Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3609/17.0T8AVR.P1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO DE LIMA GONÇALVES
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
INTERESSE CONTRATUAL NEGATIVO
PODERES DE COGNIÇÃO
PROVA VINCULADA
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
SUBSIDIARIEDADE
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITO DA OBRA
Data do Acordão: 01/18/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. A decisão judicativa que o Recorrente pretende ver alterada não consubstancia qualquer violação de regras de direito material. Com efeito, a demonstração da realidade dos factos atinentes a defeitos de obra não carece, por disposição expressa da lei, de ser levada a cabo através de certa espécie de prova, não se detetando, por outro lado, no percurso probatório percorrido pelo tribunal “a quo”, qualquer ofensa a um comando legal estipulador da força de um meio de prova.

II. A decisão, tomada no âmbito da impugnação da decisão de facto, de demonstrar a realidade de tal facticidade com base no teor de documentos particulares (parecer técnico e fatura), em prova testemunhal, em prova por inspeção judicial e em prova pericial move-se no perímetro da liberdade de apreciação probatória (cf. artigos 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, 366.º, 389.º, 391.º e 396.º do Código Civil).

III. A valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador não é sindicável por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

IV. O princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa não pode ser entendido de forma absoluta, mas também não pode ir ao ponto de permitir lançar mão daquele instituto perante o mero insucesso do meio de tutela específico utilizado, sob pena de se fazer letra morta do artigo 474.º do CC.

V. No caso vertente, o instituto da responsabilidade civil contratual é suscetível de conferir adequada tutela aos Recorridos, uma vez que para tutelar a posição dos Autores/Recorridos, o Tribunal sempre poderia ter lançado mão da responsabilidade civil contratual na sequência da resolução do contrato por incumprimento definitivo da Ré/Recorrente, tendo havido uma violação do princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa.

VI. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado.

VII. A indemnização prevista no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil poderá visar, não apenas o interesse contratual negativo, mas igualmente o interesse contratual positivo, sendo calculada de acordo com a teoria da diferença.

VIII. No caso dos autos a reparação dos defeitos que se traduz na indemnização pelo interesse contratual positivo não proporciona nenhum benefício ou vantagem injustificada aos Recorridos, não consubstanciando desequilíbrio grave na relação de liquidação.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


           

I. Relatório

1. AA e BB intentaram ação declarativa, com processo comum, contra Construções Mário Gomes – Sociedade Unipessoal, Lda., pedindo que a Ré seja condenada:

a) a reconhecer os AA. como donos e legítimos proprietários do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial;

b) a reconhecer a existência dos defeitos e anomalias mencionados nos artigos 81.º a 85.º e 111º a 132.º da petição inicial;

c) a reconhecer que tais defeitos e anomalias decorrem da sua atuação (por ação e/ou omissão);

d) a reconhecer que abandonou definitivamente a obra sem concluir os trabalhos elencados nos artigos 88.º, 89.º, 93.º, 95.º, 97.º, 111.º, 113.º a 116.º, 121.º a 125, e sem efetuar por completo os trabalhos elencados nos artigos 87.º, 94.º, 97.º e 112.º da petição inicial.

e) a devolver aos AA. € 41.470,00 (68.220,00-26.335,00+415,00) pelos mesmos pagos indevidamente por trabalhos que foram faturados pela Ré mas que na realidade não foram pela mesma executados;

f) a pagar aos AA., nos termos do disposto no art. 609.º, nº 2, do CPC, as importâncias que se vierem a liquidar em incidente de liquidação, relativamente ao custo que os mesmos vão suportar para corrigir os trabalhos indevidamente realizados; concluir os que se encontrem incompletos e fazer os que estavam orçamentados e ainda não foram executados pela Ré, mencionados nos artigos 74.º a 97.º e 111.º a 132.º da petição inicial, em montante que ultrapasse o valor orçamentado entre AA. e Ré, ou seja, custos superiores a €86.865,99 (113.200,00-26.335,00);

g) subsidiariamente, caso se mostre impossível concluir os trabalhos no prazo improrrogável da licença de obras concedida pela Câmara Municipal ... (até ao dia 18/12/2017), pelo facto de a perícia antecipada que se requer não ser realizada em tempo útil, pagar aos AA. as importâncias que se vierem a liquidar em incidente de liquidação e que se venham a revelar necessárias para a boa conclusão da obra, incluindo os custos com novos projetos, novos pedidos de licenciamento e demais encargos administrativos.

h) a pagar aos AA. a quantia de € 10.000,00 (€ 5.000,00 para cada um), a título de danos morais.

Alegam, em síntese, que:

- são donos e legítimos possuidores de um prédio urbano constituído por casa destinada a habitação unifamiliar, sita em ...;

- quando, em 2013, os AA. decidiram proceder à ampliação da sua moradia, visavam apenas a execução de pilares e laje ao nível do piso 0, permitindo a ampliação da área da garagem, e terraço ao nível do piso 1; foi nesse sentido que os AA. pediram orçamento à R. para conclusão dos trabalhos em falta (colocação de massas grossas e finas, pintar, colocar pavimentos);

- a R. acabou por sugerir aos AA. que acrescentassem dois pisos em cima da ampliação já iniciada para evitar futuros problemas de humidades e ofereceu-se para tratar dos novos projetos e licenciamentos através de gabinetes e engenheiros da sua confiança com quem habitualmente trabalhava;

- a Ré tratou com “AREADOMUS – Arquitetos e Engenheiros, Lda.”, a realização do projeto de arquitetura e todas as especialidades necessárias ao licenciamento das alterações da moradia e obtenção do alvará de construção;

-foi com base no projeto da AREADOMUS que a R. elaborou e apresentou aos AA. O Orçamento n.º 917, datado de 08/01/2016, que o A. assinou, transformando-o em contrato de empreitada, pelo preço de “113.200,00 € com IVA”;

- a R. iniciou os trabalhos de continuação da moradia em fins de janeiro/princípios de fevereiro de 2016 e obrigou-se a tê-los terminados até novembro de 2017;

- a R. abandonou de vez os trabalhos a 8/07/2017, data em que a obra apresentava os defeitos e anomalias mencionados nos artigos 81.º a 85.º e 111º a 132.º da petição inicial, não tendo sido concluídos os trabalhos elencados nos artigos 88.º, 89.º, 93.º, 95.º, 97.º, 111.º, 113.º a 116.º, 121.º a 125 da petição, não tendo também sido iniciados os trabalhos elencados nos artigos 87.º, 94.º, 97.º e 112.º do mesmo articulado;

-os AA. já entregaram à R., por conta da obra em referência, €68.220,00 (IVA incluído), não ultrapassando o valor dos trabalhos realizados pela R. os € 26.750,00.

2. Citada a Ré, veio contestar, deduzindo pedido reconvencional, alegando que:

- os AA. estavam continuamente a exigir alterações ao projeto de arquitetura inicial e às suas especialidades;

- por efeito destas alterações foi realizado o Orçamento Adicional n.º …15, no valor de €21.480,00, IVA incluído, que foi entregue, explicado e assinado pelo A.;

- o Orçamento Adicional n.º …97, no valor de € 7.000,00 com IVA, para construção dos currais, foi apresentado à R. com base num projeto realizado pelo punho do A., tendo a R. iniciado a obra e colocado ferro armado para as fundações no valor de €1.200,00;

- os atrasos na obra deveram-se apenas às constantes alterações ao projeto exigidas pelos AA. e à indecisão destes quanto às alterações pretendidas;

- acresce que nunca à R. ou seus colaboradores foi dado conhecimento do projeto de eletricidade, tendo os trabalhos de eletricidade sido realizados segundo a orientação, vontade e fiscalização dos AA.;

- já com a obra a decorrer, os AA. apresentaram novas folhas de um projeto que nunca mostraram à R. na totalidade, nem lhe entregaram cópia, de que só agora esta tomou conhecimento;

- este projeto constava do processo de licenciamento da Câmara Municipal ... e foi com base nele que a R. realizou o Orçamento nº …15;

- foram os AA. que contrataram o gabinete de arquitetura AREADOMUS, que era desconhecido da R.;

- foram realizados pela R. os trabalhos extra discriminados no artigo 24.º da contestação;

- os AA. recusaram- se a pagar os mesmos, pelo que, a 22/06/2017, a R. remeteu carta registada ao A. a suspender os trabalhos até resolução da situação;

- entretanto, a R. foi notificada, a 27/06/2017, pela Divisão de Administração e Território da Câmara Municipal ... para parar os trabalhos por falta de termo de responsabilidade, uma vez que “o Sr. CC deixou de assumir a responsabilidade pela fiscalização e direção técnica da obra”; em virtude de a obra se encontrar parada, sem perspetivas de retoma célere por falta de entendimento entre AA. e Ré, esta, no dia 06/07/2017, apresentou requerimento na Câmara Municipal para levantamento do seu alvará;

- a obra ainda não concluída porque os AA., sendo pessoas de postura problemática conhecida do público, têm dificuldade em contratar empreiteiro para as acabar.

E, em reconvenção, pede a condenação dos AA. a pagarem-lhe:

a) o montante de € 11.598,90 constante da fatura nº ...30, de 23/06/2017;

b) o valor dos trabalhos extra, que não será inferior a €15.000,00;

 c) juros, à taxa legal, desde a notificação da reconvenção até integral pagamento.

Conclui, ainda, pela condenação dos AA. como litigantes de má fé.

3. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença, julgando a ação parcialmente procedente, condenando a Ré no pagamento aos Autores da quantia de €2.857,00, absolvendo-a dos demais pedidos; e absolvendo os Autores dos pedidos reconvencionais.

4. Inconformados com esta decisão, os Autores interpuseram recurso de apelação para o Tribunal da Relação ..., tendo a Ré requerido a ampliação do âmbito do recurso e, simultaneamente, recorrer subordinadamente.

5. O Tribunal da Relação ... veio a decidir: “julgando parcialmente procedente a apelação dos AA., em condenar a R. a pagar aos AA., ainda, a quantia necessária à reparação dos defeitos descritos em 32, 32-A e 34 dos factos provados, a liquidar em execução de sentença;

- julgar improcedente a apelação da R.;

- confirmar, no mais, a sentença recorrida”.

6. Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor o presente recurso de revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

 1 - Entendeu o Tribunal da Relação ... que apesar de os recorridos terem optado pela resolução do contrato de empreitada, não sendo porém o incumprimento imputável à recorrente, esta é responsável pelo pagamento da indemnização reclamada por aqueles a título de violação do interesse contratual positivo, por enriquecimento sem causa.

2 - A recorrente não pode aceitar esta decisão, na medida em que viola todas as normas que regulam a responsabilidade contratual.

3 - Na verdade, tendo os recorridos optado pela resolução do contrato de empreitada, a qual encerra a destruição da relação contratual, colocando as partes na situação que teriam se o contrato não tivesse sido celebrado. Enveredou, pois, pelo regime legal que está previsto nos arts 432 e segs do C.C. Temos, assim, a equiparação quanto aos efeitos, à nulidade ou anulabilidade do negócio jurídico.

4 - Como é sabido, “a nulidade impede a produção de efeitos e a anulação faz cessar a produção de efeitos jurídicos”.

5 - Em caso de resolução contratual, a posição clássica e largamente dominante, é a de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, ou seja, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª ed., pág. 58; Antunes Varela, das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., pág.109; Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª ed., pág. 1045 e segs; António Pinto Monteiro, Sobre o não cumprimento na venda a prestações, O Direito, Ano 122 (1990), pág. 555 e em Cláusula Penal e Indemnização, pág. 693 e segs; Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, pág., 248 e em Compra e Venda de Coisas Defeituosas: conformidade e segurança, págs. 26 e 36; Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, pág. 349 e segs; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. II, 4º ed., pág. 267-268).

6 - Tal doutrina tem sido acolhida na jurisprudência, também largamente dominante, do Supremo Tribunal de Justiça, de que são exemplos os Acórdãos de 26-3-98, 19-4-99, 3-9-04, 27-4-05, 12-7-05, 21-3-06, 23-1-07, 17-5-08, 22-1-08, 22-4-08 e 23-10-08, todos disponíveis em www.dgsi.pt),

7 - Essa doutrina e jurisprudência defende a incompatibilidade de cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, sobretudo com fundamento nos argumentos retirados do efeito retroactivo da resolução e da incoerência da posição do credor, ao pretender, depois de ter optado por extinguir o contrato pela resolução, basear-se nele para obter uma indemnização, correspondente ao interesse no seu cumprimento.

8 - Acresce que, os pressupostos da referida obrigação de indemnização são o facto ilícito contratual, a culpa do agente – na espécie presumida ou dispensada – o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade adequada entre este e aquele facto (artigos 483º nº 1, 562º, 563º, 798º, 799º, nº 1 e 800º, nº 1, do Código Civil).

9 - A ilicitude no domínio da responsabilidade contratual   resulta da desconformidade entre a conduta devida e o comportamento observado.

10 – Agir com culpa, significa actuar em termos de a conduta do devedor ser pessoalmente censurável ou reprovável. E o juízo de censura ou de reprovação baseia-se no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.

11 - Ora, no caso vertente não há ilícito contratual. A especialidade de eletricidade não está terminada. Se não está terminada não se poderá falar de defeitos de construção. Pois não se sabe como ficaria a obra se a recorrente a tivesse concluído.

12 - A reparação dos defeitos que a obra apresente é questão que apenas se coloca quando o contrato de empreitada foi cumprido, no sentido de a obra ter sido entregue e não quando a obra não chegou a ser concluída.

13 - Por sua vez, a obra não está terminada por culpa da recorrente, mas outrossim dos recorridos.

14 - Quanto ao dano, o mesmo não se verifica, pois, a especialidade de eletricidade não está concluída, e na avaliação desses trabalhos, note-se: pelo valor ridículo de cerca de €600,00, já foi tida em conta a qualidade da sua execução.

15 - Não se pode aceitar a decisão do Tribunal recorrido que, com base no enriquecimento sem causa, decide que assiste aos recorridos o direito ao pagamento do montante necessário para a reparação dos defeitos descritos nos pontos 32, 32-A e 34, a liquidar em execução de sentença.

16 - Desde logo porque não se verificam defeitos de construção numa especialidade que não está acabada, e porque não há enriquecimento sem causa dos recorridos.

17 - Todos estes factos, não poderão ser classificados de “anomalias” ou “defeitos de construção”. Até porque, o facto de se dizer que não deviam ser executados traçados oblíquos, que não se deve instalar tubagem anelada com os condutores já enfiados (o que não foi feito pela recorrente, já existia na obra), que não houve o cuidado de fazer o alinhamento vertical da aparelhagem, não significa de per si, que seja um defeito. Esteticamente pode não ser adequado, mas desaparecerá quando for rebocado/tapado. As obras da especialidade de eletricidade estavam apenas iniciadas, não há nenhum circuito elétrico montado. Assim sendo como pode afirmar que existem defeitos de construção!?

18 - Só a recorrente é que sai deste processo lesada e prejudicada, pois apesar de ser credora dos recorridos, não conseguiu que fossem evidenciados no relatório pericial o valor de diversos trabalhos, apenas porque não foi possível a sua medição, ou confirmação com exatidão, como sejam por exemplo as sapatas e lintéis, por estarem enterradas e não estarem documentadas por desenhos ou fotografias, ou o isolamento térmico das paredes, porque a referencia da marca na factura respectiva não coincidir exactamente com a que consta na etiqueta do material que está armazenado na cave da habitação, conforme refere o perito DD, em resposta à nota final dos peritos que sem o consultarem fizeram consignar.

19 - Sendo certo que o Tribunal desconsiderou a restante prova do processo, designadamente a confirmação das testemunhas da realização dos trabalhos, a Inspecção ao local, e o Parecer Técnico.

20 - Pelo que é absolutamente falsa a conclusão do Tribunal que os recorridos se não lhes for deduzido o valor dos defeitos de construção, pagariam a mais.

21 - Os recorridos, face à dificuldade da recorrente em provar todos os trabalhos que realizou na empreitada porque não eram visíveis, no valor global de €97.847,23, pagaram a menos €29.627,23.

22 - Acresce que, o instituto do enriquecimento sem causa tem caracter subsidiário. E estando previsto o direito à indemnização pelo cumprimento defeituoso da empreitada, não se pode aplicar as normas daquele instituto.

23 - Segundo o art.º 473.º, n.º 1, do CC, o enriquecimento sem causa tem como pressupostos fácticos essenciais: a) – a ocorrência de um enriquecimento na esfera patrimonial de alguém à custa de outrem; b) – a falta de causa jurídica justificativa para essa vicissitude.

24 – Por sua vez, o art.º 474.º do CC consagra o chamado princípio da subsidiariedade daquele instituto em relação a outros meios específicos de tutela

25 - O que significa que, o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa deve ser interpretado na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma absoluta ou meramente genérica.

26 - Quer isto dizer que, nas hipóteses de eventual concurso entre o instituto do enriquecimento sem causa e o do cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial, a solução residirá normalmente na redução do preço acordado, em que a falta de causa justificativa do desequilíbrio das prestações não poderá deixar de ser aferida no quadro complexo desse incumprimento, incluindo os comportamentos culposos das partes na execução do contrato.

27 - Daí que se coloque, o primado da tutela por via da ação de cumprimento em detrimento do instituto do enriquecimento sem causa, em cujo âmbito nem sequer releva a culpa do enriquecido ou do empobrecido.

28 - Quando, no âmbito de uma ação de cumprimento, não tiver sido reconhecido o direito a indemnização por violação do contrato, não devido a carência de meio ou a obstáculo legal, mas sim ao facto de o autor não ter utilizado aquele de forma eficiente, não se mostra lícito que este lance mão do enriquecimento sem causa para a obtenção do mesmo efeito prático-jurídico.

29 - No caso em apreço, temos por assente que apenas os recorridos são responsáveis pelo incumprimento do contrato de empreitada, pois recusaram-se a pagar os trabalhos extra que solicitaram e intrometeram-se diariamente na obra, acompanhando a mesma a par e passo, desrespeitando o trabalho da recorrente, e substituindo-se por vezes aos seus trabalhadores no desempenho de algumas tarefas.

30 – Por último, tendo invocado os recorridos como causa de pedir um contrato de empreitada incumprido pela recorrente no que concerne ao prazo e qualidade da empreitada, não pode o tribunal condenar com fundamento no enriquecimento sem causa, se tal fonte da obrigação de indemnizar não foi invocada pelos recorridos.

31 - A decisão do tribunal recorrido de condenar a recorrente a pagar aos recorridos uma indemnização correspondente ao valor dos defeitos de construção, a título de enriquecimento sem causa, viola os princípios processuais do dispositivo, sendo nula.

32 - Deste modo, deverá ser alterada a decisão do Tribunal da Relação ... mantendo-se a redacção original do facto provado 44, e nessa medida, ser a recorrente absolvida do pagamento da indemnização correspondente aos defeitos de construção descritos nos pontos 32, 32-A e 34, a liquidar em execução de sentença.

33 - Outra decisão que não esta traduz-se numa injustiça material, e viola todas as normas que regulam a responsabilidade contratual, o contrato de empreitada e o instituto do enriquecimento sem causa.

34-A decisão recorrida viola os artigos 483º, 562º, 563º, 798º, 799º nº 1, 800º, 473º e 474º todos do CC..

E conclui pela revogação da decisão recorrida.

7. Os Autores contra-alegaram, pugnando pelo infundado da revista, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:

1. Os considerandos feitos pela Recorrente em matéria dos factos provados 32, 32-A e 34 demonstram que o que a mesma pretende é mais uma instância recursiva em matéria factual, o que já não lhe é possível.

2. Não há margem para dúvidas que naqueles factos provados 32, 32-A e 34 estão descritos defeitos de obra, sendo qualificados como tal quer pela primeira instância, quer no acórdão recorrido, o que não foi alvo de apelação pela aqui Recorrente, pelo que tem agora de se conformar com tal qualificação (que é a que corresponde, efectivamente, à verdade).

3. Na nota final dos Peritos EE e FF ao relatório pericial houve a preocupação de explicar que atendendo às patologias e execuções deficientes em alguns trabalhos realizados era necessário considerar os custos da reparação dos mesmos, cujo valor tinha de ser necessariamente tido em conta, já que os valores apresentados pela peritagem «reflectem custos de execução à primeira vez, sem necessidade de se proceder a rectificações e/ou demolições dos trabalhos executados».

4. Todos os trabalhos realizados pela Recorrente foram pagos pelos Recorridos pelo valor que teriam se estivessem bem executados. Acontece que dando-se como provado que alguns estão defeituosamente efectuados, ter-se-á que apurar se têm algum valor económico (e qual, descontado o montante necessário para a sua reparação) ou se são totalmente inaptos para qualquer finalidade que os Recorridos lhes pudessem dar.

5. Como afirma a decisão recorrida, de outro modo, estariam os Autores/Recorridos a pagar uma obra com defeitos, como se estivesse devidamente executada.

6. O montante necessário para a reparação desses defeitos sempre teria de ser contabilizado na desvalorização do preço pago pelos AA, assim como os custos suplementares, que os AA já tiveram (montagem e desmontagem de estaleiro, montagem e desmontagem de andaimes,guarda-corpos, equipamentos de elevação e betoneira), vendo-se agora forçados a voltar a suportá-los face a um novo empreiteiro para a reparação dos defeitos.

7. Este raciocínio é válido mesmo tendo-se julgado o abandono de obra justificado, na medida em que a Recorrente nunca poderia ficar enriquecida às custas dos Recorridos, recebendo um valor superior àquele que os trabalhos verdadeiramente valem, atendendo à desvalorização que sofrem pelos defeitos que padecem.

8. Seguindo a perspectiva defendida pela Recorrente e pela primeira instância, estaria o Tribunal da Relação a permitir um enriquecimento sem causa na forma de condictio ob rem ou causa data causa non escuta por parte da Recorrente às custas dos Recorridos.

9. A jurisprudência mobilizada pela Recorrente não tem aplicação prática no caso em apreço, na medida em que não está aqui em causa qualquer cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo.

10. Apesar de a Recorrente estar dispensada de indemnizar os Recorridos pelos prejuízos pelos mesmos sofridos, nos termos dos artigos 798.º e 801.º do Código Civil, o certo é que não pode ficar enriquecida às custas destes, o que implica que não receba pela obra realizada um montante que sempre corresponderia aos trabalhos realizados na sua perfeição.

11. Tendo sido os trabalhos valorizados sem considerar os respectivos defeitos, é necessário, em sede de execução de sentença, apurar o valor efectivo e real das obras realizadas pela RÉ/Recorrente, para que se desconte ao valor pago pelos AA (€ 68.220,00).

12. Nos pedidos formulados no ponto B) –II, II e VI-A da petição inicial (fls. 46 e 47), assim como dos factos alegados nos artigos 81.º a 85.º e 111.º a 132.º daquela peça processual, vêm os AA/Recorridos exercer direitos relativamente aos defeitos, peticionando, nos termos do disposto no art. 609º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença, relativamente ao custo que os mesmos vão suportar para corrigir os trabalhos indevidamente realizados, razão pela qual foi essa matéria incluída nos temas de prova e os defeitos dados como provados na sentença de primeira instância e no acórdão recorrido.

13. Ora, quando os AA peticionam que lhes sejam pagas as importâncias que se vierem a liquidar em execução de sentença, relativamente ao custo que os mesmos vão suportar para corrigir os trabalhos indevidamente realizados, tem por detrás sempre a ideia base de que se tal não acontecer a ficará enriquecida às suas custas e os mesmos empobrecidos.

14. Bem andou, assim, o Tribunal “a quo” ao dar como provado que «os trabalhos realizados/iniciados pela Ré na obra importam em €53.140,69 (+ IVA), valor que não inclui os custos da reparação dos defeitos descritos em 32, 32-A e 34».

8. Cumpre apreciar e decidir.

II. Delimitação do objeto do recurso

Como é jurisprudência sedimentada, e em conformidade com o disposto nos artigos 635º, nº 4, e 639º, nºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, o objeto do recurso é delimitado em função das conclusões formuladas pelo recorrente, pelo que, dentro dos preditos parâmetros, da leitura das conclusões recursórias formuladas pela Ré / ora Recorrente decorre que o objeto do presente recurso está circunscrito às seguintes questões:

i) Da insindicabilidade da decisão proferida quanto à matéria de facto no domínio da livre apreciação da prova;

ii) Da violação do princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa;

iii) Da cumulação da resolução do contrato com a indemnização pelo interesse contratual positivo.


    III. Fundamentação

1. As instâncias deram como provados os seguintes factos:

1.1. Está inscrita na matriz urbana, sob o artigo n.º ...61, que tem origem no artigo n.º ...79, o prédio constituído por “casa destinada a habitação unifamiliar, sita em ..., composta por r/c amplo para garagem e arrumos, andar com dois quartos, sala, cozinha, casa de banho, dois corredores e varandas, aproveitamento do sótão com três quartos, casa de banho, corredor três arrumos e varanda, com a área total de terreno de 505 m2, área de implantação do edifício com 105,0750 m2, área bruta de construção de 37,170 m2, área bruta dependente de 141,9875 m2 e com área bruta privativa de 185,1825 m2. Tem como titular inscrito AA - fls. 57 (A).

1.2. Na Conservatória do Registo Predial ..., está descrito sob o n.º ...52, um prédio urbano situado em ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...61, com a área total de 505 m2, área coberta de 103 m2, descoberta de 402 m2, composto de r/c, 1.º andar, sótão e logradouro, que confronta: do norte, com estrada municipal, do sul, com GG, do nascente, com HH e, do poente, com estrada – fls. 59 (B).

1.3. Este prédio está inscrito, pela Ap. ..., por doação de II e mulher JJ, a favor de AA, casado, no regime de comunhão geral de bens, com BB – fls. 59 (C).

1.4. Por escritura de 11/11/2007, II e mulher JJ doaram, por conta das suas quotas disponíveis, a seu filho AA, que aceitou a doação, o prédio urbano de r/c, 1.º andar e sótão, com logradouro, destinado a habitação, sito em ... – ... – ..., inscrito na matriz urbana sob o artigo n.º ...79 e descrito, na Conservatória do Registo Predial ..., sob o n.º ...52 – doc. de fls. 60/62 (D).

1.5. A 08/04/2013, o técnico CC subscreveu o projeto de arquitetura de fls. 76/81 (E).

1.6. O pedido de licença administrativa para obras de ampliação da casa de habitação antes identificada deu entrada, no Município ..., a 12/04/2013, tendo sido proferido despacho de aprovação do projeto de arquitetura a 09/08/2013 e concedido o Alvará de Construção n.º .../14 (processo n.º .../2013) – docs. de fls. 109/117 e de fls. 119/120 (F).

1.7. A Eng. Civil KK subscreveu o termo de responsabilidade de fls. 103 em relação ao projeto referido em 5 dos Factos Provados (G).

1.8. A Ré “Construções Mário Gomes – Sociedade Unipessoal, L.da”, apresentou ao ora A. AA o Orçamento n.º 917, datado de 08/01/2016, que damos por reproduzido quanto às obras contratadas, pelo preço de € “113.200,00 com IVA”, o qual está subscrito pelo A. – fls. 382/384 (H).

1.9. A sociedade “AREADOMUS – Arquitectos e Engenheiros, L.da”, apresentou, ao ora Autor, a fatura de fls. 127, no montante de € 1.249,93, IVA incluído, para pagamento do projeto de licenciamento para a moradia do ora A., sita em ... – ... (I).

1.10. O Município ... emitiu, a pedido do ora A., a certidão de fls. 128, à qual foram juntas as cópias das “plantas do projeto de arquitetura, dos desenhos incluídos no projeto de estabilidade, no projeto de águas e esgotos e no ITED constantes do último processo acima mencionados” – fls. 129/162 (J).

1.11. A 15/01/2016, a ora Ré apresentou, ao ora Autor, o Orçamento n.º 897 de fls. 385/386, que este subscreveu, para os trabalhos nele incluídos, a levar a cabo pelo preço de “€ 7.000,00 com IVA”, nos termos que se dão por reproduzidos (K).

1.12. O Município ... remeteu, a 27/06/2017, ao gerente da ora Ré, a carta de fls. 389, na qual informa de que, “desde o dia de 23/06/2017, o Senhor CC deixou de assumir a responsabilidade pela fiscalização e direção técnica da obra da ampliação de uma moradia unifamiliar no r/c, com construção de um alpendre, e alteração ao projeto inicial n.º .../2013, sita em ... da freguesia ..., obras essas tituladas pelo Alvará de Construção n.º .../2014, de 15/12/2014 válido até 18/12/2017. A obra deverá permanecer parada até apresentação de novos termos de responsabilidade” (L).

1.13. A ora Ré requereu, pelo requerimento de fls. 390, de 6-7-2017, o levantamento do Alvará de Construção ao projeto inicial n.º .../2013 e atual n.º .../2016, pelos motivos dele constantes e que são, em resumo muito breve, incompatibilidades inultrapassáveis com os donos da obra (M).

1.14. O Município ... remeteu ao gerente da ora Ré, a 07/07/2017, a carta de fls. 392 a informá-la de que “desde o dia 06/07/2017, deixou de assumir a responsabilidade pela execução da obra de ampliação de uma moradia unifamiliar no rés-do-chão com construção de um alpendre e alteração ao projeto inicial n.º .../2013, sita nos ... – ... – União das freguesias ..., obras estas tituladas pelo Alvará de Construção n.º .../2014 e válido até 18/12/2017” (N).

1.15. Os Autores já entregaram à Ré, entre 23/01/2016 e 29/03/2017, por conta da obra em referência, € 68.220,00, IVA incluído (O).

1.16. Os empreiteiros com quem os Autores inicialmente contrataram a ampliação da moradia deixaram a obra inacabada (P).

1.17. Os Autores devolveram, sem pagamento, a fatura n.º ...30 de 23/06/2017 do montante de € 11.598,90 – fls. 393 (Q).

1.18. Quando, em 2013, os AA. decidiram proceder à ampliação da sua moradia, visavam apenas a execução de pilares e laje ao nível do piso 1 (cave), permitindo a ampliação da área da garagem, e terraço ao nível do piso 2 (cozinhas e salas) (1º).

1.19. Foi nesse sentido que os AA. pediram orçamento à Ré para conclusão dos trabalhos em falta (colocação de massas grossas e finas, pintar, colocar pavimentos) (2º).

1.20. O sócio-gerente da Ré, LL, acabou por sugerir aos AA. que acrescentassem dois pisos em cima da ampliação já iniciada (3º).

1.21. Ofereceu-se para os ajudar a tratar dos novos projetos e licenciamentos (4º).

1.22. Sendo necessários projeto de arquitetura e respetivas especialidades (projeto de estabilidade, de rede de abastecimento de água, esgotos, eletricidade, telefones, etc.), a Ré indicou e apresentou aos AA. o Sr. MM para tratar dos mesmos.

1.23. Este disse-lhes que não tinha conhecimentos/competência para tratar do projeto e sugeriu o gabinete de arquitetura “AREADOMUS – Arquitetos e Engenheiros, L.da”, o que foi aceite pelos AA..

1.24. AA. e Ré desconheciam até então o gabinete de arquitetura AREADOMUS.

1.25. O sócio-gerente da Ré acompanhou os AA. da primeira vez que estes se deslocaram ao gabinete de arquitetura AREADOMUS.

1.26. Foi com base no primeiro projeto de arquitetura da AREADOMUS que a Ré elaborou e apresentou, aos AA., o Orçamento n.º 917, datado de 08/01/2016 (de fls. 124/126) que o A. assinou, transformando-o em contrato de empreitada, pelo preço de “113.200,00 € com IVA”.

1.27. A Ré iniciou os trabalhos de continuação da moradia em fins de janeiro de 2016 e obrigou-se a tê-los terminados até novembro de 2017.

1.28. A Ré deixou de efetuar trabalhos na obra a 21 de junho de 2017.

1.29. E em 08/07/2017 vários trabalhadores da Ré, acompanhados por NN (gerente da Ré e esposa do sócio-gerente LL), deslocaram-se à obra e carregaram a grua, andaimes e demais material que aí permanecia e nunca mais voltaram para dar continuidade aos trabalhos.

1.30. Durante o período em que a Ré ali trabalhou, a obra sofreu algumas interrupções.

1.31. Quando a Ré deixou a obra, e relativamente à especialidade de eletricidade e de telecomunicações, estavam realizados os seguintes trabalhos:

1º - No piso 1 (cave):

a) roços abertos;

b) instalação de 48 caixas de aparelhagem sem tampa;

c) instalação de 2 caixas quadradas 80x80 sem tampa;       

d) instalação de uma caixa do fundo de quadro elétrico 320x410 sem tampa;

e) instalação de uma caixa sem tampa 290x250;

f) instalação de uma caixa aplique.

2º - No piso 2 (rés-do-chão):

a) roços abertos;

b) instalação de 51 caixas de aparelhagem sem tampa;

c) instalação de 1 caixa quadradas 80x80 sem tampa;

d) instalação de uma caixa do fundo de quadro elétrico 320x410 sem tampa;

e) instalação de uma caixa do fundo ITED 415x415 sem tampa;

f) foram instalados: - 16 metros de tubo anelado 16; - 14 metros de tubo anelado 20; -26 metros de tubo anelado 16 + H07V3G1,5; - 72 metros de tubo anelado 16 + H07V3G2,5.

3º - No piso 3 (águas furtadas):

a) roços abertos;

b) instalação de 14 caixas de aparelhagem sem tampa;

c) instalação de duas caixas de aplique sem tampa.

1.32. Os trabalhos já realizados apresentam os seguintes defeitos:

1º - no que se refere ao ITED, não cumprem o projeto;

2º - muitas das caixas de aparelhagem estão mal instaladas;

3º - foi aplicado tubo anelado dependurado nos tetos, sem fixação, onde será instalado o teto falso. Este tubo não é correto para instalar pendurado entre teto e teto falso;

4º - no rés-do-chão foram estabelecidos circuitos elétricos mal concebidos, sem fiabilidade futura e anti-regulamentares:

a) misturam no mesmo circuito tomadas dos quartos com tomadas de equipamento de cozinha. Estas últimas devem ser dotadas de circuito independente e os equipamentos com maior consumo devem ter circuitos independente para cada um, obrigatoriamente, como é o caso do fogão, da placa e das máquinas de lavar;

b) um circuito de tomadas alimenta 14 tomadas quando o Regulamento prevê um máximo de 9 unidades;

c) os circuitos dos sanitários com banho, nos termos do Regulamento, têm de ser independentes dos restantes, para serem dotados de proteção diferencial de alta sensibilidade, o que não acontece;

5º - Foram instalados no pavimento térreo exterior tubos anelados, o que não é correto, pois esse tubo não tem rigidez suficiente para esse local. Devia ter sido instalado tubo VRM;

6º - não devem ser executados traçados oblíquos, como aconteceu;

7º - não se deve instalar tubagem anelada com os condutores já enfiados, como aconteceu;

8º - não houve o cuidado de fazer alinhamento vertical da aparelhagem;

9º - a instalação não cumpre o Regulamento ITED nem o Regulamento RTIEBT, não cumpre as boas normas de execução.

1.32-A. Na abertura de alguns dos roços não foram respeitadas as boas regras construtivas, nomeadamente quando se cruzam com elementos estruturais, verificando-se mesmo que algumas das suas armaduras ficaram à vista.

1.33. Terá de ser feita uma rápida intervenção, com uma selagem de acordo com as boas regras construtivas, para impedir a oxidação e consequente deterioração/perda de resistência dessas armaduras e dos elementos estruturais em que estão inseridas.

1.34. Nos sanitários da cave, para a instalação dos esgotos, foi cortada em algumas zonas a malha-sol existente no pavimento. Este procedimento não foi o correto, mas não é, só por si, causador de hipotética derrocada das paredes, desde que se proceda às correções impostas pelas boas regras construtivas.

1.35. Pelo que respeita à especialidade de construção civil no geral, mostram-se realizados os seguintes trabalhos:

a) colocação de isolamento térmico sob a telha aplicada na cobertura da moradia inicial. Não se encontra aplicado nas zonas de vara ripa da ampliação nem em paredes exteriores;

b) na zona objeto da ampliação do imóvel, apenas algumas áreas das paredes interiores possuem chapisco, que servirá de base para aplicação do reboco. Nessa zona da obra não se encontram executados quaisquer rebocos areados e/ou estanhados (vulgo acabamentos). Há mesmo paredes interiores sem qualquer chapisco. As paredes exteriores não possuem quaisquer rebocos;

c) na moradia existente, atualmente habitada, não existem quaisquer novos rebocos, tanto nas paredes interiores como nas exteriores;

d) não existem quaisquer pinturas interiores e exteriores em toda a zona respeitante à ampliação da moradia existente. No interior e exterior da moradia existente, as pinturas são as pré-existentes;

e) não se encontram executados tetos falsos em pladur;

f) não foram colocadas louças sanitárias, carpintarias, caixilharias, trabalhos na cozinha, equipamentos de quarto de banho, equipamentos elétricos dos estores, equipamentos das redes de eletricidade e telecomunicações, torneiras e misturadoras em toda a zona referente à ampliação. Os trabalhos que estão executados na moradia existente são os que já existiam antes da empreitada em causa nestes autos.

1.36. Relativamente às alvenarias, estão executados 122,70 m2 de paredes exteriores em alvenaria de bloco térmico, de 0,25 m, incluindo a aplicação de cinco caixas de estores, e 58,94 m2 de paredes interiores.

1.37. Pelo que respeita às impermeabilizações e isolamentos:

a) foi fornecida e montada telha tipo “...”, da marca ..., na cobertura da moradia inicial numa área de cerca de 150 m2, e na zona objeto de ampliação, numa área de 77 m2. Os trabalhos não estão integralmente concluídos, designadamente o fornecimento e aplicação dos cumes, rufos de remate e inexistência de telha nalgumas zonas. Caso se verifiquem ventos de intensidade assinalável poder-se-á verificar, por efeito de sucção, o levantamento de algumas telhas;

b) foi também colocado poliestireno extrudido (roofmate) sob a telha aplicada na cobertura da moradia inicial, em cerca de 150 m2, na espessura de 0,10 mm. Este material de isolamento não foi colocado nalguns espaços;

c) as anomalias constantes de a) e b) podem provocar infiltrações, falta de conforto térmico, falta de qualidade do ar interior e falta de segurança no interior da moradia (riscos elétricos). O prédio encontra-se com infiltrações, ganhou caruncho nas paredes e teto do quarto dos AA.. A água escorre pelas paredes da dispensa, corredor e escritório. Os tetos falsos de madeira encontram-se, nalguns compartimentos, com manchas que indiciam a presença de humidade. Algumas destas peças construtivas estão arqueadas.

1.38. Relativamente à rede de abastecimento de águas e esgotos: a) foram executados alguns trabalhos da rede de esgotos em tubagens de PVC e de polipropileno enrugado; b) quanto à rede de águas foi feito o início de uma pré-instalação de AQS. Estão chumbadas nas paredes caixas terminais para pex, à espera de receber a manga, o respetivo tubo pex e o acessório terminal, um joelho fêmea.

1.39. Foram também executados os seguintes trabalhos:

a) demolições em varandas e escadas;

b) aumento das secções de pilares em betão armado na zona da ampliação;

c) as lajes planas e inclinadas;

d) alvenarias dos panos exteriores;

e) adaptação da laje da varanda na entrada da habitação existente no piso 1, embora sem quaisquer acabamentos cerâmicos nos respetivos pavimentos;

f) o empreiteiro iniciou, também, trabalhos preparatórios, movimentação de terra, montagem de vara ripa para suporte de telha, chapisco de algumas paredes interiores e início de trabalhos da rede de águas.

1.40. Não estão integralmente executadas as alvenarias de paredes interiores.

1.41. Quanto à estrutura em betão armado:

a) na cave foi realizado o rebaixamento, mas não foi executado o novo pavimento;

b) existe uma rampa para acesso automóvel (que não consta dos projetos de arquitetura e betão armado). Não estão executados os trabalhos de fornecimento de canaletes e tubos para as águas pluviais;

c) foi alterada a porta para a construção da escadaria interior entre a cave e o r/c, mas o trabalho não se encontra concluído.

1.42. Quanto à cobertura (para além do já referido em 37 dos Factos Provados):

a) foram aumentadas as varandas no piso da cobertura, incluindo telhas e isolamento, mas os trabalhos não se encontram concluídos;

b) pelo que respeita a rufos, vedações em aço-inox, caleiras e condutores em alumínio lacado, apenas foram executado alguns rufos.

1.43. Quanto às alvenarias:

a) foram executadas algumas alterações em vãos na cave;

b) quanto à construção da casa de banho da cave, existem as paredes interiores que delimitam esse espaço na cave, mas não possuem quaisquer trabalhos de acabamentos e apenas as tubagens de esgotos foram iniciadas;

c) foi executada a elevação de todo o muro exterior em cerca de 0,20 m (lote da casa e lote adjacente);

d) a escadaria exterior existente foi demolida e, em sua substituição foi executada uma rampa de acesso pedonal que não possui qualquer revestimento em granito.

1.44. Os trabalhos realizados/iniciados pela Ré na obra importam em € 53.140,69 (+IVA), valor que não inclui os custos da reparação dos defeitos descritos em 32, 32-A e 34.

1.45. Não foram realizados/iniciados pela Ré quaisquer trabalhos na moradia já existente, nem foi executada a rampa pedonal de acesso ao terreno contíguo.

1.46. Não foram recolocados no telhado os painéis existentes, pelo que o aquecimento de águas teve de passar a ser garantido por outro equipamento.

1.47. Não foram colocadas proteções nas varandas e escadas, existem vários vãos sem janelas e portas e a garagem está completamente aberta.

1.48. A chaminé foi retirada para ser feita uma nova, a pedido dos AA., o que não chegou a acontecer, estando atualmente o buraco fechado com telha e os AA. impedidos de acender a lareira.

1.49. No piso 3 (águas furtadas) foi feita uma placa que obrigou a cortar o estore da janela da frente da moradia, impedindo agora a abertura do mesmo.

1.50. Após a caducidade da licença da obra (a 18/12/2017), esta não podia ser renovada nem a obra concluída, sem apresentação de novo projeto, de novo pedido de licenciamento.

1.51. Após o abandono da obra, o A., que já sofria de depressão piorou, sendo obrigado a reforçar a medicação.

1.52. Os AA. vivem atormentados por não terem a casa com todas as condições de habitabilidade no inverno enquanto as obras não forem concluídas.

1.53. A moradia encontra-se, no seu exterior, cheia de pó, areias e resíduos.

1.54. O valor contratado dos Orçamentos n.º …17 e n.º ..97 já incluía o IVA.

1.55. Os AA. exigiram a realização de diversos trabalhos extra, designadamente:

a) alteração da parede debaixo da rampa de acesso auto para que fosse realizado o aproveitamento de tal espaço;

b) aumento da pala de cima e, consequentemente, do telhado, que obrigou ao reforço de pilares e colocação de novos pilares de suporte;

c) aumento de secção em dois pilares do alçado posterior ao nível da cave;

d) alteração de escada exterior para rampa de acesso;

e) muro posterior e espaço para instalação de cinco depósitos de recolha de águas pluviais.

1.56. Da alteração da telha resultou uma redução, a favor dos AA., de € 3.900,00.

1.57. O Orçamento n.º …97, no valor de € 7.000,00, para construção dos currais, foi apresentado pela Ré com base num projeto realizado pelo punho do A..

1.58. Os AA. recusaram-se a pagar qualquer trabalho extra, defendendo que estava tudo previsto no primeiro orçamento apresentado.

1.59. Os AA. acompanharam, de perto, a obra que ia sendo realizada, tendo surgido alguns desentendimentos entre aquele e o sócio-gerente da Ré e os trabalhadores deste, quando os AA. entendiam que algum trabalho não era executado conforme o que tinham acordado, ou o que entendiam que era correto.

1.60. Assim, o A. marido: a) chegou a retirar a ferramenta a um dos trabalhadores da Ré para lhe mostrar como devia fazer o trabalho; b) demoliu uma parede que já estava erguida por entender que as janelas não tinham ficado no local correto.

2. E as instâncias consideram como não provados os seguintes factos:

a) a Ré garantiu aos AA. que as obras decorreriam sem grande impacto na vida diária destes;

b) e que os AA., com seus três filhos, poderiam continuar a habitar a casa durante todo o período em que durassem as obras, tendo asseguradas todas as normas de segurança e higiene e condições mínimas de habitabilidade;

c) os AA. comprometeram-se, perante a Ré, a ir residir, enquanto durassem as obras, para casa de um familiar situada do outro lado da rua;

d) a Ré tratou com o gabinete de arquitetura “AREADOMUS – Arquitetos e Engenheiros, L.da” – com quem habitualmente trabalhava -, a realização do projeto de arquitetura e todas as especialidades necessárias ao licenciamento das alterações da moradia e obtenção do alvará de construção;

e) os AA. nunca tiveram qualquer contacto com a “AREADOMUS”, tendo-se limitado a efetuar o pagamento da fatura que lhes foi remetida;

f) o A. deixou assinados, a pedido da Ré, vários documentos por preencher para dar entrada ao novo projeto na Câmara, não tendo tido os AA. conhecimento do projeto que deu entrada na Câmara Municipal;

g) do projeto que deu entrada na Câmara constam muitas alterações que não foram dadas a conhecer à Ré;

h) por efeito das alterações exigidas pelos AA., designadamente da espessura do capoto de 7 para 10 mm, foi realizado o Orçamento Adicional n.º …15 (de fls. 387) no valor de € 21.480,00, IVA incluído, que foi entregue, explicado e assinado (aceite) pelo A.;

i) a obra ainda não foi concluída porque os AA., sendo pessoas de postura problemática conhecida do público, têm dificuldade em contratar empreiteiro para as acabar;

j) os atrasos na obra deveram-se apenas às constantes alterações ao projeto exigidas pelos AA. e à indecisão destes quanto às alterações pretendidas;

k) nunca à Ré ou seus colaboradores foi dado conhecimento do projeto de eletricidade, tendo os trabalhos de eletricidade sido realizados segundo a orientação, vontade e fiscalização dos AA;

l) não consta do orçamento nem foi solicitado ao eletricista em obra o fornecimento e execução de sistema de alarme e intrusão em toda a casa, mas apenas fazer rede, ou seja, colocar a tubagem que foi iniciada;

m) a Ré iniciou a obra respeitante ao Orçamento nº …97 e colocou ferro armado para as fundações no valor de € 1.200,00;

n) já com a obra a decorrer, os AA. apresentaram novas folhas de um projeto que nunca mostraram à Ré, na totalidade nem lhe entregaram cópia, de que só agora esta tomou conhecimento;

o) foi com base neste projeto que a Ré realizou o Orçamento Adicional nº …15 (de fls. 387);

p) foi exigido plano de pagamentos pelos AA. à Ré, quando, ou se a Ré o apresentou espontaneamente, quando, se os AA. o aceitaram ou não e, na negativa, por que razão;

q) os trabalhos realizados/iniciados pela Ré na obra importam apenas em € 26.750,00;

r) ao valor dos Orçamentos nº …17 e nº …97 acrescia IVA;

s) os AA. mudavam a matéria-prima de lugar e danificavam-na e impediam os trabalhadores da Ré de entrar na obra;

t) de todas as vezes que a Ré solicitava novo pagamento os AA. solicitavam novo trabalho ou material extra.

3. Apreciação do recurso

3.1. Da insindicabilidade da decisão proferida quanto à matéria de facto no domínio da livre apreciação da prova.

Pretende a Recorrente colocar em crise o juízo decisório formulado a respeito do ponto 44 dos factos provados, pugnando pela alteração da decisão do Tribunal da Relação ... e pela repristinação da decisão tomada pelo Tribunal de 1.ª instância a este respeito.

Alvitram os Autores/Recorridos que “os considerandos feitos pela Recorrente em matéria dos factos provados 32, 32-A e 34 demonstram que o que a mesma pretende é mais uma instância recursiva em matéria factual, o que já não lhe é possível.”

Vejamos.

Em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto, alterou o tribunal “a quo” o facto número 44 dado como assente pela 1.ª instância, com o seguinte teor “Os trabalhos realizados/iniciados pela Ré na obra importam em €53.140,69 (+IVA)”, nos seguintes termos: “Os trabalhos realizados/iniciados pela Ré na obra importam em € 53.140,69 (+IVA), valor que não inclui os custos da reparação dos defeitos descritos em 32, 32-A e 34.”

De acordo com o n.º 3 do artigo 674.º do Código de Processo Civil, “o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.” De modo congruente, estipula o n.º 2 do artigo 682.º do mesmo diploma que “a decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º.”

A regra de que o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito, na qualidade de tribunal de revista, e que comporta as exceções expressas pelas normas constantes dos artigos 674.º, nº 3 e 682.º, nº 3, do Código de Processo Civil, conhece outras limitações que não são formalmente identificadas nas normas que delimitam a esfera de poderes do Supremo Tribunal e o âmbito do recurso de revista. Como observa Abrantes Geraldes, “outras situações, a que estão subjacentes verdadeiros erros de aplicação do direito, podem justificar a “intromissão” do Supremo na delimitação da realidade que será objeto de qualificação jurídica. Assim acontece quando o confronto com os articulados revelar que existe acordo das partes quanto a determinado facto, que o facto alegado por uma das partes foi objeto de declaração confessória com força probatória plena que não foi atendida ou quando esse facto encontra demonstração plena em documento junto aos autos, naquilo que dele emerge com força probatória plena, incluindo a eventual confissão nele manifestada.”

- Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, 2020, p.454 –

Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.01.2019 (Processo n.º 298/13.4TBTMC.G2.S1): “A decisão de facto é da competência das instâncias, conquanto não seja uma regra absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça não pode, nem deve, interferir na decisão de facto, somente importando a respectiva intervenção, quando haja erro de direito, isto é, quando o aresto recorrido afronte disposição expressa de lei, quando ponha em causa preceito que exija certa espécie de prova para a existência do facto, ou que fixe a força de determinado meio de prova.”

A decisão judicativa que o Recorrente pretende ver alterada não consubstancia qualquer violação de regras de direito material. Com efeito, a demonstração da realidade dos factos atinentes a defeitos de obra não carece, por disposição expressa da lei, de ser levada a cabo através de certa espécie de prova, não se detetando, por outro lado, no percurso probatório percorrido pelo tribunal “a quo”, qualquer ofensa a um comando legal estipulador da força de um meio de prova.

Ao invés, a decisão, tomada no âmbito da impugnação da decisão de facto, de demonstrar a realidade de tal facticidade com base no teor de documentos particulares (parecer técnico e fatura), em prova testemunhal, em prova por inspeção judicial e em prova pericial move-se no perímetro da liberdade de apreciação probatória (cf. artigos 607.º, n.º 5, 1.ª parte, do Código de Processo Civil, 366.º, 389.º, 391.º e 396.º do Código Civil).

Ora, a valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador não é sindicável por via de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Como resulta da síntese levada a cabo no Acórdão deste Tribunal, de 18.06.2019 (Processo n.º 745/05.9TBFIG.C1.S2) “ (…) III Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados. IV Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional. V Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça (…).”

Não se vislumbrando a existência de um erro de direito na fixação da prova que cumpra ao Supremo Tribunal de Justiça examinar, resta concluir que o tópico em apreço se mostra insuscetível de apreciação em sede de recurso de revista.

3.2. Da violação do princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa

Alega a Recorrente que a decisão recorrida violou os artigos 473.º e 474.º do Código Civil, em particular, o caráter subsidiário do enriquecimento sem causa, ao responsabilizá-la pelo pagamento de uma indemnização a título de violação do interesse contratual positivo, por enriquecimento sem causa, não obstante os Recorridos terem optado pela resolução do contrato de empreitada.

Vejamos o que, a este propósito, considerou o Tribunal da Relação .... De acordo com o aresto sob escrutínio: “Conclui-se, assim, tal como na sentença recorrida, ter ficado provado que o abandono da obra por parte da R. foi justificado, sendo-lhe inexigível a manutenção do vínculo contratual.

Extraindo as consequências devidas, entendeu-se na sentença recorrida terem os AA. direito apenas ao que pagaram a mais, com base no instituto do enriquecimento sem causa – art.473º do C.Civil.

Assim, e considerando que a R. recebeu, por conta da obra, a quantia de € 68.220,00, IVA incluído, e que os trabalhos realizados importaram em € 53.140,69, a que acresce IVA, entendeu-se que deveria devolver o que recebeu a mais, ou seja, a quantia de € 2.85700.

Todavia, e atenta agora a alteração da matéria constante do ponto 44 dos factos provados, e com base no mesmo fundamento jurídico – enriquecimento sem causa - assiste também aos AA. o direito ao pagamento do montante necessário para a reparação dos defeitos descritos nos pontos 32, 32-A e 34, a liquidar em execução de sentença.

Doutro modo, estariam a pagar uma obra, com defeitos, como se estivesse devidamente executada.”

Sublinhe-se, a título preliminar, que, ao contrário do que a Recorrente pretende, não se verifica qualquer violação ao princípio do dispositivo por parte da decisão recorrida, ainda que esta haja condenado com base num fundamento jurídico (enriquecimento sem causa) não invocado pelos Recorridos para esteirar a sua posição. Com efeito, é consabido que o juiz não se encontra limitado às alegações das partes no que toca à matéria de direito (artigo 5.º, nº 3, do Código de Processo Civil).

O enriquecimento sem causa (cf. artigos 473.º e seguintes do Código Civil) constitui uma fonte de obrigações que cria uma obrigação de restituir, em que figura como credor o sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e como devedor o beneficiário desse direito.

É uniformemente entendido que só há enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa. A aplicação do instituto do enriquecimento sem causa exige, assim, a verificação cumulativa de alguns requisitos, a saber: (i) existência de um enriquecimento à custa de outrem; (ii) existência de um empobrecimento; (iii) nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; (iv) ausência de causa justificativa; (v) inexistência de ação apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído.

- Neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 4.ª edição, pp. 454 e segs.; Júlio Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica, 1998 –

Segundo o que dispõe o artigo 474.º do Código Civil, “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”

Adscreve-se à obrigação de enriquecimento sem causa, e na linha do direito francês e italiano, natureza subsidiária, só podendo recorrer-se à mesma quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reação.

Como realçou o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.06.2018 (Processo n.º 1567/11.3TVLSB.S2), “o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa não pode ser entendido de forma absoluta, mas também não pode ir ao ponto de permitir lançar mão daquele instituto perante o mero insucesso do meio de tutela específico utilizado, sob pena de se fazer letra morta do artigo 474.º do CC.

Propendemos antes para a uma interpretação na linha da sua articulação com um concorrente meio de tutela específico visto na sua funcionalidade em relação aos contornos do litígio em causa e não de forma meramente genérica.  

Assim, especificamente nas hipóteses de eventual concurso entre o instituto do enriquecimento sem causa e o do cumprimento defeituoso ou de incumprimento parcial, a solução residirá normalmente na redução do preço acordado, em que a falta de causa justificativa do desequilíbrio das prestações não poderá deixar de ser aferida no quadro complexo desse incumprimento, incluindo os comportamentos culposos das partes na execução do contrato. Daí que se coloque, em princípio, o primado da tutela por via da ação de cumprimento em detrimento do instituto do enriquecimento sem causa, em cujo âmbito nem sequer releva a culpa do enriquecido ou do empobrecido”.  

Ora, no caso em análise, os Autores, a título de causa de pedir, vieram invocar a celebração com a Ré de um contrato de empreitada, tendo resultado adquirido ter existido abandono da obra por parte do empreiteiro – abandono esse que se veio a considerar justificado.

Ainda que o tribunal “a quo” não o tenha afirmado expressamente, o contrato em apreço deve considerar-se resolvido. A decisão recorrida não deixa de afirmar que, na linha do entendimento do tribunal de 1.ª instância (que considerou como implícito o pedido de resolução), “o abandono da obra por parte da R. foi justificado, sendo-lhe inexigível a manutenção do vínculo contratual.”

Não ignoramos, tal como feito notar no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.12.2012 (Processo n.º 978/10.6TVLSB-A.L1.S1) que a regra da subsidiariedade do enriquecimento sem causa “não é absoluta, pois a ação de enriquecimento poderá concorrer com a responsabilidade civil, sempre que esta não atribua uma proteção idêntica à ação de enriquecimento.” Também a doutrina adverte para a necessidade de interpretar o artigo 474.º do Código Civil “em termos hábeis” (Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., p.460), flexíveis (Júlio Gomes, anotação ao artigo 474.º do Código Civil, Comentário ao Código Civil – Direito das Obrigações, José Brandão Proença (coordenação), Universidade Católica Editora, Lisboa, 2018, pp. 255/256).

Todavia, no caso vertente, o instituto da responsabilidade civil contratual – como “infra” se referirá – é suscetível de conferir adequada tutela aos Recorridos. De facto, para tutelar a posição dos Autores/Recorridos, o Tribunal sempre poderia ter lançado mão da responsabilidade civil contratual na sequência da resolução do contrato por incumprimento definitivo da Ré/Recorrente.

É, pois, de acompanhar a alegação da Recorrente, no sentido de que o Tribunal “a quo” não poderia eleger como fonte da obrigação de pagamento em que a condenou o instituto do enriquecimento sem causa, na medida em que, sendo este subsidiário, existia outro mecanismo legal – a indemnização adveniente da declaração da resolução do contrato por incumprimento definitivo – para salvaguardar a posição dos Recorridos.

De resto, estando aqui em causa uma pretensão fundada num negócio jurídico (contrato bilateral), este, por si só, constitui causa justificativa da deslocação patrimonial (enriquecimento) operada pelos Recorridos a favor da Recorrente, por conta da obrigação a que a segunda se vinculara – faltando outro dos pressupostos legais (ausência de causa justificativa) que admitem o recurso à figura do enriquecimento sem causa (cf. artigo 473.º do Código Civil).

Conclui-se, assim, pela violação do princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa. Com isto não queremos dizer, todavia – como de seguida pretenderemos demonstrar –, que a decisão condenatória prolatada pelo Tribunal da Relação ... não deva ser mantida.

3.3. Da cumulação da resolução do contrato com a indemnização pelo interesse contratual positivo

Afirma a Recorrente que a decisão recorrida, ao condená-la no pagamento da indemnização correspondente à reparação dos defeitos existentes na obra, violou as normas que regulam a responsabilidade contratual, na medida em que, em caso de resolução contratual, a posição clássica e dominante se pronuncia no sentido de que a tutela se resume ao interesse contratual negativo, isto é, ao prejuízo que o credor não teria se o contrato não tivesse sido celebrado.

Os danos a que respeita a condenação sindicada, por se referirem a prejuízos que decorrem da não realização da prestação contratual - ou com mais rigor, da realização defeituosa da obra contratada - integram-se na órbita do interesse contratual positivo (cf. Acórdão do STJ, de 22/04/2008 (Processo n.º 08A744), “IV. As despesas necessárias à reparação dos defeitos existentes na obra realizada não se integram na reparação dos interesses contratuais negativos.”). Há, pois, que dilucidar se esta modalidade indemnizatória se mostra compatível com a circunstância de o contrato ter sido objeto de resolução.

Preceitua o artigo 801.º do Código Civil que “tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação. 2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”, consagrando o artigo seguinte que “1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.”

Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/12/2020 (Processo n.º 15940/16.7T8LSB.L1.S1): “20. O problema suscitado pelos arts. 801.º, n.º 2, e 802.º, n.º 1, relaciona-se com o conteúdo da indemnização cumulável com a resolução do contrato: O devedor há-de colocar o credor na situação em que estaria se não tivesse concluído o contrato ou deve colocá-lo na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido?; deve indemnizar o devedor pelo interesse contratual negativo ou deve indemnizá-lo pelo interesse contratual positivo?; deve indemnizar pelo dano da confiança ou deve indemnizá-lo pelo dano do (não) cumprimento?  21. O primeiro termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual negativo — destinar-se-ia a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato não tivesse sido concluído. O segundo termo da alternativa — indemnização pelo interesse contratual positivo — destinar-se-á a colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido. O problema está em que colocar o credor na situação em que estaria se o contrato tivesse sido cumprido pode conseguir-se através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da sub-rogação ou da troca ou através de uma indemnização calculada de acordo com a teoria da diferença — a teoria da sub-rogação (Surrogationstheorie) ou teoria da troca (Austauschstheorie) diz-nos que o credor da obrigação não cumprida tem o encargo ou o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro correspondente ao valor da prestação não realizada; a teoria da diferença (Differenztheorie), diz-nos que a o credor da obrigação não cumprida não tem o ónus de realizar a sua contraprestação em espécie para conseguir uma indemnização em dinheiro corresponde à diferença entre o valor da contraprestação e o valor da indemnização dos danos causados pela não realização da prestação pelo devedor [1].”

Em caso de resolução contratual, o entendimento doutrinário clássico e generalizado advogava, efetivamente, que a tutela se cingia ao interesse contratual negativo, que visa compensar o credor pelas perdas conexionadas com a mera celebração do contrato (Pires e Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, p. 58; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 7ª ed., Coimbra, Almedina, pág.109; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12ª ed, p. 1045 e seguintes; António Pinto Monteiro, “Sobre o não cumprimento na venda a prestações”, O Direito, Ano 122, 1990, p. 555; João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Coimbra, Almedina, 1990, p. 248; Pedro Romano Martinez, Cumprimento defeituoso, em especial na compra e venda e na empreitada, p. 349 e seguintes; Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 4º ed., pp. 267-268), esconjurando a cumulação entre a resolução do contrato e a indemnização correspondente ao interesse contratual positivo, isto é, o ressarcimento do prejuízo que o contraente fiel não sofreria se o negócio houvesse sido integralmente cumprido pela contraparte. A este respeito mobilizam-se argumentos atinentes ao efeito retroativo da resolução e à ideia de incoerência detetada na posição do credor que, não obstante ter optado por extinguir o contrato pela resolução, pretende prevalecer-se de uma indemnização correspondente ao interesse no seu cumprimento.

Tal entendimento foi acolhido, a título de exemplo, pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 21/03/2006 (Processo n.º 06A329), de 22/01/2008 (Processo n.º 07A4154) e de 22/04/2008 (Processo n.º 08A744).

Começou, no entanto, a desenhar-se uma alteração jurisprudencial que, na linha de  outra corrente doutrinária (José Carlos Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil - Do Enquadramento e do Regime, Coimbra, Coimbra Editora, 2006,p. 196) admite uma flexibilização da jurisprudência com admissão da indemnização pelos danos positivos “quando assim for exigido pelos interesses em presença” e Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 2007, p. 463, concebe “que o julgador, além dos danos negativos, atenda também aos positivos se, no caso concreto, essa solução se afigurar mais equitativa segundo as circunstâncias.”), abriu a porta, em casos excecionais, ao ressarcimento pelos danos positivos em casos de resolução do contrato. Exemplo disso mesmo é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.02.2009 (Processo n.º 08B4052).

Outros arestos vieram a considerar que a questão vertente deverá ser sempre analisada de forma casuística (cf. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15/02/2018, processo n.º 7461/11.0TBCSC.L1.S1, segundo o qual: “II. No quadro dos desenvolvimentos mais recentes da doutrina e da jurisprudência, é de considerar, em tese, admissível a cumulação da resolução do contrato com a indemnização dos danos por violação do interesse contratual positivo, não alcançados pelo valor económico das prestações retroativamente aniquiladas por via resolutiva, sem prejuízo da ponderação casuística a fazer, à luz do princípio da boa fé, no concreto contexto dos interesses em jogo, mormente em função do tipo de contrato em causa, de modo a evitar situações de grave desequilíbrio na relação de liquidação ou de benefício injustificado por parte do credor lesado. III. No atual panorama da jurisprudência sobre tal problemática, afigura-se mais curial prosseguir por via dessa ponderação de caso a caso, sem a condicionar, de forma apriorística, ao critério abstrato de regra-exceção.

IV. Para tanto, é de considerar, em síntese, que:

a) – Do preceituado no artigo 801.º, n.º 2, do CC, no respeitante à ressalva do direito a indemnização, em caso de resolução de contratos bilaterais, nenhum argumento interpretativo substancialmente decisivo se pode extrair no sentido de excluir o direito de indemnização pelos danos positivos resultantes do incumprimento definitivo desde que não se encontrem cobertos pelo aniquilamento resolutivo das prestações que eram devidas;

b) – Por isso mesmo, impõe-se equacionar a solução na perspetiva da finalidade e função da resolução, enquadrada no plano mais latitudinário do programa negocial, multidimensional, envolvente e da relação de liquidação em que, por virtude dessa resolução, se transfigura a relação contratual originária (…), sendo de rejeitar a existência de um critério abstrato de regra-exceção. Entendeu-se, neste conspecto, que “V - A resolução do contrato é compatível com a indemnização pelo interesse contratual positivo, que só não será admitida quando revele desequilíbrio grave na relação de liquidação ou se traduza em benefício injustificado para o credor, ponderado à luz do princípio da boa-fé, hipótese em que se indemnizará antes pelo interesse contratual negativo.” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/05/2018, processo n.º 567/11.8TVLSB.L1.S2).

Mais recentemente, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou, de forma categórica que a indemnização prevista no artigo 801.º, n.º 2, do Código Civil poderá visar, não apenas o interesse contratual negativo, mas igualmente o interesse contratual positivo, sendo calculada de acordo com a teoria da diferença.

Os argumentos avançados para considerar superado o entendimento de que a resolução do contrato era tão-só cumulável com a indemnização pelo interesse contratual negativo foram condensados pelo já citado Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10/12/2020 (Processo n.º 15940/16.7T8LSB.L1.S1): “24. O art. 562.º do Código Civil consagra o princípio de que “quem estiver obrigado a reparar um dano há-de reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”; ora, o evento que obriga à reparação consiste no não cumprimento de uma obrigação; logo, quem estiver obrigado a reparar o dano há-de reconstituir a situação que existiria se a obrigação tivesse sido cumprida [3] [4].  25. Em favor do cúmulo, depõem dois desenvolvimentos recentes:   26. Em 23 de Julho de 2020, foi aprovada para adesão a Convenção das Nações Unidas sobre a venda internacional de mercadorias de 11 de Abril de 1980 — e, de acordo com os arts. 75.º e 76.º da Convenção, a indemnização cumulável com a resolução do contrato é uma indemnização pelo interesse contratual positivo [5].  27. Em 20 de Maio de 2019, foi publicada a Directiva 2019/771/UE, sobre a venda de bens de consumo — e, de acordo com o considerando 61 da Directiva, a indemnização “deverá repor a situação em que o consumidor se encontraria se o bem estivesse em conformidade” [6].  Os termos em que está redigido o considerando 61 aplicam-se a toda a indemnização, incluindo à indemnização cumulável com a resolução do contrato de compra e venda.”

3.4. Caso concreto

À luz do enquadramento traçado e perfilhando o entendimento de que, em caso de resolução contratual, o conteúdo da obrigação de indemnização poderá abranger, para além do interesse contratual negativo, o interesse contratual positivo, resta deslocar o prisma de análise para o caso concreto.

Atentemos na relação de liquidação em que se transmutou a relação contratual originária, em virtude da resolução do convénio: ficou provado que a Recorrente recebeu por conta da obra a quantia de €68 220,00, IVA incluído, e que os trabalhos realizados importaram em €53 140,69, a que acresce IVA, tendo a decisão recorrida entendido que a Recorrente deveria devolver o que recebeu a mais, ou seja, a quantia de €2 85700.

Para além disso, a Recorrente foi condenada à reparação de defeitos atinentes a caixas de aparelhagem, tubos nos tetos, circuitos elétricos, abertura de roços e aos sanitários da cave, onde a malha-sol existente no pavimento foi cortada.

As anomalias descritas no ponto 32 dos factos provados relativamente à especialidade de eletricidade não são fruto – ao contrário do que faz supor a recorrente – do abandono prematuro da obra. Pela sua caracterização - no rés-do-chão foram estabelecidos circuitos elétricos mal concebidos, sem fiabilidade futura e anti-regulamentares, sendo misturadas no mesmo circuito tomadas dos quartos com tomadas de equipamento de cozinha, um circuito de tomadas que alimenta 14 tomadas, quando o Regulamento prevê um máximo de 9 unidades, sendo que os circuitos dos sanitários com banho, nos termos do Regulamento, têm de ser independentes dos restantes para serem dotados de proteção diferencial de alta sensibilidade, o que não acontece; foi instalado no pavimento térreo exterior de tubos anelados, em lugar de tubo VRM; foram executados traços oblíquos, foi instalada tubagem anelada com os condutores já enfiados e inexistiu cuidado de fazer alinhamento vertical da aparelhagem -, tais anomalias consubstanciam desconformidades da obra e não o resultado de uma construção inacabada.

Neste contexto, e na economia da relação contratual estabelecida entre as partes, a obrigação de reparação dos sobreditos defeitos – causados, reitere-se, pelo deficiente cumprimento da obrigação por banda da recorrente e não pela paragem precoce dos trabalhos - não afronta o princípio da boa-fé, ainda que tenha resultado assente que o abandono da obra por parte da Ré/Recorrente se mostrou justificado, à luz da conduta dos Autores/Recorridos (que manifestaram a intenção de não pagamento dos trabalhos extra realizados e perturbaram a execução da obra).

Numa outra formulação: a reparação dos defeitos que se traduz na indemnização pelo interesse contratual positivo não proporciona nenhum benefício ou vantagem injustificada aos Recorridos, não consubstanciando desequilíbrio grave na relação de liquidação. Ainda que tenha sido imputável aos Recorridos o abandono da obra por parte da Recorrente – e, nessa medida, o não cumprimento integral do contrato –, a reparação dos mencionados defeitos visa colocar aqueles na posição em que estariam em caso de bom cumprimento das prestações efetivamente realizadas pela Recorrente, e não na situação em que se encontrariam no caso de integral cumprimento do contrato de empreitada.

Trata-se, no fundo, de dar pleno cumprimento ao princípio geral da obrigação de indemnizar consagrado no artigo 562.º do Código Civil.

Flui, assim, do exposto que a resolução do contrato se mostra compatível “in casu” com a indemnização pelo interesse contratual positivo, sendo de fazer coincidir o seu conteúdo com aquele fixado pelo Tribunal da Relação, uma vez que se se encontram reunidos todos os pressupostos da responsabilidade civil contratual (artigo 798.º do Código Civil).

Com efeito, a Recorrente efetuou uma prestação defeituosa – porque discrepante do programa contratual gizado entre as partes -, causalmente geradora de danos aos Recorridos, em montante que se determinará em sede de incidente de posterior liquidação. No âmbito da responsabilidade contratual, presume-se a culpa do devedor, incumbindo ao mesmo ilidir tal presunção (cf. artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil) - o que, no caso vertente, a Recorrente não logrou fazer: aos Recorridos apenas pode ser assacada culpa pelo abandono da obra por parte da empreiteira (o que equivale a dizer, pelo facto de aquela não ter sido acabada), e não pelo cumprimento defeituoso da prestação ocorrido até tal abandono.

Assim, e ainda que se recorra a outra fonte da obrigação (responsabilidade civil contratual) para responsabilizar a Recorrente, há que confirmar a decisão do tribunal “a quo”.


 Deste modo, o recurso tem de improceder

IV. Decisão

Posto o que precede, acorda-se em negar a revista, e, consequentemente, em manter o Acórdão recorrido (mas com fundamentação diversa).

Custas pela Recorrente.


Lisboa, 18 de janeiro de 2022


Pedro de Lima Gonçalves (relatora)   

 Fernando Samões

Maria João Tomé