Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
066664
Nº Convencional: JSTJ00003712
Relator: RODRIGUES BASTOS
Descritores: PROPRIEDADE INDUSTRIAL
PATENTE DE INVENÇÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ197903140666642
Data do Acordão: 03/14/1979
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DR IS DE 1979/05/09, PÁG. 856 A 858 - BMJ Nº 285 ANO1979 PÁG. 127 -
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO
Decisão: TIRADO ASSENTO.
Indicações Eventuais: ASSENTO DO STJ.
Área Temática: DIR ECON - DIR IND.
Legislação Nacional: CPI40 ARTIGO 8 ARTIGO 214.
CONST76 ARTIGO 8.
D 22/75 DE 1975/01/22.
CPC67 ARTIGO 766 N3.
Referências Internacionais: CONV DA UNIÃO DE PARIS PARA A PROTECÇÃO DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL DE 1883/03/20.
ACTO DE ESTOCOLMO DE 1967/07/14.
Sumário :
O direito exclusivo de explorar o invento que pertence ao titular da patente de processo, nos termos do artigo 8 do Codigo da Propriedade Industrial, e ofendido pela fabricação, manipulação ou venda, por terceiro, em Portugal, de outro produto que contenha, ainda que importado, um principio obtido pelo processo industrial a que a patente se refere.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em pleno, os juizes do Supremo Tribunal de Justiça:

"A" e "B" recorreram, para tribunal pleno, do acordão certificado a folhas 12, proferido por este Supremo Tribunal em 9 de Março de 1976, com o fundamento de que ele esta em oposição, relativamente a solução dada a mesma questão fundamental de direito, com o acordão deste Tribunal, de 24 de Junho de 1975, constante da fotocopia de folhas 26.
Por acordão da 2 Secção Civel deste Tribunal, de folhas
37, foi reconhecida a existencia da oposição invocada e mandado prosseguir o recurso.
Alegaram as partes e o ilustre representante do Ministerio Publico junto deste Tribunal emitiu o seu douto parecer de folhas 145 e seguintes.
O processo correu os vistos legais, estando em condições de se apreciar do recurso.
Tudo visto:
Em primeiro lugar, e por aplicação do disposto no n. 3 do artigo 766 do Codigo de Processo Civil, cumpre-nos reexaminar a questão de saber se, no caso dos autos, se verifica a oposição de julgados que, traduzindo conflito de jurisprudencia, justifica o recurso para tribunal pleno.
Como se sabe essa posição verifica-se quando o Supremo, em decisões proferidas em processos diferentes, da, a mesma questão essencial de direito, no dominio da mesma legislação, soluções opostas.
No caso sub judice foram propostas, pelas ora recorrentes, duas acções: uma contra a firma "C Lda.," na qual foi proferido o acordão recorrido; outra a "D - S. A. R. L.", onde foi proferido o acordão, dito em oposição, de 24 de Junho de 1975.
Em ambas as acções as ora recorrentes demandavam sociedades comerciais pedindo a condenação destas a absterem-se de fabricar, manipular ou vender em Portugal produtos farmaceuticos que identificavam, ou quaisquer outros que contivessem o ingrediente activo "Trimetoprim", cujo processo de invenção consta das patentes portuguesas ns. 44870 e 46641, e a pagar as autoras indemnizações a liquidar em execução de sentença.
Na primeira acção decidiu-se que a re ao "importar, comprando, Trimetoprim, para com ele produzir um produto diferente (não lesou) os titulares das patentes do fabrico daquele produto, pois tais actos não contendem com o processo de fabrico para que foram concedidas as patentes; estas asseguram apenas o exclusivo da exploração e fabrico do Trimetoprim".
Na acção em que foi proferido o acordão dito em oposição decidiu-se, por sua vez: "Desde que as autoras depositaram em Portugal as patentes que se referem a invenção do processo de preparação do trimetoprim, ficou-lhes assegurado o direito exclusivo de explorarem em Portugal esse processo tecnico, produzindo ou fabricando o dito produto ou qualquer outro que contenha aquele ingrediente activo".
Parece que qualquer destas decisões encarou a mesma questão de direito, que e a de saber se o exclusivo, proveniente do registo das patentes, abrange so a fabricação do mesmo produto, ou se abrangera, tambem, a fabricação e manipulação de quaisquer produtos que contenham "principios activos" obtidos pelo processo patenteado.
E questão que se põe essencialmente em face do artigo
8 do Codigo da Propriedade Industrial.
O acordão recorrido adoptou a primeira daquelas alternativas; o acordão de 1975 adoptara a segunda.
Soluções opostas, sobre a mesma questão de direito.
A circunstancia de os recursos em que tais decisões foram proferidas não serem da mesma natureza, sendo um deles uma revista e outro um agravo, não parece afastar a oposição invocada, ja que ela não se manifesta quanto a solução final dos recursos, mas tão so quanto aquela questão essencial de direito, cuja resolução ditou a decisão final em ambos os casos. Finalmente, não pode dizer-se que a questão do ambito do exclusivo assegurado pela patente não foi expressamente suscitada pelas partes no processo em que foi proferido o acordão de
75, bastando, para isso, ter em conta o pedido formulado nessa acção, o que motivou o tribunal a apreciar tal questão, para definir o regime juridico a que se encontrava subordinada a pretensão das autoras.
Conclui-se, assim, pela existencia da invocada oposição, e, em consequencia, pela admissibilidade do recurso.
E posto isto, entremos na apreciação do seu objecto.
No caso dos autos as recorrentes propuseram acção com processo ordinario contra "C, Lda.", para conseguirem a condenação desta Sociedade a abster-se de fabricar, manipular, vender ou por a venda o produto farmaceutico "Primazol", ou sob qualquer outra designação, e pagar as autoras a indemnização de perdas e danos que se liquidar em execução de sentença, alegando, para tal, que tem as patentes da produção e fabrico do produto "Trimetoprim" registadas em Portugal e que com base nesse produto tem a venda os produtos "Bactrim" da "Wellcome", e "Septrim" de "La Roche", e que a re tem utilizado o "Trimetoprim" para a composição do "Primazol", que vende, trazendo com isso prejuizo as autoras.
A acção foi julgada improcedente, no despacho saneador, com o fundamento de que a re utiliza o "Trimetoprim", que importa, para preparar o seu produto "Primazol", que vende no mercado, não constituindo tal facto violação de qualquer direito das autoras, designadamente como titulares das patentes de fabrico daquele produto, pois estas asseguram apenas o exclusivo da sua exploração e fabrico, com os quais não contende a descrita actividade da re. Esta decisão foi confirmada, em recurso, na 2 instancia, e depois, neste Supremo Tribunal, pelo acordão recorrido.
A solução para o problema posto implica a necessidade de definir o conteudo do direito do titular da patente.
A concessão da patente - diz o artigo 8 do Codigo da Propriedade Industrial - da o direito exclusivo de explorar o invento em qualquer parte do territorio portugues e de ai produzir ou fabricar os objectos que constituem o dito invento ou em que este se manifeste.
Este preceito compreende tanto as patentes de produto como as patentes de processo, mas não nos esclarece devidamente quanto ao conteudo do direito ao exclusivo, embora o emprego da expressão generica "explorar", nos indique ja que o legislador pensou em proteger mais do que a simples fabricação dos bens, indo ate defender todas as formas de uso da fabricação do produto, ou do emprego do processo para a sua obtenção.
Alias isso se ve, com relativa clareza, do artigo 214 do mesmo diploma, onde se impõem sanções a quem, durante o exclusivo da invenção, lesar o titular de uma patente por qualquer dos modos seguintes:
"1 - Fabricando, sem licença dele, os artefactos ou produtos que forem objecto da patente;
2 - Empregando sem a mesma licença, os meios ou processos ou fazendo as novas aplicações de meios ou processos que forem objecto da patente;
3 - Importando, vendendo, pondo a venda ou em circulação ou ocultando, de ma fe, produtos obtidos por qualquer dos referidos modos".
Do n. 3 desta norma resulta a evidencia que todo aquele que, importando, puser a venda qualquer produto obtido por um processo ja patenteado, lesa o titular da respectiva patente.
E não e so este preceito a afirma-lo.
Como se sabe, paralelamente ao desenvolvimento das legislações nacionais, nos fins do Seculo XIX acentuou-se, no campo internacional, a tendencia para a unificação da disciplina do direito sobre invenções. Este movimento, iniciado por ocasião da Exposição Internacional de Viena de 1873, continuou aquando da Exposição Internacional de Paris de 1878, ate se chegar a Convenção da União de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883. Esta Convenção, assinada inicialmente por 10 Estados foi sucessivamente modificada em Bruxelas a 14 de Dezembro de 1900, em Washington a 2 de Junho de 1911, na Haia a 6 de Novembro de 1925, em Londres a 2 de Junho de 1934, em Lisboa a 31 de Outubro de 1958 e em Estocolmo a 14 de Julho de 1967. Portugal aprovou, para ratificação, o Acto de Estocolmo pelo Decreto n. 22/75, de 22 de Janeiro, constituindo, assim, tal Convenção, na sua forma actual, direito interno portugues (Constituição da Republica, artigo 8).
Ora no artigo 5 quater daquela Convenção dispõe-se que quando um produto for introduzido num pais da União no qual exista uma patente protegendo um processo de fabrico desse produto, o titular da patente tera, em relação ao produto introduzido, todos os direitos que a legislação do pais de importação lhe conceder, em virtude da patente desse processo, relativamente aos produtos fabricados no proprio pais.
Temos, assim, que a lei equipara expressamente a importação de um produto obtido por um processo de fabrico, patenteado em Portugal, a fabricação, entre nos, desse mesmo produto, declarando igualmente lesivo para o direito do titular da patente qualquer daqueles procedimentos.
Deste modo, todo aquele que, importando, puser a venda quaisquer produtos obtidos por um processo ja patenteado, lesa o titular da respectiva patente.
Quer dizer: se a re neste processo importar Trimetoprim, fabricado no estrangeiro pelo processo patenteado pelas autoras, e o puser a venda em Portugal, não pode haver qualquer duvida de que esse procedimento e lesivo do respectivo exclusivo de invenção, de que estas são titulares.
Mas se, fazendo essa importação, a re previamente associar o "trimetoprim" a qualquer outra substancia, talvez um placebo, e o puser a venda em Portugal, com outro nome, não lesara o direito daquelas?
A simples enunciação do problema induz a uma resposta afirmativa.
Com efeito seria julgar contra o direito admitir que, por essa via indirecta, se fraudasse tão claramente os preceitos a que se acabe de fazer referencia, tornando, por essa forma, completamente inutil o exclusivo resultante do registo da patente.
Assim como se um terceiro, desprovido de autorização ou licença, fabricar em Portugal um certo produto, devidamente patenteado, pelo processo objecto da patente, o empregar na preparação de um medicamento que se vende ao publico, ofende o direito de exclusivo do titular da patente, a mesma reacção legal deve provocar aquele que, para atingir os mesmos fins, em vez de fabricar no pais, importa do estrangeiro o produto obtido pelo processo patenteado. A contravenção e, em todos os seus termos, precisamente a mesma; os interesses que a lei quer proteger tanto são violados de uma forma como da outra.

Por estes fundamentos concedem provimento ao recurso, para que na 1 instancia se profira novo despacho saneador de harmonia com os principios expostos, sem prejuizo do conhecimento de todas as outras questões que ali devem ser apreciadas. Custas pela recorrida.
Para resolução do confilto de jurisprudencia lavra-se o seguinte assento:
"O direito exclusivo de explorar o invento que pertence ao titular da patente de processo, nos termos do artigo 8 do Codigo da Propriedade Industrial, e ofendido pela fabricação, manipulação ou venda, por terceiro, em Portugal, de outro produto que contenha, ainda que importado, um principio activo obtido pelo processo industrial a que a patente se refere".

Lisboa, 14 de Março de 1979

Rodrigues Bastos (Relator) - Daniel Ferreira - Abel de Campos (Vencido quanto a oposição, votei o assento) - Santos Vitor - Eduardo Botelho de Sousa - Ferreira da Costa - Avelino Ferreira - Costas Soares - Hernani de Lencastre (Vencido quanto a questão da oposição)
- Alberto Alves Pinto - Octavio Dias Garcia (Sem prejuizo da questão levantada na Secção por mim, concordo com o assento) - Rui de Matos Corte Real (vencido quanto a questão previa e votei o assento) - Oliveira Carvalho - Adriano Vera Jardim - João Moura (Vencido quanto a oposição) - Bruto da Costa - Antonio Furtado dos Santos
- Augusto Azevedo Ferreira - Miguel Caeiro (Vencido quanto a questão previa, votei o assento) - João Ferreira do Vale - Manuel Alves Peixoto - Henriques da Rocha Ferreira
- Artur Moreira da Fonseca - Aquilino Ribeiro (Vencido quanto a questão previa e ao assento pelas razões constantes do acordão recorrido, merecendo a minha concordancia).