Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
114/14.0JACBR-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: LOPES DA MOTA
Descritores: CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
ESCOLHA DA PENA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PENA PARCELAR
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
PENA SUSPENSA
Data do Acordão: 11/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO PROCEDENTE O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – JULGAMENTO / SENTENÇA – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / TRAMITAÇÃO.
Doutrina:
- Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, p. 611-678;
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, § 409;
- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume I;
- Maria João Antunes, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144, n.º 3992, p. 416;
- Simas Santos, As penas em caso de concurso, Revista do CEJ, 13, 2010, p. 115 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 71.º, N.º 3 E 77.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 375.º, N.º 1 E 412.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 205.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 17-10-2012, PROCESSO N.º 182/03.0TAMCN.P2.S1;
- DE 09-07-2014, PROCESSO N.º 39/08.8GBPTG.S1;
- DE 28-09-2017, PROCESSO N.º 302/10.8TAPBL.S1;
- DE 25-10-2017, PROCESSO N.º 163/10.7GALNH.S1;
- DE 15-11-2017, PROCESSO N.º 336/11.5GALSD.S1;
- DE 14-03-2018, PROCESSO N.º 22/08.3JALRA.E1.S1, TODOS IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :


1. Verificado, em conhecimento superveniente do concurso de crimes, por acórdão proferido durante o período de suspensão de execução de uma pena de prisão, que tal pena corresponde a um crime em relação de concurso com os demais, deve a pena de prisão suspensa na sua execução (pena substituída) ser incluída na determinação da pena única, de acordo com o artigo 77.º do CP.
2. É actualmente jurisprudência consensual deste Tribunal que as penas de prisão suspensas na sua execução não declaradas extintas devem ser englobadas no cúmulo jurídico e consideradas na determinação da pena única conjunta.
3. Só a final, depois de determinada a pena conjunta, tem o tribunal o poder-dever de substituir a pena – que é a pena única conjunta – por uma pena de substituição, em função dos critérios gerais de escolha da pena e dos critérios, pressupostos e requisitos específicos de aplicação das penas de substituição.
4. Considerando os factos praticados, no seu conjunto, e tendo em conta, nomeadamente, o reduzido grau de participação do arguido nesses factos, a circunstância de este se encontrar numa situação de dependência do co-arguido, limitando-se, no essencial, a transportá-lo aos locais onde foram praticados os crimes, o comportamento anterior e posterior aos crimes, cuja prática se concentrou num curto período de tempo, a circunstância de não estar demonstrado que os factos radicaram numa personalidade, ainda em formação, com tendência para o crime, antes se devendo compreender em circunstâncias específicas de relação com o co-arguido, que se extinguiram, bem como o comportamento do arguido após as condenações, em especial no sentido da reparação das vítimas, prosseguindo uma via de comportamento de estruturação do percurso de vida de acordo com o direito, sem cometer crimes, julga-se adequado aplicar ao arguido a pena de 5 anos de prisão, a qual, num juízo de actualidade, se mostra proporcional à gravidade dos factos.
5. A matéria de facto provada no que diz respeito às condições pessoais do arguido, à sua personalidade, à sua inserção social e familiar, às responsabilidades assumidas no âmbito da família, ao seu percurso pessoal após a prática dos crimes, afastando-se das circunstâncias de lugar e de relação com o co-arguido, ao comportamento anterior e, sobretudo, posterior aos crimes, justifica que se tenham por verificadas as bases necessárias para se poder formular um juízo de prognose que razoavelmente permite admitir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, pois, ser suspensa a execução da pena.
Decisão Texto Integral:

ACÓRDÃO

Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I.  Relatório

1. AA, arguido, com a identificação que consta dos autos, interpõe recurso do acórdão proferido pelo tribunal colectivo da Comarca de ..., de 5 de Dezembro de 2017, que, realizando o cúmulo jurídico das penas correspondentes aos crimes em concurso, lhe aplicou a pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, em resultado da condenação nas seguintes penas:

a) No processo nº 112/14.3GASPS, por acórdão datado de 20-03-2015, transitado em julgado no dia 28-04-2015, por factos praticados entre 28-03-2014 e 09-05-2014, numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão e cinco penas de 2 anos e 8 meses de prisão, pela prática de seis crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos. 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. b) e c), do Código Penal; efectuado o cúmulo jurídico, foi o arguido condenado, nesse processo, na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, com regime de prova.

b) Neste processo (nº 114/14.0JACBR), por acórdão datado de 04-11-2016, transitado em julgado no dia 06-12-2016, por factos praticados no dia 25-03-2014, na pena de 1 ano e 9 meses, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período, pela prática de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal.

2. Apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões (transcrição):

«1 - O Acórdão de que ora se recorre emerge de audiência de discussão e julgamento que visava, em sede de cúmulo jurídico, a fixação de uma pena única ao ora recorrente. Em causa estavam:

  - a pena proferida nos presentes autos (Proc. 114/14.0JACBR-A)

  - a pena proferida no Proc. 112/14.3GASPS

2 - Discutida a causa, foi o arguido ora recorrente condenado, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Necessariamente efectiva.

3 - O arguido ora recorrente delimita o seu recurso a 1 (uma) questão:

4 - A punição infligida é severa, exagerada e não encontra explicação fácil, coerência ou razão que a sustente.

5 - Deverá ser fixada, em cúmulo, uma pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão suspensa na sua execução.

6 – A presente Motivação contém toda a cronologia dos acontecimentos

7 - É de vária índole a perplexidade – e inconformismo – do ora recorrente.

8 - 1ª nota

O arguido ora recorrente foi julgado, como já se referiu atrás, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 53/12.9GCRMZ, do Juízo Local de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., e condenado numa pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período, pela comissão de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º do Código Penal.

Tal pena foi englobada no cúmulo jurídico anterior que fixou a pena conjunta em 5 anos e 3 meses de prisão, revogada pelo Tribunal da Relação de Coimbra e fixada em 5 anos de prisão suspensa na sua execução subordinada ao pagamento de 150,00 € trimestrais.

Ora, tal pena veio agora a ser declarada extinta, nos termos do disposto no art. 57º do Código Penal, “pelo que não será considerada na presente decisão”, dado que na pena única a determinar não devem ser consideradas as penas suspensas já declaradas extintas nos termos do disposto no art. 57º, nº 1, do Código Penal, uma vez que o art. 78º, nº 1, desta codificação, apenas manda considerar as penas cumpridas, sendo certo que a extinção da pena suspensa prevista no art. 57º, n.º 1, do C.P., não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respetivo período alguma das circunstâncias referidas no art. 56º: Logo, tal pena, já extinta mas sem ser pelo cumprimento, nunca poderia ser descontada na pena única, nos termos do art. 78º, n.º 1, do Código Penal – neste sentido, cfr. o Ac. do S.T.J. de 20-01-20101.

Isto é, foi ordenada a realização de uma audiência de cúmulo jurídico que veio a fixar uma pena única de 5 anos e três meses (o anterior cúmulo) sendo que uma das penas se encontrava extinta.

9 - Valeu a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que fez reverter tal decisão (não com este fundamento) pois, de outro modo, a pena fixara-se em 5 anos e três de prisão efectiva.

10 - 2ª nota:

O arguido ora recorrente, sempre que julgado, em 1ª instância, “beneficiou” de penas suspensas na sua execução. O mesmo aconteceu no Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra.

O arguido ora recorrente, sempre que julgado, para fixação de cúmulo jurídico, foi condenado em penas efectivas.

Vejamos:

O Colectivo da Instância Central de ... foi o mesmo (nos julgamentos dos 2 processos e nos 2 julgamentos visando a fixação de cúmulo jurídico;

O Colectivo de Juízes é o mesmo, com excepção, crê-se de um dos membros.

Informação Social

11 - Da informação social entretanto junta aos autos resulta que:

12 - À data dos factos, AA residia com sua companheira em ..., num apartamento arrendado pelo pai dela.

13 - Nessa época, encontrava-se na dependência do pai da companheira, dado o desenraizamento geográfico e ausência de rendimento próprios.

14 - Em fase anterior, o condenado vivia em casa de seus pais, em ..., onde era essencialmente vendedor ambulante, junto com a família de origem, localidade onde se encontra atualmente, desde abril de 2016.

15 - Presentemente, reside com a companheira e um filho com oito meses, num espaço sem condições habitacionais, junto da sua família de origem. Neste contexto vivencial, subsiste com uma prestação de R.S.I., no valor de € 376, subsídio familiar do menor de € 145, e um subsídio de formação do condenado.

16 - AA iniciou, em setembro de 2017, curso de formação, que versa a aquisição de conhecimentos de matemática, português e noções básicas de informática, com vista a uma certificação facilitadora da procura/inserção no mercado de trabalho. Esta formação foi-lhe proposta no âmbito das obrigações do R.S.I. e do Centro de Emprego da área de residência.

17 - Ao nível familiar, a dinâmica vivenciada é descrita e avaliada, pelas instituições intervenientes, como gratificante e estabilizadora da sua conduta pessoal e social.

18 - No que respeita ao acompanhamento em curso no âmbito dos processos em apreço, tem decorrido dentro dum padrão expectável, com boa adesão do condenado aos objetivos propostos em sede de plano de reinserção social.

19 - Do contacto com os O.P.C. do local de residência, AA não se encontra indiciado nem é indagado noutras investigações criminais em curso.

20 - Do trajeto de vida de AA, salienta-se um indivíduo integrado no seu meio sócio comunitário, tendo este sido controlador do seu estilo de vida até à data dos factos.

21 - No entanto, após as condenações, regressou ao meio de origem, onde, até à presente data, não constam fatores disruptivos do seu quotidiano.

22 - Tem revelado adesão aos objetivos estabelecidos nos P.R.S. e na interação com outras instituições intervenientes na sua organização pessoal e social.

23 - Temos, portanto, sem margem para dúvidas, uma decisão – esta mesmo – que comporta e encerra uma difícil contradição.

24 - Se por um lado, este mesmo Colectivo de Juízes (que já julgou o arguido 2 vezes em 1ª instancia e 2 vezes em audiência de cumulo jurídico) confere ao recorrente um amplo voto de confiança e estabelecimento de uma prognose favorável (basta ler a fundamentação dos Acórdãos), confiança essa, aliás, que o recorrente fez por merecer (não há noticia de qualquer outro contacto com o Sistema) sempre que o julga em audiência de cúmulo retira-lhe toda essa confiança – sem que nada o justifique – nem a Lei, atirando-o para a agressividade de um estabelecimento prisional.

25 - Isto é, o Colectivo diz e desdiz

26 - Ou melhor, deixou-se submeter, violando a sua própria consciência – e convicção – que antes, mas ainda actual, formulara ….. pela imposição de uma soma aritmética, fria, sem emoções, na emergência simples de 2 (duas) penas em presença.

27 - Mas nem este facto é suficiente para explicar a pena que foi proferida.

Com efeito,

c)    A pena conjunta não pode ser inferior à mais elevada das penas parcelares;

d)    Não pode ser superior à soma material das penas parcelares;

28 - Não se compreende que, atentas as razões que determinaram a suspensão da execução da pena, defendida calorosamente por este mesmo Colectivo de Juízes, (também pelo Tribunal de ..., também pela Relação de Coimbra) agora se diga e justifique o contrário e se remeta o arguido recorrente para a cadeia.

Em suma:

29 - O Tribunal de ... entendeu que a pena de 5 anos aplicada ao arguido ora recorrente no Proc. 112 devia ser suspensa na sua execução. São claros (e recentes) os argumentos e razões a este respeito defendidos.

30 - E quanto ao Proc.114 pensou e defendeu o mesmo raciocínio e a mesma solução.

31 - Ambos os Tribunais (o Colectivo é o mesmo) entenderam ser aquela solução a que melhor serve as finalidades da punição.

32 - Inexplicavelmente, um desses Tribunais, o mesmo Colectivo, impôs ao arguido uma pena de prisão efectiva de 5 anos e 6 meses de prisão, contrariando tudo o que antes defendera.

33 - A pena conjunta do arguido não deve exceder os 5 (anos) de prisão.

34 - E deve ser suspensa na sua execução sob pena de todas as considerações que o defenderam serem agora uma palavra vã.

Termos em que:

Deve ser designado dia e hora para a realização de audiência nos termos do disposto no nº 5 do artigo 411º do CPP e em consequência:

a)    Deve o presente recurso ser considerado procedente e a pena em que o ora recorrente foi condenado, em cúmulo jurídico ser reduzida para pena não superior a 5 (cinco) anos de prisão;

b)    Deve a pena ser suspensa na sua execução, ainda que subordinada a qualquer injunção como já decretado anteriormente pelo Tribunal da Relação de Coimbra.»

3. Respondeu o Ministério Público, dizendo (transcrição):

« (…) 1- A medida da pena única aplicada ao arguido mostra-se excessiva, devendo ser reduzida a cinco anos de prisão e suspensa na sua execução?

Afigura-se-nos, salvo o devido respeito por opinião contrária, que merece provimento o recurso do arguido.

Assim, o Tribunal a quo justificou a medida da pena única aplicada ao arguido AA, nos seguintes termos – cfr. fundamentação constante de fls. 126 e 127:

“Na determinação, dentro da moldura penal abstrata, da medida concreta da pena, seguir-se-á o critério geral dos arts. 71º, n.º 1 e 40º, nos 1 e 2 do Código Penal: em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Os princípios regulativos da atividade de determinação da medida concreta da pena são, pois, a culpa e a prevenção, encontrando-se assim tal atividade intimamente ligada à teoria dos fins das penas.

A culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado. Constitui-se, portanto, como um limite inultrapassável pelas considerações de prevenção, o que permite o respeito pelos mandamentos do princípio da culpa.

Ora, até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos (estabilização das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da vigência da norma violada), ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração que vai determinar a medida da pena. Já a prevenção geral negativa de intimidação constitui-se apenas como um efeito lateral dessa necessidade de tutela dos bens jurídicos, não sendo, pois, por si só, finalidade da pena.

A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos oferece-se como uma “moldura de prevenção”, cujo máximo é o ponto mais alto consentido pela culpa e o mínimo resulta do “quantum” de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias (defesa da ordem jurídica). Dentro desta “moldura de prevenção” atuarão sem restrição as finalidades de prevenção especial, cujo critério decisivo é a medida das necessidades de socialização do agente, as quais irão, em última análise, determinar a medida da pena. Podem ainda funcionar as funções subordinadas de prevenção especial: a de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

Cada um desses princípios regulativos tem subjacente um substrato, ou seja, um conjunto de circunstâncias relativas ao facto e ao agente (não taxativamente previstas no art. 71º, n.º 2 do Código Penal), que auxiliam o julgador nesta árdua tarefa de determinação do quantum concreto de pena. Tais circunstâncias, sendo umas relevantes por via da culpa, outras por via da prevenção, e grande parte delas ambivalentes, devem ser investigadas e sopesadas pelo julgador, à luz dos referidos princípios regulativos, e respeitando o princípio da proibição da dupla valoração, de forma a concluir pela aplicação de uma pena concreta ao agente.

Assim, ponderam-se aqui as circunstâncias já consideradas nas acima referenciadas decisões, mormente a sua idade, as suas modestas condições socioeconómicas, e a sua reduzida instrução, atentos os padrões atuais. Será ainda ponderado o facto de o arguido não apresentar, na altura em que cometeu os ilícitos em apreço, qualquer antecedente criminal, embora atualmente já ostente três condenações (que serão obviamente ponderadas em seu desfavor).

Considerar-se-á obviamente a ilicitude da sua conduta, salientando-se que não se pode ainda afirmar a verificação de uma inclinação para a comissão deste tipo de infrações.

Nas palavras do Juiz Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa, “à visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente”. Na avaliação desta personalidade unitária do agente é fulcral, como refere Figueiredo Dias, “a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Ora, no caso em apreço, julgamos não ser ainda divisável uma tendência criminosa, nem sequer para a comissão de crimes contra o património.

Desta forma, sopesando todos os apontados fatores, e analisando o facto global e o desvalor de personalidade que o arguido nele revelou, entendemos que a medida concreta da pena se deve aproximar de forma sensível do limiar mínimo, com o suficiente afastamento que permita satisfazer os pressupostos acima enunciados.

Concluindo, de molde a satisfazer os citados fins da punição, afigura-se adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Pena esta insuscetível de substituição.”

Vejamos:

No caso concreto, foram englobados no cúmulo jurídico de penas ora sob recurso, as penas parcelares aplicadas ao arguido AA em dois processos: o Processo Comum Colectivo nº 112/14.3 GASPS e nos autos principais deste processo – 144/14.0 JACBR (donde derivou o presente apenso de cúmulo jurídico).

A moldura penal abstractamente aplicável oscila entre um mínimo de dois anos e oito meses de prisão (a mais elevada das penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico) e um máximo de dezasseis anos e sete meses de prisão (correspondente à soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes nos processos englobados no cúmulo jurídico) – art. 77º, nº 2 do Código Penal.

Importa, pois, avaliar, antes de mais, tendo em conta os critérios que a lei estabelece para a fixação da pena única, se se mostra ainda possível fixar a mesma em medida igual ou inferior a cinco anos de prisão (pois só a pena fixada nesta medida permite a suspensão da sua execução e a ponderação sobre a substituição das penas principais apenas tem sentido relativamente à pena única e não às penas parcelares).

Neste conspecto, assume decisivo relevo, a nosso ver, a decisão já anteriormente tomada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, no Processo Comum Colectivo nº 112/14.3 GASPS, por Acórdão proferido em 15/03/17 – cuja cópia consta de fls. 52 a 62 destes autos.

Aí, efectuado o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas ao arguido AA nos processos Comum Colectivo nº 112/14.3 GASPS e no Processo nº 53/12.9 GCRMZ, decidiu-se aplicar ao arguido recorrente a pena única de cinco anos de prisão suspensa na sua execução, acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento do depósito trimestral, à ordem dos autos, da quantia de 150 euros, durante o prazo da suspensão.

Pena única esta aplicada quando se encontrava em equação uma moldura penal abstractamente aplicável praticamente idêntica à que ora se encontra em consideração – limite mínimo idêntico de 2 anos e 8 meses de prisão e limite máximo superior em apenas seis meses – 16 anos e 1 mês de prisão, quando agora se cifra em 16 anos e sete meses de prisão.

Na altura teve-se em consideração a confissão parcial dos factos efectuada no processo nº 112/14.3 GASPS e a relevância desta para o apuramento da verdade, a juventude do arguido, a sua inserção familiar, o seus recursos cognitivos, o facto da acumulação de infracções não radicar na sua personalidade e a circunstância de estarmos perante crimes de natureza exclusivamente patrimonial, para considerar que a aplicação de uma pena única de cinco anos de prisão se revelava ainda suficiente para acautelar as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

E fundamentou-se a aplicação ao caso concreto da “pena de substituição” da suspensão da execução da pena principal e única de cinco anos de prisão na circunstância do arguido ser jovem, ter família constituída, recurso cognitivos e alguma experiência profissional regular e indiferenciada, ter revelado de alguma forma a interiorização do desvalor das condutas assumidas e da necessidade da sua punição, esta também decorrente do contacto com o meio prisional que experimentou durante o tempo que esteve preso preventivamente naquele processo nº 112/14.3 GASPS, o limitado período de tempo em que os factos foram cometidos neste último processo e o facto de ter agido, na maioria dos factos, sob a influência e ascendente de terceiro – cfr. fls. 60 e 61.

É certo que aí se referia igualmente que o juízo de prognose favorável ínsito na suspensão da execução daquela pena única de cinco anos de prisão era efectuado já no limite.

Importa, pois, neste caso concreto, a nosso ver, averiguar se ainda se mostra possível fixar a medida da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares elencadas na decisão recorrida em medida não superior a cinco anos de prisão.

Ora, no nosso entendimento, e sempre salvo o devido e merecido respeito por opinião diversa, entendemos que se impõe uma resposta afirmativa.

Na verdade, não vislumbramos motivo suficiente para concluir agora pela necessidade de aplicação ao arguido de pena única em medida superior a cinco anos de prisão, ou para rejeitar a possibilidade de suspensão da sua execução. 

Não obnubilamos que a anterior decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, constante de fls. 52 a 62 dos autos, no sentido de fixar a medida da pena única nos cinco anos de prisão e de optar pela suspensão da sua execução, embora condicionada a determinada condição e acompanhada de regime de prova, foi efectuada já no limite.

Contudo, certo é também que a grande maioria dos factos e penas ora em consideração no cúmulo jurídico objecto da decisão recorrida são idênticos àqueles tidos em consideração na sobredita decisão do Tribunal da Relação de Coimbra (nesta decisão em vez da pena parcelar de um ano e três meses de prisão aplicada ao arguido AA no Processo Comum Singular nº 53/12.9 CRMZ, da Instância Local de ..., J1, pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo art. 204º, nº2, al. e) do Código Penal, englobou-se a pena parcelar de um ano e nove meses de prisão aplicada a este arguido neste processo – autos principais – pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº1 do Código Penal).

De resto, quanto ao crime praticado nestes autos – processo principal – verifica-se que se trata também de crime contra o património (embora o crime de roubo proteja também outros bens jurídicos, como a integridade física e a liberdade de decisão e acção), ocorrido no mesmo período temporal daqueloutros praticados no processo nº 112/14.3 GASPS, também sob a influência e ascendente do mesmo terceiro (o arguido AA), em modus operandi semelhante, tendo-se decidido suspender na sua execução tal pena (1 ano e 9 meses de prisão) atento o “seu modo de vida, suporte familiar e idade ainda bastante jovem”.

É certo que a pena parcelar agora englobada no cúmulo jurídico de penas é mais grave do que aquela aplicada ao arguido AA no processo nº 53/12.9 CRMZ, (aliás, espelhada na medida da pena – 1 ano e 9 meses em comparação com 1 ano e 3 meses).

Contudo, também não se pode olvidar que, para além da moldura penal abstractamente aplicável se manter quase inalterada relativamente ao cúmulo jurídico realizado no processo nº 112/14.3 GASPS, com o tempo decorrido desde a data da prolação do acórdão nos autos principais - 4 de Novembro de 2016 - até ao presente, mantendo o arguido o cumprimento das condições a que ficaram subordinadas as suspensões das execuções das penas de prisão que lhe foram aplicadas nos processos englobados na decisão recorrida e inexistindo notícia de que aquele tenha cometido qualquer outro ilícito criminal, também se esbatem as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, atenuação essa quem terá forçosamente que se reflectir na medida concreta da pena única a aplicar.

Aliás, o próprio acórdão recorrido dá nota, na sequência da informação social junta aos autos a fls. 106 e 107, que:

“À data dos factos, AA residia com sua companheira em ..., num apartamento arrendado pelo pai dela.

Nessa época, encontrava-se na dependência do pai da companheira, dado o desenraizamento geográfico e ausência de rendimento próprios.

Em fase anterior, o condenado vivia em casa de seus pais, em ..., onde era essencialmente vendedor ambulante, junto com a família de origem, localidade onde se encontra atualmente, desde abril de 2016.

Presentemente, reside com a companheira e um filho com oito meses, num espaço sem condições habitacionais, junto da sua família de origem. Neste contexto vivencial, subsiste com uma prestação de R.S.I., no valor de € 376, subsídio familiar do menor de € 145, e um subsídio de formação do condenado.

AA iniciou, em setembro de 2017, curso de formação, que versa a aquisição de conhecimentos de matemática, português e noções básicas de informática, com vista a uma certificação facilitadora da procura/inserção no mercado de trabalho. Esta formação foi-lhe proposta no âmbito das obrigações do R.S.I. e do Centro de Emprego da área de residência.

Ao nível familiar, a dinâmica vivenciada é descrita e avaliada, pelas instituições intervenientes, como gratificante e estabilizadora da sua conduta pessoal e social.

No que respeita ao acompanhamento em curso no âmbito dos processos em apreço, tem decorrido dentro dum padrão expectável, com boa adesão do condenado aos objetivos propostos em sede de plano de reinserção social.

Do contato com os O.P.C. do local de residência, AA não se encontra indiciado nem é indagado noutras investigações criminais em curso.

Do trajeto de vida de AA, salienta-se um indivíduo integrado no seu meio sócio comunitário, tendo este sido controlador do seu estilo de vida até à data dos factos.

No entanto, após as condenações, regressou ao meio de origem, onde, até à presente data, não constam fatores disruptivos do seu quotidiano.

Tem revelado adesão aos objetivos estabelecidos nos P.R.S. e na interação com outras instituições intervenientes na sua organização pessoal e social.”

Mais tendo concluído que:

“Ora, no caso em apreço, julgamos não ser ainda divisável uma tendência criminosa, nem sequer para a comissão de crimes contra o património.

Desta forma, sopesando todos os apontados fatores, e analisando o facto global e o desvalor de personalidade que o arguido nele revelou, entendemos que a medida concreta da pena se deve aproximar de forma sensível do limiar mínimo, com o suficiente afastamento que permita satisfazer os pressupostos acima enunciados.”

A fixação da medida da pena única obriga a uma visão holística da actuação do arguido, de modo a detectar a gravidade do ilícito global e a sua interconexão com a personalidade unitária do agente. Para esse efeito, importa ter presente que:

- A pluralidade de factos delituosos não corresponde a uma tendência da personalidade do arguido, mas antes a uma pluriocasionalidade de carácter acidental;

- A amplitude temporal dos factos mostra-se reduzida – de 25 de Março de 2014 a 9 de Maio de 2014 – e já um pouco afastada do presente;

- Existe homogeneidade dos tipos legais cometidos, todos contra o património, sendo seis deles idênticos;

- A gravidade dos ilícitos praticados mostra-se espelhada na respectiva medida das penas parcelares;

- O arguido AA agiu, em todos os crimes, sob a ascendência e influência do arguido AA, influência essa cujo risco de repetição se mostra afastado, visto que este último se encontra preso e tem ainda para cumprir pesadas penas de prisão efectiva;

- O arguido é relativamente jovem (24 anos de idade);

- Encontra-se inserido social e familiarmente;

- Tem revelado a interiorização do desvalor das condutas assumidas e da necessidade da sua punição;

- Tem cumprido com as obrigações que decorrem dos planos de reinserção social a que tem sido sujeito;

- Tem procurado adquirir competências que lhe permitam uma inserção profissional.

- Inexiste notícia do seu envolvimento na prática de qualquer outro ilícito criminal desde 9 de Maio de 2014.

Assim sendo, entendemos que as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir se mostram ainda salvaguardadas com a aplicação de uma pena única em medida não superior a cinco anos de prisão.

Pena esta que, tendo em conta os factores supra mencionados, permite ainda, a nosso ver, e salvo o devido respeito por opinião contrária, que é muito, que se possa efectuar um juízo de prognose favorável no sentido de entender que o aviso ínsito na suspensão da execução de tal pena única de cinco anos de prisão, por igual prazo, acompanhado de regime de prova e de cumprimento de determinadas condições, será suficiente para que o arguido não volte a reincidir na prática de novos crimes e obtenha a desejada reinserção social, sendo, do mesmo passo, ainda compatível com as exigências de prevenção geral que se fazem sentir, ou seja, não colide com o sentimento de reprovação social do crime, não pondo em causa a crença da comunidade na validade das normas jurídicas violadas e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

Na esteira do supra referido, entendemos que a suspensão da execução da pena única de cinco anos de prisão deverá ficar condicionada à obrigação (aliás, de forma similar à já fixada no cúmulo jurídico realizado no processo nº 112/14.3 GASPS), do arguido depositar trimestralmente, à ordem dos presentes autos, a quantia de 180 euros, devendo 150 euros de tal quantia reverter para os ofendidos do processo nº 112/14.3 GASPS nos termos determinados a fls. 61 e o restante (30 euros) para a ofendida BB, ofendida nos autos principais. Com efeito, a fixação de tal condição impõe-se como um imperativo de justiça, pois só através da reparação, pelo menos parcial (de acordo com as possibilidades económicas do arguido), do prejuízo causado aos ofendidos se logram atingir as finalidades da punição, ou seja, o reforço do conteúdo reeducativo e pedagógico da pena de substituição e o seu efeito dissuasor, tal como só assim se responde adequadamente à necessidade de tutela dos bens jurídicos e à estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade das normas jurídicas violadas.

Por tudo o exposto, somos de parecer que o recurso apresentado pelo arguido AA merece provimento, devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que condene o arguido numa pena única de cinco anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova e à obrigação de pagamento por parte do arguido durante o período da suspensão, com periodicidade trimestral, da quantia de 180 euros, a reverter para os ofendidos na forma/percentagem supra descrita.

Nestes termos, o recurso interposto pelo arguido AA deverá proceder nos moldes acima expostos.»

4. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º do CPP, tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitido parecer nos seguintes termos:

«II. O MP na 1ª instância veio responder, cf. págs. 157-168, pronunciando-se, no essencial, no sentido da desadequação da pena única fixada, que a seu ver deverá, agora ser fixada em 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo (como propugnado pelo recorrente), mas com sujeição a regime de prova e a obrigação de pagamento trimestral aos ofendidos do processo 112 /14.3GASPS, de 150,00€ e do montante de 30,00€ e com a referida periodicidade, à ofendida no processo 114 / / 14.0JACBR, BB. Conclui pois no sentido da procedência do recurso.

III. Como melhor se alcança da decisão, aí se englobaram as penas aplicadas ao arguido supra referido, nos seguintes processos:

•   114 / 14.0JACBR (os autos);

•   112 /14.3GASPS.

Como resulta do processo, na decisão de reformulação do cúmulo jurídico, nos termos da lei, foi considerada a prática pelo recorrente de seis crimes de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217º,n º 1 e 218º, n º 2, alíneas b) e c) do CP, tendo sido condenado numa pena de 1 ano e 6 meses de prisão, e por cada um dos demais, na pena parcelar de 2 anos e 8 meses de prisão, sendo a pena única fixada em 5 anos de prisão, suspensa por igual período com sujeição a regime de prova - ut ACTRC de 15.03.2017.

Por seu turno, nestes autos, foi condenado pela comissão de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n º 1 do CP, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período. Atenta a moldura do concurso, não se nos afigura que a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, possa ser considerada, desnecessária, desproporcional ou desadequada, já não o sendo, a impetrada de cinco anos, certamente, porque esta já preenche o pressuposto formal para aplicação do instituto da pena suspensa. Então, impõe-se ser claro, o que se discorda, no fundo, é da não suspensão da execução da pena decretada, que não a permite.

Pese embora factores positivos que se mostram, agora registados a favor do recorrente, mas que necessitam de consolidação, não se pode esquecer que o primeiro obstáculo à decretação da suspensão da execução da pena (posto que se reduzisse o «quantum» desta) são as graves necessidades de prevenção geral positiva. Tem que se ter presente, a nosso ver, que as vítimas das burlas e do roubo, foram sistematicamente pessoas, idosas, de fracos recursos económicos, incapazes já de bem avaliar os embustes que ardilosamente lhes foram colocados, no sentido de as privar, dos seus poucos bens valiosos, constituídos por objectos de ouro. Uma das funções do Estado é garantir a liberdade e a segurança dos seus cidadãos, a começar pelos mais indefesos, justamente as crianças e os idosos. Crimes como estes, provocam justificado alarme social, e exigem dos tribunais na aplicação da lei, a consideração das elevadas necessidades de prevenção geral positiva, que vão no sentido de reafirmar perante a comunidade a validade das normas (o mesmo é dizer dos bens jurídicos que elas tutelam) ou mesmo do seu reforço. Sem embargo de este tipo de crime nos mostrar uma personalidade já mal formada e desviante (aliás posteriormente, aos factos considerados, como bem se salienta no acórdão o arguido regista três condenações) o que avulta em sede de prevenção especial positiva, entendemos que mesmo que se considerasse ser de baixar o quantum da pena única, o que como se vê do que supra se exarou, não coonestamos, a verdade é que, a nosso ver as aludidas necessidades de prevenção geral, são neste caso impeditivas da decretação da suspensão da execução da pena de prisão decretada.

Somos assim, de parecer, que o recurso deve in totum ser julgado improcedente.»

5. O recorrente requereu a realização de audiência, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do CPP, “para debater os pontos concretos que constam da motivação”.

Nada obsta ao conhecimento do recurso, o qual tem por objecto um acórdão proferido pelo tribunal colectivo que aplicou uma pena de prisão superior a 5 anos e visa exclusivamente o reexame de matéria de direito, da competência deste tribunal (artigos 432.º, n.º 1, al. c), e 434.º do CPP).

Realizada a audiência, cumpre decidir.

II. Fundamentação

6. O âmbito do recurso delimita-se pelas conclusões da motivação do recorrente (artigo 412.º do CPP), sem prejuízo dos poderes de conhecimento oficioso do tribunal superior quanto a vícios da decisão recorrida, a que se refere o artigo 410.º, n.º 2, do CPP (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 7/95, DR-I, de 28.12.1995), os quais devem resultar directamente do texto desta, por si só ou em conjugação comas regras da experiência comum, a nulidades não sanadas (n.º 3 do mesmo preceito) ou quanto a nulidades da sentença (artigo 379.º, n.º 2, do CPP, na redacção da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro).

Pelo acórdão n.º 5/2017 deste Supremo Tribunal de Justiça (DR I de 23-06-2017) foi fixada jurisprudência no sentido de que «a competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal colectivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas.»

Como se tem afirmado na jurisprudência deste Tribunal (cfr., entre outros, o acórdão de 14.3.2018, no Proc. 22/08.3JALRA.E1.S1, em www.dgsi.pt), o conhecimento do recurso implica que, no âmbito da sua competência, este Tribunal aprecie e decida todas as questões de direito relacionadas com o objecto e âmbito do recurso delimitado pelo recorrente, com vista à sua boa decisão, sem prejuízo das regras relativas à alteração da qualificação jurídica dos factos e das implicações do princípio da proibição da reformatio in pejus (artigos 424.º, n.º 3, e 409.º do CPP).

7. Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso, este Tribunal é, pois, chamado a apreciar e decidir se a pena única conjunta, de 5 anos e 6 meses de prisão, aplicada aos sete crimes em concurso, em resultado do cúmulo jurídico das penas de prisão anteriormente suspensas na sua execução – sendo que seis dessas penas haviam sido incluídas num anterior cúmulo jurídico em que fora aplicada uma pena única de 5 anos de prisão suspensa na sua execução –, deve ser reduzida para pena não superior a 5 anos de prisão e, sendo-o, deve ser suspensa na sua execução, “ainda que subordinada a qualquer injunção como já decretado anteriormente pelo Tribunal da Relação de Coimbra”.

Para melhor compreensão da pretensão do recorrente, dada a referência feita a anterior decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, importa consignar o seguinte, que se extrai das peças processuais juntas aos autos e consideradas na fundamentação da decisão recorrida:

¾ As penas aplicadas no processo n.º 112/14.3GASPS, por acórdão datado de 20-03-2015 (supra, 1.a), foram incluídas em cúmulo jurídico posteriormente efectuado por acórdão de 19.10.2016, proferido no mesmo processo, que nele integrou também a pena de 1 ano e 3 meses de prisão, que havia sido aplicada ao arguido por sentença de 9.12.2014, transitada em julgado no dia 22.9.2015, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos cometidos em 1 e 2 de Outubro de 2012, no processo n.º 53/12.9GCRMZ (acórdão de fls. 47-51), tendo-lhe sido aplicada a pena única conjunta de 5 anos e 3 meses de prisão (fls. 51).

¾ Desse acórdão de 19.10.2016 foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual, por acórdão de 15.3.2017, revogando o acórdão recorrido, condenou o arguido, em cúmulo das penas aplicadas nos processos n.º 112/14.3GASPS e 53/12.9GCRMZ, na pena única de 5 anos de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período, a contar da data do trânsito em julgado, acompanhada de regime de prova e subordinada ao depósito trimestral, à ordem dos autos, da quantia de 150 euros, durante o prazo da suspensão, no somatório anual de 600 euros, a repartir pelos ofendidos no processo n.º 112/14.3GASPS, na proporção de 2/11 para CC, 1/11 para DD, 1/11 para EE, 2/11 para ..., 1/11 para FF e 4/11 para HH, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, al. a), do Código Penal (fls. 52-62).

¾ De acordo com o certificado de registo criminal (fls. 92-96), a pena aplicada no processo 53/12.9GCRMZ foi declarada extinta por despacho de 7.3.2017, nos termos do artigo 57.º do Código Penal, com referência à data de 22.12.2016 (data em que se completava o prazo de suspensão da pena, de 1 ano e 3 meses), não tendo sido considerada para efeitos do cúmulo jurídico efectuado no acórdão de 5.12.2017, agora recorrido.

¾ A decisão do acórdão agora recorrido fundamenta-se, para além do mais, na certidão do acórdão de 20.3.2015, proferido no processo nº 112/14.3GASPS, e no certificado do registo criminal juntos aos autos, não tendo levado em conta as obrigações da suspensão da execução da pena impostas pelo acórdão da Relação de Coimbra de 15.3.2017, que se pronunciou sobre um cúmulo jurídico entretanto desfeito.

8. O tribunal colectivo deu como provados os seguintes factos (transcrição):

«No processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 112/14.3GASPS, deste Juízo, foi o arguido condenado, por acórdão datado de 20-03-2015, transitado em julgado no dia 28-04-2015, e por factos ocorridos:

- no dia 28-03-2014;

- no dia 08-04-2014;

- no dia 09-04-2014;

- no dia 13-04-2014;

- no dia 06-05-2014,

- no dia 09-05-2014, (…).

Resulta da decisão certificada a fls. 2 a 24 que:

1. Desde 28 de Março de 2014 até 9 de Maio de 2014, os arguidos decidiram dedicar-se, como forma de obter os rendimentos necessários para se sustentarem a si e aos seus gastos pessoais e dos seus familiares mais próximos, já que não possuíam qualquer outra atividade profissional rentável, ludibriar pessoas vulneráveis, de idade avançada e de baixa escolaridade, abordando as mesmas no sentido destas lhes entregarem peças em ouro, peças estas que os arguidos após levavam consigo para parte incerta, assim as fazendo suas.

2. De seguida, abordavam tais idosos, permanecendo o arguido AA nas imediações no interior de um veículo automóvel a fim de avisar o arguido AA para se ausentar de pronto daquele local caso ali assomasse algum terceiro e também para iniciar de imediato a marcha daquele veículo mal o arguido AA tivesse entrado para o mesmo na posse das peças em ouro entregues por aqueles idosos.

3. Enquanto isso o arguido AA conversava com as vítimas pedindo-lhes para mostrarem o ouro que tinham em casa dizendo-lhes, para tal, que era familiar ou amigo de familiares ou amigos dessas vítimas e que iria abrir uma ourivesaria ao público, pelo que pretendia fotografar tais peças para as exibir em tal estabelecimento comercial.

4. Para ganhar a confiança desses idosos o arguido AA mais dizia que tinha um brinde para lhes entregar, brinde esse que consistia na entrega de um rádio ou relógios de reduzido valor comercial. Logo que os idosos entregassem tais peças em ouro ao arguido AA, os arguidos de pronto fugiam do local levando consigo as mesmas para parte incerta, assim as fazendo suas.

5. Para se deslocarem para tais locais os arguidos utilizavam diversos veículos automóveis, nomeadamente aqueles com a matrícula NX-... e ...-NH.

6. Desde 28 de Março de 2014 até 9 de Maio de 2014, os arguidos AA e AA não tiveram qualquer outra ocupação com rendimentos que não fosse aquela proveniente desta atividade enganosa sobre idosos nos termos atrás referidos, fazendo desta o seu modo de vida.

I) ofendida CC

7. No dia 28 de Março de 2014, pelas 11h15m, os arguidos dirigiram-se, utilizando para tanto o veículo automóvel que o arguido AA conduzia, à povoação de ..., concelho do ....

8. Ali chegados encontraram a ofendida CC, melhor id. a fls. 3 do apenso nº 42/14.9 GASAT, nascida em ... de 1934, próxima da sua casa de habitação sita na Rua ...

9. Na execução de plano previamente gizado entre os arguidos, o AA dirigiu-se para a dita CC entabulando com a mesma uma conversação durante alguns minutos, captando a atenção da mesma, dizendo-lhe designadamente que era filho de uma prima desta, de nome próprio também CC, e que tinha estado a trabalhar na ..., valendo-se na conversação da informação que a ofendida relatava.

10. Acrescentou à dita CC, que ele havia regressado a Portugal e pretendia abrir ao público uma ourivesaria na localidade do ..., pedindo para lhe mostrar o ouro que tinha, a fim de o fotografar para o exibir nesse estabelecimento comercial.

11. Como a ofendida nisso concordasse, o arguido AA acompanhou-a a casa e disse-lhe que tinha umas recordações para lhe oferecer, tendo nessa altura entregue àquela CC um rádio de marca “Smart”, modelo “F-100”, de cor cinzenta e preta, com o valor comercial de cinco euros e dois relógios, com o valor comercial de dez euros, rádio e relógios estes retratados nas fotografias de fls. 19 do apenso 42/14.9 GCSAT, que aqui se dão por reproduzidas.

12. Ao ver as peças em ouro, adiante descritas, indicadas pela ofendida, como esta nisso concordasse, o arguido AA lançou mão das mesmas, dizendo-lhe que as levava consigo para as fotografar e já lhas restituía, abandonando imediatamente o local com aquelas. 

13. Concretamente, o arguido AA levou consigo um fio grosso em ouro trabalhado, o qual tinha incorporado um coração em ouro; um colar grosso em ouro trabalhado e dois pares de brincos em ouro, objetos estes que de seguida levou consigo para o interior do referido veículo automóvel.

14. Nessa altura, o arguido AA de imediato deu início à marcha daquele veículo, assim se ausentando ambos os arguidos do local, levando consigo as ditas peças em ouro para parte incerta, fazendo-as suas.

15. As referidas peças em ouro eram pertença daquela CC e tinham um valor comercial global não concretamente apurado, mas superior a mil euros.

16. Os arguidos agiram, nas circunstâncias atrás descritas em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito, concretizado, de obterem para si próprios as ditas peças em ouro a que sabiam não ter qualquer direito, por não lhes pertencerem, à custa do empobrecimento do património da ofendida CC, bem sabendo que atuavam contra a vontade daquela, sua legítima proprietária.

17. Para conseguir os seus intentos os arguidos aproveitaram-se do facto daquela CC ter já idade avançada e possuir uma baixa escolaridade, o que lhe limitou fortemente a capacidade para compreender que aquilo que o arguido AA lhe disse não correspondia à verdade e constituía um meio enganoso para obter a entrega das ditas peças em ouro.

18. Os arguidos agiram, em todas as circunstâncias atrás descritas, em comunhão de esforços e de vontades, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

II) DD

19. Firmes ao propósito assim firmado, no dia 8 de Abril de 2014, pelas 11h30m, os arguidos dirigiram-se à povoação de ..., utilizando para tanto o veículo automóvel com matrícula ...-NH, de marca “Opel”, modelo “Corsa”, de cor cinzenta, melhor id. a fls. 17 do apenso nº 63/14.1 GAOFR, que o arguido AA conduzia.

20. Ali chegados encontraram a casa de habitação do ofendido DD, melhor id. a fls. 4 do apenso nº 63/14.1 GAOFR, nascido em ... de 1938, juntamente com a sua mulher, ..., nascida em 20.02.1927.

21. Imobilizado o dito veículo automóvel, o arguido AA permaneceu no interior do mesmo, a fim de avisar o arguido AA para se ausentar de pronto daquele local caso ali assomasse algum terceiro e também para iniciar de imediato a marcha daquele veículo mal o arguido AA tivesse entrado para aquele veículo na posse das peças em ouro que aquele DD lhe entregasse.

22. Enquanto isso, este AA dirigiu-se para aquela casa de habitação.

23. Nessa altura o arguido AA abordou o dito DD e a sua mulher, a quem lhes disse ser filho de um amigo deles, entretanto já falecido, valendo-se na conversação da informação que o próprio casal lhe relatava.

24. Mais lhes disse trazer uma recordação, oferecendo-lhes um rádio de marca “Smart”, modelo “F-100”, de cor cinzenta e preta, com o valor comercial de cinco euros e dois relógios, com o valor comercial de dez euros, rádio e relógios estes apreendidos e retratados nas fotografias de fls.1077-1086.

25. Após, o arguido AA disse-lhes que iria abrir ao público uma ourivesaria em ... e que para tal necessitava de fotografar as peças de ouro que tivessem em casa para posteriormente exibir na referida ourivesaria, mais lhes dizendo que logo após tirar tais fotografias lhes devolveria o ouro em questão.

26. Desta forma, o arguido AA ganhou a confiança do DD, ficando convencido que o arguido AA era efetivamente filho daquele seu antigo amigo, entretanto já falecido.

27. Assim, este DD e a sua mulher, fruto igualmente da sua elevada idade e baixa escolaridade, não se aperceberam que aquilo que o arguido AA lhes dizia não correspondia à verdade, pelo que, crendo que o mesmo apenas pretendia fotografar peças em ouro para poder abrir ao público a dita ourivesaria, a mulher daquele DD foi buscar ao interior da sua casa um fio em ouro, uma medalha em ouro, e um anel em ouro, cujas concretas características não foi possível apurar, tendo entregue os mesmos ao arguido AA.

28. Mal o arguido AA se viu na posse daquelas peças em ouro, dirigiu-se para o interior do veículo automóvel, onde o aguardava o arguido AA, que, de imediato, deu início à marcha daquele veículo, assim se ausentando ambos do local, levando consigo as ditas peças em ouro para parte incerta, fazendo-as suas.

29. As referidas peças em ouro eram pertença daquele DD e mulher tinham um valor comercial global não concretamente apurado, mas superior a quinhentos euros.

30. Os arguidos agiram, nas circunstâncias atrás descritas em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito, concretizado, de obterem para si próprios as ditas peças em ouro a que sabiam não ter qualquer direito, por não lhes pertencerem, à custa do empobrecimento do património daquele casal, bem sabendo que atuavam contra a vontade daquele, seu legítimo proprietário.

31. Para conseguir os seus intentos os arguidos aproveitaram-se da idade avançada dos ofendidos DD e mulher e de possuírem uma baixa escolaridade, o que lhes limitou fortemente a capacidade para compreender que aquilo que o arguido AA lhes disse não correspondia à verdade e constituía um meio enganoso para obter a entrega das ditas peças em ouro.

32. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

III) EE

33. No dia 9 de Abril de 2014, os arguidos deslocaram-se à povoação de ..., num veículo automóvel conduzido pelo arguido AA, indo o arguido AA ao lado daquele, ou seja, no lugar da frente do lado direito.

34. Ali chegados, pelas 10h30m, viram a ofendida EE, melhor id. a fls. 613, nascida em ... de 1933, que se deslocava a pé, sozinha, para casa da sua filha, JJ, melhor id. a fls. 611, casa esta sita na ....

35. Nesse momento, quando os arguidos circulavam no referido veículo pela Avenida ..., vislumbraram a dita EE, a caminhar sozinha por aquela Avenida, trazendo consigo ao pescoço um fio grosso em ouro.

36. Assim, na execução do propósito atrás mencionado, o arguido AA imobilizou a viatura para que o arguido AA abordasse aquela EE.

37. Nessa altura, o arguido AA, que se encontrava no interior daquele veículo automóvel no lugar da frente do lado direito, entabulou conversação com a dita EE, falando-lhe em alegadas primas desta, de nome “HH”, residente em Lamego, e outra de nome “HHH”, sendo que esta padecia de doença grave, valendo-se designadamente da informação que a ofendida relatava.

38. Mais lhe acrescentou que ia abrir uma ourivesaria em ..., onde venderia designadamente os relógios que lhe mostrou.

39. Disse-lhe ainda ser seu primo, filho de ..., ao que a EE ficou convencida que aquele se estava a referir à sua prima “HH”, residente em Lamego.

40. No decurso desta conversação o arguido AA, para conferir credibilidade ao seu discurso, disse ainda para esta EE que a sua prima, de nome próprio “Belarmina” se encontrava muito doente.

41. De seguida, o arguido AA entregou à EE, para ganhar a confiança desta, duas caixas, uma contendo dois relógios, um de homem e o outro de mulher, em metal de cor dourada e prateada, ambos com as inscrições “Royaltime”, “Quartz”, “Royaltime Stainless Steel Back” e “Quartz High Quality no verso” e a outra contendo um rádio de marca “Smart”, modelo “F-100”, de cor cinzenta e preta, ao mesmo tempo que lhe dizia: “então deixo-lhe esta recordação para depois a prima dizer às outras primas que vou abrir uma ourivesaria em ...”.

42. Este rádio era idêntico aos retratados nas fotografias de fls. 70 e 666 dos autos e aqueles relógios idênticos aos retratados nas fotografias de fls. 19 do apenso 42/14.9 GCSAT, fotografias essas que aqui se dão por reproduzidas. O referido rádio tinha uma valor comercial de cinco euros e aqueles dois relógios um valor comercial global não concretamente apurado, mas inferior a dez euros.

43. Depois de ganhar a confiança da dita EE, o arguido AA, que entretanto vira o fio de ouro que aquela trazia, disse-lhe também necessitava de fotografar as peças de ouro que esta tivesse para exibir na referida ourivesaria, mais lhes dizendo que logo após tirar tais fotografias lhe devolveria o ouro.

44. Assim, fruto igualmente da sua elevada idade e baixa escolaridade, não se apercebendo que aquilo que o arguido AA lhe dizia não correspondia à verdade, crendo que o mesmo apenas pretendia fotografar peças em ouro para poder abrir ao público a dita ourivesaria, a ofendida EE entregou-lhe para o efeito aquele fio de ouro.

45. Mal o arguido AA se viu na posse daquele fio em ouro, de imediato o arguido AA deu início à marcha daquele veículo, assim se ausentando ambos do local, levando consigo o fio em ouro para parte incerta, fazendo-o seu.

46. O referido fio em ouro era pertença daquela EE e tinha um valor comercial não concretamente apurado, mas superior a 500 euros.

47. Os arguidos agiram, nas circunstâncias atrás descritas em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito, concretizado, de obterem para si próprios aquele fio de ouro a que sabiam não ter qualquer direito, por não lhes pertencer, à custa do empobrecimento da ofendida EE, bem sabendo que atuavam contra a vontade daquela, seu legítimo proprietário.

48. Para conseguir os seus intentos os arguidos aproveitaram-se da idade avançada da ofendida EE e desta possuir uma baixa escolaridade, o que lhe limitou fortemente a capacidade para compreender que aquilo que o arguido AA lhe disse não correspondia à verdade e constituía um meio enganoso para obter a entrega do fio em ouro.

49. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

IV)

50. No dia 13 de Abril de 2014 os arguidos dirigiram-se ao lugar da Quinta ..., concelho de ..., utilizando para tanto o veículo automóvel com matrícula NX-00-00, de marca “Honda”, de cor cinzenta, melhor id. a fls. 114 e retratado na fotografia de fls. 109 dos autos, que aqui se dá por reproduzida, que o arguido ... conduzia.

51. Ali chegados, pelas 9h00m, estacionaram junto da casa de habitação de LL, melhor id. a fls. 50, nascida em 02 de Abril de 1932, analfabeta e viúva, que ali residia sozinha.

52. Enquanto o arguido AA permaneceu no interior do dito veículo, a fim de avisar o arguido AA para se ausentar de pronto daquele local caso ali assomasse algum terceiro e também para iniciar de imediato a marcha daquele veículo mal o arguido AA tivesse entrado para aquele veículo na posse das peças em ouro que aquela LL lhe entregasse, este AA dirigiu-se para aquela casa de habitação.

53. Nessa altura o arguido AA abordou a LL e, como desta ouvisse tal informação, disse-lhe que era filho do senhor que desapareceu do lar de Gumiei e que acabara de chegar da Suíça, onde falara com a filha da ofendida.

54. Após, o arguido AA disse também que iria abrir ao público uma ourivesaria em São Pedro do Sul e que para tal necessitava de fotografar o ouro que aquela LL tivesse em casa, pedindo-lhe que lho entregasse para o efeito e depois lho devolveria.

55. De seguida, o arguido AA, para ganhar a confiança daquela idosa, entregou à dita LL um rádio de marca “Smart”, modelo “F-100”, de cor cinzenta e preta, idêntico àquele retratado nas fotografias de fls. 70 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, com o valor de cinco euros.

56. Após ter ganho a confiança da LL, esta última, fruto da sua elevada idade e baixa escolaridade, não se apercebeu que aquilo que o arguido AA lhe dizia não correspondia à verdade e, assim, crendo que o mesmo apenas pretendia fotografar peças em ouro para poder abrir ao público a dita ourivesaria, a ofendida foi buscar algumas peças de ouro para lhe entregar, como o fez.

57. Concretamente, a ofendida trouxe e entregou ao arguido ..., para fotografar, um fio em ouro amarelo com medalha em forma de coração com uma foto do falecido marido, de comprimento não concretamente apurado, mas superior a 50 cm e um cordão em ouro amarelo, de comprimento não concretamente apurado, mas superior a 120 cm, contendo um medalha (meia libra), objetos retratados a fls. 58.

58. Mal o arguido AA se viu na posse daquelas peças em ouro, dirigiu-se para o interior do veículo automóvel, onde o aguardava o arguido AA que, de imediato, deu início à marcha daquele veículo, assim se ausentando ambos os arguidos do local, levando consigo das ditas peças em ouro para parte incerta, fazendo-as suas.

59. As referidas peças em ouro eram pertença daquela LL e tinham um valor comercial global não concretamente apurado, mas superior a mil euros.

60. Os arguidos agiram, nas circunstâncias atrás descritas em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito, concretizado, de obter para si próprios as ditas peças em ouro a que sabiam não ter qualquer direito, por não lhes pertencerem, à custa do empobrecimento do património da dita LL, bem sabendo que atuavam contra a vontade daquela, sua legítima proprietária.

61. Para conseguir os seus intentos os arguidos aproveitaram-se do facto daquela LL ser analfabeta e ter idade avançada, o que lhe limitou fortemente a capacidade para compreender que aquilo que o arguido AA lhe disse não correspondia à verdade e constituía um meio enganoso para obter a entrega das ditas peças em ouro.

62. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

V) FF e mulher

63. No dia 6 de Maio de 2014, os arguidos dirigiram-se à localidade de Póvoa de Montemuro, concelho de ..., no veículo automóvel com matrícula NX-00-00 que o arguido ... conduzia.

64. Ali chegados encontraram, na Rua ..., a residência de FF, nascido em 9 de Dezembro de 1930, analfabeto, melhor id. a fls. 3 do apenso nº 104/14.2 GACDR, e sua mulher, M..., nascida a 22 de Julho de 1940, igualmente analfabeta, melhor id. a fls. 534 dos autos, que ali residiam sozinhos.

65. Imobilizada a viatura, pelas 12h15m, o arguido AA permaneceu no interior do dito veículo, a fim de avisar o arguido AA para se ausentar de pronto daquele local caso ali assomasse algum terceiro e também para iniciar de imediato a marcha daquele veículo mal o arguido AA tivesse entrado para aquele veículo na posse das peças em ouro que aqueles FF e a ... lhe entregassem.

66. Enquanto isso, o arguido AA dirigiu-se para aquela casa de habitação.

67. Nessa altura, o arguido AA abordou estes FF e ... e disse-lhes que era muito amigo de um grande amigo daquele FF, do tempo em que o mesmo havia estado a residir em ... e que tinha um brinde daquele para lhes entregar.

68. Assim, o arguido entregou ao FF e à ... um rádio de marca “Smart”, modelo “F-100”, de cor cinzenta e preta, idêntico àquele retratado nas fotografias de fls. 70 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, com o valor comercial de cinco euros.

69. Após ter ganho a confiança dos supra referidos FF e ..., o arguido AA disse-lhes que iria abrir ao público uma ourivesaria e que para tal necessitava de fotografar algumas peças em ouro que estes tivessem consigo, mas que logo após lhas devolveria.

70. Fruto da sua elevada idade e baixa escolaridade, o casal não se apercebeu que aquilo que o arguido AA lhe dizia não correspondia à verdade e, assim, crendo que o mesmo apenas pretendia fotografar tais peças em ouro para poder abrir ao público a dita ourivesaria, a ofendida ... entregou, ao arguido AA para que este as fotografasse, duas alianças em ouro, dois anéis em ouro, peças estas retratadas na fotografia de fls. 18 do apenso 104/14.2 GACDR, que aqui se dá por reproduzida, e um fio em ouro.

71. Mal o arguido AA se viu na posse daquelas peças em ouro, dirigiu-se para o interior do veículo automóvel, onde o aguardava o arguido AA que, de imediato, deu início à marcha daquele veículo, assim se ausentando ambos os arguidos do local, levando consigo das ditas peças em ouro para parte incerta, fazendo-as suas.

72. Aquelas peças em ouro tinham um valor global não concretamente apurado, mas superior a 500 euros e eram pertença daqueles FF e ....

73. Os arguidos agiram, nas circunstâncias atrás descritas, em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito, concretizado, de obter para si próprios as ditas peças em ouro a que sabiam não ter qualquer direito, por não lhes pertencerem, à custa do empobrecimento do património dos ditos FF e ..., bem sabendo que atuavam contra a vontade daqueles, seus legítimos proprietários.

74. Para conseguirem os seus intentos os arguidos aproveitaram-se do facto daqueles FF e ... terem idade avançada e serem ambos analfabetos, o que lhes limitou fortemente a capacidade para compreender que aquilo que o arguido AA lhes disse não correspondia à verdade e constituía um meio enganoso para obter a entrega das ditas peças em ouro.

75. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

VI) HH

76. No dia 9 de Maio de 2014 os arguidos dirigiram-se à localidade de Oliveira de Sul, utilizando para tanto o veículo automóvel com a matrícula NX-00-00, conduzido pelo arguido ....

77. Ali chegados os arguidos encontraram a residência de ..., melhor id. a fls. 2, nascida em 25 de Agosto de 1934, viúva e de baixa escolaridade, que residia sozinha numa casa de habitação sita na Rua ....

78. Assim, pelas 11h20m, o arguido AA permaneceu no interior do dito veículo automóvel, a fim de avisar o arguido AA para se ausentar de pronto daquele local caso ali assomasse algum terceiro e também para iniciar de imediato a marcha daquele veículo mal o arguido AA tivesse entrado para aquele veículo na posse das peças em ouro que aquela ... lhe entregasse.

79. Enquanto isso, o arguido AA dirigiu-se para aquela casa de habitação e abordou ... mantendo conversação com esta.

80. No decorrer dessa conversa o arguido ... disse-lhe saber que aquela ... tinha uma amiga chamada “Judite” e que tinha estado a conversar com uma sobrinha desta, de nome ..., que trabalhava numa Junta de Freguesia e que tinha um brinde para lhe entregar.

81. Após ter ganho a confiança da supra referida ..., o arguido AA disse para esta que iria abrir ao público uma ourivesaria na localidade de ..., junto a um estabelecimento de cafetaria ali existente e que para tal necessitava de fotografar algumas peças em ouro que esta ... tivesse consigo.

82. Mais acrescentou que, caso ela assim consentisse, o arguido oferecer-lhe-ia um rádio de marca “Smart”, modelo “F-100”, de cor cinzenta e preta, idêntico àquele retratado nas fotografias de fls. 70 dos autos, que aqui se dão por reproduzidas, com o valor comercial de cinco euros.

83. A ..., fruto da sua elevada idade e baixa escolaridade, não se apercebeu que aquilo que o arguido AA lhe dizia não correspondia à verdade e, assim, crendo que o mesmo apenas pretendia fotografar tais peças em ouro para poder abrir ao público a dita ourivesaria, permitiu que este a acompanhasse no interior da sua casa para lhe mostrar o ouro.

84. O arguido ..., ao ver as peças em ouro, adiante descritas, indicadas pela ofendida, como esta nisso concordasse, lançou mão das mesmas, dizendo-lhe que as levava consigo para as fotografar e já lhas restituía.

85. Concretamente, o arguido ... lançou mão de um fio em ouro amarelo, com duas voltas, de comprimento não concretamente apurado, mas superior a 80 cm, com uma medalha redonda, com 3 cm de diâmetro, contendo uma imagem da Nossa Senhora de Fátima; três anéis em ouro amarelo, um dos quais com uma pedra topázio amarela, outro com uma pérola branca e o restante em ouro branco e liso com pequenos diamantes na parte superior, em forma de flor; e uma pulseira fina com pérolas.

86. Nesse instante, o arguido AA disse também para a dita... para tirar um fio em ouro amarelo que a mesma trazia ao pescoço, de comprimento não concretamente apurado, mas superior a 40cm, com uma cruz com 3 cm de comprimento com o corpo de Jesus Cristo, o que esta última fez, tendo, de seguida, entregue ao arguido AA todas estas peças em ouro para que o mesmo as fotografasse.

87. Nessa altura, em poder de todas aquelas peças em ouro, o arguido AA disse para a dita ... que ia ao veículo automóvel onde se encontrava o arguido AA buscar uma máquina fotográfica, abandonando imediatamente o local com aquelas. 

88. Contudo, logo que o arguido AA entrou para o interior do dito veículo automóvel, os arguidos ausentaram-se daquele local naquele veículo automóvel, conduzido pelo arguido AA, levando consigo as supra mencionadas peças em ouro para parte incerta, assim as fazendo suas.

89. Aquelas peças em ouro tinham um valor global não concretamente apurado, mas superior a 2000 euros e eram pertença daquela ....

90. Os arguidos agiram, nas circunstâncias atrás descritas, em comunhão de esforços e de vontades, com o propósito, concretizado, de obter para si próprios as ditas peças em ouro a que sabiam não ter qualquer direito, por não lhes pertencerem, à custa do empobrecimento do património da dita ..., bem sabendo que atuavam contra a vontade daquela, sua legítima proprietária.

91. Para conseguir os seus intentos os arguidos aproveitaram-se do facto daquela ... ter idade avançada e possuir uma baixa escolaridade, o que lhe limitou fortemente a capacidade para compreender que aquilo que o arguido AA lhe disse não correspondia à verdade e constituía um meio enganoso para obter a entrega das ditas peças em ouro.

92. Os arguidos agiram livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

(…)

123. O arguido AA é o terceiro de uma fratria de 9 irmãos. Autonomizou-se da família de origem desde a idade dos 17 anos e a companheira contava 15 anos, à data.

124. Em termos escolares, o arguido demonstrou capacidade de aprendizagem, contudo apenas concluiu a 4º classe, a que não será alheia a fraca estimulação dos pais e falta de valorização da escola, aliados aos problemas económicos.

125. Desde cedo acompanhava os pais nas feiras de venda de roupas e posteriormente no trabalho na agricultura, de forma irregular e sem grandes exigências.

126. Apesar de algumas lacunas educacionais e de responsabilização, até à ocorrência dos acontecimentos e enquanto residiu no meio de origem (Mourão) não apresentava qualquer problema criminal.

127. Bem como os pais, que são pessoas com uma boa aceitação social e que não apresentam registo de problemas com a justiça.

II - Condições Sociais e Pessoais

128. AA, antes de ser preso, vivia com a companheira da mesma etnia de 19 anos de idade, ..., filha do arguido ..., e teria uma ocupação laboral como feirante e como vendedor de fruta, pouco regular.

129. Quando deixou de viver no local de origem, passou a residir em Viseu, num apartamento arrendado pelo pai da companheira, o arguido AA, ficando desenraizado, desempregado e dependente deste último.

130. Nesta fase, é que começaram a surgir os problemas e contactos com a justiça.

131. A atual situação de prisão do arguido foi vivida, quer pela companheira, emocional e economicamente dependente, quer pelos pais de forma dolorosa.

132. Em termos pessoais, o arguido revela bons recursos cognitivos. Profissionalmente apresenta uma experiência profissional indiferenciada, ligada à atividade agrícola desenvolvida em épocas sazonais, sobretudo em Mourão e na zona de Reguengos, e à venda de frutas no Inverno.

133. No Estabelecimento Prisional Regional de Viseu tem um comportamento controlado e ajustado, sendo sociável. Não está submetido a nenhum tratamento médico, não tendo problemas relacionados com comportamentos aditivos.

III - Impacto da situação jurídico-penal

134. Em relação ao atual processo, o arguido dispõe de capacidades para avaliar as consequências do seu comportamento e revela-se preocupado com a evolução da situação jurídico-penal».

«4. Nestes autos (de processo comum, com intervenção do Tribunal Coletivo, nº 114/14.0JACBR), foi o dito arguido condenado, por acórdão datado de 04-11-2016, transitado em julgado no dia 06-12-2016, e por factos ocorridos no dia 25-03-2014 (…).

Resulta da decisão certificada a fls. 63 a 91 que:

1. No dia 25 de março de 2014, por volta das 11 horas, os arguidos AA e ... dirigiram-se num veículo automóvel conduzido pelo arguido AA até à residência sita na Rua ...;

2. Uma vez aí chegados, o arguido AA saiu do veículo automóvel levando consigo, na mão direita, um saco de plástico preto que continha no seu interior uma caixa com a referência de “Geneva”, com dois relógios de pulso com a referência “C&C” “Quartz” no interior, e por baixo do mesmo braço uma caixa em cartão que continha um rádio portátil, de marca “Mason”, modelo “R471”, com a referência “Fabricado na China”;

3. De seguida, o arguido AA dirigiu-se à porta da referida residência e tocou à mesma, tendo a ofendida BB aberto a mesma;

4. Nesse momento, o arguido AA, dirigindo-se à ofendida ..., disse-lhe que era funcionário da “TMN” e que esta empresa estava a oferecer umas lembranças aos melhores clientes, ao mesmo tempo que esticou a mão direita onde tinha o saco de plástico;

5. O arguido AA, que se encontrava no patamar ao cima das escadas e à entrada da casa, subiu o casaco que vestia, pressionou este pelo interior com a mão esquerda, de modo a que à ofendida pareceu ser com o empunhar de uma arma de fogo, e fez o gesto de apontar à ofendida, ao mesmo tempo que lhe dizia, em tom sério e ameaçador, “o ouro e o dinheiro para cá”, deixando ainda cair os objetos que trazia debaixo do braço e na mão direita;

6. A ofendida ..., perante tal atitude do arguido AA, começou a chorar, tendo-lhe dito que não tinha nada, nem ouro nem dinheiro;

7. O arguido AA retorquiu então, em tom agressivo e intimidatório, ao mesmo tempo que fazia o gesto de apontar à ofendida, “tens, tens, quero o dinheiro e o ouro todo, senão queimo-te já”;

8. A ofendida ..., assustada com o sucedido e com medo do que lhe pudesse acontecer, dirigiu-se ao interior da residência, sendo acompanhada pelo arguido AA, tendo retirado de dentro de uma terrina, que se encontrava em cima da mesa da sala de estar, uma caixa de ourivesaria, que continha no seu interior uma pulseira com malha grossa em ouro, com pendente em forma de acordeão, no valor de € 1.200, bem como duas “figas” em ouro, no valor de € 500, que entregou ao dito arguido;

9. De seguida, o arguido AA saiu da residência em passo acelerado, entrou no veículo automóvel que se encontrava a trabalhar e já tinha a porta do lado direito aberta, tendo o arguido AA, que havia ficado a vigiar e à espera, conduzido o veículo até à rua principal e depois para lugar que não foi possível determinar;

10. Os objetos deixados pelo arguido AA à entrada da casa da ofendida foram submetidos a exame pericial lofoscópico, tendo o resultado sido positivo para o vestígio digital encontrado na caixa de rádio da marca “Mason”, correspondendo ao dedo auricular da mão esquerda do arguido AA;

11. Os objetos retirados à ofendida pelo arguido AA não foram recuperados;

12. Os arguidos AA e AA, agindo em comunhão de esforços e vontades, e em execução de um plano previamente elaborado, pretenderam e conseguiram fazer seus os objetos em ouro acima mencionados, sabendo que os mesmos não lhes pertenciam, que não tinham qualquer direito sobre os mesmos, e que atuavam contra a vontade da legítima dona;

13. Atuaram os arguidos de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei como crime”.

5. O arguido havia sido também anteriormente condenado, por sentença proferida no dia 09-12-2014, transitada em julgado no dia 22-09-2015, no processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, nº 53/12.9GCRMZ, do Juízo Local de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ..., numa pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na respetiva execução pelo mesmo período, pela comissão de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelo art. 204º do Código Penal.

Tal pena veio a ser declarada extinta, nos termos do disposto no art. 57º do Código Penal, pelo que não será considerada na presente decisão, dado que na pena única a determinar não devem ser consideradas as penas suspensas já declaradas extintas nos termos do disposto no art. 57º, nº 1, do Código Penal, uma vez que o art. 78º, nº 1, desta codificação, apenas manda considerar as penas cumpridas, sendo certo que a extinção da pena suspensa prevista no art. 57º, n.º 1, do C.P., não resulta do cumprimento da pena de prisão subjacente à suspensão, mas de não ter ocorrido durante o respetivo período alguma das circunstâncias referidas no art. 56º: Logo, tal pena, já extinta mas sem ser pelo cumprimento, nunca poderia ser descontada na pena única, nos termos do art. 78º, n.º 1, do Código Penal – neste sentido, cfr. o Ac. do S.T.J. de 20-01-2010.

6. Da informação social entretanto junta aos autos resulta que:

À data dos factos, AA residia com sua companheira em Viseu, num apartamento arrendado pelo pai dela.

Nessa época, encontrava-se na dependência do pai da companheira, dado o desenraizamento geográfico e ausência de rendimento próprios.

Em fase anterior, o condenado vivia em casa de seus pais, em Mourão, onde era essencialmente vendedor ambulante, junto com a família de origem, localidade onde se encontra atualmente, desde abril de 2016.

Presentemente, reside com a companheira e um filho com oito meses, num espaço sem condições habitacionais, junto da sua família de origem. Neste contexto vivencial, subsiste com uma prestação de R.S.I., no valor de € 376, subsídio familiar do menor de € 145, e um subsídio de formação do condenado.

AA iniciou, em setembro de 2017, curso de formação, que versa a aquisição de conhecimentos de matemática, português e noções básicas de informática, com vista a uma certificação facilitadora da procura/inserção no mercado de trabalho. Esta formação foi-lhe proposta no âmbito das obrigações do R.S.I. e do Centro de Emprego da área de residência.

Ao nível familiar, a dinâmica vivenciada é descrita e avaliada, pelas instituições intervenientes, como gratificante e estabilizadora da sua conduta pessoal e social.

No que respeita ao acompanhamento em curso no âmbito dos processos em apreço, tem decorrido dentro dum padrão expectável, com boa adesão do condenado aos objetivos propostos em sede de plano de reinserção social.

Do contato com os O.P.C. do local de residência, AA não se encontra indiciado nem é indagado noutras investigações criminais em curso.

Do trajeto de vida de AA, salienta-se um indivíduo integrado no seu meio sócio comunitário, tendo este sido controlador do seu estilo de vida até à data dos factos.

No entanto, apos as condenações, regressou ao meio de origem, onde, até à presente data, não constam fatores disruptivos do seu quotidiano.

Tem revelado adesão aos objetivos estabelecidos nos P.R.S. e na interação com outras instituições intervenientes na sua organização pessoal e social».

9. De acordo com o disposto nos artigos 71.º, n.º 3, do Código Penal e 375.º, n.º 1, do CPP, que concretizam o dever de fundamentação das decisões judiciais estabelecido no artigo 205.º da Constituição, na sentença são expressamente referidos e especificados os fundamentos da medida da pena.

A determinação da pena vem fundamentada nos seguintes termos:

«8. Como já se referiu, as decisões condenatórias (…) transitaram em julgado.

Por outro lado, resulta claramente do atrás exposto que os crimes suprarreferidos se encontram, entre si, numa relação de concurso de infrações, determinante da necessidade da efetivação do presente cúmulo jurídico, envolvendo as penas parcelares atrás mencionadas, sendo competente, para o efeito - como logo no início aludimos - este processo, por corresponder ao da última condenação.

E constitui jurisprudência uniforme do nosso S.T.J. que no concurso superveniente de crimes, nada impede que na formação da pena única entrem penas de prisão efetiva e penas de prisão suspensa, decidindo o Tribunal competente para a efetivação do cúmulo jurídico se, reavaliados em conjunto os factos e a personalidade do arguido, a pena única deve ou não ficar suspensa na sua execução (neste sentido, cfr. o Ac. do S.T.J. de 04-09-2008).

Todavia, tem sido entendimento uniforme do nosso S.T.J. que o concurso de infrações não dispensa que as várias infrações tenham sido praticadas antes de ter transitado em julgado a pena imposta por qualquer uma delas, representando o trânsito em julgado de uma condenação penal o limite temporal intransponível no âmbito do concurso de crimes, excluindo-se da pena única a determinar os crimes praticados posteriormente. O limite determinante da consideração da pluralidade de crimes para o efeito de aplicação de uma pena unitária de concurso é, pois, o trânsito em julgado da condenação que primeiramente teve lugar por qualquer crime praticado anteriormente, assim se recusando o chamado “cúmulo por arrastamento”, que traduz uma verdadeira sucessão de crimes. E este entendimento é aplicável também nas situações de conhecimento superveniente do concurso. Neste sentido, cfr., entre outros, os Acs. do S.T.J. de 07-04-2010, 15-04-2010, e 09-06-2010, que constituem jurisprudência obrigatória desde a publicação do Ac. do S.T.J. nº 9/2016 (“o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso”).

No caso em apreço, porém, essa questão não se coloca, dado que todos os factos ilícitos criminais foram cometidos antes do primeiro trânsito em julgado, ocorrido no processo nº 112/14.3GASPS, no dia 28-04-2015.

9. Desta forma, devendo ser desfeito o anterior cúmulo jurídico efetuado, por aplicação do preceituado nos arts. 77º, n.º 2 e 3, e 78º, n.º 1 e 2, do Código Penal, a moldura de concurso terá como mínimo a pena parcelar mais elevada (2 anos e 8 meses), e como máximo a soma de todas as penas parcelares aplicadas (14 anos e 10 meses).

10. Na determinação, dentro da moldura penal abstrata, da medida concreta da pena, seguir-se-á o critério geral dos arts. 71º, n.º 1 e 40º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal: em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Os princípios regulativos da atividade de determinação da medida concreta da pena são, pois, a culpa e a prevenção, encontrando-se assim tal atividade intimamente ligada à teoria dos fins das penas.

A culpa estabelece o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado. Constitui-se, portanto, como um limite inultrapassável pelas considerações de prevenção, o que permite o respeito pelos mandamentos do princípio da culpa.

Ora, até ao máximo consentido pela culpa, é a medida exigida pela tutela dos bens jurídicos (estabilização das expectativas comunitárias na manutenção ou reforço da vigência da norma violada), ou seja, a prevenção geral positiva ou de integração que vai determinar a medida da pena. Já a prevenção geral negativa de intimidação constitui-se apenas como um efeito lateral dessa necessidade de tutela dos bens jurídicos, não sendo, pois, por si só, finalidade da pena.

A medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos oferece-se como uma “moldura de prevenção”, cujo máximo é o ponto mais alto consentido pela culpa e o mínimo resulta do “quantum” de pena imprescindível à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias (defesa da ordem jurídica). Dentro desta “moldura de prevenção” atuarão sem restrição as finalidades de prevenção especial, cujo critério decisivo é a medida das necessidades de socialização do agente, as quais irão, em última análise, determinar a medida da pena. Podem ainda funcionar as funções subordinadas de prevenção especial: a de advertência individual ou de segurança ou inocuização.

Cada um desses princípios regulativos tem subjacente um substrato, ou seja, um conjunto de circunstâncias relativas ao facto e ao agente (não taxativamente previstas no art. 71º, n.º 2 do Código Penal), que auxiliam o julgador nesta árdua tarefa de determinação do quantum concreto de pena. Tais circunstâncias, sendo umas relevantes por via da culpa, outras por via da prevenção, e grande parte delas ambivalentes, devem ser investigadas e sopesadas pelo julgador, à luz dos referidos princípios regulativos, e respeitando o princípio da proibição da dupla valoração, de forma a concluir pela aplicação de uma pena concreta ao agente.

Assim, ponderam-se aqui as circunstâncias já consideradas nas acima referenciadas decisões, mormente a sua idade, as suas modestas condições socioeconómicas, e a sua reduzida instrução, atentos os padrões atuais. Será ainda ponderado o facto de o arguido não apresentar, na altura em que cometeu os ilícitos em apreço, qualquer antecedente criminal, embora atualmente já ostente três condenações (que serão obviamente ponderadas em seu desfavor).

Considerar-se-á obviamente a ilicitude da sua conduta, salientando-se que não se pode ainda afirmar a verificação de uma inclinação para a comissão deste tipo de infrações.

Nas palavras do Juiz Conselheiro António Artur Rodrigues da Costa, “à visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto, em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente”. Na avaliação desta personalidade unitária do agente é fulcral, como refere Figueiredo Dias, “a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Ora, no caso em apreço, julgamos não ser ainda divisável uma tendência criminosa, nem sequer para a comissão de crimes contra o património.

Desta forma, sopesando todos os apontados fatores, e analisando o facto global e o desvalor de personalidade que o arguido nele revelou, entendemos que a medida concreta da pena se deve aproximar de forma sensível do limiar mínimo, com o suficiente afastamento que permita satisfazer os pressupostos acima enunciados.

Concluindo, de molde a satisfazer os citados fins da punição, afigura-se adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

Pena esta insuscetível de substituição.»

11. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, que estabelece as regras da punição do concurso de crimes, quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, ou seja, a primeira das condenações por qualquer um desses crimes, é condenado numa única pena, na qual são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. Esta regra é aplicável em caso de, após o trânsito em julgado de uma decisão condenatória por qualquer desses crimes, haver conhecimento de condenações em outros processos por crimes praticados em data anterior, isto é, em caso de conhecimento superveniente do concurso de crimes (artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal). Sendo necessário o trânsito em julgado das condenações (artigo 78.º, n.º 2, do Código Penal), fixou este Tribunal jurisprudência no sentido de que “o momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso de crimes, com conhecimento superveniente, é o do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso” (acórdão de fixação de jurisprudência n.º 9/2016, DR n.º 111, Série I, de 09.06.2016).

Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, há que proceder à sua “anulação”, desfazendo-se esse cúmulo, e que determinar uma nova pena conjunta em função das penas parcelares aplicadas a todos os crimes em concurso, as quais readquirem, assim, a sua autonomia para determinação da moldura da pena do concurso e da fixação da pena concreta, em consideração das circunstâncias relevantes relativas ao facto e ao agente, para a construção do respectivo substrato (sobre este ponto, com exaustiva indicação de jurisprudência e de doutrina, cfr. o acórdão deste Tribunal de 25.10.2017, no Proc. 163/10.7GALNH.S1, rel. Cons. Raul Borges, em www.dgsi.pt).

A pena aplicável aos crimes em concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa, e, como limite mínimo, a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Sendo as penas aplicadas umas de prisão e outras de multa, a diferente natureza destas mantém-se na pena única resultante da aplicação deste critério (artigo 77.º, n.º 3). Penas de diferente natureza, para efeitos deste preceito, são somente as penas principais de prisão e de multa (assim, Maria João Antunes, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 144, n.º 3992, p. 416).

Por conseguinte, se à condenação anterior corresponder uma pena de substituição, como sucede nos casos em que a pena de prisão é suspensa na sua execução, a pena única conjunta há-de formar-se a partir da pena de prisão substituída. A questão da substituição da pena colocar-se-á somente perante a pena única conjunta, em função dos critérios gerais de escolha da pena, como repetidamente tem sido afirmado na jurisprudência deste Tribunal, na linha do pensamento do Prof. Figueiredo Dias: “sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido pôr a questão da sua substituição” (Direito Penal Português, Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2011, § 409. Crítica a esta solução, expressando posição minoritária, sobretudo com base no argumento da força do caso julgado, pode ver-se na anotação de Nuno Brandão ao acórdão deste Tribunal de 3.7.2003, Proc. 03P2151, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 15, n.º 1, 2005, pp. 129ss, sobre uma situação idêntica à destes autos).

A questão da consideração da pena de prisão suspensa na sua execução nas operações de cúmulo tem sido objecto de vasta elaboração jurisprudencial, sendo uniforme o entendimento de que, estando os crimes numa relação de concurso e estando a decorrer o período de suspensão, deverá a pena de prisão substituída concorrer para a determinação da pena única, nos termos do n.º 2 do artigo 77.º do Código Penal. Porém, se, à data da elaboração do cúmulo jurídico, se mostrar decorrido o tempo de suspensão, o qual se conta a partir do trânsito em julgado da decisão que aplica tal pena de substituição (artigo 50.º, n.º 5, do Código Penal), não deverá a pena ser considerada sem previamente ser esclarecido se foi proferida decisão de extinção da pena (artigo 57.º do Código Penal) – que impedirá a sua inclusão no cúmulo –, de revogação da suspensão (artigo 56.º do Código Penal) ou de prorrogação do período de suspensão (artigo 55.º, al. d), do Código Penal), o que deverá ser averiguado sob pena de nulidade da sentença (artigo 379.º, n.º 1, al. c), do CPP) – cfr., por todos, o recente acórdão de 15.11.2017, no Proc. 336/11.5GALSD.S1 (rel. Cons. Raul Borges), com exaustiva indicação de jurisprudência, e os acórdãos de 28.9.2017, no Proc. 302/10.8TAPBL.S1 (rel. Cons. Helena Moniz), de 9.7.2014, no Proc. 39/08.8GBPTG.S1 (rel. Cons. Pires da Graça) e de 17.10.2012, no Proc. 182/03.0TAMCN.P2.S1 (rel. Cons. Santos Cabral), todos em www.dgsi.pt.

12. Estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação de uma pena única.

Depois do trânsito em julgado, em 28.4.2015, do acórdão proferido no processo n.º 114/14.3.GASPS, por seis crimes praticados entre 28.3.2014 e 9.5.2014, o arguido veio a ser condenado, nestes autos, por acórdão proferido em 4.11.2016, por um crime praticado anteriormente àquela condenação, em 25.3.2014, sendo aplicadas, em ambos os acórdãos, penas de prisão suspensas na sua execução, encontrando-se a correr os prazos de suspensão à data da prolação do acórdão recorrido, que realizou o cúmulo jurídico das penas aplicadas.

Como anteriormente se referiu e tem sido repetido em jurisprudência consolidada deste Tribunal (supra, 11), não tendo decorrido o prazo de suspensão, nem, consequentemente, sido declarada a extinção de pena suspensa na sua execução, há lugar a realização de cúmulo jurídico e à aplicação de uma pena única conjunta formada a partir das penas de prisão substituídas, tudo se passando como se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo, anulando-se a decisão que aplicou anterior pena conjunta e determinando-se um nova pena conjunta que abranja todos os crimes em concurso.

Foi o que sucedeu no caso dos autos. Verificados os respectivos pressupostos e estando a correr os prazos de suspensão de execução das penas aplicadas aos crimes em concurso, o tribunal recorrido aplicou ao arguido uma pena única conjunta.

Pelo que, quanto a este ponto, tendo o direito sido correctamente aplicado, não é o acórdão recorrido passível de qualquer crítica.

13. Na determinação da medida da pena única, o tribunal recorrido ponderou “as circunstâncias já consideradas” nas anteriores decisões, “mormente”, quanto às condições pessoais e comportamento anterior, “a sua idade, as suas modestas condições socioeconómicas, e a sua reduzida instrução, atentos os padrões atuais” e “o facto de o arguido não apresentar, na altura em que cometeu os ilícitos em apreço, qualquer antecedente criminal”. Ponderou em desfavor do arguido, a circunstância de actualmente “ostentar” “três condenações”.

O tribunal considerou “a ilicitude da sua conduta, salientando-se que não se pode ainda afirmar a verificação de uma inclinação para a comissão deste tipo de infracções”, julgando “não ser ainda divisável uma tendência criminosa, nem sequer para a comissão de crimes contra o património”.

Assim “sopesando todos os apontados factores, e analisando o facto global e o desvalor de personalidade que o arguido nele revelou”, considerou que “a medida concreta da pena se deve aproximar de forma sensível do limiar mínimo, com o suficiente afastamento que permita satisfazer os pressupostos acima enunciado”, pelo que, concluiu, “de molde a satisfazer os citados fins da punição, afigura-se adequada a pena única de 5 anos e 6 meses de prisão”.

14. Dos acórdãos que aplicaram as penas em concurso, suspensas na sua execução, consta o seguinte:

14.1. No que respeita ao processo 112/14.3GASPS:

O arguido AA “é o terceiro de uma fratria de 9 irmãos”; “autonomizou-se da família de origem desde a idade dos 17 anos e a companheira contava 15 anos, à data”; “em termos escolares, o arguido demonstrou capacidade de aprendizagem, contudo apenas concluiu a 4º classe, a que não será alheia a fraca estimulação dos pais e falta de valorização da escola, aliados aos problemas económicos”; “desde cedo acompanhava os pais nas feiras de venda de roupas e posteriormente no trabalho na agricultura, de forma irregular e sem grandes exigências”; “apesar de algumas lacunas educacionais e de responsabilização, até à ocorrência dos acontecimentos e enquanto residiu no meio de origem (Mourão) não apresentava qualquer problema criminal, bem como os pais, que são pessoas com uma boa aceitação social e que não apresentam registo de problemas com a justiça”.

Quanto às condições sociais e pessoais consta ainda que: “antes de ser preso, vivia com a companheira da mesma etnia de 19 anos de idade, ..., filha do arguido ..., e teria uma ocupação laboral como feirante e como vendedor de fruta, pouco regular”; “quando deixou de viver no local de origem, passou a residir em ..., num apartamento arrendado pelo pai da companheira, o arguido AA, ficando desenraizado, desempregado e dependente deste último”; “nesta fase, é que começaram a surgir os problemas e contactos com a justiça”; “a actual situação de prisão do arguido foi vivida, quer pela companheira, emocional e economicamente dependente, quer pelos pais de forma dolorosa”; “em termos pessoais, o arguido revela bons recursos cognitivos”, “profissionalmente apresenta uma experiência profissional indiferenciada, ligada à atividade agrícola desenvolvida em épocas sazonais, sobretudo em ...e na zona de ..., e à venda de frutas no inverno”; “no Estabelecimento Prisional Regional de ...tem um comportamento controlado e ajustado, sendo sociável, não está submetido a nenhum tratamento médico, não tendo problemas relacionados com comportamentos aditivos.” E quanto ao “impacto da situação jurídico-penal”, que “em relação ao actual processo, o arguido dispõe de capacidades para avaliar as consequências do seu comportamento e revela-se preocupado com a evolução da situação jurídico-penal”.

14.2. No que respeita à pena parcelar aplicada neste processo (114/14.0JACBR):

O tribunal considerou a “informação social” junta aos autos da qual resulta que: “à data dos factos, AA residia com sua companheira em ..., num apartamento arrendado pelo pai dela”; “nessa época, encontrava-se na dependência do pai da companheira, dado o desenraizamento geográfico e ausência de rendimento próprios”; “em fase anterior, o condenado vivia em casa de seus pais, em ..., onde era essencialmente vendedor ambulante, junto com a família de origem, localidade onde se encontra actualmente, desde Abril de 2016”; “presentemente, reside com a companheira e um filho com oito meses, num espaço sem condições habitacionais, junto da sua família de origem”; “neste contexto vivencial, subsiste com uma prestação de R.S.I., no valor de € 376, subsídio familiar do menor de € 145, e um subsídio de formação do condenado”; “iniciou, em Setembro de 2017, curso de formação, que versa a aquisição de conhecimentos de matemática, português e noções básicas de informática, com vista a uma certificação facilitadora da procura/inserção no mercado de trabalho”, “formação [que lhe] foi proposta no âmbito das obrigações do R.S.I. e do Centro de Emprego da área de residência”; “ao nível familiar, a dinâmica vivenciada é descrita e avaliada, pelas instituições intervenientes, como gratificante e estabilizadora da sua conduta pessoal e social”; “no que respeita ao acompanhamento em curso no âmbito dos processos em apreço, tem decorrido dentro dum padrão expectável, com boa adesão do condenado aos objectivos propostos em sede de plano de reinserção social”; “do contacto com os O.P.C. do local de residência, AA não se encontra indiciado nem é indagado noutras investigações criminais em curso”; “do trajecto de vida de AA, salienta-se um indivíduo integrado no seu meio sócio comunitário, tendo este sido controlador do seu estilo de vida até à data dos factos”; “no entanto, após as condenações, regressou ao meio de origem, onde, até à presente data, não constam factores disruptivos do seu quotidiano”; “tem revelado adesão aos objectivos estabelecidos nos P.R.S. e na interacção com outras instituições intervenientes na sua organização pessoal e social”.

15. No sistema do Código Penal (artigo 77.º, n.º 2), a pena única corresponde a uma pena conjunta resultante da transformação das penas correspondentes aos crimes em concurso segundo um princípio de cúmulo jurídico, seguindo-se o procedimento normal de determinação e escolha das penas a partir das quais se obtém a moldura penal do concurso, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 77.º, para, a partir daí, se determinar a pena conjunta, seguindo os critérios da culpa e da prevenção (artigo 71.º do Código Penal) e o critério especial fixado na segunda parte do n.º 1 do artigo 77.º do Código Penal, segundo o qual na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, garantindo-se a observância do princípio da proibição da dupla valoração, de acordo com o qual não devem ser consideradas para determinar a medida da pena as circunstâncias que se incluem no tipo de crime para se estabelecer a moldura penal do facto.

Como se tem sublinhado na jurisprudência constante deste Supremo Tribunal, “com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente”. “Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso – Ac. deste Supremo e desta Secção de 06-02-2008, Proc. n.º 4454/07” (acórdão de 14.07.2016, Proc. 4403/00.2TDLSB.S1, rel. Cons. Pires da Graça, em www.dgsi.pt). Citando Figueiredo Dias(ob. cit., p. 291): «Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta». É, pois, o conjunto dos factos descritos na sentença que evidencia a gravidade do ilícito perpetrado, sendo decisiva, para a sua avaliação, a conexão e o tipo de conexão que se verifique entre os factos que constituem os tipos de ilícito em concurso. A determinação da pena do cúmulo exige um juízo de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do condenado (lê-se naquele mesmo acórdão de 14.7.2016).

Escreveu-se no acórdão de 17.06.2015 (proc. 488/11.4GALNH, rel Cons. Maia Costa, em www.dgsi.pt): “Como é sabido, a punição do concurso superveniente não constitui uma operação aritmética ou automática, antes exige um julgamento (artigo 472.º, n.º 1, do CPP), destinado a avaliar, em conjunto, os factos, na sua globalidade, e a personalidade do agente, conforme dispõe o artigo 77.º, n.º 1, do CP. O que vale por dizer, pois, que o julgamento do concurso de crimes constitui um novo julgamento, destinado a habilitar o tribunal a produzir um juízo autónomo relativamente aos produzidos nos julgamentos dos crimes singulares: agora aprecia-se a globalidade da conduta do agente. Esse juízo global exige uma fundamentação própria, quer em termos de direito, quer de facto (…) só ela, dando os contornos de cada crime integrante do concurso, pode informar sobre a ilicitude concreta dos crimes praticados (que a mera indicação dos dispositivos legais não revela), a homogeneidade da actuação do agente, a eventual interligação entre as diversas condutas, enfim, a forma como a personalidade deste se manifesta nas condutas praticadas”.

16. Nos termos do artigo 40.º do Código Penal, que dispõe sobre as finalidades das penas, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, devendo a sua determinação ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, de acordo com o disposto no artigo 71.º do mesmo diploma.

Encontra este regime os seus fundamentos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, segundo o qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. A restrição do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (artigo 27.º, n.º 2, da Constituição), submete-se, assim, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade – segundo o qual a pena privativa da liberdade se há-de revelar necessária aos fins visados, que não podem ser realizados por outros meios menos onerosos –, adequação – que implica que a pena deva ser o meio idóneo e adequado para a obtenção desses fins – e da proporcionalidade em sentido estrito – de acordo com o qual a pena deve ser encontrada na “justa medida”, impedindo-se, deste modo, que possa ser desproporcionada ou excessiva (cfr. CANOTILHO / VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, notas aos artigos 18.º e 27.º).

A projecção destes princípios no modelo de determinação da pena justifica-se pela necessidade de protecção dos bens jurídicos tutelados pelas normas incriminadoras violadas (finalidade de prevenção geral), em conformidade com um critério de proporcionalidade entre a gravidade da pena e a gravidade do facto praticado, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (artigos 40.º e 71.º do Código Penal). Na determinação da medida da pena, nos termos do artigo 71.º, devem ser levados em consideração as circunstâncias relacionadas com o facto ilícito típico praticado e com a personalidade do agente manifestada no facto (personalidade onde o facto radica e o fundamenta), relevantes para avaliar da medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, incluídas no denominado “tipo complexivo total” (na expressão de Figueiredo Dias, ob. cit., 2001, p. 234) e não fazendo parte do tipo de crime (proibição da dupla valoração), deponham a favor do agente ou contra ele.

Para a medida da gravidade da culpa há que, de acordo com o artigo 71.º, considerar os factores reveladores da censurabilidade manifestada no facto – nomeadamente, nos termos do n.º 2, os factores capazes de fornecer a medida da gravidade do tipo de ilícito objectivo e subjectivo – indicados na alínea a), primeira parte (grau de ilicitude do facto, modo de execução e gravidade das suas consequências), e na alínea b) (intensidade do dolo ou da negligência) – e os factores a que se referem a alínea c) (sentimentos manifestados no cometimento do crime e fins ou motivos que o determinaram) e a alínea a), parte final (grau de violação dos deveres impostos ao agente), bem como os factores atinentes ao agente, que têm que ver com a sua personalidade – factores indicados na alínea d) (condições pessoais e situação económica do agente), na alínea e) (conduta anterior e posterior ao facto) e na alínea f) (falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto). Na consideração das exigências de prevenção, destacam-se as circunstâncias relevantes por via da prevenção geral, traduzida na necessidade de protecção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, reafirmando a manutenção da confiança da comunidade na norma violada, e, sobretudo, de prevenção especial, que permitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento de novos crimes no futuro, e assim avaliar das necessidades de socialização, sendo que, na ponderação destas finalidades antagónicas, se deve, tando quanto possível, evitar que a aplicação da pena constitua um factor de dessocialização. Incluem-se aqui o comportamento anterior e posterior ao crime (alínea e), com destaque para os antecedentes criminais) e a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto (alínea f.). O comportamento do agente, a que se referem as circunstâncias das alíneas e) e f), adquire particular relevo para determinação da medida da pena em vista das exigências de prevenção especial (sobre estes pontos, para melhor aproximação metodológica na determinação do sentido e alcance da previsão do artigo 71.º do Código Penal, segue-se, em particular, Anabela Miranda Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Os Critérios da Culpa e da Prevenção, Coimbra Editora, 2014, pp. 611-678, em especial, e Figueiredo Dias, op. cit., pp. 232-357).

17. Como se viu, a pena única conjunta resulta de 6 penas aplicadas no processo 112/14.3GASPS, por acórdão datado de 20-03-2015, transitado em julgado no dia 28-04-2015, por factos praticados entre 28-03-2014 e 09-05-2014, que haviam formado uma pena única conjunta de 5 anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período de 5 anos, com regime de prova, e da pena de 1 ano e 9 meses de prisão aplicada neste processo (nº 114/14.0JACBR), por acórdão datado de 04-11-2016, transitado em julgado no dia 06-12-2016, por factos praticados no dia 25-03-2014, suspensa na sua execução por igual período de tempo, de 1 ano e 9 meses.

Resulta dos factos provados que os crimes foram, todos eles praticados num curto período de tempo, de cerca de um mês e meio, entre 25.03.2014 e 9.5.2014. O crime julgado neste processo (Proc. 114/14.0JACBR), sendo anterior, acresce aos seis crimes julgados no processo 112/14.3GASPS, adicionando-se, assim, três dias ao período de tempo então considerado, com início em 28.03.2014.

O modus operandi é idêntico em todos eles. O arguido AA e o co-arguido AA, como combinado entre eles, dirigiam-se de automóvel, por aquele conduzido, aos locais onde residiam as vítimas. O arguido AA permanecia no interior do veículo, atento aos movimentos que se fizessem sentir, para avisar o arguido ... e para iniciar de imediato a marcha mal este estivesse na posse das peças de ouro entregues pelas vítimas. Era o arguido ... quem abordava as vítimas, conversava com elas, e as levava a que passassem as peças de ouro para as suas mãos, convencidas, por este, de que eram para ser fotografadas, destinando-se as fotografias a ser exibidas em estabelecimento comercial que o mesmo dizia pretender abrir. Isto no que diz respeito aos crimes de burla. No caso do crime destes autos, o primeiro praticado, em vez de recorrer ao engano, o arguido ... recorreu à ameaça, obrigando a vítima a, assustada e com medo do que lhe pudesse acontecer, entregar-lhe os objectos.

As vítimas são pessoas muito idosas, a viver sozinhas, vulneráveis e de baixa escolaridade. Esta circunstância, que funciona como qualificativa do crime de burla qualificada (artigo 218.º, n.º 2, al. c), do Código Penal), só pode, todavia ser considerada no quadro das circunstâncias do crime de roubo, sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração (artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal).

Os objectos retirados às vítimas, de valor não concretamente determinado, eram, pelo menos, de €1.000, €500, €500, €1.000, €500, €2000 e €1.700, respectivamente, no total de, pelo menos, €7.200. Apesar de objectivamente reduzidos, correspondem a objectos em ouro, de particular significado e valor estimativo para os ofendidos, de fracos recursos económicos.

Os crimes foram cometidos durante o período em que o arguido, tendo deixado a localidade onde residia com a sua família de origem, em ..., com a idade de 21 anos, foi viver com a sua companheira em ..., num apartamento arrendado pelo pai desta, o co-arguido AA, do qual se encontrava dependente, sem rendimentos próprios.

Posteriormente regressou para junto da sua família de origem, em ..., onde reside com a sua companheira e um filho de ambos, de 8 meses (à data da informação). A dinâmica familiar é “gratificante e estabilizadora da sua conduta pessoal e social” e o arguido vem investindo na sua formação e valorização pessoal (supra, 14).

O arguido não voltou a cometer outros crimes, aderiu ao plano de reinserção social do regime de prova fixado na sentença de 20.3.2015, transitada em julgado em 28.4.2015, há mais de 3 anos e meio, e tem vindo a cumprir os deveres da suspensão da execução da pena e as obrigações de indemnização das vítimas dos crimes por que vem condenado no processo 112/14.3GASPS. Este quadro seria susceptível de determinar a extinção da pena de prisão suspensa aplicada neste processo em 4.11.2016, nos termos do artigo 57.º do CPP, terminado o período de suspensão, o que, sendo da competência do tribunal da condenação (artigos 470.º e 492.ºss do CPP), se encontra subtraído aos poderes de cognição do recurso.

Apesar de o cúmulo jurídico efectuado no processo 112/14.3GASPS ter sido anulado por virtude da necessidade de formar uma nova pena única incluindo a pena destes autos, não pode deixar de se atender às razões que levaram à suspensão de ambas as penas (como observa Simas Santos, em As penas em caso de concurso, Revista do CEJ, 13, 2010, pp. 115ss).

Diferentemente do que considera o acórdão recorrido, as condenações que o arguido “ostenta”, sendo as condenações que se referem aos crimes em concurso, não podem, por si só, ser consideradas a desfavor do arguido. Como correctamente aí se refere, não podendo, com base nestas condenações, poder concluir-se que os crimes praticados são reveladores de uma tendência radicando na personalidade, não deve ser-lhe atribuído efeito de agravação.

18. Aos crimes praticados corresponde a moldura de 2 anos e 8 meses, que é a pena parcelar mais grave, a 16 anos e 7 meses de prisão, que corresponde à soma das penas aplicadas.

Não se evidenciam outras circunstâncias que devam relevar como factores de agravação na determinação da pena, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal.

Assim sendo, vistos os factos praticados, no seu conjunto, e tendo em conta o reduzido grau de participação do arguido nesses factos, a circunstância de este se encontrar numa situação de dependência do co-arguido, limitando-se, no essencial, a transportá-lo aos locais onde foram praticados os crimes, o comportamento anterior e posterior aos crimes em concurso, cuja prática se concentrou num curto período de tempo, a circunstância de não estar demonstrado que os factos radicaram numa personalidade, ainda em formação à data dos factos, com tendência para o crime, antes se devendo compreender em circunstâncias específicas de relação com o co-arguido, que se extinguiram, bem como o comportamento do arguido após as condenações, em especial no sentido da reparação das vítimas, prosseguindo uma via de comportamento de acordo com o direito, sem cometer crimes, bem como as demais circunstâncias anteriormente referidas, julga-se adequado aplicar ao arguido a pena de 5 anos de prisão, a qual, num juízo de actualidade, se mostra proporcional à gravidade dos factos e às não elevadas exigências de prevenção, em particular, de prevenção especial.

19. Nos termos do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, o tribunal subordina a suspensão da execução da pena de prisão ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, devendo ser especificados na decisão condenatória os fundamentos da suspensão e das suas condições (n.º s 2 e 4). O período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão, de acordo com o n.º 5 do mesmo preceito, na redacção vigente à data da prática dos factos (redacção alterada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, segundo a qual o período de suspensão é fixado entre um e cinco anos).

De acordo com o artigo 53.º do Código Penal, o tribunal pode determinar que a suspensão seja acompanhada de regime de prova, se o considerar conveniente e adequado a promover a reintegração do condenado na sociedade, assente num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo de duração da suspensão, dos serviços de reinserção social, o qual é ordenado quando a pena de prisão cuja execução for suspensa tiver sido aplicada em medida superior a três anos (obrigatoriedade esta que, entretanto, foi eliminada com a alteração do preceito resultante da Lei 94/2017).

A suspensão da execução da pena de prisão pressupõe a formulação, no momento da decisão (como a jurisprudência e a doutrina têm sublinhado – por todos, o acórdão de 24.2.2010, proc. 141/08.6P6PRT.S1), de um fundado juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do arguido, com base nas circunstâncias relativas ao facto e às condições pessoais e à personalidade do agente, que permita concluir que, por esta via, se realizam as finalidades preventivas da punição, isto é, que o agente passará a conduzir a sua vida sem cometer novos crimes, o que deverá ser feito tendo em vista exclusivamente considerações de prevenção especial, pondo de parte considerações de prevenção geral (acórdão de 24.10.2006, proc. 07P3193).

Tendo em conta o anteriormente exposto (supra, 17) mostra-se fundado concluir que devem considerar-se presentes as condições de exigência requeridas quanto à suspensão de execução da pena de prisão. A matéria de facto dada como provada no que diz respeito às condições pessoais do arguido, à sua personalidade, à sua inserção social e familiar, às responsabilidades assumidas no âmbito da família, ao seu percurso pessoal após a prática dos crimes, afastando-se das circunstâncias de lugar e de relação com o co-arguido, ao comportamento anterior e, sobretudo, posterior aos crimes, justifica que se tenham por verificadas as bases necessárias para, não se lhe opondo razões preventivas de defesa do ordenamento jurídico, se poder formular um juízo de prognose que razoavelmente permite admitir, com a necessária segurança, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Considera-se, pois, que, tendo em vista a efectiva realização das finalidades da pena, se deve assegurar a intervenção penal através de uma pena de substituição, no sentido da continuação da estruturação do percurso de vida do arguido com respeito pelo direito e pelos valores fundamentais da vida em sociedade, criminalmente protegidos.

Neste sentido, deverá a suspensão continuar a ser acompanhada de regime de prova, por tal se mostrar necessário e adequado a promover e a consolidar a reintegração do arguido na sociedade, assente em plano de reinserção social executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, que deverá corresponder ao da medida da pena, descontado o tempo de cumprimento das penas anteriores, nos termos do artigo 81.º do Código Penal, a contar do trânsito em julgado do acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 15.3.2017. Para além disso, tal como propõe o Ministério Público na resposta ao recurso, deverá o arguido ficar sujeito aos deveres de reparação das vítimas, nos termos do disposto no artigo 51.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Assim, deve o arguido continuar sujeito à obrigação de pagar, trimestralmente, a quantia mínima de €150 euros, por depósito à ordem dos autos, para reparação das vítimas dos crimes do processo 112/14.3GASPS, nos termos fixados pelo acórdão da Relação de Coimbra de 15.3.2017 (supra, 7).

Ficará também o arguido sujeito à obrigação de, nos mesmos termos, pagar, trimestralmente, a quantia mínima de €150 para reparação da vítima do crime de roubo julgado neste processo (114/14.0JACBR), a qual, nos termos do artigo 82.º-A do CPP, se fixa em €1.800.

A obrigação de pagar estas importâncias, na sua integralidade, deverá ser satisfeita até ao termo do período da suspensão.

Nesta conformidade, deve o recurso ser julgado procedente.

Quanto a custas

20. Nos termos do disposto no artigo 513.º do CPP, que dispõe sobre a responsabilidade do arguido por custas, só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso. Dada a procedência do recurso, não há lugar ao pagamento de taxa de justiça.

III. Decisão

21. Pelo exposto, acordam os juízes na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso e, em consequência:

a)    Alterar o acórdão recorrido, condenando o arguido AA na pena única conjunta de 5 anos de prisão pela prática de 6 (seis) crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, als. b) e c), do Código Penal, julgados no processo n.º 112/14.3GASPS, e de 1 (um) crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, julgado neste processo n.º 114/14.0JACBR;

b)    Suspender a execução da pena de prisão por igual período de tempo, mediante regime de prova assente em plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio dos serviços de reinserção social, durante o tempo de duração da suspensão, descontado o tempo de cumprimento das penas parcelares anteriores, nos termos do artigo 81.º do Código Penal, a contar do trânsito em julgado do acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 15.3.2017, nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.º 1, 51.º, n.º 1, al. a), 53.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 54.º, n.ºs 1 e 3, do Código Penal;

c) Nos termos do disposto nos artigos 50.º, n.º 1, 51.º, n.º 1, al. a), e 54.º, n.º 3, do Código Penal, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão ao dever de continuar a pagar às vítimas dos crimes julgados no processo nº 112/14.3GASPS a reparação fixada no acórdão do tribunal da Relação de Coimbra de 15.3.2017, nos termos nele fixados, bem como ao dever de, nos mesmos termos, pagar, trimestralmente, a quantia mínima de €150 para reparação da vítima do crime de roubo julgado neste processo (114/14.0JACBR), a qual, nos termos do artigo 82-A do CPP, se fixa em €1.800, devendo o pagamento da totalidade destas quantias ser comprovado nos autos até ao termo do período de suspensão da execução da pena.

Sem custas.

Supremo Tribunal de Justiça, 21 de Novembro de 2018.