Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1209/19.9T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
INCUMPRIMENTO
PRESUNÇÃO DE CULPA
CULPA GRAVE
Data do Acordão: 03/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :
I - A informação prestada pelo intermediário financeiro é deficiente e inexacta quando não elucida aspectos essenciais do produto de modo a permitir ao cliente entender as respectivas especificidades.
II - Constitui aspecto essencial para um investidor de perfil conservador e não qualificado a informação de que o produto (obrigações SLN) tinha a mesma garantia de um depósito a prazo, sem que lhe tenha sido explicitado, pelo menos, que não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo, isto é, o reembolso de € 25 000,00 garantidos legalmente, que consubstancia característica específicas do produto ab initio (por não estar dependente de quaisquer variantes, designadamente, da evolução da conjuntura económico-financeira).
III - A violação do dever de informação que impende sobre intermediário financeiro leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no art. 314.º, n.º 2, do CVM.
IV - Actua com culpa grave o intermediário financeiro que utiliza informação enganosa quanto às características do produto sabendo que o cliente não subscreveria a aplicação se tivesse tido conhecimento da realidade das mesmas.
Decisão Texto Integral:




Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório
1. AA e BB instauraram (Abril de 2019) acção declarativa de condenação com processo comum contra o Banco BIC Português, SA, pedindo:
a) a condenação do Réu a pagar-lhes a o capital e juros garantidos no valor de €165.000,00, acrescida de juros vincendos até integral pagamento;
subsidiariamente,
b) Ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o Banco invoque para ter aplicado os €150.000,00, que lhe entregaram, em obrigações subordinadas SLN 2006;
c) Ser declarado ineficaz em relação aos Autores a aplicação que o Banco tenha feito desses montantes;
d) Condenar-se o Banco a restituir-lhes €165.000,00, que ainda não receberam, dos montantes que lhe entregaram e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento;
Em qualquer dos casos,
- condenação do Réu a pagar-lhes a quantia de €5.000,00, a título de dano não patrimonial.

Alegaram para o efeito e essencialmente:

- terem aberto conta no BPN (agência do …..., com a conta à ordem n.º ……01) e terem sido abordados (em 8 de Maio de 2006) pelo gerente dessa agência para efectuar uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo Banco BPN e com rentabilidade assegurada;

- terem um perfil de investidores conservadores não possuindo qualificações ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos e avaliar os riscos associados a cada um deles;

- terem aceite investir €150.000,00 convictos de que estavam a colocar dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo;

- ter aquele valor sido aplicado na subscrição de obrigações subordinadas SLN 2006, facto que desconheciam por não lhes ter sido prestada qualquer informação ou explicação sobre as características de tal investimento, pois se tivessem sabido que estavam a adquirir obrigações, em que o capital não está garantido, não teriam feito a subscrição das mesmas;       

- não lhes ter sido restituído o montante investido na data do respectivo vencimento, ficando privados do mesmo;

- terem ficado num estado de permanente preocupação, ansiedade, tristeza, sem alegria de viver e com dificuldades financeiras pelo receio de não reaverem o dinheiro e pela privação do mesmo.

2. O Réu contestou, defendendo-se por excepção (invocando a prescrição do direito dos Autores) e por impugnação, alegando, fundamentalmente, que à data da respectiva subscrição as obrigações SLN 2006 constituíam um produto financeiro seguro, tendo os Autores sido informados das condições do mesmo. Conclui pela improcedência da acção.

3. Em resposta os Autores defenderam a improcedência da excepção de prescrição arguida alegando ocorrer dolo ou culpa grave por parte do intermediário financeiro e, nessa medida, ser de 20 anos o prazo para o exercício do seu direito. Invocaram ainda a inexistência de qualquer facto interruptivo prescrição (não constituindo o recebimento de juros reconhecimento tácito da dívida de capital) e de apenas terem tomado conhecimento das características do produto subscrito em finais de 2017.

4. Realizado julgamento foi proferida sentença que julgou improcedente a excepção de prescrição e deu procedência parcial à acção, condenando o Réu a pagar aos Autores a quantia de €150 000,00, acrescida dos juros de mora desde a citação.

5. O Réu, impugnando a matéria de facto, interpôs apelação tendo o Tribunal da Relação … proferido acórdão que julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença.

6. Vem agora interpôs recurso de revista ao abrigo do artigo 672.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPC, concluindo nas suas alegações (transcrição):

1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontifica a este propósito as diferentes posições quanto à necessidade e grau de informação do risco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever

de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citados termos do disposto no art.º 672.º n.º 1 als. a) e b) do Código de Processo Civil.

Acresce que...

9) Não havendo declaração negocial, bem ou mal emitida, não pode haver obrigação jurídica – seja ela qualquer for - de fonte contratual, pelo que não pode, em qualquer circunstância, entender-se que o Banco assumiu uma obrigação de reembolso ou que a afiançou!

10) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

11) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

12) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

13) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

14) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

15) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

16) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

17) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

18) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

19) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

20) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

21) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme. Até porque que defenda que deveria o intermediário financeiro transmitir a informação das primeiras páginas do prospecto não pode deixar de defender que a mesma diligência deveria ser obrigatória quanto ao restante conteúdo do mesmo documento!

22) A informação deve ser prestada não apenas de forma exaustiva, mas essencialmente de uma forma acessível, sendo que a mera reprodução do prospecto, como pretende a decisão recorrida, seria certamente tudo menos acessível.

23) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

24) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

25) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

26) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

27) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

28) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a. a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b. b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c. c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d. d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

29) São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

30) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

31) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

32) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

33) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

34) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

35) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

36) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

37) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.”.

7. Em contra alegações os Autores defendem a improcedência do recurso.

8. O recurso foi admitido.  

II – APRECIAÇÃO DO RECURSO

De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n. 4 e 639.º, todos do CPC) mostra-se submetida à apreciação deste tribunal a seguinte questão:
ð Da (in)verificação de conduta ilícita e culposa do intermediário financeiro

1. Os factos

1.1 provados

1. Os Autores foram clientes do BPN, agência do ......, com a conta à ordem n.º …….01

2. Em 8 de Maio de 2006 o gerente dessa agência disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.

3. Os Autores decidiram investir € 150.000,00 em tal aplicação.

4. Esta quantia monetária foi aplicada em obrigações subordinadas SLN 2006 sem que os Autores soubessem que estavam a subscrever obrigações.

5. O que motivou a autorização dos Autores para a realização daquele investimento foi o facto de lhes ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo próprio BPN, com juros semestrais e que poderia levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendesse mediante aviso prévio.

6. Os Autores actuaram convictos de que estavam a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso num produto com risco exclusivamente do BPN.

7. Se os Autores se tivessem apercebido de que poderiam estar a dar ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto de risco e que não tinha capital garantido pelo Banco, não o autorizariam.

8. Nunca foi intenção dos Autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários da agência do ...... do BPN, e sempre estiveram convencidos da restituição do capital e juros.

9. O BPN sempre assegurou que a aplicação referida em 2 tinha a mesma garantia de um depósito a prazo.

10. Daí a convicção plena com que os Autores ficaram da segurança da aplicação, com juros que foram sendo semestralmente pagos, o que lhes transmitiu segurança e nunca os alertou para qualquer irregularidade face ao que lhes tinha sido dito pelo gerente.

11. Os Autores desconheciam o que era a SLN, pelo que desconheciam e não podiam conhecer que tinham feito uma aplicação com características diferentes de um depósito a prazo.

12. Os Autores nunca foram informados sobre a compra das obrigações.

13. Nunca o gerente e/ou outros funcionários da agência do BPN sita no ...... explicaram aos Autores as características e natureza das obrigações subordinadas SLN 2006, mormente liquidez, prazos de reembolso e dos juros, nem lhe foram lidas, explicadas ou entregues quaisquer cláusulas sobre tal produto financeiro.

14. Na data do vencimento os autores não receberam o capital investido.

15. Os Autores não receberam parte dos juros da aplicação financeira, em montante não concretamente apurado.

16. O gerente sabia que os Autores não possuíam qualificação ou formação técnica que lhes permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles e que por isso tinham um perfil conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro, sendo que até àquela data sempre o aplicaram em depósitos a prazo.

17. No âmbito do processo de insolvência da Galilei, SA, o administrador judicial reconheceu ao Autor um crédito de natureza “Subordinados”, referente a SLNRM2-SLN 2006, no valor de € 151.477,60.

1.2 não provados

- que só foram pagos juros na ordem de 1%;

- que no momento da subscrição os Autores foram informados que as obrigações foram emitidas pela SLN;

- que os Autores quiseram subscrever obrigações subordinadas SLN 2006;

- que os Autores foram informados sobre todos os elementos que constavam da nota informativa do produto de fls. 26 e ss;

- que o ex-BPN agiu de acordo com a vontade e instruções dos Autores;

- que o produto subscrito pelos Autores foi apresentado com a obrigação de entrega do capital e dos juros ser da única e exclusiva responsabilidade da entidade emitente e não do Banco enquanto entidade colocadora.

2. O direito

Através da presente acção pretendem os Autores que o Banco Réu lhes restitua o capital investido e juros não pagos (no valor total de €165.000,00) ao subscreverem obrigações SLN na convicção de que se tratava de um sucedâneo de um depósito a prazo face à informação (falsa, ou quanto menos omitida, quanto ao risco da operação) prestada pelo Banco Réu quanto à garantia da restituição do capital investido.

A sentença deu procedência parcial à acção condenando o Réu a pagar aos Autores o valor do reembolso do capital investido (150.000,00€)[1], fundada em responsabilidade civil contratual do Réu (que sucedeu na posição do BPN) por violação dolosa e grave dos deveres de informação que sobre si recaíam enquanto intermediário financeiro, cabendo-lhe reconstituir a situação que existiria se não fosse o facto danoso (reconstituição traduzida no montante investido, acrescido de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento).

Considerou ainda o tribunal de 1ª instância que, tratando de violação grave e culposa, era de 20 anos o prazo de prescrição, não se encontrando, por isso, prescrito o direito dos Autores.

No seguimento da sentença, o acórdão recorrido, julgando improcedente o recurso sobre a matéria de facto, confirmou aquela decisão, concluindo pela responsabilidade do Banco Réu enquanto intermediário financeiro pelos danos sofridos pelos Autores (não reembolso da quantia investida) entendendo verificados todos os seus pressupostos.

Insurge-se o Réu fazendo incidir a sua discordância na (in)verificação de conduta ilícita e culposa do intermediário financeiro. Para o efeito, focaliza-se em dois aspectos:

- na (in)existência de vinculação do Banco à obrigação de garantir juridicamente o pagamento (conclusões 9 a 18);
- na caracterização do dever de informação adstrita ao intermediário financeiro (conclusões 19 a 36).

1. Da vinculação do Banco

O Recorrente trata esta matéria nas conclusões 9 a 18, defendendo que a declaração do funcionário do BPN reportada ao “capital garantido” da aplicação não pode ser entendida, em termos do declaratário normal, como uma vinculação do Banco à obrigação de ele próprio garantir juridicamente o pagamento, ou alternativamente, assumir ele próprio o pagamento em primeira linha.

Considera, pois, que a referida expressão “mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido” e, assim, entendida como característica técnica do instrumento financeiro em causa (e não como garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente) não permite concluir pela conduta culposa do Banco, e muito, menos por conduta grave.

A argumentação tecida pelo Recorrente mostra-se construída em total alheamento à matéria de facto apurada sob o ponto n.º 2 (relativa ao teor da informação prestada pelo gerente da agência aos Autores dizendo-lhe que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada), articulada com a factualidade constante dos pontos n.ºs 6, 8, 9 e 16.

Com efeito, na sequência do apurado, resulta demonstrado que os Autores ao subscreverem as referidas obrigações actuaram convictos de que estavam a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, tendo o gerente e os restantes funcionários da referida agência, conhecimento não só da intenção dos mesmos relativamente a investimentos em produtos, como da própria compreensão que fizeram das declarações prestadas pelo gerente reportada à convicção (porque lhes foi assegurado – cfr. ponto 9) da restituição do capital e juros nos mesmos termos da garantia de um depósito a prazo.

Em face desta realidade fáctica assente não pode deixar de ser firmado o que se mostra ponderado no acórdão recorrido:

- “Na situação concreta com que nos deparamos nos autos, provou-se de forma transparente, que os recorridos acederam na subscrição das obrigações, atenta a proposta apresentada pelo funcionário do Banco (gerente da agência), pessoa em que depositavam confiança, e atendendo a que, como foi por ele transmitido e assegurado, a aplicação em causa não tinha quaisquer riscos, pois tratava-se de uma aplicação com a garantia de reembolso do capital, convencendo-se os autores que a garantia era prestada pelo Banco, pois se assim não fosse, ou seja, se não fosse manifestada a garantia total do capital e a qualidade e segurança do produto antes da sua subscrição, os autores nunca teriam tomado tal decisão. 

Os autores contrataram sem estar devidamente esclarecidos sobre os termos do negócio e induzidos em erro quanto a tal: a sua convicção foi de que não havia risco algum e que o Banco garantia a operação, respondendo pelo reembolso.

O Banco assegurou ao cliente que o produto financeiro proposto era sem risco, com reembolso do capital garantido. Esta declaração, para com estes autores, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais (art. 236º do Código Civil), só pode significar que o Banco assume um compromisso perante o cliente, o do reembolso do capital.

A confiança destes clientes, de perfil de risco baixo, com o emerge dos pontos 7 e 8 dos factos provados, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar aquela de que vive o sistema bancário e a segurança jurídica. Quer no plano da responsabilidade civil pré contratual (art. 227º do CC), porque na preparação do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno do capital, quer no plano da responsabilidade civil contratual, porque o Banco não cumpriu o compromisso assumido, e como tal não procedeu com boa fé (art. 762º do CC).

Uma vez que a informação falsa prestada pelo Banco foi decisiva para a determinação da decisão dos autores, enquanto clientes, de subscrever um produto financeiro que lhe foi proposto, haverá que concluir que tal informação não foi indiferente para a verificação do dano, bem pelo contrário.

Assim, ao invés do afirmado pelo recorrente, conclui-se com segurança pelo estabelecimento de nexo de causalidade entre o facto ilícito que lhe é imputado e os danos sofridos pelos recorridos.

Para nós, em face da factualidade provada, não podemos perfilhar do entendimento que o recorrente agiu com lisura contratual, cumprindo os ditames legais da boa fé, prestando as informações a que estava vinculado na sua qualidade de intermediário financeiro, mas antes que para além de omissão de informação devida, o recorrente prestou, também, falsa informação.

Não releva por isso a abordagem feita sobre o dever de informação pelo recorrente nas suas conclusões chamando a colação o disposto no artº 312º do CdVM, relativamente à expressão operações a realizar no sentido de a lei apontar para uma atividade - decorrente da intermediação financeira - e não para o objeto dessa atividade - o instrumento financeiro.

Não estamos perante uma situação que possa ser configurada como mera omissão de informação, mas sim de informação falsa, que determinou os recorridos a subscrever as obrigações em causa (confiantes na informação prestada pelo recorrente, de que estava totalmente garantido o capital).

Perante esta realidade, também não fazem sentido (à luz da boa fé), as alegações do recorrente de que a alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento, não havendo por isso, necessidade de advertência quanto a esse risco, “por o investimento não estar sujeito a volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título

Não se vislumbra, por isso, a alegada violação do artigo 236.º, do Código Civil.

2. Da caracterização do dever de informação adstrita ao intermediário financeiro

Pretende o Réu eximir-se da responsabilidade de pagamento da quantia por que foi condenado nas instâncias defendendo a licitude da sua conduta sustentando a seguinte ordem de argumentos (conclusões 19 a 36):
ü  os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem que prestar informação, nos termos do artigo 312.º, n.º 1, alínea e) do Código de Valores Mobiliários[2], sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar” refere-se ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará os negócios de execução (e não sobre dever de informação sobre o instrumento financeiro em si);
ü a lei estabelece nas alíneas a), b), c) e d) do nº 2 do artigo 312.º-E, do CVM, os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o intermediário financeiro tem de prestar informação;
ü não cabe no âmbito do risco de perda do investimento adstrito ao intermediário financeiro a qualidade e robustez do emitente do título;
ü ao aludir ao risco de perda da totalidade do investimento a lei quer reportar-se ao risco decorrente das características do investimento (do próprio do instrumento financeiro) e por qualquer factor extrínseco ao mesmo;
ü no investimento em obrigações, sendo o mesmo certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título, não há necessidade de advertir do risco de perda da totalidade do investimento.

Segundo o Recorrente, o Banco não cometeu qualquer ilícito por se mostrar verdadeira a informação prestada no sentido de o produto ser seguro, pelo que o risco da operação em causa, porque referente ao cumprimento da obrigação de reembolso (incumprimento da prestação principal da entidade emitente - risco geral de incumprimento) não se encontra abrangido pelos artigos 304.º e 312.º, n.º 1, alínea a), do CVM (risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo); como tal, o intermediário financeiro não estava obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

Não podemos concordar.

O Recorrente não faz a devida articulação entre o conteúdo do dever legal de informação adstrito ao intermediário financeiro e a realidade fáctica provada.  
Em causa está um contrato de intermediação financeira celebrado em Maio de 2006[3], cabendo aplicar o regime jurídico em vigor àquela data (CVM com as alterações que lhe foram introduzidas até ao DL n.º 52/2006, de 15-03, e subsequente Declaração de Retificação n.º 21/2006, de 30-03).
Conforme se fez realçar no acórdão de 15-12-2020[4], a “actividade de intermediação financeira e, no caso, a responsabilidade do Banco que presta informações com vista a celebração de negócios, encontra-se submetida a um conjunto de regras específicas.
Com efeito, o CVM impõe aos intermediários financeiros especiais deveres de informação e publicidade (artigos 312.º e 323.º, do CVM, na versão a ter em conta o caso), que se destinam a assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado, devendo possuir os requisitos de completude, verdade, atualidade, clareza, objetividade e licitude (artigo 7.º, nº 1, do CVM).
Determina o n.º 1 do artigo 304.º do CVM, que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade por forma a proteger os legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, dispondo o n.º 2 que os mesmos devem conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
Encontram-se assim os intermediários financeiros adstritos a deveres principais (os indicados de protecção dos legítimos interesses dos clientes, de informação e publicidade) e a deveres acessórios de boa-fé nas relações que estabelecem com todos os intervenientes no mercado (n.º 2 do artigo 304.º do CVM).
Importa realçar que relativamente aos deveres de protecção dos legítimos interesses dos clientes, o intermediário financeiro deve averiguar não apenas os objectivos concretos visados pelo cliente, mas ainda se é do interesse deste a recepção do serviço de intermediação face à sua situação financeira e à sua experiência em matéria de investimento (artigo 304.º, n.º 3, CVM), pelo que não pode incentivar o cliente a efetuar operações que tenham objetivos contrários aos interesses do mesmo (artigo 310.º, n.º 1 CVM), fazendo prevalecer os interesses do cliente sobre os seus ou de outros eventuais interessados (artigo 309.º, n.º 3, CVM).

Destinando-se as informações a prestar ao cliente para a tomada de uma decisão esclarecida e fundamentada, a extensão e profundidade da mesma dependem do grau de conhecimentos e experiência do cliente (artigo 312.º n.º2, CVM)”.

A matéria de facto provada (cfr. n.ºs 2, 5 e 9) revela que a informação prestada aos Autores foi incompleta, inexacta, obscura, com falta de objetividade.

A informação é completa quando não omite dados informativos que, pela sua importância, devam ser tidos como essenciais por relevante no processo de tomada da decisão de investir (Simão Mendes de Sousa, Contrato de Swap de Taxa de Juro: Dever de Informação e Efeitos da Violação do Dever, AAFDL, 2017, pp. 55-56). 

Do elenco dos factos provados não decorre que tenha sido entregue aos Autores qualquer nota informativa quanto ao produto financeiro, nem tão pouco que lhes tenha sido explicado que o produto implicava uma indisponibilidade do capital por determinado período, não podendo ser solicitado o reembolso antecipado da emissão.

Impondo-se, neste contexto, que a informação prestada fosse coincidente com a realidade dos factos, das circunstâncias, não induzindo em erro o potencial investidor (cfr. Simão Mendes de Sousa, obra citada, p. 57), verifica-se que tal não aconteceu porquanto a factualidade apurada revela que a informação prestada aos Autores padece de grosseira inexactidão pois o produto em causa de modo algum tinha a mesma garantia de um depósito a prazo[5]; nessa medida, para além da natureza do produto - obrigações representativas de dívida subordinada - e da sua implicação em caso de insolvência ou liquidação da sociedade, não lhe assistia a garantia prevista para os depósitos bancários a prazo até 25000 ecu (artigos 164.º e 166.º, n.º1, do DL 298/92, de 31-12., na redacção do DL 252/2003, de 17-10).

Na sequência do realçado no acórdão de 15-12-2020, que vimos seguindo de perto, essa característica consubstancia uma diferença crucial para um investidor com o perfil dos Autores (cfr. n.ºs 5, 8 e 16 dos factos provados) e verificava-se ab initio, porquanto em caso de falência de banco depositário o depositante teria o reembolso de € 25.000,00 garantidos legalmente. Porém, em caso de insolvência da entidade emitente das obrigações, o que veio a suceder, os Autores não têm garantia legal (a priori) de reaver qualquer montante aplicado no produto.

Como refere Agostinho Cardoso Guedes, o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca-se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485.º do Código Civil, Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, a pp. 138-139).

Ora, no caso em apreço, a informação foi indubitavelmente deficiente, inexacta, obscura e não objectiva porque não foram elucidados aspectos essenciais do produto de modo a permitir aos Autores entenderem as respectivas especificidades. Com efeito, o Banco caracterizou a aplicação recorrendo a expressões em tudo igual a um depósito a prazo, a mesma garantia de um depósito a prazo (factos n.ºs 2 e 9), que não só não concretizou, como se mostram empregues a fim de induzir em erro o investidor relativamente às concretas especificidades do produto.

Impunha-se que os Autores tivessem sido elucidados de forma a saberem se estava (ou não) assegurado o reembolso do capital investido e se este assumia (ou não) as caraterísticas e garantias de um depósito a prazo, que consubstanciavam as características específicas do produto ab initio, ou seja, não estavam dependentes de quaisquer variantes designadamente da evolução da conjuntura económico-financeira.

Encontra-se demonstrada a violação do dever de informação por parte do Réu; como tal, a prática do acto ilícito pressuposto da sua responsabilidade.

Violado o seu dever de informação relativamente aos esclarecimentos que estava obrigado a dar aos Autores, leva a presumir a sua conduta como culposa, nos termos do disposto no artigo 314.º, n.º 2, do CVM.

Nesse sentido, relativamente à caracterização da culpa do Réu, há que acompanhar também o acórdão recorrido que, socorrendo-se do acórdão deste tribunal de 17-03-2016[6], conclui “(…) a atuação do Banco consubstancia, pelo menos, a situação de culpa grave já que estamos perante técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultação informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.”.

Verificados os demais pressupostos da responsabilidade do Réu[7] (que, aliás, não foram colocados em causa na revista), há que manter a decisão recorrida, improcedendo a revista.

IV. DECISÃO
Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando o acórdão recorrido.
Custas pelo Réu.


Lisboa, 23 de Março de 2021

Graça Amaral (Relatora)

Henrique Araújo

Maria Olinda Garcia

Tem voto de conformidade dos Senhores Conselheiros Adjuntos (artigo 15ºA, aditado ao DL 10-A/2020, de 13/3, pelo DL 20/2020, de 1/5).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

_______________________________________________________


[1] Improcedendo a pretensão de pagamento dos juros e de indemnização por danos não patrimoniais.
[2] Doravante CVM.
[3] Através da venda ou subscrição, como cliente do Réu, de obrigações não pertencentes à instituição bancária, mas pertencente à SLN, entidade emitente das obrigações em causa; nessa medida, o Banco actuou como intermediário financeiro
[4] Proferido por este colectivo no Processo n.º 2243/18.1T8STR.E1.S1. 
[5] Facto n.º 9.
[6] Proferido no Processo n.º 70/103.1TBSEI.C1.S1, acessível através das Base Documentais do ITIJ.
[7] Nexo causal entre o facto ilícito e o dano, referindo o acórdão recorrido a tal respeito: “sendo que esse comportamento foi decisivo e causal na produção dos danos, pois que, foi com base na informação de capital garantido e sem risco que os autores deram o seu acordo ao investimento que lhes fora sugerido, senão, de outro modo, não teriam autorizado tal investimento em obrigações.”.