Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1819/17.9T8CHV-A.G1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUE ARAÚJO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL PARA ACORDO DE PAGAMENTO
RECURSO DE REVISTA
REGIME APLICÁVEL
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: RECLAMAÇÃO
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR – DISPOSIÇÕES INTRODUTÓRIAS / RECURSOS / PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO – PLANO DE INSOLVÊNCIA / APROVAÇÃO E HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA / EXECUÇÃO DO PLANO DE INSOLVÊNCIA E SEUS EFEITOS.
Doutrina:
Legislação Nacional:
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 14.º, N.º 1, 17.º-A, N.º 1, 216.º, 222.º, N.º 1.
Sumário :
I – O recurso de revista interposto sobre acórdão proferido em processo especial para acordo de pagamento (PEAP) – art. 222.º-C, do CIRE, obedece ao regime específico previsto no art. 14.º, n.º 1, do CIRE.

II – Não existe oposição entre os acórdãos, recorrido e fundamento, que, embora convocando a norma do art. 216.º do CIRE, foram proferidos, respectivamente, em PEAP, tendo como pano de fundo o art. 17.º-A, n.º 1, do CIRE, e em PER, tendo por base o art. 222.º, n.º 1, do CIRE.
Decisão Texto Integral:

PROC. N.º 1819/17.9T8CHV-A.G1.S2

            REL. 83[1]

                                                                       *

            ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

AA intentou processo especial para acordo de pagamento, ao abrigo do disposto no artigo 222º-C, do CIRE, pedindo o seu deferimento, bem como a nomeação de administrador de insolvência.

O Acordo de Pagamento foi submetido a votação, tendo merecido o voto desfavorável, entre outros, da credora BB.

            Do mesmo, para o que aqui releva, consta o seguinte plano de pagamentos:

           “ (…) 5. REESTRUTURAÇÃO DO PASSIVO E PLANOS DE PAGAMENTOS

5.1. CRÉDITOS GARANTIDOS

5.1.1. CREDORES COM CRÉDITO GLOBAL SUPERIOR A 150.000€

Ao valor reclamado e reconhecido acrescerá juros, calculados à taxa de juro indexada à média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a 3M, referente ao mês anterior ao início do período de contagem de juros, na base de 365, arredondada à milésima, acrescida de 1,10%, a pagar nos seguintes termos:

a) Pagamento da totalidade do montante em dívida (capital em divida e juros vencidos), acrescido de juros vincendos, calculados à taxa de juro indexada à média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a 3M, referente ao mês anterior ao início do período de contagem de juros, na base de 365, arredondada à milésima, acrescida de 1,10%, em 274 prestações, mensais e sucessivas, com início no mês seguinte ao da aprovação do Plano;

b) Manutenção das garantias existentes (pessoais e reais), não obstante que as mesmas poderão ser accionadas caso o plano entre em incumprimento por mais de 60 dias;

c)Suspensão de acções judiciais, em relação à Requerente do CC, até bom total cumprimento do plano;

d)Manutenção de todas as demais condições previstas nos contratos existentes com cada um dos credores garantidos, com excepção das estabelecidas nas alíneas anteriores;

e) No que diz respeito aos empréstimos de que os devedores são garantes e que estão a ser pagos pela empresa, devedora principal, manter-se-ão as condições em vigor para o mesmo.

 5.1.2. CREDORES COM CRÉDITO GLOBAL INFERIOR A 150.000€

Ao valor reclamado e reconhecido acrescerá juros, calculados à taxa de juro indexada à média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a 3M, referente ao mês anterior ao início do período de contagem de juros, na base de 365, arredondada à milésima, acrescida de 1,10%, a pagar nos seguintes termos:

a) Pagamento da totalidade do montante em dívida (capital em divida e juros vencidos), acrescido de juros vincendos, calculados à taxa de juro indexada à média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a 3M, referente ao mês anterior ao início do período de contagem de juros, na base de 365, arredondada à milésima, acrescida de 1,10%, em 144 prestações, mensais e sucessivas, com início no mês seguinte ao da aprovação do Plano;

b) Manutenção das garantias existentes (pessoais e reais), não obstante que as mesmas poderão ser accionadas caso o plano entre em incumprimento por mais de 60 dias;

c) Suspensão de acções judiciais, em relação à Requerente do CC, até bom total cumprimento do plano;

d) Manutenção de todas as demais condições previstas nos contratos existentes com cada um dos credores garantidos, com excepção das estabelecidas nas alíneas anteriores;

5.2. INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS QUE POSSUAM GARANTIAS REAIS

À totalidade dos créditos dos credores que possuam garantias reais, designadamente:

- Bankinter, S.A. - sucursal em Portugal

- BB, SA

- EE, S.A.

aplica-se a forma de pagamento prevista na cláusula 5.1.

5.3. CRÉDITOS COMUNS

a) Período de carência de capital de 4 meses, iniciado 15 dias após o trânsito em julgado da sentença de homologação do acordo de pagamento;

b) Pagamento de 70% do capital em divida em 84 prestações, mensais e sucessivas, após o decurso do período de carência de 6 meses, essenciais para a constituição de um fundo de maneio capaz de assegurar a viabilidade do devedor;

c) Pagamento de 30% do capital em divida, após as prestações previstas na alínea anterior (pagamento bullet);

d) Perdão de juros vencidos e vincendos;

5.4. CRÉDITOS SOB CONDIÇÃO

Os créditos reconhecidos sob condição, verificando-se a condição a que estão sujeitos, serão pagos nas mesmas condições da respetiva natureza do crédito, especificamente a credora FF, a qual, verificando-se a condição, será paga nos mesmos termos previstos para os credores comuns, estabelecidos no ponto 5.3

5.5. CRÉDITOS PRIVILEGIADOS

5.5.1. Centro Distrital de Segurança Social de ...

Manutenção do plano prestacional em execução fiscal em curso nesta data.

5.5.2. - Instituto do Emprego e Formação Profissional, IP

Em obediência ao disposto no artigo n.º 5 do artigo 22º do Decreto-Lei n.º 13/2015, de 26 de janeiro, o plano de reembolso dos apoios financeiros concedidos, resultante do incumprimento das respetivas obrigações assumidas, deverá ter a duração máxima de cinco anos, pelo que a Devedora propõe o pagamento do valor total da dívida em 36 prestações mensais acrescida de juros legais vincendos até integral pagamento, calculados à taxa legal nos termos do artigo 559.º do Código Civil.

5.5.3. – Autoridade Tributária

Atento o valor em dívida, o mesmo será pago numa única prestação no mês da votação do Plano.

5.6. CRÉDITOS SUBORDINADOS

-  Perdão total; (…)”

           Foi junto aos autos pelo Administrador Judicial Provisório documento comprovativo de aprovação do Acordo de Pagamento sem observância do disposto no n.º 1, do artigo 222º-F, do CIRE, ou seja, sem unanimidade dos credores, nomeadamente com o voto contra da credora BB (cf. doc. a fls. 11 e ss.).

           Do registo predial junto aos autos, relativo à garantia real invocada por esta credora, resulta que sobre o mesmo imóvel foi efectuada penhora, em 05.12.2016, em processo executivo desencadeado pelo EE, S.A., com registo posterior ao da hipoteca de que aquela é titular.

           

           Entretanto, a mesma credora veio aos autos pedir a recusa de homologação do mesmo acordo de pagamento.

             

O Administrador Judicial e o Autor emitiram pronúncia em sentido favorável à sua homologação – cfr. fls. 28 a 35.

           

Sobre tal questão foi proferido o seguinte despacho:

“Nestes termos, atentas das razões de facto e de direito supra referidas, por força do estatuído no artigo 216º, nº 1, alínea a), aplicável ex vi do artigo 222º F n.ºs 5 e 6 ambos do CIRE, recusa-se a homologação do Acordo de Pagamento junto aos autos.

Registe, notifique e publicite, nos termos do preceituado no art. 222º F nº 8 do CIRE.”

 

Inconformado com tal decisão, dela interpôs recurso o devedor Requerente.

No entanto, o Tribunal da Relação de Guimarães confirmou, por unanimidade, a decisão da 1ª instância.

Novamente inconformado, interpôs o Requerente recurso de revista excepcional, que a Formação determinou que fosse distribuído como revista normal, por obedecer ao regime específico do artigo 14º, n.º 1, do CIRE.

           No exame preliminar, entendeu-se que o recurso não era admissível, por não se verificar o condicionalismo imposto pela referida norma, ou seja, a oposição de julgados. Nessa conformidade, ordenou-se o cumprimento do disposto no artigo 655º, n.º 1, do CPC.

            O recorrente, através do requerimento de fls. 180, reiterou a admissibilidade do recurso. A credora BB manifestou entendimento contrário, no seu requerimento de fls. 177/178.

            Em 23.05.2019, o presente relator produziu decisão singular, na qual se concluiu pela inadmissibilidade da revista, com o fundamento de que não se verificava a indispensável contradição de julgados.

            Notificado dessa decisão, veio agora o recorrente reclamar para a conferência.

                                                                       *

O teor da decisão singular é o que segue:

           “Pouco mais há a acrescentar ao que consta do nosso despacho de fls. 164/165, sendo patente a falta de razão do recorrente.

            Aliás, no requerimento em que reitera o seu entendimento, o recorrente não ataca verdadeiramente o fundamento que nos levou a considerar inexistir conflito jurisprudencial sobre a mesma questão de Direito, no domínio da mesma legislação.

           Correndo o risco de repetição, deve dizer-se que o regime recursório especial do artigo 14º, n.º 1, do CIRE só permite o recurso de revista quando o recorrente demonstre que o acórdão de que pretende recorrer está em oposição com outro, proferido por alguma das Relações, ou pelo STJ, no domínio da mesma legislação e que haja decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de Direito.

           Ora, o acórdão-fundamento, da Relação de Coimbra (23.01.2018), proferido no âmbito de um processo especial de revitalização (PER), foi identificada como questão a decidir a de saber se o plano de revitalização da requerente não devia ser homologado, por conter violação não negligenciável das normas aplicáveis ao seu conteúdo, e ainda por a sua aprovação a colocar numa situação menos favorável do que aquela que resultaria da ausência de qualquer plano (v. fls. 145/146).

            No acórdão recorrido, proferido no âmbito de um processo especial para acordo de pagamento (CC), a questão a decidir foi identificada como sendo: ‘a discussão do concreto direito da credora (…) à oposição à homologação do acordo de pagamento aprovado, à luz da previsão do art. 216º do CIRE, ex vi do seu art. 222º-F, n.º 2’ - (v. fls. 82).

            Como se diz no acórdão recorrido, ‘é preciso notar que o PER tem por fim um processo negocial tendente à revitalização da empresa que a ele recorra, tal como dita o art. 17º-A, n.º 1, do CIRE, e que a correspondente norma do CC, o art. 222º-A, n.º 1, é claramente distinta nesse ponto ao referir que as negociações a estabelecer com os credores visam pura e simplesmente concluir com estes acordo de pagamento (…)’.

            Temos assim que, enquanto o acórdão-fundamento apreciou questão suscitada no âmbito de um PER, tendo como pano de fundo o artigo 17º-A, n.º 1, do CIRE, no caso dos autos, e por se tratar de um CC, o acórdão recorrido formula a sua decisão a partir da norma do artigo 222º, n.º 1, do CIRE.

            Conforme já vem sublinhado do despacho que procedeu ao exame preliminar (fls. 164/165), embora em ambas as situações seja convocável a norma do artigo 216º do CIRE, a leitura e aplicação desta devem ser adaptadas a este processo especial, nos termos do n.º 5 do artigo 222º-F, uma vez que os princípios que enformam uma e outra modalidades processuais são substancialmente distintas, prosseguindo também fins distintos.

            Por conseguinte, não se movendo o acórdão recorrido e o acórdão-  -fundamento nos mesmos planos fáctico-jurídicos, não se mostra preenchida a condição de admissibilidade da revista constante do artigo 14º, n.º 1, do CIRE, o mesmo é dizer, não se surpreende a existência de conflito jurisprudencial sobre a mesma questão fundamental de Direito, no domínio da mesma legislação.

Termos em que se decide não conhecer do objecto da revista”.

Contrariamente ao que continua a defender o Reclamante, o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento não se pronunciaram sobre a mesma questão fundamental de direito, no domínio da mesma legislação, conforme se assinala na decisão singular, mostrando-se inúteis, por desnecessárias, outras considerações, face à evidência das razões que levaram à conclusão ali tirada.

Por conseguinte, indefere-se a reclamação.

                                                                              *

Custas pelo reclamante.

                                                                              *

                                                                              LISBOA, 11 de Julho de 2019

Henrique Araújo (Relator)

Maria Olinda Garcia

Raimundo Queirós

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[1] Relator:      Henrique Araújo
  Adjuntos:   Maria Olinda Garcia
                       Raimundo Queirós