Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
700/10.7TBABF.E3.S1
Nº Convencional: 7.ª SECÇÃO
Relator: MANUEL CAPELO
Descritores: FRAUDE À LEI
REQUISITOS
DIREITO REAL DE HABITAÇÃO PERIÓDICA
ASSOCIAÇÃO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
NORMA IMPERATIVA
NULIDADE DO CONTRATO
REDUÇÃO DO NEGÓCIO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
REVISTA EXCECIONAL
Data do Acordão: 11/17/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela.

II - A fraude à lei, em face da inexistência no nosso ordenamento jurídico de regra de índole geral que trate o conceito (para lá das referências, entre outras, nos arts. 21.º, n.º 2, 330.º, n.º 1, 418.º e 2067.º todos do CC), obtém-se pela via da interpretação da lei e do negócio jurídico no sentido de as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis serem irrelevantes/ineficazes.

III - Na verificação da existência de fraude à lei exige-se, como requisitos, a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória e resultado que a lei proíbe, pela qual o fraudante procurou e obteve a modelação ilícita de uma situação coberta por esta segunda regra, não sendo exigível a alegação e prova de intenção fraudatória.

IV - Existe fraude à lei quando para evitar o cumprimento das exigências legais estabelecidas no regime do direito real de habitação periódica e no das cláusulas contratuais gerais, a ré celebra com os autores um contrato de adesão a uma associação e em que, como direito dos associados por força dessa adesão, passa a ser concedido o direito de utilização de determinadas suites em regime em tudo semelhante ao fixado no RGHP.

V - À fraude à lei, que determina por regra a nulidade total do contrato, não é aplicável o regime da redução do negócio jurídico previsto no art. 292.º do CC que tem como exigências, para lá de ter de ser solicitada a nulidade (ou a anulação) parcial do contrato e existir vontade das partes no tocante ao ponto de redução, a invocação e prova por parte do interessado na redução dos factos de onde decorra a natureza meramente parcial da invalidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



Relatório


AA e mulher BB, propuseram a presente ação declarativa, condenatória, sob a forma de processo ordinário, contra Pine Cliffs Golf & Country Club, pedindo que fossem os quatro Membership Application Form qualificados como contratos constitutivos de um direito de habitação turística e, em consequência:

- Fossem os contratos anuláveis nos termos do art. 48º Regime Jurídico da Habitação Periódica e, em consequência, a ré condenada a restituir-lhes as quantias respeitantes ao período de não utilização, ou seja, desde a anulação do contrato até dezembro de 2030, data em que terminariam os contratos; ou

- Fossem excluídas as cláusulas contratuais gerais nos termos do art. 8º a) e 8 d) do CCG e, em consequência, os contratos declarados nulos nos termos do art. 9º n.º 2 das CCG e a ré condenada a restituir-lhes as quantias que respeitam ao período de não utilização, ou seja, desde a declaração de nulidade até dezembro de 2030, data em que terminariam os contratos; ou subsidiariamente

- Fosse a cláusula 28 das “Normas do Clube e as Condições de Uso” declarada nula nos termos dos art. 12º, 15º e 22º n.1 c) das CCG e, em consequência, os contratos declarados nulos nos termos do art. 13º n.º 1 das CCG e o R. condenado a restituir-lhes as quantias que respeitam ao período de não utilização, ou seja, desde a declaração de nulidade dos contratos até dezembro de 2030, data em que terminariam os contratos.

Para tanto, alegaram que, tendo a ré cedido a utilização de 4 suites de golfe, durante o prazo de 30 anos, mediante o pagamento do preço no valor total de 18.295.726$00, equivalente a € 91.259,00 as cláusulas que os vinculam foram elaboradas antecipadamente, sem prévia discussão e acordo por parte dos autores, além de terem sido só posteriormente comunicadas e ainda alteradas unilateralmente. Sustentaram que o contrato estará sujeito ao regime dos direitos de habitação turística, fundando-se o pedido primeiro nessa subsunção.

A ré contestou, alegando que os autores não adquiriram qualquer direito de habitação, mas sim, o direito a pertencerem a uma associação e, consequentemente, serem membros de um Clube de Golfe – neste caso, a ré – o que os autores conheciam, vindo só decorridos 10 anos sobre a vinculação invocar os vícios que apontaram. Concluiu no sentido de que fosse a ação considerada totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolvida de todos os pedidos formulados pelos autores:

(i) Quer pela não aplicação do Regime dos Direitos de Habitação Periódica ou do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais; ou, ainda

(ii) Que fossem aplicados tais regimes, pela inexistência de qualquer nulidade ou anulabilidade que possa afetar todo o conteúdo do vínculo jurídico entre as partes; ou, ainda, pela impossibilidade de restituição da joia paga pelos autores à ré, por a mesma não corresponder ao pagamento de direitos de habitação periódica.

Caso assim não se entendesse, subsidiariamente, fosse a exceção perentória de abuso direito considerada procedente.

Os autores replicaram e concluíram no sentido de a exceção perentória de abuso de direito improceder e o seu pedido proceder por provado, sendo os contratos declarados nulos nos termos dos art. 280º e 294º, ambos do Código Civil, e, em consequência, ser a ré condenada a restituir-lhes as quantias que respeitam ao período de não utilização, ou seja, desde a nulidade do contrato até dezembro de 2030, data em que terminariam os contratos.

Procedeu-se a audiência e foi proferida sentença na qual se decidiu:

a) Declarar a nulidade do contrato que vincula os autores, AA e mulher BB, e a ré Pine Cliffs Golf & Country Club por via da nulidade

i) da cl. 25.ª e sua concretização que consistiu na diminuição de alojamentos alocados ao sistema de “membership” e

ii) da cláusula 24.º das Regras e Condições de Utilização do Clube (na redação em vigor em março de 2000), na parte em que permite que a ré determine, em cada ano, unilateralmente qual a taxa anual de manutenção devida pelos autores, exceção feita à atualização por via da inflação;

b) Condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 45.629,50 (quarenta e cinco mil seiscentos e vinte e nove euros e cinquenta cêntimos), correspondente à quantia paga referente à utilização do alojamento e afins de que os autores não usufruirão, quantia acrescida de juros legais desde a notificação da sentença até integral e efetivo pagamento.

Dessa sentença foi interposto recurso tendo Tribunal da Relação ….. deliberado:

- a alteração dos nºs 36 e 38 dos factos provados nos moldes supra enunciados

- a revogação da decisão recorrida, absolvendo-se a Recorrente dos pedidos de declaração de nulidade do contrato à luz da LCCG e consequente restituição monetária;

- a anulação da decisão recorrida determinando-se a instrução sobre a matéria de facto invocada pelas partes na sequência da ampliação deduzida na réplica, seguindo-se a prolação de decisão que contemple o conhecimento das pertinentes questões.

Foi, entretanto, interposto recurso para o Supremo Tribunal de Justiça cujo acórdão negou a revista.

Instruídos de novo os autos em primeira instância veio a ser proferida sentença que:

a) Declarou a nulidade do contrato que vincula os autores AA e mulher BB e a ré Pine Cliffs Golf & Country Club por via da nulidade

i. da cl. 25.ª e sua concretização que consistiu na diminuição de alojamentos alocados ao sistema de “membership” e

ii. da cláusula 24.º das Regras e Condições de Utilização do Clube (na redação em vigor em março de 2000), na parte em que permite que a ré determine, em cada ano, unilateralmente qual a taxa anual de manutenção devida pelos autores, exceção feita à atualização por via da inflação;

b) Condenar a ré a pagar aos autores a quantia de € 30.419,67 (trinta mil quatrocentos e dezanove euros e sessenta e sete cêntimos), correspondente à quantia paga referente à utilização do alojamento e afins de que os autores não usufruirão, quantia acrescida de juros legais desde a notificação da sentença até integral e efetivo pagamento.

Desta decisão interpôs a ré apelação em cujo acórdão foi negada a procedência do recurso e confirmada a decisão recorrida.

A ré recorreu através de revista excecional concluindo, para lá das razões de admissibilidade da revista, quanto ao mérito que:

“ V. Justificada a interposição do Recurso de Revista excecional, no âmbito das alíneas a) e c), do artigo 672.º, do CPC, importa agora demonstrar a não conformação da Ré/Recorrente com a decisão proferida pelo Tribunal a quo, não apenas pelo facto de não ter sido tido em conta a análise do elemento subjetivo como fator preponderante para uma possível aplicação do instituto da fraude à lei (além do elemento subjetivo não estar cumprido, também não está cumprido o elemento objetivo), nem a possibilidade de aplicação do instituto da redução do negócio jurídico em caso de declaração de nulidade das Cláusulas 24.ª e 25.ª.

W. Como resulta dos factos vertidos nos pontos 1 a 6 da matéria dada por provada, a Ré/Recorrente é uma associação sem fins lucrativos, que tem por objeto incrementar o espírito e a prática do desporto em geral e do golfe em particular, fomentar a convivência social e desportiva entre os seus associados, promover e organizar torneios desportivos. No cumprimento do seu objeto associativo, a 16 de setembro de 1997, foi confirmada a filiação da Ré/Recorrente na Federação Portuguesa de Golfe.

X. No âmbito da prossecução da sua atividade associativa, a Ré/Recorrente atribui variados benefícios e regalias aos seus associados, tal como resulta dos factos vertidos nos pontos 26 a 29 da matéria dada por provada, que têm vindo a ser amplamente aumentados ao longo dos anos, com celebração de novas parcerias e protocolos com entidades externas, na região do Algarve e noutras regiões do país.

Y. Foi nesta premissa que os Autores/Recorridos utilizaram e beneficiaram das condições associadas à subscrição de Membership, por mais de 10 anos, tendo apenas optado por invocar a nulidade do mesmo (e alegada fraude à lei) largos anos depois, tal como resulta igualmente provado nos artigos 11.º a 13.º, 23.º, 41.º da matéria dada por provada.

Z. Salvo melhor opinião, é a partir deste facto primordial que o Tribunal a quo deveria ter interpretado o contrato de adesão/subscrição de Membership, bem como as expressões utilizadas no contexto e nas circunstâncias em que foram redigidas no documento de subscrição de Membership, sempre tendo por referência o fim da Ré/Recorrente – o que não aconteceu.

AA. O Tribunal a quo não levou a cabo uma interpretação que tenha levado em conta, cumulativamente os elementos textuais e extratextuais da subscrição do Membership, nem analisou o parâmetro subjetivo da relação mantida entre os Autores/Recorridos e Ré/Recorrente e do que a Ré/Recorrente pretendia com a preparação da subscrição de Membership, que era o cumprimento e prossecução do seu objeto associativo.

BB. Se o Tribunal a quo tivesse levado a cabo uma interpretação do contrato de Membership nos termos acima mencionados teria proferido diferente decisão final, até porque a subscrição do Membership está integrada no objeto associativo da Ré/Recorrente, encontrando-se cumprido o princípio da especialidade, consagrado no artigo 160.º do Código Civil.

CC. No que concerne à decisão a proferir, estando vedada a análise sob a génese de outros diplomas legais, o Tribunal a quo apenas enveredou pela análise do regime aplicável ao instituto da fraude à lei, previsto nos termos dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil.

DD. Como já referido, para que seja admissível a existência de fraude à lei é necessário que se cumpram cumulativamente o elemento objetivo e o elemento subjetivo necessários para se verificar pela aplicação daquele instituto; mas o Tribunal a quo determinou pela desnecessidade de cumprimento do elemento subjetivo, não tendo analisado o seu conteúdo, nem subsumido os factos dados por provados aos ditos elementos – quando o deveria ter feito, visto que a fraude à lei só existe com a verificação cumulativa do elemento subjetivo e do elemento objetivo.

EE. Do que resulta do Acórdão recorrido, não existe qualquer facto dado como provado ou convicção devidamente fundamentada e com suporte probatório que determine que a Ré/Recorrente tenha demonstrado qualquer intuito de engano e criação de convicção junto dos Autores/Recorridos de que estariam a adquirir um direito de habitação, não só porque nunca foi essa a intenção da Ré/Recorrente, nem tão-pouco será possível criar a convicção em alguém de algo que não pode ser aplicado ao caso concreto – não estando, assim, cumprido o elemento subjetivo do instituto da fraude à lei.

FF. Além de disso, nem sequer referiu o Tribunal a quo qual a norma que a Ré/Recorrente pretendia defraudar, ou sequer onde se consubstanciou a intenção defraudante – não estando, assim, respetivamente, cumpridos os elementos objetivo e subjetivo do instituto da fraude à lei.

GG. Reitera-se que a Ré/Recorrente não evitou a aplicação de regras que visam a proteção do consumidor com a sua constituição como associação, nem tão pouco teve no seu íntimo a intenção de evitar a aplicação do RJHP e/ou do RCCG, dado que tais regimes pura e simplesmente não se aplicam ao caso concreto, para que a Ré/Recorrente pudesse ter tentado fugir à sua aplicação.

HH. O contrato que a Recorrente celebrou com os Recorridos foi um mero negócio jurídico unilateral em que os Recorridos aderiram à Recorrente, passando a beneficiar de todas as vantagens e regalias de um associado da Recorrente, sem qualquer intenção de defraudar a lei, nem criou no seu íntimo qualquer convicção que fizesse acreditar que estavam perante a existência de um direito de habitação periódica.

II. Os Autores/Recorridos sabiam que estavam a inscrever-se num Clube de Golfe, ou seja, numa associação, tendo adquirido o título de membros e usufruíram das vantagens e benefícios associados àquele estatuto, por mais de 15 (quinze) anos – cinco deles depois de instaurarem a presente ação judicial.

JJ. Na fase pré-contratual e contratual, a Ré/Recorrente informou os Autores/Recorridos das regalias associadas à qualidade de associado da Recorrente, em particular, da possibilidade de utilizarem uma semana de férias por ano, com direito a estadia, mas também a todas as regalias associadas à sua qualidade de membros, tal como a utilização de todas as facilidades associadas ao golfe, a descontos em produtos e serviços, e às instalações do Clube. E foi nessa sequência que os Autores/Recorridos tomaram a decisão de aderir ao “Membership” da Ré/Recorrente, sendo irrelevante analisar as razões pelas quais pretendiam aderir a tal Clube de Golfe, até porque a razão subjacente às escolhas dos Autores/Recorridos não é importante para a análise do instituto da fraude à lei (quer da parte dos Autores, e muito menos da parte da Ré/Recorrente).

KK. Também o elemento objetivo não está cumprido: para que seja possível a existência de fraude à lei, é necessário que se utilize uma regra jurídica com a finalidade de assegurar o resultado que a norma defraudada não permite.

LL. A Recorrente é uma associação sem fins lucrativos, com fins relacionados com a prática desportiva e do golfe e atribui aos seus associados variados benefícios, mediante a subscrição do Membership (dentro das quais se insere a possibilidade de reservar uma das semanas que lhes são disponibilizadas, dentro do tipo de Membership que adquiriram, mas apenas se houver disponibilidade de reserva dessas semanas).

MM. Os Autores/Recorridos, que não usufruíam apenas do alojamento, mas de todas as outras facilidades concedidas pelo Clube da Ré Recorrente, como se retira dos artigos 23º e 41º dos factos provados.

NN. O Membership é, pois, totalmente diferente de um direito de habitação periódica (nem a qualquer tipo de contrato análogo), não existindo qualquer norma tenha sido defraudada – não só porque o regime não se aplica, mas porque a utilização das Suites de Golfe não é um direito de habitação periódica, nem se aplica qualquer regime análogo, para que se pudesse afirmar que a Ré/Recorrente pretendia esquivar-se à sua aplicação – a Ré/Recorrente atribuiu uma regalia aos seus associados, no âmbito da subscrição de um Membership, no qual estão integrados muitos outros benefícios e regalias.

OO. Como tal, não existe qualquer base factual e de cariz intencional, para que se determine pela aplicação do instituto da fraude à lei, nos termos em que o fez o Tribunal a quo.

PP. Em concreto, o Acórdão recorrido determinou a aplicação do instituto da fraude à lei ao contrato, por referência à nulidade das cláusulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições do Clube.

QQ. Em primeiro lugar, as Cláusulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube nunca poderiam, em circunstância alguma ser determinadas como nulas, por violarem as disposições legais constantes do RJHP, nem do RCCG – tendo em conta que tais diplomas não são aplicáveis ao caso sub judice.

RR. Além disso, também não o poderão ser por referência à aplicação do instituto da fraude à lei; porém, a Ré/Recorrente, à cautela, não quer deixar de se debruçar sobre o conteúdo das Cláusulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, por forma a ficar absolutamente claro ao Tribunal ad quem que do seu conteúdo não resulta a materialização de disposições contratuais que podem ser subsumidas no âmbito do instituto da fraude à lei.

SS. A Ré/Recorrente nunca teve qualquer intenção fraudatória quando determinou a redação de tais cláusulas e, como tal, não está cumprido o elemento subjetivo inerente ao instituto da fraude à lei.

TT. Com a subscrição do Membership por parte dos seus associados, a Ré/Recorrente prevê a atribuição de inúmeros benefícios e regalias derivadas do escopo da associação, a que estão associadas determinadas obrigações a serem cumpridas pelos associados – uma delas o pagamento de taxa de adesão e de taxa anual.

UU. De acordo com a cláusula 24.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, o  valor da quota anual pode ser aumentado, mas deve salientar-se que tal aumento sempre foi feito dentro de um padrão normal - tendo em conta as obras de manutenção, de novas construções, que refletiram, desde o ano de 2000, em despesas de milhões de euros, bem como os restantes custos e despesas suportadas pela Ré/Recorrente ao longo dos anos, associadas a um aumento da taxa de inflação -, que não deve ser considerado como atentatório dos direitos dos Autores/Recorridos e dos restantes membros da Ré/Recorrente.

Além de que, a Ré/Recorrente criou, no ano de 2011, o Membership Consulting Commitee, tendo como finalidade o apoio junto de cada um dos membros da Ré/Recorrente, relativamente a questões relacionadas com gestão e funcionamento, servindo também para reunir a opinião dos membros acerca de medidas e orçamentos a serem aprovados e transmiti-la à Ré/Recorrente.

VV. Já a cláusula 25.ª determina que a Ré/Recorrente tem o direito de alterar, ocasionalmente, as presentes Regras e Condições de Utilização do Clube às quais os membros estão vinculados.

WW. Mas não resulta provado, seja na factualidade dada por provada, seja na fundamentação do Tribunal a quo que existiu algum tipo de prejuízo/dano para os Autores/Recorridos em relação à utilização dos benefícios concedidos pela Ré/Recorrente, antes ou depois de qualquer alteração às Regras e Condições de Utilização do Clube;

XX. Até porque os Autores/Recorridos nunca deixaram de conseguir utilizar as facilidades/regalias da associação, seja em relação à utilização das Suites Golfe nas semanas pretendidas no período contratado, pois sempre reservaram as semanas que pretenderam, seja em relação a quaisquer outros benefícios, desde a data em que adquiriram os seus “Memberships” em 2000, até ao ano de 2015. As redações das cláusulas em apreço não consubstanciam, de forma alguma, qualquer situação material que integre o instituto da fraude à lei. Além de não existir intenção fraudulenta da Ré/Recorrente, também não existe cumprimento do dito elemento objetivo, uma vez que a Ré/Recorrente não utilizou nenhuma regra jurídica com a finalidade de assegurar determinado resultado que uma alegada norma defraudada não permite.

YY. O Acórdão recorrido não determina qual seria a norma alegadamente utilizada para se obter um determinado resultado que uma alegada norma defraudada não permite. Em boa verdade, a aplicação do instituto da fraude à lei depende da concretização de várias condicionantes e requisitos, conforme o que resulta exposto, mas que no caso sub judice não estão concretizadas, tendo em conta que o Tribunal a quo não especificou

(i)a alegada regra jurídica utilizada com a finalidade de assegurar determinado resultado;

(ii) o alegado resultado pretendido e obtido (e proibido por norma, agora defraudada); e (iii) a alegada norma defraudada.

ZZ. Além de que os Autores/Recorridos tinham pleno conhecimento das obrigações assumidas, bem como todos os termos e condições aplicáveis à condição de associado da Ré/Recorrente, tal como resulta provado nos termos dos artigos 11.º a 13.º da matéria dada por provada, e usufruíram dos benefícios que lhe eram concedidos por via de tal Membership - até ao ano de 2010 utilizaram o campo de golfe do Pine Cliffs Resort, beneficiando do desconto no green fee e, desde 2005 e até 2015, utilizaram as suites de golfe.

AAA. Como tal, não se pode admitir a aplicação do instituto da fraude à lei, por via dos artigos 280.º e 294.º do Código Civil, em particular, às cláusulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube Razão pela qual, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que conduza a um maior equilíbrio das prestações e que, salvo melhor opinião, coincidirá com aquela que tem vindo a ser sustentada pela Recorrente nos autos.

BBB. Ainda que assim não se entenda, caso o Tribunal ad quem perfilhe a posição de que as Cláusulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube padecem de nulidade ao abrigo do instituto da fraude à lei sempre se dirá que tais cláusulas devem ser expurgadas do contrato de adesão, mantendo-se as restantes válidas e em vigor, por via da aplicação do disposto no artigo 292.º do Código Civil.

CCC. Para a aplicação de tal instituto, será necessário que se verifique os seguintes pressupostos seguintes: (i) que se trate de uma nulidade parcial e (ii) que falte a prova de que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.

DDD. É entendimento jurisprudencial e doutrinário sedimentado que o contraente que pretender a declaração da invalidade ou ineficácia total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento da celebração do negócio jurídico, era a de não celebração do negócio, se soubessem/previssem que o negócio em si poderia não ser válido na sua totalidade, sob pena da sua redução, se a invalidade afetar apenas uma parte do mesmo.

EEE. Analisada a factualidade carreada para os autos – e dada por provada no Acórdão recorrido – (i) não ficou provado que as partes, se tivessem previsto a nulidade, prefeririam não realizar qualquer negócio; (ii) as partes, provavelmente, sempre teriam aderido ao Membership, na parte não diretamente atingida pela invalidade (até porque os Autores/Recorridos continuaram a usufruir das regalias associadas ao Membership, mesmo depois de instaurarem a presente ação judicial e não houve qualquer alteração às regalias associadas que determinasse o impedimento ou dificultassem a sua utilização); e (iii) os Autores/Recorridos não provaram que a sua vontade hipotética era a de não subscreverem o Membership se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade.

FFF. Sem prova ou em caso de dúvida, a invalidade parcial não determina a invalidade total, mas antes a expurgação das cláusulas declaradas nulas, isto por ser princípio subjacente à redução do negócio jurídico o princípio da conservação dos negócios jurídicos (favor negotii) com expurgação da parte viciada.

GGG. Neste contexto cabendo aplicar analogicamente os princípios da redução constantes do artigo 292.º do Código Civil, o Tribunal a quo deveria, por aplicação do princípio da conservação e da proporcionalidade, ter aplicado o instituto da redução do negócio jurídico, e não a invalidade total do mesmo, por via de decisão de nulidade do contrato Membership.

HHH. Razão pela qual, deve a decisão proferida pelo Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que conduza à aplicação da redução do contrato de Membership, com a expurgação das cláusulas declaradas nulas e a manutenção do contrato em tudo o que não tenha sido declarado nulo.”

… …

Nas contra-alegações a ré defende a confirmação da decisão recorrida e improcedência da revista, designadamente por:

“O conceito de negócio em fraude à lei não exige a consciência nem a intenção de

defraudar uma lei e, bem assim, de prosseguir um resultado ilícito.

A Jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores vai no sentido de que “na questão da fraude à lei, o que decisivamente releva, em termos de ilicitude e consequente nulidade do negócio, mais do que a intenção dos contraentes, é o resultado obtido”

Deste modo, Recorridos entendem que o Acórdão Recorrido não merece qualquer censura, orientando-se por uma conceção objetivista do instituto da fraude à lei, focado no resultado obtido e dando-o por verificado.

Contrariamente ao defendido pela Recorrente, estão bem explícitas no Acórdão Recorrido as normas jurídicas defraudadas, que constituem os limites imperativamente impostos pelo “núcleo intangível do ordenamento jurídico” que devem imperar em detrimento à vontade dos sujeitos.

OO. A factualidade provada nos autos, nomeadamente, mas não apenas o constante dos factos provados números 43º, 44º, 46º, 47º, 48º, 49º, 50º, 51º, 52º, 53º e 54º é bem ilustrativa da verificação do elemento objetivo da fraude à lei.

PP. Sendo que foram defraudadas normas jurídicas e deveres como (i) dever de celebração do contrato por escritura pública nos moldes estatuídos no art.º 6.º/1 e 2 do DL n.º 275/93, na versão então vigente; (ii) o dever de instruir a constituição do direito com certidão da qual devem constar todos os elementos enunciados no art.º 5.º n.º do citado DL, na redação então vigente, certidão essa que faz parte integrante do título – cfr. art.6.º/2 do DL n.º 275/93, na versão então vigente; (iii) o dever de informação pré- contratual nos moldes definidos no art. 9.º do DL n.º 275/93, na versão então vigente; (iv) o dever de informação sobre o direito de resolução do contrato previsto no art. 48.º/3/al. a) do DL n.º 275/93, na versão então vigente; (v) proibição de previsão da alteração unilateral das regras que regulam a relação dos AA com a R, relevante em face do disposto nos arts. 12.º/ 2 e 22.º/1/ al. a) do RCCG; (vi) a proibição de fixação de taxa mensal de juros de mora desproporcionada à luz do art. 19.º/al. c) do RCCG.

Houve efetivamente uma intenção fraudatória de enganar ou criar a convicção junto dos Recorridos AA. e demais membros de que estariam a adquirir um direito de habitação.

A ilicitude do negócio em fraude à lei desencadeia, em regra, a respetiva invalidade, sendo que o desvalor jurídico concretamente aplicável ao negócio em fraude à lei é a nulidade, tratando-se de uma invalidade que atinge e se projeta na operação negocial, na sua globalidade.

Não cabe admitir, em matéria de negócio em fraude à lei, a aplicabilidade da ressalva prevista pela segunda parte do artigo 294.º, a saber, a existência de outra solução (especial) resultante da lei. Não há, assim, que admitir uma invalidade parcial, em termos que conduza ao aproveitamento de um ou mais negócios isolados integrados na operação negocial, por via, v.g., da respetiva redução.

… ..

A revista excecional foi admitida por acórdão da Formação a que alude o art. 672 nº 3 do CPC.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

… …

Fundamentação

Está provado que:

1. Mediante escritura pública outorgada a 11 de julho de 1997, no … Cartório Notarial ….., foi constituída a associação ré Pine Cliffs Golf & Country Club, sem fins lucrativos, tendo por objeto: a) incrementar o espírito e a prática do desporto em geral e do golfe em particular; b) fomentar a convivência social e desportiva entre os seus associados; c) promover e organizar torneios desportivos (alínea A) da factualidade assente) – fls. 393.6; só os sócios efetivos (que não são os titulares de direitos adquiridos como os autores) têm direito de voto nas assembleias (arts. 3.º e 5.º do documento complementar – fls. 393.10 a 393.12; os estatutos da associação foram alterados no dia 3 de março de 2015, resultando que a “UIP” é considerada como associada efetiva da ré, a qual tem, por sua vez, como Presidente e Vice-Presidente do Conselho de administração e vogal CC, DD e EE, respetivamente, também sócios efetivos da ré – fls. 814/817. A ré não tem quaisquer trabalhadores/prestadores de serviços (art. 5.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo Civil).

2. Mediante carta datada de 16 de setembro de 1997, a Federação Portuguesa de Golfe comunicou à ré ter sido formalizada a sua filiação naquela Federação (alínea B) da factualidade assente) - fls. 74.

3. Nos termos do artigo quarto dos estatutos da ré Pine Cliffs Golf & Country Club “1 – A Direção ficará responsável pela receção de propostas de novos sócios, que poderão ser pessoas singulares ou coletivas. O processo inicia-se com a entrega nos escritórios do CLUBE do impresso de Candidatura de Admissão, devidamente preenchido pela entidade candidata. 2 – Após a análise da proposta, será proferida decisão final pela Direção. No caso dos sócios efetivos e extraordinários, a Direção estabelecerá regras quanto à sua respetiva admissão e categoria, bem como os montantes financeiros a liquidar, podendo delegar poderes num dos membros da Direção para decisão final, da qual jamais caberá recurso. (...)”.

4. Nos termos do artigo quinto dos estatutos da ré, “(...) 3 – Os sócios do CLUBE poderão participar em todas as atividades desportivas promovidas pelo CLUBE, bem como utilizar todas as instalações desportivas, existentes ou a criar, nomeadamente, campos de golfe, desde que paguem as taxas de utilização das instalações desportivas e sociais do CLUBE e mantenham atualizadas as quotas, as taxas e outros encargos definidos periodicamente pela Direção do CLUBE. 4 – Os sócios do CLUBE poderão ainda utilizar as instalações desportivas e sociais de outros clubes ou entidades com os quais o CLUBE tenha acordos nesse sentido e nas condições particulares estabelecidas para o efeito, que serão periodicamente comunicadas pela Direção aos sócios.” (alínea D) da factualidade assente).

5. A Ré Pine Cliffs Golf & Country Club criou um clube de golfe registado e reconhecido pela Federação Portuguesa de Golfe (alínea E) da factualidade assente) – fls. 74/79.

6. A Ré celebrou um acordo com a United Investments (Portugal) Empreendimentos Turísticos, SA, no âmbito do qual esta última declarou ter celebrado dois contratos com a Ré Pine Cliffs Golf & Country Club, de forma a proporcionar aos seus membros todas as suas infraestruturas, em conformidade com os formulários de pedido de adesão e as normas do clube e condições de utilização, abrangendo o fornecimento de alojamento – 78 suites de golfe (alínea F) da factualidade assente) – fls. 186/266.

7. A United Investments (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, SA é a titular e promotora do empreendimento turístico Resort Pinhal do Concelho, conhecido como Pine Cliffs, que inclui um hotel de cinco estrelas, Sheraton Algarve Hotel e Resort Pine Cliffs, Aldeia Turística de Luxo Pine Cliffs, um Club House e várias lojas, um campo de golfe de nove buracos, uma academia de golfe e outros complexos de lazer (alínea G) da factualidade assente).

8- No dia 19 de março de 2000, os autores reuniram com a empregada da “UIP”, FF (art. 3.º da base instrutória)

9. Nessa data, os autores efetuaram uma visita guiada à suite de golfe modelo (art. 4.º da base instrutória)

10. Na mesma ocasião, os autores discutiram os valores das semanas a adquirir (art. 5.º da base instrutória)

11. No dia 19 de março de 2000, os autores, AA e mulher, BB, e a ré subscreveram quatro documentos denominados “Membership Application Form”, em cujos anexos se prevê a ocupação de quatro suites de golfe pelos autores, durante 7 noites por ano, pelo período de trinta anos, mediante o pagamento do preço global do equivalente a € 91.259 (alínea H) da factualidade assente) – fls. 128/132; 350/358.

12. Dos mesmos anexos constam as seguintes menções: “Número de anos de adesão para empresa de trocas de férias incluídos na Taxa de Adesão: quatro anos de adesão gratuitos para o Resorts Condominium International”; “Outras condições ou benefícios: isento de quota anual de adesão para o ano de 2000”; “Membros de família adicionais a quem deverão ser entregues cartões de membros, usando o mesmo número de adesão e a serem utilizados durante o período de ocupação. Tal não confere qualquer direito de ocupação adicional. Apenas para membros júnior e membros imediatos da família” (alínea I) da factualidade assente).

13. Nos documentos identificados é referido, para além do mais, o seguinte:

“2. Acordo Eu/Nós, com idade superior a 18 anos, aceito/aceitamos ficar vinculado(s) aos termos constantes da Ficha de Inscrição, das Normas do Clube e Condições de Utilização, da Quota Anual de Membros e dos Estatutos do Clube, dos quais Eu/Nós recebi/recebemos uma cópia. (...)

3.5. Eu/Nós comprometo-me/comprometemo-nos a pagar a Quota anual de Adesão para o ano de 2001 que perfará o montante total de 113.850$00 Escudos, incluindo IVA em vigor para o ano de 2000, nos termos da Regra 25, no prazo de trinta (30) dias a contar da data da emissão da fartura pelo Clube. (...)

6.1. Após o pagamento da totalidade da Taxa de Adesão, tornar-se-á Membro do Clube. A Taxa de Adesão é a contrapartida do direito a alojamento numa Golfe Suite durante um período de trinta anos, em conformidade com a presente Ficha de Inscrição e com as Normas do Clube e Condições de Utilização. 6.2. As Normas do Clube e Condições de Utilização vigoram a partir desta data.” (alínea J) da factualidade assente) – fls. 360 e ss.

14. No mesmo dia 19 de março, os autores pagaram à ré, por conta do preço aí referido, o montante equivalente a € 13.766,82 (alínea L) da factualidade assente) e o remanescente do preço a que se alude em 11) foi pago pelos autores em vinte prestações quadrimestrais, até ao dia 19 de março de 2005, no valor de € 3.874,59 cada uma (alínea M) da factualidade assente) – fls. 25/127. Os autores têm pago as taxas de manutenção anuais faturadas pela “UIP” assim como tem sido a “UIP” a faturar os consumos associados – fls. 950 e ss.

15. Na sequência da subscrição dos documentos mencionados, foram emitidos quatro certificados de membro do clube, com os números 001903/01 (fls. 231), 001903/02 (fls. 233), 001903/03 (fls. 236) e 001903/04 (fls. 239), nos quais se refere, para além do mais, que os Autores são membros do Clube, “tendo pago na totalidade a Taxa de Adesão e sob reserva da Ficha de Inscrição, das Normas do Clube e Condições de Utilização e dos Estatutos, têm o Direito de Utilização e Ocupação de uma Golfe Suite, nas seguintes condições: (...) Categoria de membro: Ouro [Prata, no caso dos dois últimos certificados mencionados]; Tipo de Golfe Suite: Dois Quartos; Número total de Noites de Ocupação por Ano: Sete; Data do Primeiro Direito de Ocupação da Golfe Suite: Maio/2000 [Março/2000, no caso dos dois últimos certificados mencionados]; Número máximo permitido de pessoas por Golfe Suite: Seis; Data de termo: Final de Dezembro/2030 [Novembro/2030, no caso dos dois últimos certificados mencionados] ” (alínea N) da factualidade assente) – fls. 231/233/236/239.

16. A atribuição da categoria de membro – platina, ouro, prata ou bronze – estabelecia, de antemão, o período anual a que se reportava a utilização das suites pelos adquirentes (alínea O) da factualidade assente) – cl. 11 da versão em vigor em 15 de março de 2000 (fls. 186 e 200; em 2006, verificou-se uma alteração dos períodos, passando a haver o período “prata” (1.ª -10.ª; 44.ª-51.ª semanas do ano), “ouro (11.º-26.º; 36.º-43.ª; 52.ª semanas do ano) e “platina” (27.ª-35.ª semanas do ano) - fls. 290 quanto ao ano de 2009.

17. Nem o documento intitulado “Membership Application Form” nem o documento que regula as Normas do Clube e Condições de Uso contêm:

a) a identificação do empreendimento com menção do número da descrição do prédio na Conservatória do Registo Predial;

b) a indicação dos ónus ou encargos existentes;

c) o valor relativo do direito adquirido pelos Autores;

d) a descrição dos móveis e utensílios que fazem parte da unidade de alojamento;

e) a indicação das garantias que o proprietário/vendedor das unidades de alojamento deve prestar a favor do adquirente;

f) a indicação de que o direito a que se refere o contrato não constitui um direito real;

g) o documento informativo com descrição detalhada do contrato e empreendimento turístico;

h) a menção de que o adquirente tem o direito de resolver o contrato, sem indicação do motivo, no prazo de 10 dias úteis (alínea P da factualidade assente).

18. Todos os documentos entregues aos autores encontram-se redigidos em inglês (alínea Q) da factualidade assente).

19. O autor AA é nacional da Noruega e a autora BB é nacional dos Estados Unidos da América (alínea R) da factualidade assente). Ambos compreendem a língua inglesa (art. 17.º da base instrutória), sendo que o contacto inicial com a ré decorreu em inglês (art. 16.º da base instrutória)

20. Na reunião a que se alude supra, os autores foram informados da forma de utilização das semanas por si, pelos seus familiares e amigos, dos valores das semanas a adquirir e da possibilidade de revender ou transmitir essas semanas (art. 6.º da base instrutória)

21. A 19 de março de 2000, foram explicados aos autores os direitos de que passavam a ser titulares (art. 8.º da base instrutória)

22. Na mesma data, em 19 de março de 2000, os autores foram informados de que passariam a estar sujeitos às Regras do Clube e Condições de Uso, bem como aos Estatutos da Associação cujo conhecimento só adquiriram em abril de 2000 (art. 9.º da base instrutória) – fls. 141

23. Depois disso, continuaram a utilizar os benefícios que lhes eram facultados pelo Clube (art. 13.º da base instrutória)

24. Os documentos que contêm as Normas do Clube e Condições de Uso e os Estatutos do Clube não foram assinados pelos autores (alínea S) da factualidade assente).

25. As Normas do Clube e Condições de Uso e os Estatutos mencionados nos certificados identificados e na cláusula 6.2. dos documentos a que se alude foram elaborados antecipadamente pela ré, sem prévia discussão com os autores e sem a obtenção do acordo dos mesmos (art. 7.º da base instrutória)

26. De acordo com a cláusula 4ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, intitulada benefícios de golfe, “os benefícios que os Membros do Clube dispõem são os seguintes: possibilidade de participar em qualquer Torneio de Golfe dos Membros sujeita ao pagamento do green fees e da taxa de torneio; possibilidade de obter o Handicap devidamente reconhecido pela Federação Portuguesa de Golfe e outras Federações Europeias de Golfe; serviço de reserva de golfe; descontos nos green fees no campo de golfe do Pine Cliffs, conforme descrito nas tarifas anuais do campo de golfe, disponível na loja de profissionais; sujeito à disponibilidade e processos de reserva, descontos nos green fees noutros campos de golfe no Algarve e em Portugal, em conformidade com os termos aliados à qualidade de Membro da Federação Portuguesa de Golfe; sujeito a disponibilidade e a pagamento, a possibilidade dos filhos dos Membros participarem semanalmente numa clínica de ensino de golfe” (alínea T) da factualidade assente) – fls.192.

27. De acordo com a cláusula 7ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, “(...) as Suites de Golfe são para o uso dos Membros e respetivos convidados, sendo que as suites não reservadas serão geridas e reservadas pela UIP/Sheraton para locação a outras pessoas não membros e clientes do Resort. Os Membros e respetivos convidados apenas poderão usar as Suites de Golfe durante o período de ocupação a que têm direito. Contudo, à descrição do Clube, os Membros não residentes poderão utilizar as infraestruturas do Clube, desde que os Membros residentes e seus respetivos convidados tenham prioridade no uso das mesmas.” (alínea U) da factualidade assente) – fls. 195.

28. De acordo com a cláusula 11ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, “a qualidade de Membro Golf & Country Club confere ao Membro e aos seus convidados o direito à ocupação da Suite Golfe e a utilização das instalações comuns dentro de um dos quatro planos de adesão (...). Os Membros adquirem o direito a utilizar a Suite Golfe e as instalações comuns durante um ou mais períodos, dentro do mesmo ou diferentes Períodos, conforme o tipo de Golfe Suite e o Termo de Adesão referido no Formulário de Candidatura.” (alínea V) da factualidade assente) – fls. 200/201.

29. De acordo com a cláusula 16ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, “os Membros terão o direito de utilizar uma Suite Golfe em conformidade com o respetivo tipo de membro, desde que tenham respeitado todos os seus deveres para com o Clube. Não solicitar uma reserva ou fazer uso real (ou o uso benéfico através da troca ou não) da Suite de Golfe por um período de ocupação dentro de um ano, não exime o membro da obrigação de pagar a Taxa de Adesão Anual. (...)” (alínea X) da factualidade assente) – fls. 202.

30. De acordo com a cláusula 24ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, a Quota Anual de Adesão é o mecanismo ao abrigo do qual o valor do Clube se encontra protegido ao longo do tempo. O Clube deverá envidar os melhores esforços para a previsão rigorosa da Quota Anual de Membro de forma a transmitir aos Membros as despesas operacionais e de longo prazo do Plano de Adesão. Os Membros do Clube serão todos os anos notificados da Quota Anual de Membro, que será cobrada anualmente em relação ao ano seguinte em data estipulada pelo clube. No caso de qualquer situação imprevista ocorrer que se encontre fora do controle do Clube ou da UIP clube ou do seu agente de gestão, tais como condições de mercado, aumentos de impostos, os aumentos salariais, aumento do custo de utilidade, o Clube terá o direito de alterar/aumentar a taxa anual. Intencionalmente, a Quota Anual será revista relativamente à taxa de inflação portuguesa, adaptada e aumentada desde 1997 (alínea Z) da factualidade assente) - fls. 212.

31. Em redação posterior as regras passaram a prever que o valor da quota anual pode ser aumentado, designadamente devido a despesas inesperadas relevantes, tais como, novos impostos ou sobretaxas a serem suportados pelo Clube, aumento no custo do seguro, aumento dos custos dos serviços de utilidade pública ou de despesas correntes, aumentos salariais dos trabalhadores do clube e, para além dos mencionados, quaisquer outros custos que em geral não possam ser previstos com exatidão pelo Clube ou pela Entidade Gestora quanto ao seu surgimento ou aumento (cl. 21.ª) – fls. 278 que tendo em conta a referência de impressão (fls.245, limite inferior) dizem respeito a 2008.

32. Desde o início dos contratos até à data, a prestação anual por cada semana cobrada pela “UIP” aos autores tem vindo a aumentar desde o valor inicial de € 568 ao montante de € 910, em 2015 (art. 29.º da base instrutória) – fls. 1058.

33. De acordo com a cláusula 25ª das Regras e Condições de Utilização do Clube, o Clube reserva-se ao direito de alterar, ocasionalmente, as presentes Regras e Condições de Utilização do Clube às quais os membros estão vinculados. Tais alterações serão efetuadas por escrito e serão aplicadas na data mencionada. Os membros do Clube terão à sua disposição cópias de todas as alterações efetuadas às Regras e Condições de Utilização do Clube na sede social do Clube. (alínea AA) da factualidade assente) – fls. 214.

34. A 12 de março de 2001, a Ré emitiu uma declaração, nos termos da qual solicitou “autorização para os (...) Clientes BB & AA, ambos com HCP de 36, uma vez que estes Membros se esqueceram dos documentos de identificação como Membros da Federação Portuguesa de Golf e respetivo Certificado de Handicap no seu país” (alínea AB) da factualidade assente) - fls. 92.

35. A declaração mencionada foi emitida a pedido dos Autores, por se terem esquecido, no seu país, dos documentos que comprovavam a sua inscrição na Federação Portuguesa de Golfe e o seu certificado de handicap (art. 20.º da base instrutória)

36. A partir de meados de 2006, a Ré introduziu alterações ao documento que estabelece as Normas do Clube e as Condições de Uso, nomeadamente no que se refere à correspondência entre os períodos contratados e a categoria (por exemplo, os meses junho e setembro que eram “silver” passaram a “gold”) e no que se refere ao número de alojamentos alocados aos compradores, passando de 78 para 52 (art. 11.º da base instrutória)

37. Os autores tiveram conhecimento posterior da alteração efetuada (art. 12.º da base instrutória)

38. Por ocasião da alteração de 2006 das “Normas do Clube e as Condições de Uso”, os autores deixaram de conseguir reservar as semanas pretendidas no período contratado (art. 14.º da base instrutória e 27.º da petição inicial)

39. Os autores, sem sucesso, desde novembro de 2006 até à presente data, têm vindo queixar-se e a requerer ao R. os relatórios de gestão e relatórios anuais de contas do Clube (arts. 28.º e 31.º, primeira parte, da petição inicial)

40. Desde 2005, os autores utilizaram a unidade de alojamento nos seguintes períodos:

Em 2005: em março e outubro – fls. 633/632;

Em 2006: em março, abril e novembro – fls. 629/631/166;

Em 2007: em março, abril e outubro – fls. 619/623;

Em 2008: em abril e outubro – fls. 611/615;

Em 2009: em março, abril e outubro – fls. 603/607/609;

Em 2010, em janeiro e em março, abril, outubro - fls. 93 e ss./595;

Em 2011, em abril, junho e outubro – fls. 582/586/588;

Em 2012, em abril, junho e outubro – fls. 561/569/570/575/579;

Em 2013, em abril, junho e outubro – fls. 562/564/566;

Em 2014, em abril e outubro – fls. 555/558;

Em 2015: em junho – fls. 950 (art. 15.º da base instrutória).

41. Os autores utilizaram, até ao ano de 2010, o campo de golfe do Pine Cliffs Resort, beneficiando do desconto no green fee que era facultado aos membros da Ré (art. 19.º da base instrutória)

42. A 18 de maio de 2001, a Direção-Geral do Turismo comunicara à United Investments (Portugal) – Empreendimentos Turísticos, SA, a propósito do conjunto turístico Pinhal do Concelho/Pine Cliffs – Albufeira, que, por despacho do Senhor Subdiretor-geral do Turismo de 2001/05/14, foi decidido o seguinte: “aceitar os esclarecimentos apresentados por V.Exa., quanto à forma de comercialização dos Apartamentos Turísticos, que não se reconduz, neste caso, aos direitos de habitação turística previstos no Decreto-Lei n.º 275/93, de 5 de Agosto, (...). Contudo alerta-se V.Exa. para a utilização de determinadas expressões, suscetíveis de associação aos direitos de habitação turística regulados no citado diploma.” (alínea AC) da factualidade assente) - fls. 105.

43. Através da abordagem, das técnicas de venda e da informação fornecida, a ré criou nos autores a convicção de que estes adquiririam, como adquiriram, um produto semelhante ao que comummente se designa por timesharing, ainda que com algumas diferenças (arts. 29.º, 32.º e 39.º da réplica)

44. Não obstante os inúmeros benefícios que a R. proporciona aos adquirentes, como o uso de Health Club, “room services”, salão de beleza, serviço de Internet, acesso ao golfe e ténis, a inscrição na Federação Portuguesa, de golfe, certificado de handicap, o produto centra-se nas suites de golfe e na possibilidade de se poder usufruir dessas mesmas suites, ou do mesmo tipo, durante um certo período de tempo (arts. 31.º e 33.º da réplica)

45. Para além da descrição de serviços e benefícios atribuídos aos membros, onde também se inclui o golfe, a R. dedica um capítulo ao uso da categoria de membro – “How to use your membership in Pine Cliffs Golfe & Country Club” – fls. 153 (art. 35.º da réplica)

46. Nos termos da informação vertida na mencionada brochura, os membros, nomeadamente os AA., têm o direito de trocar os seus períodos de ocupação com mais de 340 Resorts em todo o mundo, de os locar através do sistema de reserva internacional do Sheraton, participar no programa de Star Points e usá-los em todos os Hotéis Sheraton, Westin Hotéis & Resorts, Caesars World e W Hotéis, transferir os direitos e deveres inerentes à qualidade de membros e dispor dos mesmos em testamento (art. 37.º da réplica)

47. Da página 2 dos “membership application form”, mais precisamente do ponto 6.1, resulta que a adesão do membro ao Clube só se verificará após pagamento da totalidade da taxa de adesão (art. 40.º da réplica)

48. Em seguida, no mesmo ponto, estabelece a R. que “A taxa de adesão é a contrapartida do direito a acomodação numa suite de golfe durante o período de 30 anos, em conformidade com a presente Ficha de Inscrição e com as Normas do Clube e Condições de Utilização.” vide doc. 3 a 6 (art. 41.º da réplica)

49. Sob o título “Anexo à ficha de inscrição”, faz-se um resumo dos termos da adesão, noites por ano, montante a pagar, data da primeira da ocupação e outros (art. 42.º da réplica)

50. Na oitava linha da referida ficha consta: “Número de Anos de Adesão para Empresa de Trocas de Férias incluídos na Taxa de Adesão: Quatro anos de adesão gratuitos para o Resorts Condominium International”. Não só o pagamento da taxa de adesão é a contrapartida para usufruir das suites de golfe, como esse pagamento comporta a atribuição do benefício de aderir gratuitamente ao Resorts Condominium International – RCI (arts. 43.º e 44.º da réplica)

51. O Resort (não o clube) é publicitado como “a maior rede de intercâmbio de férias em regime de Timeshare (art. 45.º da réplica)

52. E sem prejuízo da troca de semanas ao abrigo da adesão gratuita ao RCI, os AA. têm ainda o direito de locar as semanas adquiridas: nos termos da cláusula 17 das Normas do clube e Condições de Uso, os membros, mediante aviso prévio, podem entregar as semanas adquiridas para locação, rentabilizando assim o seu investimento (arts. 47.º e 48.º da réplica)

53. Sobre a descrição do pagamento do depósito no valor de 2.760.000$00, constante da fatura junta na P.I. como doc. 7: os AA. terão adquirido 2 “II Bedroom Silver Membership” e 2 “II Bedroom Gold Membership”, ou seja, 2 T2 Membro de Prata e 2 T2 Membro de Ouro. O preço variava, neste caso, em função da época escolhida do alojamento (Ouro ou Prata) (arts. 49.º a 52.º da réplica)

54. Apreciando apenas os documentos assinados pelos autores de uma perspetiva puramente formal (adesão a um clube de golfe), a ré evitou as formalidades exigidas pelo regime dos DRHT e das CCG: a R. não celebra o contrato de aquisição prescrito pela lei, não procede à descrição do empreendimento, não indica o valor do direito adquirido nem da prestação periódica, não procede à indicação explícita que o direito adquirido apenas tem eficácia obrigacional, não proporciona aos AA. o direito de resolver o contrato no prazo de 10 dias úteis, (arts. 60.º, 61.º e 72.º da réplica).

… …

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das recorrentes, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido nos arts. 635º n.º 4 e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.

O conhecimento das questões a resolver, delimitadas pelas alegações, importa em saber, se o contrato discutido nos autos foi celebrado em fraude à lei como ambas as instâncias o afirmaram e, na afirmativa, quais as consequências.

A fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela.

No direito português, não existem regras escritas de índole geral sobre a fraude à lei, nem na Constituição nem no Código Civil embora este último diploma regule algumas situações especiais de fraude à lei, além da que é objeto do art. 21 - são os casos, entre outros, do n.º 2 do art. 418 e do art. 2067 - referindo ainda o CCivil no n.º 1 do art. 330, a fraude à lei como um modo de atuar proibido. Também sequer existe uma regra escrita de índole geral sobre a fraude à lei nos negócios jurídicos ou nos contratos, figuras cuja teoria geral costuma suscitar a referência à fraude à lei, embora esta transcenda o plano dos negócios jurídicos, podendo e devendo ser potencialmente aplicada à generalidade das situações jurídicas, independentemente da natureza da sua fonte.

A ausência no nosso direito de regras escritas de espectro geral sobre a fraude à lei replica a mesma omissão de outros ordenamentos jurídicos - designadamente o francês, alemão e suíço - e pelas mesmas razões de desnecessidade, sendo a doutrina e a jurisprudência que tem configurado o conceito - Ana Filipa Morais Antunes, A Fraude à Lei no Direito Civil Português em Especial, como Fundamento Autónomo de Invalidade Negocial, Coimbra, Almedina, 2018, pp. 67, 69, 71 e 72. A não consideração expressa da fraude à lei pelo legislador foi intencional, tendo prevalecido a tese da inutilidade de um preceito especial: ao mesmo resultado se chegaria por via da interpretação da lei e do negócio jurídico. Bastaria a correta interpretação das declarações para obstar à fraude, ao que acresceria que uma regra sobre a matéria potenciaria o risco de os julgadores declararem nulos negócios a que lei não se opõe, entendimento este que se tem mantido na doutrina germânica e que, teve repercussão em Portugal - vd. Ana Filipa Morais Antunes, op. loc. cit. - onde, sem previsão legal expressa, vigora a proibição de fraude à lei, mais precisamente, uma norma segundo a qual as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis são irrelevantes/ ineficazes ou seja, que essas situações artificiosas não obstam à aplicação das regras aplicáveis na sua ausência - vd. Rui Pinto Duarte, A Fraude à Lei – Alguns Apontamentos, in www.revistade direitocomercial.com, 2020-08-30, p. 1586.

No entanto, as definições de fraude à lei variam sendo tradicional a oposição entre conceções subjetivistas e conceções objetivistas. Nessa distinção lê-se em Pedro Pais de Vasconcelos, que “A fraude à lei pode ser vista de um modo subjetivo ou de um modo objetivo. No modo subjetivo, o juízo da fraude não prescinde da imputação ao agente de uma intenção pessoal de iludir o mecanismo citado com a providência legislativa de modo a defraudar a lei. No modo objetivo, não é exigida a imputação subjetiva nem a prova da intenção, de tal modo que, para o juízo da fraude, é suficiente que a atuação do agente produza o resultado que a lei quer evitar ou evite o resultado que a lei produzir. A diferença está na necessidade da imputação da intenção subjetiva e da sua prova, no modo subjetivo; e na sua dispensa, no modo objetivo.” - Teoria Geral do Direito Civil, 9.ª ed., cit. p. 519.

Reclamando o conceito “uma pluralidade real e efectiva de negócios, um encadeamento de negócios em termos teleológico-funcionais, a licitude de cada negócio isolado numa análise individual, a prossecução de um resultado final global equivalente em termos materiais a outro não autorizado pelo Direito” - Ana Filipa Morais Antunes op.cit., p. 475. - podemos assentar em que, na fraude à lei há considerar como pressupostos indispensáveis: a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória pela qual o fraudante procura modelar artificiosamente uma situação coberta por esta segunda regra, e - para alguns autores, pelo menos, uma intenção fraudatória (animus fraudanti) - Luís Filipe Pires de Sousa  Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Coimbra, Almedina, 2016, pp. 66 e 67. 

A jurisprudência também reconhece a vigência da fraude à lei em matéria de negócios jurídicos, seguindo o núcleo comum da doutrina. Como exemplo principal, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.10.2009, proferido no processo n.º 115/09.0TBPTL.S, fixou que “ O legislador não delineou genericamente a figura da fraude à lei, que apenas tratou em sede de direito internacional privado e no âmbito da aplicação das normas de conflitos (…) Assim, existirá fraude à lei quando se lança mão de uma norma de cobertura para lograr ultrapassar – ou incumprir – a norma defraudada, ou seja a que seria a aplicável à relação jurídica.

Trata-se de, por via indirecta, por através da prática de um ou vários actos lícitos (já com propósito de defraudar, numa concepção subjectivista; ou mesmo sem tal propósito, se aderindo a uma concepção objectiva) obter um resultado que a lei proíbe.”

E terminava este acórdão, tomando posição sobre os pressupostos e as consequências da fraude à lei sustentando que aderia “à doutrina do Prof. Castro Mendes (in “Teoria Geral do Direito Civil”, II, 1979, 334 ss) ao explicar que para haver fraude à lei é necessário um nexo entre o acto ou actos em si lícitos e o resultado proibido. E o nexo pode ser subjectivo (intenção dos agentes) ou objectivo (criação de uma situação jurídica tal que, pelo seu desenvolvimento normal, leve ao resultado proibido).

Mas não há fraude sem nexo, ou seja, sem que o acto lícito em si não esteja ligado ao resultado proibido.

De aceitar esta conceptualização mas pondo a tónica da prescindibilidade do elemento subjectivo – “animus fraudandi” – por valer um conceito ético e objectivo de boa fé, como o que, quanto ao abuso de direito, enuncia o artigo 334.º do Código Civil, concepção acolhida para este instituto no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Maio de 2007 – 07 A1180 – onde, além do mais se disse que “não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, não sendo necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo seu fim social ou económico, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e clara assim se acolhendo concepção objectiva do abuso de direito (cf., por todos, Profs. Pires de Lima e Antunes Varela – “Código Civil Anotado”, vol. I, 1967, p. 217).”

Esta concepção objectivista da fraude à lei foi também adoptado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Janeiro de 2005 – 04 A3915 – (“… decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ela obtido e não a intenção das partes.”).

Aqui chegados, podemos afirmar que a adopção feita pelo recorrido o foi em fraude à lei, sendo que a norma contornada é imperativa e geradora da nulidade do acto, o que o Tribunal pode declarar mesmo “ex officio” – artigos 280.º e 286.º do Código Civil.”

Em igual sentido se tinha já pronunciado o ac. STJ de 27-01-2004 no proc 3915/04 – in dgsi.pt, afirmando que “Decisivo para afirmar a ilicitude e consequente nulidade do negócio em fraude à lei é o resultado com ele obtido, não a intenção das partes; não há fraude juridicamente relevante se o resultado não coincidir com aquele a que a norma imperativa contornada pretende obstar.”

No acórdão deste STJ de 14-3-2019, no proc. 765/16.16.1T8LSB.L1.S2 citado pela recorrente, refere-se que “ante a matéria de facto provada, é patente não se descortinar a existência de intuito fraudulento dos agentes em presença que pudesse conduzir à nulidade do negócio, designadamente por força dos arts. 280º e 281º, ambos do CC.,”. e tal poderia parecer significar que se exigia, neste aresto, aquilo em que em todos os restantes citados se prescindia, a saber, da intenção, o propósito de defraudar. Todavia, será necessário atender a que o caso aí julgado envolvia a alegação de interposição fictícia de pessoas, em função da qual os bens discutidos teriam sido efetivamente adquiridos não pelo titular do direito (legal de preferência), mas por um terceiro e, neste caso, a invocação do intuito defraudatório resultava da alegação principal de simulação. Todavia, lembramos que a simulação pressupõe a existência de declarações negociais intencionalmente enganadoras de terceiros e falsas, enquanto tal, não correspondentes à vontade real das partes.

Ora, se no plano teórico, as figuras (simulação e fraude à lei) se distinguem com base no apelo ao critério da vontade: de acordo com este entendimento, o negócio em fraude à lei suporta-se numa vontade real; de modo diverso, o negócio simulado caracteriza-se por uma vontade fictícia ou aparente, este mesmo critério confronta-se com particulares dificuldades em casos em que se verifique uma interposição de sujeitos que nem sempre é fictícia (e, nesse sentido, simulada) nem fraudulenta. E advertindo precisamente para os casos de interposição de sujeitos e para a autonomia conceptual entre a simulação e a fraude à lei, Ana Filipa Morais Antunes sinaliza que para distinguir as duas figuras há que observar que “a denominada interposição fictícia de pessoas (cuja invalidade se fundamenta na simulação) e a interposição real de pessoas (neste caso, a eventual invalidade pode, em determinadas hipóteses, suportar-se na fraude à lei)” – op. cit. pp. 383, 384, 385, 387, 388 e 389.

 Em resumo, a jurisprudência tem adotado uma formulação objetivista na abordagem aos pressupostos da fraude à lei que dispensa a intenção defraudatória não podendo convocar-se o decidido no ac. do STJ de 14-3-2019, como exceção à prescindibilidade da intenção como requisito da fraude à lei, porque o que se encontrava aí em causa era a alegação de simulação por interposição de pessoas e tal corresponde à particularidade que deixámos assinalada.

Por último, quanto às consequências jurídicas, a fraude à lei, reconduzindo-se, no essencial, a uma forma de ilicitude determina por si, a nulidade do negócio – ver por todos Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, II, Parte Geral Negócio Jurídico, 4.ª ed., cit., pp. 580 e 581não cuidando aqui de problematizar se a fraude não implica necessariamente a nulidade como ocorrerá nas situações em que ela consista numa omissão não havendo ato nulo – para mais desenvolvimentos da questão na nulidade versus ineficácia mas salvaguardando a nulidade quando o artifício fraudulento consiste na celebração de um único contrato, pode ver-se Pedro Pais de Vasconcelos op. cit. pp.592 e 593.

Com base nesta exposição, com reflexão no caso em decisão, obtemos que nos autos a relação estabelecida entre autores é caracterizada como um acordo de índole associativa, ao qual não tem aplicação o regime jurídico consagrado no DL n.º 275/93, sendo que as cláusulas que integram as Regras e Condições de Utilização do Clube, que conformam os estatutos da associação a que aderiram os AA, não estão sujeitas a escrutínio do regime das cláusulas contratuais gerais.

Como instrumento jurídico tendente à dinamização do mercado de unidades de alojamento para férias por curtos períodos de tempo foi estatuído em 31 de dezembro de 1981 o DL n.° 355/81ª que se seguiu o DL n.° 130/89, de 18.04, respondendo à necessidade de enquadrar aquele direito no âmbito da atividade turística e de adaptar o instituto às exigências entretanto sentidas. E da necessidade de medidas destinadas a melhorar a qualidade e o funcionamento dos empreendimentos turísticos no regime do direito real de habitação periódica, assim como da conveniência de reforçar o grau de proteção dos adquirentes de DRHP, atendendo a que os respetivos contratos exigem, na maior parte das vezes, uma tutela particular da parte mais fraca, veio a ser estatuído o DL 275/93, de 05.08, que foi objeto de sucessivas alterações.

Teve-se a preocupação, como resultava do preâmbulo do último diploma identificado, de estabelecer “um regime básico para todos os direitos que, embora não tendo a natureza de direito real, preenchem um fim análogo ao do direito real de habitação periódica, consagrando-se, assim, um conjunto de regras destinado a assegurar um mínimo de proteção aos que adquiram tais direitos.” e, estando em causa o denominado direito obrigacional de habitação turística, enquanto direito pessoal de gozo. “com a consolidação da utilização de determinados contratos referentes a cartões e clubes de férias, veio de forma inequívoca garantir a submissão dessas realidades ao regime aplicável aos direitos de habitação turística, adaptando os requisitos atualmente existentes a essa nova realidade.” - vd. ac. STJ de 10/04/2014 (Granja da Fonseca).

Como corretamente se deixou exposto na decisão recorrida, no caso concreto, não ocorreu a celebração de contratos para aquisição de direitos, benefícios ou regalias, entre eles o direito a utilizar semanas de férias, mas sim a adesão dos autores à associação ré sendo dessa adesão que resultava para aqueles o direito à utilização de semanas de férias nos moldes contratados. Tendo a ré constituído uma pessoa coletiva sob a forma de associação, nos termos da previsão do art. 162 e ss do CCivil, incluiu nos direitos e obrigações dos seus associados, bem como as condições de admissão, a utilização de semanas de alojamento afastando a aplicação do DL 275/93 no âmbito do direito de utilização habitacional que o contrato concedia. Isto é, iludiu as exigências prescritas para a constituição do direito de utilização, desde logo e entre outras previstas nos arts 4º e 5º a exigência de escritura pública – art. 6º do DL 275/93

 A questão que as instâncias decidiram por unanimidade e que agora, pela via excecional do recurso, de novo se aborda é a de saber se na situação descrita, a celebração de um contrato de associação contendo para os associados aderentes um direito obrigacional a habitação periódica, constitui ou não uma fraude à lei. Se a adesão à associação foi o meio ilícito utilizado para afastar a aplicação do regime dos direitos de habitação turística à revelia das normas imperativas e de toda a legislação que regula a relação contratual daí decorrente.

Nesta indagação os factos provados revelam que a ré criou nos autores a convicção de que estes adquiririam, como adquiriram, um produto semelhante ao que comummente se designa por timesharing, ainda que com algumas diferenças, centrando-se o produto adquirido no direito de se poder usufruir dessas mesmas suites, ou do mesmo tipo, durante um certo período de tempo com a faculdade de trocar os seus períodos de ocupação com outros resorts em todo o mundo, de os locar através do sistema de reserva internacional do Sheraton de os usar em todos os Hotéis Sheraton, Westin Hotéis & Resorts, Caesars World e W Hotéis e de transferir os direitos e deveres inerentes à qualidade de membros e dispor dos mesmos em testamento. Assim, a taxa de adesão do membro ao Clube foi a contrapartida do direito à acomodação numa suite de golfe durante o período de 30 anos, em conformidade com a Ficha de Inscrição e com as Normas do Clube e Condições de Utilização tendo a ré evitado  as formalidades exigidas pelo regime dos DRHT e das CCG: a R. não celebra o contrato de aquisição prescrito pela lei, não procede à descrição do empreendimento, não indica o valor do direito adquirido nem da prestação periódica, não procede à indicação explícita que o direito adquirido apenas tem eficácia obrigacional, não proporciona aos AA. o direito de resolver o contrato no prazo de 10 dias úteis.

Sendo esta a prova que serve a decisão, dela resulta expressamente que o contrato de adesão à associação foi a forma como a ré iludiu as formalidades exigidas pelo regime do direito real de habitação periódica e das Cláusulas Contratuais Gerais, sendo estas as normas que foram objecto de fraude, por confronto com o contrato de adesão à associação, que é a regra jurídica a cuja proteção se acolheram os autores para evitar o comprimento que de outo modo lhes seria exigido. Mais concretamente, como a decisão recorrida o mencionou, contra o que lhe é imputado nas conclusões de recurso, está em causa “o dever de celebração do contrato por escritura pública nos moldes estatuídos no art.º 6.º/1 e 2 do DL n.º 275/93, na versão então vigente;

- o dever de instruir a constituição do direito com certidão da qual devem constar todos os elementos enunciados no art.º 5.º n.º do citado DL, na redação então vigente, certidão essa que faz parte integrante do título – cfr. art. 6.º/2 do DL n.º 275/93, na versão então vigente;

- o dever de informação pré-contratual nos moldes definidos no art. 9.º do DL n.º 275/93, na versão então vigente;

- o dever de informação sobre o direito de resolução do contrato previsto no art. 48.º/3/al. a) do DL n.º 275/93, na versão então vigente;

- a proibição de previsão da alteração unilateral das regras que regulam a relação dos AA com a R, relevante em face do disposto nos arts. 12.º/ 2 e 22.º/1/ al. a) do RCCG;

- a proibição de fixação de taxa mensal de juros de mora desproporcionada à luz do art. 19.º/al. c) do RCCG.”

No que deixamos dito, quanto ao cumprimento destes pressupostos, está a resposta ao argumento da recorrente quando defende que, se está assente que a relação estabelecida entre os AA e a R não foi a de aquisição de direitos subsumíveis ao RDHT ou ao RCCG, as clausulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube não poderiam ser nulas, por as disposições legais constantes do RDHT e do RCCG não lhe serem aplicáveis. É precisamente porque estas disposições não são de aplicação ao contrato de adesão à associação que se questiona a fraude à lei, com o sentido de apurar se a atuação da ré se traduz num comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela. Mais redondamente, se para evitar a aplicação das regras formais de um determinado tipo de contrato a ré celebrou com os autores um outro através do qual, colocando nele a mesma finalidade, pretendia dispensar-se das formalidades que para esse fim eram exigidas. Por esta razão, o que importa na fraude à lei não é a indicação em concreto das cláusulas que são nulas no contrato, por referências às normas que seriam exigidas se não tivessem sido contornadas, mas sim as próprias normas contornadas, aquelas que o contraente iludiu objetivamente com a sua atuação.

Este é o segundo momento de análise suscitado nas conclusões, se é exigível a intenção de defraudar ou se o resultado com ele obtido, não a intenção das partes, questão a que já respondemos anteriormente acompanhando a jurisprudência citada no sentido de à verificação da fraude interessar apenas o resultado, de forma que este coincida com aquele a que a norma imperativa contornada pretende obstar, como ocorre no caso em estudo.

Na análise do contrato celebrado entre autores e ré, na sua economia global e em face da prova que foi fixada, entendemos em consonância com as instâncias ser forçoso concluir que a prestação essencial é a que concede a titularidade do direito à ocupação de suites para férias sendo os restantes direitos incluídos orbitais daquele outro, o central. É matéria desinteressante pretender questionar-se se a adesão dos autores à associação foi determinada por figurar nos direitos nascidos com essa adesão o de utilização das suites ou se, pelo contrário, o interesse nos outros benefícios ligados à prática do golfe é que foi decisivo, trazendo num segundo plano a faculdade de utilização das suites. E matéria desinteressante porque a prova obtida não suscita dúvidas quanto a dever entender-se que a ré criou nos autores a convicção de que estes adquiririam, como adquiriram, um produto semelhante ao que comummente se designa por timesharing e que não obstante os inúmeros benefícios que a R. proporciona aos adquirentes o objecto central do contrato é a possibilidade de se poder usufruir dessas mesmas suites, ou do mesmo tipo, durante um certo período de tempo. Tal circunstancialismo coloca a discussão jurídica sobre a fraude à lei no domínio da ilicitude da atuação da ré consubstanciada no aproveitamento da sua constituição como associação para incluir sob a forma de benefício concedido aos associados a utilização de espaços para cuja constituição como direito, em iguais termos, a lei reservava exigências que a ré não cumpriu.

Nestes termos, acolhe-se a decisão das instâncias, entendendo igualmente que existe na atuação da ré e na contratação com os autores fraude à lei que determina a nulidade do contrato.

Com novidade relativamente a tudo o que tinha sido por si alegado, nas conclusões de recurso a recorrente sustenta que, se as cláusulas 24.ª e 25.ª das Regras e Condições de Utilização do Clube padecem de nulidade ao abrigo do instituto da fraude à lei apenas tais cláusulas devem ser expurgadas do contrato de adesão, mantendo-se o mesmo em vigor em coerência com a aplicação do disposto no artigo 292.º do Código Civil referente à redução do negócio jurídico.

Estabelece este preceito que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.

Um primeiro requisito para a redução é o de a anulação ou nulidade serem apenas parciais o que significa que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade do conjunto. Todavia, como comenta Menezes Cordeiro - Tratado de Direito Civil Português I Parte Geral tomo I 3ª ed. p. 878 – não é de admitir a ideia de, havendo um princípio de integralidade de cumprimento previsto no art. 763 do CC, possa acolher-se a faculdade de a prestação poder ser realizada por partes mesmo que ao abrigo da invalidade. Um segundo requisito reporta à vontade das partes no tocante ao ponto de redução uma vez que esta não opera quando se mostre que o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada, o que será sempre matéria de alegação e prova. O interessado na salvaguarda do negócio deverá invocar e provar os factos de que decorra a natureza meramente parcial da invalidade. – vd. Carvalho Fernandes em anotação ao ac. do STJ de 29 nov. 1989, RDES1993, 126-238 e também Menezes Cordeiro op. cit. p. 879 – Por seu turno, ao opositor cumprirá invocar e provar os factos de onde se infira que sem a parte viciada não teria celebrado o negócio.

No caso em decisão, não existe pedido de nulidade parcial do contrato celebrado entre autores e ré, por não ter sido invocada a natureza parcial para que pudesse ser decretada o que por si só prejudica qualquer indagação sobre se o negócio teria sido celebrado sem a parte viciada e isto porque não há pedido de nulidade parcial uma vez que o que está em causa é o contrato como foi celebrado está ferido de nulidade total e não de uma ou outra cláusula como deixámos explicado anteriormente. Aliás, resultaria em absurdo lógico e jurídico uma redução do negócio que mantivesse o desrespeito e incumprimento das regras que foram evitadas pela ré. Estando em causa na fraude à lei, na concreta situação em decisão, imperativos de interesse e ordem pública que determinavam o cumprimento de formalismos legalmente prescritos, sem que estes fossem cumpridos não seria possível qualquer redução por não estar na disponibilidade das partes afastar essas exigências legais.

Assim, improcede a invocação a de que haveria que proceder nos autos a qualquer redução do negócio jurídico mantendo o contrato celebrado apenas com exclusão de algumas cláusulas.

Em resumo, improcede na totalidade as conclusões de recurso devendo ser negado provimento á revista.

… …

 Síntese conclusiva

- A fraude à lei traduz a ideia de um comportamento que, mantendo a aparência de conformidade com a lei, obtém algo que se entende ser proibido por ela.

- A fraude à lei, em face da inexistência no nosso ordenamento jurídico de regra de índole geral que trate o conceito (para lá das referências, entre outras, nos arts. 21 n.º 2, 330 nº 1, 418 e 2067 todos do CCivil), obtém-se pela via da interpretação da lei e do negócio jurídico no sentido de as situações criadas para evitar a aplicação de regras que seriam aplicáveis são irrelevantes/ineficazes., 2020-08-30, p. 1586.

- Na verificação da existência de fraude à lei exige-se como requisitos a regra jurídica que é objeto de fraude (a norma a cujo imperativo se procura escapar); a regra jurídica a cuja proteção se acolhe o fraudante; a atividade fraudatória e resultado que a lei proíbe, pela qual o fraudante procurou e obteve a modelação ilícita de uma situação coberta por esta segunda regra, não sendo exigível a alegação e prova de intenção fraudatória.

- Existe fraude à lei quando para evitar o cumprimento das exigências legais estabelecidos no regime do direito real de habitação periódica e no das cláusulas contratuais gerais a ré celebra cm os autores um contrato de adesão a uma associação e em que, como direito dos associados por força dessa adesão passa a ser concedido o direito de utilização de determinadas suites em regime em tudo semelhante ao fixado no RGHP.

-À fraude à lei, que determina por regra a nulidade total do contrato, não é aplicável o regime da redução do negócio jurídico previsto no art. 292 do CCivil que tem como exigências, para lá de ter de ser solicitada a nulidade (ou a anulação) parcial do contrato e existir vontade das partes no tocante ao ponto de redução, a invocação e prova por parte do interessado na redução dos factos de onde decorra a natureza meramente parcial da invalidade.

… …

Decisão

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a presente revista e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 17 de Novembro de 2021


Cons. Manuel Pires Capelo (relator)

Cons. Tibério Nunes da Silva

Cons. Maria dos Prazeres Pizarro Beleza