trabalhadores (...) o que determinou diferenças na remuneração" (negrito e sublinhado nossos, ponto I);

- "relativamente aos outros trabalhadores (...) sendo essa a única razão explicativa da diferença no valor das respetivas retribuições" (negrito e sublinhado nossos, ponto V);

- "como se demostrou, são diversos, os fatores determinantes das diferenças na retribuição (...)” (negrito e sublinhado nossos, ponto X);

-" (...) tratamento diferenciado (...) como aconteceu no caso concreto" (negrito e sublinhado nossos, ponto XII);

16. ficou mais do que provado e evidente que a discriminação existia e existe, conforme admitido expressamente pela Ré.

17. Não tinha por isso o Autor de fazer mais prova de que existe efetivamente diferenciação salarial entre o Autor e os outros trabalhadores que exercem funções de natureza, quantidade e qualidade iguais.

18. Não só cabia à Ré comprovar que a diferenciação não é negativa e por isso discriminação, como aquela não o fez nos presentes autos nem tão pouco nas suas Alegações onde se limita a repetir aquilo que alegou na sua Contestação: não nega tal discriminação, mas sustenta que a mesma se baseia numa diferente antiguidade/progressão de carreira e diferentes AE's aplicados ao Autor e aos referidos trabalhadores e que por isso é uma discriminação legal.

19. O Autor e os já referidos trabalhadores exercem as mesmas funções e tarefas a nível de natureza, duração, intensidade, dificuldade, quantidade, qualidade, penosidade e perigosidade;

20. O Autor e os referidos trabalhadores têm a mesma aptidão escolar e funcional para a categoria em causa, só assim podiam preencher os requisitos do cargo e serem nomeados para o mesmo;

21. O Autor e os referidos trabalhadores fazem regularmente trocas de sectores, turnos e serviços, conforme facto assente na sentença de que se recorre;

22. Tais trocas numa empresa, diga-se, da dimensão da Ré, só podem ocorrer desde que preenchidos certos requisitos e mediante a autorização de um superior hierárquico;

23. Preenchidos que estejam alguns requisitos, como sejam os trabalhadores que fazem as trocas terem em comum entre si a mesma categoria profissional e exercerem iguais funções e tarefas, do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

24. Parece-nos mais do que uma conclusão lógica que a comum e regular troca de turnos, serviços e sectores apenas poderia ser feita entre trabalhadores com a mesma categoria profissional e com funções e tarefas iguais;

 25. O Autor tinha a mesma categoria profissional, exercia iguais funções e tarefas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade, em relação aos referidos e outros trabalhadores da Ré, apenas divergindo entre si o valor da retribuição base, que do Autor era de € 860,30 e dos outros trabalhadores de € 1.316,00 (valores entretanto atualizados);

26. Existe uma efetiva diferença na retribuição base do Autor e dos outros trabalhadores com a mesma categoria profissional e que exercem iguais funções e tarefas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

27. Não é legítima a discriminação negativa a nível salarial entre trabalhadores da mesma empresa e que é feita pela Ré;

28. O Código de Trabalho prevê no seu artigo 23.º, n.º 1, alínea a) o princípio "para trabalho igual, salário igual";

29. A Constituição da República Portuguesa prevê no seu artigo 23.º, n.º 1, alíneas a) e b) o princípio geral de não discriminação;   

30. O princípio "para trabalho igual, salário igual", sendo um princípio previsto no Código de Trabalho, não será naturalmente absoluto;

31. A violação daquele princípio, diga-se, a discriminação, poderá ocorrer desde que fundamentada legalmente ou por critérios comummente aceites pela doutrina e jurisprudência, critérios aqueles que terão naturalmente de ser objetivos.

32. A Ré veio alegar que não havia discriminação negativa em relação ao Autor, alegando para tanto:

a) - uma diferente convenção coletiva de trabalho aplicável ao Autor e aos outros trabalhadores e,

b)- a antiguidade (mais experiência) e diferente progressão de carreira entre o Autor e os já enunciados trabalhadores.

33. Uma convenção coletiva de trabalho, diga-se, de conteúdo mais desfavorável, não pode ser valorado superiormente em relação ao conteúdo da lei geral e das normas constitucionais;

34. O AE/2008, convenção coletiva de trabalho que estava em vigência aquando do já referido concurso e nomeação do Autor, deixou de prever o valor de retribuições base para cada categoria profissional e,

35. Com esse fundamento a Ré passou a diferenciar a nível salarial (salário base) os seus trabalhadores, trabalhadores da mesma empresa que tinham a mesma categoria profissional e que exerciam iguais funções e tarefas, em clara violação com o princípio geral de "para trabalho igual, salário igual";

36. As entidades empregadoras têm o dever de não diferenciar e discriminar salarialmente os seus trabalhadores, se estes tiverem a mesma categoria profissional e se exercerem iguais funções e tarefas;

37. Aquela convenção coletiva de trabalho ao deixar de prever retribuições base para cada categoria profissional possibilitou a existência de um tratamento mais desfavorável entre os seus trabalhadores, entre os que tinham determinado cargo antes e depois do AE/2008;

38. Ou seja, possibilitou uma discriminação negativa a nível de retribuição base entre trabalhadores da mesma empresa;

39. Significa isto que o conteúdo daquela convenção coletiva de trabalho é mais desfavorável do que a lei geral;

40. O que é contra o nosso sistema jurídico, em termos hermenêuticos e hierárquicos;

41. À luz de uma correta hermenêutica legal, aquele fundamento não poderá proceder,

42. Isto porque, a permissão de tal fundamento iria causar situações de desigualdade retributiva dentro da mesma empresa, quando estão em causa, funções materialmente idênticas, do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade, como no caso concreto, em direta violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição da discriminação, princípios constitucionais;

43. É entendimento unânime da jurisprudência e Doutrina que "a intenção do legislador relativamente à vigência dos instrumentos de regulamentação coletiva é de que estes se coadunem com a regulamentação da lei geral e sejam com estas compatíveis ao abrigo de "favor laboratoris";

44. O que significa que a aplicação de um acordo de empresa não poderá colocar os trabalhadores de uma mesma empresa, numa situação mais desvantajosa do que aquela que resultaria da aplicação dos princípios gerais do Código de Trabalho ou dos princípios da Constituição;

45. Só assim será possível alcançar uma interpretação compatível "com a unidade e coerência do sistema jurídico. E é esta unidade e coerência que o legislador pretendeu ao consagrar as normas dos artigos 476.º e 478.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho e o princípio geral contido no artigo 23.º,  n.º 1, alínea a) e b) do mesmo diploma";

46. Dispõem os artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a), da CRP que todos os trabalhadores, sem distinção da idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções ideológicas ou políticas têm direito " à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual, deforma a garantir uma existência condigna;

47. Assim, retira-se daquela disposição, conjugada com o artigo 13.º da CRP (onde se prevê o princípio da igualdade em termos genéricos) que se uma entidade patronal paga a um trabalhador determinada retribuição, deve igualmente pagar essa mesma retribuição aos demais trabalhadores que exerçam idênticas funções e tarefas, na mesma quantidade, natureza e qualidade, e independentemente do sexo, raça, religião, nacionalidade, entre outras ali identificadas;

48. Não significa isto, que se proíba que ocorram diferenças entre os trabalhadores de uma mesma empresa. Essas diferenças podem ocorrer desde que sejam estabelecidas com critérios objetivos. Não se exige "uma paridade absoluta. Mas exige-se um tratamento igual para aquilo que é essencialmente igual, e desigual para aquilo que é essencialmente desigual";

49. Este princípio de "para trabalho igual, salário igual", traduz-se no direito de que os trabalhadores com iguais funções tenham a mesma retribuição;

 50. Significa isto que a igualdade não tem de ser absoluta, mas exige-se que relativamente a trabalhadores com a mesma categoria profissional e que exerçam funções iguais, sem que se baseie numa qualquer justificação objetiva séria e válida, não se possa verificar uma diferenciação na retribuição base e que daí advenha uma discriminação entre os trabalhadores da mesma empresa, não obstante realizarem um trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade;

51. O que se exige é que as diferenciações, a existir, sejam fundadas em critérios de justiça, de proporcionalidade, segurança jurídica e de solidariedade;

52. Ora no caso concreto, a Ré justifica tal diferenciação por existência de um diferente acordo de empresa aplicável a cada um dos trabalhadores;

53. Uma discriminação negativa do Autor em relação aos outros trabalhadores da mesma empresa, com a mesma categoria e a exercerem idênticas funções/tarefas;

54. Sendo proibida a discriminação, sem fundamento ou critérios objetivos válidos, dispõe o artigo 25.º do CT que "caberá ao empregador provar que o tratamento desvantajoso dado ao trabalhador não é discriminatório e arbitrário, tendo tal comportamento uma justificação válida e plausível";

55. A Ré não o fez;

56. Houve efetivamente discriminação negativa em relação ao Autor, conforme provado e admitido pela própria Ré,

57. Há discriminação no vencimento base que o Autor auferia, de menor valor em relação a outros trabalhadores da mesma empresa, com a mesma categoria profissional e que exercem tarefas/funções idênticas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade;

58. E tal discriminação é legalmente proibida de ocorrer;

59. Só sendo permitida se assente em critérios objetivos;

60. Não sendo exemplo de critérios objetivos normas de uma convenção coletiva de trabalho com conteúdo mais desfavorável ao trabalhador em relação à lei geral;

61. Nem a antiguidade no cargo ou na empresa, porque para tal existe a figura da diuturnidade;

62. Aceita-se o facto do Autor e aqueles trabalhadores terem diferente antiguidade na Ré ou mesmo no cargo em si mesmo. Mas a antiguidade dos trabalhadores numa empresa é valorizada e "premiada" pela figura da "Diuturnidade";

63. Mas não pode a retribuição base servir de critério de diferenciação de "anos de casa" ou "antiguidade" num cargo entre trabalhadores da mesma empresa;

64. As diuturnidades estão previstas na lei (CT) e pela própria Ré, em todos os seus Acordos de Empresa;

65. Se a Ré pretendia diferenciar os referidos trabalhadores do Autor, por terem mais antiguidade na empresa ou mesmo no cargo, deveria servir-se da figura das diuturnidades, atribuindo àqueles os valores que se encontram previstos no AE em vigência;

66. Aceita-se que o Autor possa ter tido menos experiência no cargo aquando da sua nomeação ou mesmo na empresa, em relação aos outros trabalhadores,

67. Mas tal é resultado do diferente ano em que ocorreu a nomeação para o cargo e do ano de admissão na empresa, não se consubstanciando num qualquer mérito próprio ou de capacidade de cada trabalhador;

68. É um critério subjetivo e não objetivo:

69. O Autor não é menos capaz nem tem menos aptidão para o cargo por causa do ano em que foi admitido na empresa ou do ano em que foi nomeado para o cargo. Isto é aferido pelas avaliações, e as do Autor sempre foram elevadas;

70. Por último, a progressão de carreira é um critério subjetivo.

71. A progressão de carreira não é e nunca foi requisito para aquele ou outro cargo de chefia.

72. Não pode por isso servir para permitir a discriminação salarial negativa existente, porquanto as exigências para a nomeação do referido cargo eram "apenas" a disponibilidade para trabalhar por turnos, o que o Autor e os outros trabalhadores tinham; de conhecimentos da empresa e dos produtos, conhecimento da estrutura da empresa, conhecimento do ciclo produtivo dos Correios, bom conhecimento dos padrões globais de qualidade de serviço; capacidade de planeamento, organização e programação do trabalho e capacidade de liderança, dinamização e envolvimento de equipas de trabalho;

73. O Autor é vítima de discriminação salarial em relação a outros trabalhadores da Ré.

74. Discriminação aquela ilegal.

75. Houve discriminação negativa em relação ao Autor, discriminação no vencimento base que aquele auferia, de menor valor em relação a outros trabalhadores da mesma empresa, com a mesma categoria profissional e que exercem tarefas/funções idênticas do ponto de vista da qualidade, quantidade, natureza, duração, intensidade, dificuldade, penosidade e perigosidade,

76. discriminação aquela que foi expressamente admitida existir pela Ré e

77. que não foi devidamente fundamentada pela Ré, conforme lhe competia, porquanto uma convenção coletiva de conteúdo mais desfavorável ao trabalhador não pode derrogar o conteúdo mais favorável de uma norma geral, prevista no CT de "para trabalho igual, salário igual" ou mormente no princípio geral de "não discriminação", constitucionalmente previsto,

78. nem é suficiente a alegada antiguidade (mais experiência), mais habilitações, maior aptidão ou progressão de carreira, uma vez que se tratam de critérios subjetivos.

4. A Ré contra-alegou defendendo a manutenção do acórdão recorrido e, consequentemente, a improcedência da revista.

5. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negada a revista.

6. A questão suscitada pelo recorrente, nas suas conclusões, consiste em saber se foi vítima de discriminação salarial por parte da Ré, uma vez que esta não lhe atribuiu a mesma retribuição que pagava a outros trabalhadores que desempenhavam funções idênticas.

Cumpre apreciar o objeto do recurso interposto.

                                                           II


1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1. O Autor, CRT, foi admitido nos quadros da Ré em 3 de dezembro de 2001 mas tem a sua antiguidade na empresa reportada a 28 de setembro de 2000;

2. Após ter sido exonerado, em 1 de março de 2015, o Autor foi nomeado para exercer, em comissão de serviço, concretamente as funções de Responsável pela Divisão Automatizada, nível 0, conforme documento que se juntou em audiência de julgamento;

3. Com a nomeação supra, o Autor foi exonerado do cargo de Responsável pela Área de Produção e Logística, nível 4, que vinha exercendo em comissão de serviço, conforme documento supra;

4. De acordo com o concurso interno promovido pela Ré foram indicados os seguintes requisitos da contratação (cfr. documento 1 junto com a PI):

- Conhecimento da estrutura da empresa;

- Conhecimento do ciclo produtivo dos Correios, nomeadamente, da missão do COC;

- Bom conhecimento dos produtos e serviços comercializados pelos Correios, bem como dos padrões globais e parciais da qualidade de serviço;

- Capacidade de organização, planeamento e programação de trabalho;

- Capacidade de liderança, dinamização e envolvimento de equipas de trabalho;

- Disponibilidade para trabalhar por turnos;

5. Na sequência do referido concurso, o Autor foi selecionado para o desempenho das funções de chefe de equipa do tratamento, nível 4, no COCS;

6. Tendo, depois, sido nomeado em comissão de serviço para o cargo em questão (Chefe de Equipa de Tratamento);

7. A nomeação em comissão de serviço produziu efeitos desde 23 de março de 2010;

8. O Autor submeteu-se ao concurso cujo aviso consta de fls., que pretendia recrutar chefe de equipa, nível 4 (cfr. documento 1, junto com a PI que se dá por integralmente reproduzido);

9. Ao longo do tempo em que foram exercidas tais funções e até 31 de dezembro de 2014, o Autor apenas auferiu e aufere de retribuição base € 788,00;

10. A partir de janeiro de 2015, fruto das atualizações salarias, o Autor passou a auferir uma retribuição base de € 803,00;

11. BB (chefe de nível 2) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00 (desde janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30);

12. CC (chefe nível 4) tem uma retribuição base de € 1.316,00 (desde janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30);

13. DD (chefe de nível 4) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00 (desde janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30);

14. Enquanto chefe de equipa, nível 4, incluíam-se nas funções do Autor, bem como dos demais chefes de equipa, nível 4:

- Garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento;

- Garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades;

- Garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos;

- Assegurar a coordenação das respetivas equipas;

- Assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade;

15. A Ré não incluiu as diferenças salariais, a título de retribuição base e reclamadas pelo Autor, nos subsídios de férias e de Natal nos anos de 2010 a 2014;

16. Em 7 de dezembro de 2009 a Ré abriu concurso interno para recrutamento de chefe de equipa de tratamento (nível 4), sendo que o Autor se candidatou ao mesmo;

17. O Autor foi um dos candidatos selecionados, tendo sido nomeado, em comissão de serviço, para o exercício de tais funções (cfr. documentos 3 e 4 da contestação);

18. O exercício do cargo em comissão de serviço iniciou-se em 23 de março de 2010 tendo sido atribuído ao Autor, enquanto no desempenho de tal cargo, um subsídio de chefia no valor de € 195,00 (cfr. documento 5 junto com a contestação) bem como um telemóvel de serviço com um plafond mensal de € 20,00;

19. Ainda antes da sua nomeação em comissão de serviço para o exercício das funções de chefe de equipa de tratamento (CET), nível 4, o Autor exerceu essas mesmas funções, em regime de interinidade/substituição, ainda que não ininterruptamente, entre fevereiro de 2008 e março de 2010;

20. Pelo exercício de funções em regime de interinidade/substituição, entre janeiro e outubro de 2008, durante o período de sobrevigência do AE2006, por cada dia útil de exercício efetivo, o Autor recebeu o diferencial entre o seu vencimento e o vencimento de nível 0 e 4, consoante os casos, de acordo com a tabela de 01/05/2007;

21. Pelo exercício destas funções em regime de interinidade/substituição o Autor auferiu entre maio de 2009 e até março de 2010, por cada dia útil de exercício efetivo, o diferencial entre o seu subsídio de chefia nível 0 (€ 70,00) e o do subsídio de chefia de substituição, in casu, nível 4 (€ 195,00);

22. Em 1 de março de 2013, em virtude da reorganização da Direção de Operações e Distribuição, o Autor foi nomeado, em comissão de serviço – com manutenção das condições remuneratórias que vinha auferindo -, responsável de Área de Produção e Logística (APL), nível 4, no CPLS – Centro de Produção e Logística Sul (ex - COCS)- cfr. documentos. 6 e 7 da contestação;

23. Até 28 de fevereiro de 2015 o Autor foi APL, nível 4, no CPLS, auferindo uma retribuição base de € 788,00 (€ 803,00 desde janeiro de 2015), acrescido de um subsídio de chefia no valor de € 195,00;

24. O valor da remuneração de nível 4, em 08 de agosto de 2007, com efeitos a 01 de Maio de 2007 é o que consta do documento 8 da Contestação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido; (redação alterada conforme decidido infra pelo Tribunal da Relação)

25. O Autor é associado do Sincor desde 31 de outubro de 2011;

26. O AE 2006, e precedentes, previa uma tabela de remunerações mínimas mensais de direção e chefia;

27. O Autor aderiu individualmente ao AE 2008 em abril de 2008;

28. O AE 2008 entrou em vigor em 20 de abril de 2008 (BTE 14, de 15 de abril de 2008);

29. O AE 2008 deixou de prever a tabela de remunerações mínimas mensais de quadros de direção e chefia para os vários níveis de cargo;

30. Os trabalhadores BB e DD foram nomeados chefes de equipa de nível 4 com efeitos a 25 de setembro de 2006 (cfr. documento 9 da contestação);

31. A trabalhadora CC foi nomeada chefe de equipa de nível 4 em 21 de junho de 2001 (cfr. documento 10 da Contestação).

Para melhor elucidação, refira-se que o Tribunal da Relação alterou a redação do ponto 24 dos factos provados, pelas seguintes razões:

“Esta matéria de facto não foi objeto de impugnação. No entanto e em relação à que consta do ponto 24. a mesma não poderá deixar de ser oficiosamente alterada, porquanto, na enunciação da matéria de facto provada discorda-se da técnica de se dar por reproduzido o teor de documentos juntos ao processo, os quais, como se sabe, não constituem factos mas meros meios de prova.

Deste modo e tendo em consideração o teor do documento n.º 8 junto com a contestação da Ré e que ali se faz referência, alterando-se a redação do aludido ponto, consigna-se como assente:

24. O valor da remuneração de nível 4 da Tabela de Remunerações Mínimas de Quadros de Direção e Chefia aprovada em 8 de agosto de 2007, com efeitos a partir de 1 de maio de 2007 era de € 1.252,50.”

2. Os presentes autos respeitam a ação comum instaurada em 18/09/2014, tendo o acórdão recorrido sido proferido em 02/11/2016.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo do Trabalho, na versão atual;

- O Código de Processo Civil, na versão atual.

3. Como já se referiu a questão suscitada pelo recorrente, nas suas conclusões, consiste em saber se foi vítima de discriminação salarial por parte da Ré, uma vez que esta não lhe atribuiu a mesma retribuição que pagava a outros trabalhadores que desempenhavam, segundo alegou, funções idênticas.

No caso concreto dos autos, as instâncias decidiram de forma diversa a questão que agora nos ocupa, em sede de revista.

Vejamos a argumentação da 1.ª instância que conduziu à procedência da ação, com fundamento na violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição da discriminação, na vertente do subprincípio “para trabalho igual-salário igual:

Alega o Autor exercer as funções de Chefe de Equipa de Tratamento de COCS de nível 4 desde 3 de março de 2010, na sequência de um concurso interno a que se submeteu em 07.12.2009 e que a Ré nunca lhe pagou a retribuição-base correspondente a esta categoria ao contrário do que sucede com os outros colegas que exercem as mesmas funções.

O Autor é associado do Sincor desde 31.10.2011.

Alega a Ré em contrapartida que o AE aplicável ao caso vertente (o AE 2008, publicado no BTE nº 14 de 15 de Abril de 2008), não contempla as tabelas de remunerações mínimas mensais de quadros de direção e chefia para os vários níveis de cargo e AE esse que, à data da abertura do concurso interno já se encontrava me vigor na Ré.

Salvo o devido respeito, esta argumentação não pode proceder à luz de uma correta hermenêutica legal. Isto porque irá causar situações de desigualdade retributiva quando estão em causa funções materialmente idênticas, em violação do princípio da igualdade de tratamento e da proibição da discriminação.

Na verdade, a intenção do legislador relativamente à vigência dos instrumentos de regulamentação coletiva é de que estes se coadunem com a regulamentação da lei geral e sejam com estas compatíveis ao abrigo de um princípio de “favor laboratoris”.

Vale isto por dizer que, a aplicação de um AE não pode colocar os trabalhadores numa situação mais desvantajosa do que aquela que resultaria da aplicação dos princípios gerais do Código do Trabalho.

Só assim se consegue, salvo melhor opinião, uma interpretação compatível com a unidade e coerência do sistema jurídico. E é esta a unidade e coerência que o legislador pretendeu ao consagrar as normas dos artigos 476.º e 478.º, n.º º1 al. a) do CT e o princípio geral ínsito no art.º 23.º, nº1, alíneas a) e b) do mesmo diploma.

Efetivamente, se atentarmos na factualidade dada como provada (e que segue infra)[1] vislumbramos uma clara violação do princípio constitucional “trabalho igual- salário igual”:

9. Ao longo do tempo em que foram exercidas tais funções e até 31 de Dezembro de 2014, o Autor apenas auferiu e aufere de retribuição base € 788,00.

10. A partir de Janeiro de 2015, fruto das atualizações salarias, o Autor passou a auferir uma retribuição base de € 803,00.

11. BB (Chefe de Nível 2) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00 (desde Janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30).

12. CC (Chefe Nível 4) tem uma retribuição base de € 1.316,00 (desde Janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30).

13. DD (Chefe de Nível 4) tinha, até ser exonerado, uma retribuição base de € 1.316,00 (desde Janeiro de 2015, fruto das atualizações salariais, aufere uma retribuição base de € 1.342,30).

14. Enquanto Chefe de Equipa, nível 4, incluíam-se nas funções do Autor, bem como dos demais Chefes de Equipa, nível 4:

- garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento;

- garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades;

- garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos;

- assegurar a coordenação das respetivas equipas;

- assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade.

15. A Ré não incluiu as diferenças salariais, a título de retribuição base e reclamadas pelo Autor, nos subsídios de férias e de Natal nos anos de 2010 a 2014.

Nesta medida, afigura-se-nos que o Autor tem a haver da Ré o pagamento das quantias peticionadas, relativamente à retribuição base da categoria de Nível 4 correspondente e que estava em vigor desde a Abril de 2010 até à propositura desta ação, ou seja, a constante do documento 8, anexo à contestação. E esses montantes deverão integrar, obviamente, as férias, subsídios de férias e de natal desse período.

Vejamos agora a argumentação do Tribunal da Relação que sustentou a improcedência da ação, declarando não verificada a violação do princípio trabalho igual salário igual:

Antes de mais importa referir que, como resulta da matéria de facto provada, a questão suscitada na presente ação decorre dos efeitos resultantes de um concurso interno levado a efeito no seio da Ré/apelante em 7 de dezembro de 2009 e ao qual o Autor se candidatou e foi selecionado, razão pela qual a análise da mesma deve ser levada a efeito à luz das normas da Constituição da República Portuguesa, do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009 de 12-02 e do Acordo de Empresa (AE) estabelecido entre a Ré CTT – Correios de Portugal, S.A., o SINDETELCO – Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Comunicações e dos Média e outros, publicado no BTE n.º 14 de 15/4/2008, este último em virtude de o Autor a ele haver aderido individualmente, como demonstrado ficou (v. ponto 27. dos factos provados).

De acordo com o estabelecido no art.º 59.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República «todos os trabalhadores, sem distinção de idade, de sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas têm direito: a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna».

Este preceito constitui, sem dúvida, uma das concretizações do princípio da igualdade estabelecido no art.º 13.º do mesmo diploma, mais precisamente no que diz respeito à retribuição do trabalho.

Em conformidade com tais princípios constitucionais, estipulou-se, por sua vez, no art.º 25.º, n.º 1 do Código do Trabalho a que fizemos referência que «o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior», sendo que de acordo com o estipulado no n.º 1 do art.º 23.º, do mesmo Código, considera-se existir discriminação direta sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável e discriminação indireta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja suscetível de colocar uma pessoa, por motivo de um fator de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários.

Por sua vez, os fatores a que se alude na parte final do n.º 1 do aludido art.º 25.º são os enunciados no n.º 1, do art.º 24.º, do mesmo Código, ou seja, a ascendência, a idade, o sexo, a orientação sexual, a identidade de género, o estado civil, a situação familiar, a situação económica, a instrução, a origem ou condição social, o património genético, a capacidade de trabalho reduzida, a deficiência, a doença crónica, a nacionalidade, a origem étnica ou a raça, o território de origem, a língua, a religião, as convicções políticas ou ideológicas e a filiação sindical.

Importa ainda considerar que, de acordo com a al. c) do n.º 1, do art.º 23.º do referido Código, se entende por trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade.

 Finalmente, também importa ter presente que, contrariamente ao que se verificava no AE/2006 publicado no BTE n.º 27 de 22/07/2006, o AE/ 2008 publicado no BTE n.º 14 de 15/04/2008 e ao qual o Autor/apelante aderiu individualmente, para além de deixar de consagrar uma hierarquização de cargos de direção e de chefia, deixou de prever uma tabela de remunerações mínimas mensais de quadro de direção e de chefia para os vários níveis de cargo.

Posto isto e revertendo ao caso em apreço, tendo-se provado que a partir de janeiro de 2008 e até março de 2010, embora de forma não contínua e em regime de interinidade/substituição, o Autor/apelante desempenhou as funções de Chefe de Equipa de Tratamento (CET) nível 4 – sendo que, por cada dia útil de exercício efetivo de funções e entre janeiro e outubro de 2008 (durante o período de sobrevigência do AE/2006) recebeu o diferencial entre o seu vencimento e o vencimento de nível 0 e 4 consoante os casos e de acordo com uma tabela de 01/05/2007 e entre maio de 2009 e março de 2010 recebeu o diferencial entre o seu subsídio de chefia de nível 0 (€ 70,00) e o subsídio de chefia de nível 4 (€ 195,00), igualmente por cada dia útil de exercício efetivo de funções (v. pontos 19. a 21. dos factos provados) –, também se demonstrou que, na sequência da abertura, em 07/12/2009, de um concurso interno para recrutamento de Chefe de Equipa de Tratamento (CET) nível 4, o Autor candidatou-se a esse concurso e foi um dos candidatos selecionados, tendo sido nomeado em comissão de serviço para o exercício das funções desse cargo, exercício de funções que se iniciou em 23 de março de 2010, tendo-lhe sido atribuído um subsídio de chefia no valor de € 195,00 enquanto no desempenho de tais funções, bem como um telemóvel de serviço com um plafond mensal de € 20,00€ (v. pontos 4. a 7. e 16. a 18. dos factos provados).

Para além disso, também se demonstrou que ao longo do tempo em que foram exercidas tais funções pelo Autor/apelante e até 31 de dezembro de 2014 o mesmo apenas auferiu uma retribuição base de € 788,00 – retribuição que a partir de janeiro de 2015 e fruto de atualizações salariais passou a ser de € 803,00 – enquanto os seus colegas BB (Chefe de Nível 2), CC (Chefe de Nível 4) e DD (Chefe de Nível 4) tinham, respetivamente e até serem exonerados, uma retribuição base de € 1.316,00 – retribuição que a partir de janeiro de 2015 e fruto de atualizações salariais passou a ser de € 1.342,30 (v. pontos 9. a 13. dos factos provados).

Por outro lado, demonstrou-se que, enquanto Chefe de Equipa, nível 4, incluíam-se nas funções do Autor, bem como dos demais Chefes de Equipa, nível 4:

- Garantir a execução das operações previstas em cada linha e área de tratamento;

- Garantir a agregação do tráfego de acordo com o plano de encaminhamento e segundo critérios de hierarquização de velocidades;

- Garantir o cumprimento dos padrões de qualidade estabelecidos;

- Assegurar a coordenação das respetivas equipas;

- Assegurar a recolha de dados necessários ao controle de atividade (v. ponto 14 dos factos provados).

A questão que se coloca é, portanto, a de saber se estes factos revelam ou não a existência de uma violação dos invocados princípios da igualdade e de não discriminação na vertente de “para trabalho igual salário igual” por parte da Ré/apelante em relação ao Autor/apelado quando em comparação com os referidos colegas de trabalho e enquanto no desempenho das funções de Chefia de Nível 4.

Ora, depois de referirmos que os fatores a que se alude na parte final do n.º 1 do art.º 25.º do Código do Trabalho são os enunciados no n.º 1 do art.º 24.º desse mesmo diploma, ou seja, a ascendência, a idade, o sexo, a orientação sexual, a identidade de género, o estado civil, a situação familiar, a situação económica, a instrução, a origem ou condição social, o património genético, a capacidade de trabalho reduzida, a deficiência, a doença crónica, a nacionalidade, a origem étnica ou a raça, o território de origem, a língua, a religião, as convicções políticas ou ideológicas e a filiação sindical, dispõe o n.º 5 daquele primeiro preceito legal que «cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação».

Estabelece-se, pois, este normativo legal uma clara inversão do ónus de prova face ao princípio geral previsto no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil.

Contudo, como se vem afirmando na jurisprudência dimanada do Supremo Tribunal de Justiça, uma tal inversão só tem lugar quando o trabalhador que invoca a existência de discriminação por parte do empregador, alegar e demonstrar factos que possam, de algum modo, inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação referidos nos artigos 24.º e 25.º do Código do Trabalho. Cfr. neste sentido o douto Acórdão de 18-12-2013 proferido no processo n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1 e, embora reportados a idênticas normas do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08 e que, por isso, mantêm toda a sua pertinência, os doutos Acórdãos do referido Tribunal de 22-04-2009 proferido no processo n.º 08P3040 e de 19-02-2013 proferido no processo n.º 5/11.6TTGRD.C1.S1 e todos eles acessíveis em www.dgsi.pt.

Ora, como expressivamente se escreveu a esse propósito no mencionado Acórdão de 22-04-2009, «isto significa que a presunção de discriminação não resulta da mera prova dos factos que revelam uma diferença de remuneração entre trabalhadores da mesma categoria profissional, ou seja, da mera diferença de tratamento, pois, exigindo a lei que a pretensa discriminação seja fundamentada com a indicação do trabalhador ou trabalhadores favorecidos…, naturalmente, tal fundamentação há de traduzir-se na narração dos factos que reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, direta ou indiretamente, contra o princípio da igual dignidade sócio laboral, que inspira o elenco de fatores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei».

Sucede que no caso vertente o Autor/apelado não alegou e, consequentemente, não demonstrou factos integradores de qualquer dos fatores característicos de discriminação a que se alude no art.º 25.º, n.º 1 por reporte ao art.º 24.º, n.º 1, ambos do Código do Trabalho, pelo que, como bem se refere no citado Aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 22-04-2009, «numa ação em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de fatores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção, por isso que compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio para trabalho igual salário igual, pois que tais factos, indispensáveis à revelação da existência de trabalho igual, se apresentam como constitutivos do direito a salário igual, que se pretende valer».

É certo que, como já referimos supra, o Autor/apelado alegou na presente ação que tinha a mesma categoria profissional e exercia as mesmas funções e tarefas que os seus colegas BB, CC e DD, em termos de natureza, duração, intensidade, dificuldade, quantidade, qualidade, penosidade e perigosidade sendo que, para além disso, tinham a mesma aptidão escolar e funcional para a sua categoria profissional, tinham todos boas avaliações e as habilitações do Autor (12º ano de escolaridade) estavam a par das dos referidos trabalhadores, alegando ainda que ele e os seus colegas faziam regularmente troca de sectores, de turnos e serviços, as quais apenas poderiam ser feitas entre trabalhadores com a mesma categoria profissional e com funções e tarefas iguais.

Sucede que da matéria de facto provada e a que fizemos anterior referência, apenas se poderá concluir que o Autor/apelado e os demais trabalhadores da Ré/apelante no desempenho de funções de Chefe de Equipa de Nível 4 desempenhavam funções da mesma natureza, já que todos eles tinham por funções as mencionadas no ponto 14. dos factos provados. Nada se demonstrou, porém, em relação às demais alegadas características de desempenho de tais funções, designadamente quanto à circunstância de prestação das mesmas ser feita em termos qualitativa e quantitativamente iguais.

Nesta medida e contrariamente ao que se concluiu na sentença recorrida, de modo algum se pode afirmar que, perante a matéria de facto provada, estamos perante uma clara violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual” perpetrada pela Ré/apelante face ao Autor/apelado e quando em comparação com os demais Chefes de Equipa de Nível 4 ao serviço daquela.

Na verdade, para que pudéssemos extrair uma tal ilação, seria necessário que o Autor/apelado tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço da Ré/apelante e enquanto no desempenho das funções de Chefe de Equipa de Nível 4 que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional e isso não sucedeu no caso em apreço.

Deste modo e embora por razões bem diversas das apresentadas pela Ré/apelante, não poderemos deixar de considerar e concluir que se não pode manter a sentença recorrida, não se podendo deixar de se reconhecer razão à Ré/apelante quanto a pretendida procedência do recurso por si interposto.

Vejamos então se assiste razão ao recorrente, quando defende que o empregador violou o princípio para trabalho igual salário igual, ao não lhe pagar a retribuição igual à que pagava a outros colegas de trabalho que desempenhavam as mesmas funções, correspondentes a Chefe de Equipa do Tratamento, nível 4.

O art.º 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa, intitulado “Direitos dos Trabalhadores” estatui:

Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.

O princípio trabalho igual salário igual entronca num outro princípio geral, estruturante do Estado de Direito, que é o princípio da igualdade, consagrado constitucionalmente no art.º 13, que dispõe:

1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.

2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

            O princípio da igualdade é igualmente consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem e na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sendo assim um patamar comum a uma sociedade que se pretende mais justa e digna.

            A proibição do arbítrio e da discriminação e a obrigação de diferenciação têm sido reafirmadas como as várias dimensões do referido princípio.

            Na verdade, o princípio da igualdade obriga a que se trate como igual o que for, necessariamente igual e como diferente o que for, na sua essência, diferente, proibindo sim as distinções de tratamento que não tenham qualquer justificação material.

            As várias dimensões do princípio da igualdade têm reflexos no plano das relações laborais, impondo especiais exigências na vertente do tratamento retributivo, sendo certo, como afirma o Professor Júlio Manuel Vieira Gomes[2], que do “ponto de vista concetual ou teórico, é fácil compreender por que é que a igualdade de tratamento teve, e tem, tantas dificuldades em afirmar-se”, desenvolvendo a ideia com a invocação do princípio da autonomia privada na sua faceta de autonomia negocial, subjacente ao contrato de trabalho, embora limitada pela tutela de interesses coletivos e até de interesses públicos.

            O referido Professor acrescenta ainda que uma “outra dificuldade para o funcionamento do princípio da igualdade de tratamento reside na própria ótica do contrato individual de trabalho; com efeito, a igualdade de tratamento implica, necessariamente, uma comparação dirigida para o exterior daquele vínculo contratual, uma comparação com a situação de outros trabalhadores do mesmo empregador. Se a realidade das relações de trabalho for decomposta numa pluralidade de átomos e cada contrato de trabalho for encarado como um contrato isolado de intercâmbio, a comparação parecerá impossível já que para cada trabalhador o contrato entre o seu empregador e um outro trabalhador é res inter alios acta”. 

            Em reforço da sua argumentação cita Lucia Silvagna[3] que observa que “a incomunicabilidade entre estes contratos tornaria injustificável a interação entre várias situações retributivas singulares”.

            Ainda o mesmo Professor alerta para uma vulgar e corrente subestimação dos perigos inerentes ao princípio da igualdade de tratamento, frisando que “não se pretende com o princípio da igualdade de tratamento retributiva eliminar todas e quaisquer diferenças de retribuição entre trabalhadores que desempenham as mesmas funções na mesma empresa, mas apenas eliminar diferenças ilegítimas e desrazoáveis. A própria Constituição permite que se atenda à qualidade, à quantidade e à natureza do trabalho realizado”.

            Conclui que “não se desemboca assim, numa conceção opressiva da igualdade, sendo inteiramente válidas as diferenças relacionadas com o mérito. O princípio da igualdade de tratamento retributiva traduz-se na necessidade de um fundamento material para diferenças retributivas”.

O Código do Trabalho acolheu os princípios constitucionais da igualdade e do trabalho igual salário igual, dispondo sobre matéria de igualdade e não discriminação (artigos 23.º e seguintes) e estabelecendo critérios de determinação da retribuição (artigos 270.º e seguintes).

Quanto aos critérios de determinação da retribuição salienta-se que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.

No plano dos conceitos foi considerado existir discriminação direta, sempre que, em razão de um fator de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável.

Também os conceitos de trabalho igual e trabalho de valor igual foram precisados, nos seguintes termos:

Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objetivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;

Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado.

O legislador ao consagrar o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, no art.º 24, do Código do Trabalho, elencou, exemplificativamente, fatores suscetíveis de causar discriminação, dispondo:

O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.

2 - O direito referido no número anterior respeita, designadamente:

c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para seleção de trabalhadores a despedir;

Já o artigo 25.º do diploma legal citado, de forma perentória, proíbe a discriminação, estatuindo que o empregador não pode praticar qualquer discriminação, direta ou indireta, em razão nomeadamente dos fatores referidos no n.º 1 do artigo anterior.

Nestas situações em que é alegada discriminação o legislador estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

É o que resulta do n.º 5, do citado art.º 25, do Código do Trabalho, que refere que cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.

Nas situações em que é alegado violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que sejam invocados quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos na categoria do que se pode considerar fatores de discriminação, não opera a referida presunção, devendo funcionar a regra geral estabelecida no art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, que refere “ àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado”.

Sendo esta a situação em que se enquadra o caso concreto dos autos, competia ao A. alegar e provar os factos referentes à natureza, qualidade e quantidade do trabalho que desempenhava, bem como indicar outro ou outros trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, que executassem trabalho da mesma natureza e em qualidade e quantidade igual, de forma que se pudesse concluir que o pagamento de diferentes retribuições não apresentava justificação razoável.

Quanto a esta questão do ónus da prova estamos cientes das reservas manifestadas pelo Professor Júlio Manuel Vieira Gomes[4] quando afirma que “prova praticamente impossível é a que se exige quando se considera que cabe ao trabalhador provar que o seu trabalho tem a mesma quantidade, qualidade e natureza do trabalho prestado por outro colega trabalhador subordinado do mesmo empregador”, posição sustentada no facto de o trabalhador não dispor de informações a respeito da qualidade do trabalho dos outros colegas, bem como de toda a comparação pressupor critérios, que são fixados pelo empregador, e caso não haja transparência quanto aos mesmos a prova torna-se difícil ou até impossível. 

Cremos que as apontadas dificuldades não deixam de ter fundamento, e que a solução proposta pelo Autor citado, no sentido de que se devia reconhecer que o trabalhador apenas teria de alegar e provar que exerce as mesmas funções que outro trabalhador da mesma empresa e recebe retribuição inferior, cabendo ao empregador justificar e explicar a diferença, é mais consentânea com o fim económico e social que cabe às empresas, numa sociedade cada vez mais exigente na vertente da transparência e da justiça social.  

De qualquer forma, estamos convictos que a solução legal não leva necessariamente a uma impossibilidade de prova, e se assim fosse estaríamos perante um absurdo, pois, em nosso entender, existem mecanismos, ao nível processual, que podem desbloquear as situações mais adversas, que passam por uma boa gestão dos princípios da cooperação e do inquisitório, consagrados nos artigos 7.º e 411.º do Código de Processo Civil.

No caso concreto dos autos, como se refere no acórdão recorrido, para que pudéssemos concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o A. tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço da R., como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.

Como já se referiu, tendo sido alegado pelo A. a violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tivesse invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabia-lhe a ele, e não à Ré, fazer a prova, nos termos do art.º 342.º, n.º 1 do Código Civil, dos factos constitutivos do direito que alegou.

Note-se que a nomeação do A., em comissão de serviço, produziu efeitos desde 23 de março de 2010 (ponto 7 dos factos provados), e que os colegas de trabalho que indicou, também chefes de equipa, nível 4, a quem a R. paga retribuição superior, foram nomeados em comissão de serviço, para as referidas funções, em datas anteriores, 21/6/2001 e 25/9/2006 (pontos 30 e 31 dos factos provados).

Saliente-se ainda que o A. aderiu individualmente ao Acordo de Empresa de 2008, instrumento este que que deixou de prever a tabela de remunerações mensais de quadros de direção e chefia para os vários níveis do cargo (pontos 27 e 29 dos factos provados).

A escolha de convenção coletiva aplicável pelo trabalhador não filiado em qualquer associação sindical, nos termos do art.º 496.º, do Código do Trabalho, bem como a filiação em associação sindical, nos termos do art.º 496.º, do mesmo diploma legal, poderá conduzir, como refere o Professor João Leal Amado[5], a que dois trabalhadores, que desempenhem funções idênticas para o mesmo empregador, possam receber uma retribuição distinta.

Perante este quadro, parece legítimo que a R. podia estabelecer algumas diferenças retributivas dentro da mesma categoria e nível, tendo por base o desempenho e o mérito no quadro das funções atribuídas ao Autor, inseridas numa estrutura empresarial competitiva, como deriva dos próprios requisitos da contratação, descritos no ponto 4 dos factos provados.

            Por último, refira-se que este Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre as questões apreciadas, em casos semelhantes, no acórdão de 22/4/2009, no processo n.º 3040/08, relatado Juiz Conselheiro Vasques Dinis, e no acórdão de 14/12/2016, no processo 4521/13.7TTLSB.L1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro António Leones Dantas, em que se sumariou:

1 − O princípio «a trabalho igual salário igual» impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (sexo, raça, idade e outras) destituídas de fundamento material atendível, proibição que não contempla diferente remuneração de trabalhadores da mesma categoria profissional, na mesma empresa, quando a natureza, a qualidade e quantidade do trabalho não sejam equivalentes.

2 – Instaurada ação com fundamento em algum dos fatores característicos da discriminação consignados no n.º 1, do artigo 24.º do Código do Trabalho em vigor, o trabalhador que se sente discriminado tem de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram, pelo menos, um daqueles fatores característicos da discriminação.

3 – Nessas situações o trabalhador não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, atua a presunção prevista no n.º 5 do artigo 25.º do mesmo código no sentido de que a diferença salarial se deve a esse fundamento de discriminação, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal o ónus da prova.

4 – Não pode afirmar-se a existência de violação do princípio de «a trabalho igual salário igual» numa situação em que, para além de não se ter provado que as tarefas desempenhadas correspondam a trabalho igual, sob o ponto de vista da qualidade, natureza e quantidade, o trabalhador tem antiguidade diferente dos trabalhadores referidos como fundamento da discriminação retributiva e que esse trabalhador se encontra abrangido por instrumento de regulamentação coletiva diverso.

            Nesta linha, conclui-se que, no caso concreto, o A. não logrou demonstrar que ocorreu, da parte do empregador, violação do princípio, para trabalho igual salário igual, pelo que se mantém o acórdão recorrido.

                                                           III

            Pelos fundamentos expostos, decide-se negar a revista.

Sem custas, já que o A. está isento do seu pagamento, por força do disposto no art.º 4º n.º 1 al. h) do Regulamento das Custas Processuais, como decorre de documentação junta aos autos.

 Anexa-se sumário do acórdão.

Lisboa, 1 de junho de 2017.

Chambel Mourisco (Relator)

Pinto Hespanhol

Gonçalves Rocha

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[1] Na fundamentação de direito da sentença os factos referidos encontravam-se numerados de 32 a 38, certamente por lapso como se observou no acórdão do Tribunal da Relação. Procedeu-se à renumeração de 9 a 15, em conformidade com o que consta na enumeração da matéria de facto da dita sentença.
[2] Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág. 783.
[3] Paritá di tratamento nell’impresa e struttura del rapporto di lavoro, RIDL 1983, parte II, pág. 918 e segs.
[4] Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, Coimbra Editora, pág.790.
[5] Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, pág. 311, nota 467.