Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1746/09.3TBVRL.P1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
VEÍCULO
CARGA DO VEÍCULO
REMOÇÃO
REBOQUE
SEGURADORA
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
Data do Acordão: 11/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO.
DIREITO DOS SEGUROS - CONTRATO DE SEGURO.
Doutrina:
- Lima Rego. Margarida, Contrato de Seguro e Terceiros, Coimbra Editora, 2010, pp. 66, 309, 321-392.
- Pinto Monteiro, António, “Novo Regime Jurídico dos Contratos de Adesão, Cláusulas Contratuais Gerais”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano2002, no 62, Vol. I, Jan. 2002.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 238.º.
LEI DO CONTRATO DE SEGURO (DL N.º 72/2008, DE 16 DE ABRIL).
Sumário :
I - O contrato de seguro é um contrato típico ou nominado, formal e obrigacional, nos termos do qual o tomador do seguro se obriga ao pagamento de uma prestação ou prémio, ou fracção de prémio, de seguro, enquanto a entidade que suporta o risco, em que se traduz o objecto imediato do contrato, se obriga ao pagamento de uma indemnização.

II - No contrato de seguro – sujeito ao princípio da autonomia da vontade das partes –, a liberdade de contratar reconduz-se às condições particulares ou a certos aspectos deste tipo de cláusulas, já que as condições gerais estão normalmente consubstanciadas em cláusulas contratuais gerais que regem para todos os contratos de determinada tipologia.

III - Por «descarga» deve entender-se a operação que se destina a colocar um produto transportado por um veículo, num local previamente acordado, traduzida num acto de entrega do produto ao destinatário final.

IV - Não se pode qualificar de operação de descarga a acção desenvolvida pelo veículo, vulgo autobetoneira, que, encontrando-se a 40 metros do local onde deveria descarregar a mercadoria transportada – cimento –, ali procede ao despejo deste, a fim de facilitar a operação do seu próprio reboque/remoção de propriedade alheia, onde ficou adornado/inclinado, em virtude da cedência do piso e da berma.

V - Tendo a autobetoneira, na sequência da operação de remoção, vindo a tombar sobre o seu lado direito e ficado na posição de deitada sobre este seu lado e com os rodados «virados para cima», ocorreu um capotamento, que, sendo sinistro incluído nas cláusulas particulares contratadas, faz incorrer a seguradora na correspondente obrigação de indemnização.
Decisão Texto Integral:
I – Relatório.

AA – ..., Lda.”, intentou ação declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra: BB – …, S.A., e “CC, Lda.”, peticionando a condenação solidária das Rés na quantia de €113.031,24, a título de danos patrimoniais, acrescida dos juros de mora vencidos no montante de €3.610,11 e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para o pedido que impetra, apresenta, em síntese apertada, a sequente fundamentação de facto:

- no dia 26 de Fevereiro de 2009, na Estrada Nacional nº …, ocorreu um acidente que teve por único interveniente/sinistrado o veículo pesado de mercadorias, de matrícula -GJ-, equipado com uma betoneira;

- ao chegar ao local da descarga, tendo constatado que teria de aguardar pela sua vez para proceder à descarga do betão, o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via;

- minutos após a sua paragem, o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, provocando a inclinação deste para o lado da berma;

- na sequência do acidente a autora diligenciou junto da R. BB para enviar uma auto grua para remoção da viatura;

- na sequência de tal contacto, a R. BB contratou a 2ª R., “CC, Lda.”, a qual, chegada ao local, ligou o cabo de aço ao veículo sinistrado e começou a puxar, vindo este a ceder, provocando o capotamento da viatura sinistrada para cima do muro e gradeamento de uma propriedade privada;

- como consequência de tal ação resultaram danos no veículo sinistrado, bem como os decorrentes do transporte e imobilização do veículo.

Na contestação, a demandada “BB – …, S. A.”, alegou, terem ocorrido dois sinistros e não apenas um: um primeiro, em que o piso onde se encontrava o veículo …-GJ… cedeu, ficando o veículo inclinado num ângulo inferior a vinte graus; um segundo, decorridas três horas, quando um colega do condutor do aludido veículo acionou os comandos manuais da betoneira, iniciando a descarga do cimento, o que provocou o imediato capotamento do veículo, provocando danos no veículo;

tendo o acidente ocorrido durante uma operação de descarga do cimento, encontra-se, como tal, excluído das garantias do contrato, por força dos arts. 6.º, n.º4, als. b) e c), das Condições Gerais, art. 2.º, n.º1, al. e), das Condições Especiais; e, caso se comprove que a 2.ª Ré iniciou operações de salvamento do camião, sempre as garantias do contrato se encontrariam excluídas, por força do art. 10.º, n.º1, da Condição Especial 017.

Contestou, igualmente a demandada “CC, Lda.”, alegando ser alheia ao acidente, porquanto não teve intervenção na remoção da viatura: apenas se deslocou ao local para transportar a viatura sinistrada, tendo aí chegado quando a mesma já havia sido removida do local.

Na sentença proferida veio a acção a ser julgada improcedente e as demandadas absolvidas do pedido – cfr. fls. 610 a 621.
Irresignada com o julgado, impulsou a demandante recurso de apelação, que viria a ser julgado: “(…) parcialmente procedente, revogando-se a sentença recorrida, e condenando-se a 1ª Ré Seguradora a pagar à Autora a quantia de 93.330,82 €, acrescida de juros vencidos desde 3 de Julho de 2009, até integral pagamento.” – cfr. fls. 720 a 752.

Contra o decidido insurge-se a demandada seguradora, que eleva recurso de revista, para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo alinhado os fundamentos de fls. 761 a 782 e sumariado as conclusões que a seguir quedam extractadas.   

I.A. – Quadro Conclusivo.

“2.a No primitivo art. 17.º da douta base instrutória questionava-se se os danos do veículo ocorreram "Em consequência directa e necessária da actividade de remoção perpetrada pelo condutor do reboque da 2.ª Ré (...) "tendo o douto acórdão recorrido dado como provado, em termos restritivos, (“apenas que o veículo capotou, durante e em consequência das manobras, a que então se procedia de remoção do veículo, e que, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída.”);

3.ª Assim, e desde logo, não ficou provado que foi em consequência directa e necessária da actividade de remoção que o veículo sofreu danos. Esta questão é crucial e traça do destino dos presentes autos, sempre salvo o maior respeito por opinião contrária.

4.a - Ao invés, manteve-se a prova dos seguintes factos: "o Sr. DD pelas 17.30h do dia em causa, accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, de imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a sua direita, com as rodas para o ar, o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira." - pontos 37, 38 e 39 dos factos provados no douto acórdão recorrido.

5.a - Atenta a doutrina consagrada no are 563.º do Código Civil, o processo que leva ao início da descarga do betão foi a causa adequada dos danos sofridos pelo camião, atentas restantes condições de facto dadas como provadas.

6a – De modo que o sinistro do capotamento, onde são provocados os danos sub judice ocorre por efeito directo e necessário do início da descarga do cimento, como ficou provado.

7.a - Face ao teor do art. 2.º, n.º 1, al. e), das Condições Especiais 002 (pág. 14 do livro das CGE da apólice): (Para além das exclusões previstas nos arts. 6° e 3º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos: e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga ou descarga': tem de se concluir que a Ré não pode ser responsabilizada, em termos contratuais, perante a autora, pelas consequências do evento danoso.

8.a - É de uma evidência cristalina que o capotamento ocorreu ao iniciar-se o processo de descarga do betão - causa directa dos danos sofridos pelo camião operação que ocorreu para facilitar a remoção desse camião do local onde se encontrava (o que nunca se escamoteou).

9.ª - A Relação desvaloriza o início da operação de descarga do betão, que, conforme flui dos factos provados, foi a causa directa dos danos sofridos pelo camião, preferindo entender que tudo ocorreu no vasto âmbito do serviço de remoção do veículo. Mas a verdade é que não decorria nenhum acto concreto de remoção do veículo, mas sim a preparação dessa remoção, na qual foi incluída a operação de descarga do betão.

10.ª - Como flui dos factos provados e se admite, quer na sentença, quer no douto acórdão recorrido (pág. 29), a descarga do betão servia para aliviar o peso do veículo, pois havia sido esse mesmo peso que provocara (ou contribuíra) a cedência do piso da via.

11.ª - Não foi nem era uma descarga no destino projectado, nem era uma descarga por efeito de uma avaria da betoneira. Tratava-se de uma descarga que foi entendida como necessária no âmbito da preparação das operações prévias à remoção do veículo.

12.a - Porém, tratou-se de uma operação de descarga do betão, a qual foi iniciada, com os inerentes riscos.

13.a - O sinistro (capotamento com danos) não ocorreu durante as manobras de efectiva remoção do veículo, pois esta remoção só poderia ser levada a cabo por um reboque (o que veio, aliás, a suceder, mais tarde). O sinistro eclode no decorrer de uma operação de descarga do betão para facilitar uma posterior remoção do veículo.

14a - O sinistro ocorre apenas por causa imputável, de forma directa (como ficou provado) à descarga do betão, pois já se encontrava em franco desequilíbrio, inclinado para a respectiva direita, por via da fragilidade do piso, da respectiva cedência, bastando iniciar-se a operação de descarga, que levou à oscilação do betão, ainda em estado líquido, pelo que a massa constituída por toneladas de betão deslocou· se, o que levou ao imediato capotamento do veículo.

15.a - Isto ocorreu, como é manifesto e flui dos factos provados, por causa de se ter iniciado uma operação de descarga do betão. Só a operação de descarga do betão foi apta, em termos causais, ao capotamento do veículo, nas condições dadas como provadas, ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido.

16.a - A nossa Lei - o art. 563.º do Código Civil - consagra a doutrina da causalidade adequada, e não a doutrina das condições equivalentes.

17.a - Ao contrário do sustentado no douto acórdão recorrido, o sinistro tem um nexo causal directo com o início da operação de descarga, e com o risco próprio que esta operação encerra.

18a - Note-se que as operações de carga e descarga comportam riscos acrescidos que oneram o risco normal e típico do contrato de seguro automóvel. Daí que a exclusão em causa seja natural e faça sentido. Aliás, é comum a todos os contratos de seguro deste tipo.

19.ª - Assim, por efeito da cláusula de exclusão prevista no art. 2.º, n.º al. e), das Condições Especiais 002, deve restaurar-se o entendimento de primeira instância.

20.ª - No próprio, e sempre muito douto, acórdão recorrido, admite-se, de forma tímida, que faz sentido desresponsabilizar a Ré por efeito do disposto nessa cláusula: "sendo certo que só relativamente à prevista na al. e), se poderia pôr a hipótese de se encontrar verificada, no caso em apreço: "Para além das exclusões previstas nos arts. 6° e das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos: e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga ou descarga" - cfr. douto acórdão de Fls .

21.ª - Este é o único entendimento conforme à letra e ao espírito do contrato.

22.ª - A autonomia do risco da descarga do betão tem de ser assumida e afirmada, mesmo que se entenda que tudo ocorreu num âmbito mais vasto de remoção do veículo.

23.a - A interpretação do douto acórdão recorrido, ao enquadrar o evento unicamente no vasto âmbito da preparação da remoção do veículo, colide com os factos provados sobre a causa directa e adequada da produção do dano (capotamento), e, por isso, não pode ser acolhida por este alto tribunal: "o Sr. DD pelas 17.30h do dia em causa, accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, de imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a sua direita, com as rodas para o ar, o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira."

24.a - A Relação não teve a coragem, modo de dizer, que dar como provado o facto questionado no primitivo art. 17.º da douta base instrutória, segundo o qual os danos ocorreram "Em consequência directa e necessária da actividade de remoção” NÃO.

25.a - Pelo contrário, a causa directa e necessária do capotamento do veículo com os danos documentados a Fls. ocorreu quando o funcionário da cliente da Autora accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior (…) o que constituiu a causa directa e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira."

26.a - Daí que tenha de funcionar a cláusula de exclusão prevista no art. 2.º, n.º l, al. e), das Condições Especiais 002 do contrato, que excluiu o pagamento das indemnizações por danos ocorridos c...) durante operações de carga ou descarga:

27a - A douta decisão recorrida violou, nomeadamente, o disposto nos arts. 483.º, 487.º, n.º 2, 563.º, 564.º, 566.º, n.º 3 e 570.º do Código Civil e 712.º, n.ºs 1 e 4 e 716.º do Código Processo Civil e art. 2.º, n.º 1, al. e), das Condições Especiais 002 do contrato de Fls., as quais deveriam ser interpretadas nos termos explanados no presente recurso.”

I.B. – Questões a merecer apreciação na revista.

A questão nuclear que é pedida solver prende-se com a qualificação sinistro geradores dos danos verificados no veículo e operada essa qualificação apurar se o contrato de seguro cobria, ou garantia, a indemnização pelos danos verificados. Vale dizer, em lhana prefiguração do thema decidendum, se o seguro celebrado entre a demandante e a seguradora cobria os danos verificados no veículo pesado, em consequência do capotamento que ocorreu.   

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.
Em reapreciação da decisão de facto, o tribunal da Relação acabaria por alterar a resposta ao questionado no quesito 17 da Base Instrutório, estabelecendo, em definitivo, o quadro factológico que a seguir queda extractado.
“1) No dia 26 de Fevereiro de 2009, na Estrada Nacional nº 322, entre as localidades de ..., ocorreu, pelo menos, um sinistro, que teve por único interveniente/sinistrado o veículo pesado de mercadorias, de marca ..., modelo TGS 35 360 8x4 BB, 25.05 M Obras, com a matrícula -GJ-, equipado com betoneira S..., modelo …  – (alínea A) do Factos Assentes);
2) O veículo mencionado em 1) foi adquirido pela autora, por via de contrato de leasing, ao “Banco EE, S.A.” - (alínea B) do Factos Assentes);
3) Em 26 de Fevereiro de 2009, o veículo pesado de mercadorias, de marca …, modelo TGS 35 360 8x4 BB, 25.05 M Obras, com a matrícula -GJ-, encontrava-se locado à sociedade comercial por quotas “FF, Lda.”, por força do contrato de aluguer de veículo pesado de mercadorias sem condutor, outorgado em 17 de Setembro de 2008, constante de fls. 28 a 31 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. - (alínea C) do Factos Assentes);
4) Na data da ocorrência do sinistro, o veículo com a matrícula -GJ- encontrava-se ao serviço da empresa “FF, Lda.”, sendo conduzido pelo trabalhador daquela, Sr. GG, o qual seguia com destino à localidade de ..., a fim de aí proceder à descarga do material que transportava, nomeadamente betão (cimento fresco), que era mantido no interior de uma betoneira acoplada na parte central do veículo. - (alínea E) do Factos Assentes);
5) Ao chegar ao local da descarga, tendo constatado que teria de aguardar pela sua vez para proceder à descarga do betão, o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, no sentido ... - ..., tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via. - (alínea F) do Factos Assentes);
6) No local referido em 5), a via pública é composta por uma estrada de alcatrão, recta e sem qualquer inclinação, sendo a berma constituída por cimento/betão. - (alínea G) do Factos Assentes)
7) Minutos após a sua paragem, o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, num ângulo inferior a vinte graus, provocando a inclinação deste para o lado da berma. - (alínea H) do Factos Assentes);
8) À data do sinistro, a responsabilidade civil emergente dos danos próprios do veículo -GJ-, em resultado de choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão ou quebra de vidros, encontrava-se transferida para a “BB – …, S.A.” (1ª ré), por contrato de seguro válido titulado pela apólice nº 004670669, o qual se rege, para além do teor da apólice, pelas condições gerais, especiais e particulares, constantes do livro de fls. 128 a 163, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. - (alínea J) do Factos Assentes);
9) Para efeitos do contrato de seguro de responsabilidade civil facultativa referido em 8), entende-se por capotamento o “acidente em que o veículo perde a sua posição normal e não resulte de choque ou colisão.” – vide ponto 3 do art. 1.º (objecto do seguro) das condições especiais. - (alínea K) do Factos Assentes);
10) Nos termos e para os efeitos do contrato de seguro obrigatório, dispõe o art. 6, nº 4, alíneas b) e c) das condições gerais, que se encontram excluídos da garantia contratual:
- “os danos causados nos bens transportados no veículo seguro, que se verifiquem durante o transporte, quer em operações de carga e descarga, salvo nos casos de transporte colectivo de mercadorias”;
- “quaisquer danos causados a terceiros em consequência de operações de cargas e descargas.” - (alínea L) do Factos Assentes)
11) Nos termos e para os efeitos da condição especial de garantia dos danos no veículo segurado em consequência de choque, colisão, capotamento, incêndio, raio, explosão ou quebra de vidros, encontra-se clausulado o seguinte:
- “Além das exclusões previstas nos artigos 6º e 37º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidas as perdas ou danos:
e) causados por objectos transportados ou durante operações de carga e descarga.” (cf. condição especial 002 – art. 2, n.º1, alínea e)”. - (alínea M) do Factos Assentes)
12) Ao atuar do modo descrito em 5), o condutor do veículo -GJ- encostou-o ao lado oposto e a cerca de 40 metros do local onde iria proceder à descarga do material que transportava. – resposta ao quesito 1.º;
13) O veículo sinistrado apresentava uma distância entre eixos de 5 m. - resposta ao quesito 2.º;
14) Com 8,125 m de comprimento total e 2,50m de largura. - resposta ao quesito 3.º;
15) E com um peso total de 14.240Kg, sendo 9.890Kg relativos à tara do veículo em chassis e 4.350Kg referentes à betoneira. - resposta ao quesito 4.º;
16) Face ao sucedido (descrito em 7), o condutor do veículo -GJ- apressou-se a contactar telefonicamente a sua entidade patronal, a comunicar a ocorrência. - resposta ao quesito 5.º;
17) Tendo esta, por sua vez, contactado a autora, a fim de ser resolvido o problema. - resposta ao quesito 6.º;
 18) Em face disso, a autora comunicou a ocorrência do sinistro à firma “HH, Lda.”, empresa mediadora do acordo de seguro outorgado entre a autora e a 1ª ré (BB – ..., S.A.). - resposta ao quesito 7.º;
19) A qual se responsabilizou pela adoção das medidas necessárias e adequadas à resolução do sinistro. - resposta ao quesito 8.º;
20) Durante esse contacto, foi ainda transmitido àquela sociedade, que a 1ª ré teria de enviar uma auto-grua para remoção da viatura sinistrada. - resposta ao quesito 9º;
21) Pois que, considerando as características e peso do veiculo sinistrado, bem como o estado do pavimento e a inclinação do veículo, após a cedência do piso, o mesmo apenas podia ser removido do local mediante a utilização de um grua, por meio de ganchos assentes numa estrutura sólida, através da sua elevação. - resposta ao quesito 10.º;
22) Sob o fundamento de não trabalhar com auto-gruas, a 1ª ré, por sua responsabilidade, solicitou a intervenção de uma terceira entidade para a remoção do veículo sinistrado. - resposta ao quesito 11.º;
23) Acedendo à solicitação da 1ª ré, volvidas três horas do aluimento do piso, surgiu no local um reboque, composto por camião de três eixos e 26 toneladas, com um guincho (cabo de aço). - resposta ao quesito 12.º;
24) Após o capotamento parcial do veículo, e porque este corria o risco de virar por completo para cima do telhado da moradia aí existente, o condutor do reboque teve de colocar umas cintas no veículo, tendo aguardado pela chegada de uma auto-grua para o levantar. - resposta ao quesito 15.º;
25) O que sucedeu, apenas, na manhã do dia seguinte, com o envio de uma auto-grua pela empresa “II, S.A.”, a solicitação da autora. - resposta ao quesito 16.º;
25.a. O veículo capotou durante e em consequência das manobras a que então se procedia de remoção do veículo e, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída. – resposta ao quesito 17.º (resultado da alteração da decisão de facto operada pela Relação);
26) Tornou-se necessária a substituição da betoneira, em virtude da solidificação do betão/cimento que era transportado no seu interior. - resposta ao quesito 18.º;
27) A qual, tendo ficado inutilizável, obrigou a que a autora tivesse de proceder à remoção e transporte do balão para incineração. - resposta ao quesito 19.º;
28) Com o que suportou um custo de €2.700,00. - resposta ao quesito 20.º;
29) A fim de auxiliar a manobra de remoção do veículo, alguém não identificado ligou o motor, o qual se manteve ativo aquando do capotamento. - resposta ao quesito 21.º;
30) O que fez com que o óleo do motor vertesse, misturando-se no circuito eletrónico e de admissão, tornando obrigatória a substituição do motor. - resposta ao quesito 22.º;
31) O veículo sinistrado esteve imobilizado desde o dia do sinistro até ao dia 16 de Março de 2009. - resposta ao quesito 23.º;
32) Tendo apenas ficado reparado e pronto a ser entregue à autora em 18 de Maio de 2009. - resposta ao quesito 24.º;
33) Com reparação do veículo sinistrado e substituição da betoneira acidentada, a autora suportou, integralmente, um encargo de € 89.971,24 (oitenta e nove mil novecentos e setenta e um euros e vinte e quatro cêntimos). - resposta ao quesito 25.º;
34) E despendeu a quantia de € 5.760,00 (cinco mil setecentos e sessenta euros) com o pagamento dos serviços do manobrador da empresa “II, S.A.”. - resposta ao quesito 26.º;
35) Uma vez que as rés não assumiram a responsabilidade pelo sucedido, a autora viu-se na obrigação de firmar um acordo com a empresa “FF, Lda.”, nos termos do qual dispensou esta última de proceder ao pagamento de dois meses do contrato de aluguer entre ambas firmado, no valor global de € 4.600.00. - resposta ao quesito 27.º;
36) Em razão do sinistro, o veículo sinistrado sofreu uma desvalorização de 10.000.00 (dez mil euros). - resposta ao quesito 28.º;
37) Foi o Sr. DD quem, pelas 17.30h do dia em causa, acionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior. - resposta ao quesito 33.º;
38) De imediato, o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitando para a sua direita, com as rodas para o ar. - resposta ao quesito 34.º;
39) O que constituiu a causa direta e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira. - resposta ao quesito 35.º;
40) O Sr. DD é funcionário da firma a quem a autora locou o camião.” - resposta ao quesito 37.º; [1]]
II.B. – DE DIREITO.
II.B.1. – Qualificação do sinistro: se ocorrido numa operação de descarga ou em acção de remoção do veículo. Âmbito do contrato de seguro
Como se sinalizou supra, a controvérsia que atina com a solução do litígio prende-se com a interpretação a conferir à manobra – mais correcto seria dizer «ao início de manobra» – operada pelo condutor quando a auto-grua intentou retirar o veículo da posição em que se encontrava, ou seja se preparava para o remover da posição «periclitante» e inclinada em que se encontrava.
Convém rememorar os factos marcantes que podem iluminar a operação de interpretação do que deve entender-se por, «início de operação de descarga», «operação de descarga», «preparação da operação de remoção» e «execução da operação de remoção».
Em sinopse integradora, recoloquemos, diacronicamente, os factos tal como vêm alinhados na decisão de facto.
O veículo pesado de mercadorias, que portava, acoplado, uma betoneira, dirigia-se para ..., para aí proceder a uma descarga de betão (cimento fresco) transportada na betoneira. Depois de ter chegado ao local, e ao verificar que teria de esperar pela sua vez para proceder à descarga do betão, “o condutor do veículo -GJ- encostou-o à berma direita da estrada, no sentido ... - ..., tendo o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via.
O veículo ficou estacionado a cerca de quarenta (40) metros do local onde iria proceder à descarga do betão – cfr. ponto 12 da decisão de facto.
O veículo pesado ficou estacionado, na berma direita da estrada que liga ... a ..., tendo “o veículo ficado com as rodas laterais esquerdas sobre a via pública, enquanto as rodas laterais direitas ficaram sobre a berma da estrada nacional, de forma a possibilitar a passagem de veículos e a desobstrução da referida via.
Após a paragem “o alcatrão e o cimento/betão da via onde se encontrava parado o veículo com a matrícula -GJ- cederam, num ângulo inferior a vinte graus, provocando a inclinação deste para o lado da berma.
Em face ao aluimento/cedência do alcatrão e cimento/betão, num ângulo inferior a vinte graus, no local onde se encontrava parado o veículo pesado, o veículo viria a inclinar-se para a berma.
Três horas após o facto acabado de referir – aluimento e inclinação do veículo para a berma – compareceu um reboque munido de um guincho.
O veículo capotou durante e em consequência das manobras a que então se procedia de remoção do veículo e, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída.
Adiante, e em desconexão – ou pelo menos descompassado, diacronicamente, com a matéria concernente com o processo de remoção do veículo pesado, surge como provado que um tal DD, pelas 17,30 horas, do dia em causa – qual dia? O dia 26 de Fevereiro de 2009? – accionou os comandos manuais da betoneira para iniciar a descarga do cimento que se encontrava no seu interior, tendo o camião rodado sobre si mesmo, ficando deitado para a direita, com as rodas para o ar, “o que constituiu a causa direta e necessária dos danos sofridos na sua estrutura, cabine e betoneira”.  
As causas (directas e causais) dos danos sofridos pelo veículo pesado foram, de acordo com a matéria de facto que vem provada das instâncias: a) – o capotamento decorrente das manobras de remoção do veículo – ponto 25.a dos factos provados; b) – e o início da descarga do cimento, em consequência do que o camião rodou sobre si mesmo, ficando deitado para a direita, com as rodas para o ar (melhor seria dizer «com as rodas para o ar, de lado». (Na verdade, retira-se da fotografia junta a fls. 42 que a posição mais «inclinada» em que o camião ficou, foi tombado sobre o lado direito e com os rodados em ângulo recto com o pavimento. Não, como parece inferir-se da alegação, com o capot do camião em posição horizontal ao pavimento e os rodados, consequentemente, em posição vertical).   
Contrariamente ao que a demandada pretende inculcar, não ocorreram dois momentos após o veículo pesado ter «adornado» em virtude da cedência do pavimento e da berma onde se encontrava estacionado – ou tendo ocorrido dois momentos temporais, um passado três horas da inclinação do veículo (17;30 horas do dia 26-02-2009) e outro na manhã do dia seguinte – eles constituem-se como encadeamentos do mesmo processo, a saber do processo de remoção do veículo. [2]]
Após o veículo – vulgo autobetoneira – ter ficado inclinada (para a direita), em virtude da cedência do piso e da berma, todo o processo que que decorreu até ao endireitamento do veículo e colocação na posição normal, se inscreveu no processo de remoção do veículo. Numa primeira abordagem para a remoção – o que ocorreu n próprio dia em que o sinistro acaeceu, às 17;30 horas, com a chegada ao reboque da firma “CC, Lda.” (composto de camião de três eixos e 26 toneladas, com um guincho (cabo de aço) – não foi logrado o endireitamento do veículo – mesmo depois de ter sido tentado o esvaziamento do recipiente onde se encontrava alojado o cimento, por acção do Sr. DD (funcionário da firma a quem a Autora tinha alugado o camião – cfr. respostas aos quesitos 33 e 37. Neste momento – o primeiro momento da tentativa de remoção – o veículo passou de uma inclinação de 20n cm para uma posição de “deitado para a sua direita, com as rodas para o ar» - cfr. resposta ao quesito 34.          
Só na manhã seguinte – cfr. respostas aos quesitos 15 e 16 – é que, depois de o veículo ter sido amarrado com umas cintas, para evitar que tombasse sobre o telhado da moradia, o veículo viria a ser removido, por acção de uma auto-grua.
E foi em consequência desta actividade de remoção que (sic): “o veículo capotou durante e em consequência das manobras a que então se procedia de remoção do veículo e, em consequência desse capotamento, o veículo sinistrado ficou com a parte lateral direita da cabine parcialmente destruída.” – resposta ao quesito 17.º (resultado da alteração da decisão de facto operada pela Relação).
Segundo a prova testemunhal [3]] que sustentou a decisão de facto – cfr. fls. 599 a 602 – o que terá ocorrido, foi que num primeiro momento o reboque que acudiu ao local por chamamento da seguradora, tentou rebocar/remover a autobetoneira da posição inclinada (em 20 cm – cfr. fotografias de fls. 34, 35, 36 e 37) em que se encontrava – tendo sido durante esta tentativa que, o condutor do reboque – DD, condutor da empresa detentora do reboque  – tentou despejar o cimento que se encontrava no recipiente da autobetoneira e ao fazê-lo – certamente porque com o esvaziamento do cimento a viatura ficou mais leve e mais móvel – a autobetoneira virou totalmente, tendo ficado deitada (para o lado direito) e com as rodas em posição horizontal ao pavimento – cfr. fotografia de fls. 38 a 42.
Só na manhã seguinte, como se disse supra, é que uma auto-grua terá puxado a autobetoneira da posição em que se encontrava, e referida na parte final do parágrafo antecedente, tendo-a colocado na posição perpendicular (direita) relativamente ao pavimento/asfalto.
A “descarga” que ocorreu não foi uma descarga – digamos assim «normal» - da carga do veículo, mas sim um esvaziamento ou despejo – como se refere o proprietário da casa para onde a autobetoneira tombou – de cimento, para facilitar ou promover uma adequada remoção – ou pelo menos terá sido essa a intenção do proprietário do reboque, por si, ou com a conivência dos demais intervenientes no sinistro, nomeadamente funcionários da empresa locadora da autobetoneira – cfr. depoimento da testemunha JJ – fls. 601.
Seja, porém, como for – quanto à autoria da ideia de retirar/esvaziar o recipiente da autobetoneira – o facto, invadeável, é que se não pode considerar como operação de descarga, a acção de esvaziamento/despejo de uma carga, que só é feito como modo e forma de – segundo a opinião de alguns intervenientes no processo de remoção – facilitar e dar melhor seguimento à operação de remoção.
Convém reter um ponto que se afigura complementar, mas crucial, da ideia que assumimos – a de que não ocorreu uma descarga, no sentido em que a autobetoneira se colocou junto do local onde tinha a incumbência de descarregar o cimento. É que a autobetoneira estacionou a 40 metros do local onde deveria operar a descarga e que foi no local onde estacionou – e pouco depois de ter estacionado – que se verificou o aluimento de uma parte do asfalto e da berma. Encontrando-se a autobetoneira a 40 metros do local onde deveria proceder à descarga e tendo sido nesse local que o sinistro ocorreu, não se vê como pode qualificar-se de operação de descarga uma acção de esvaziamento do cimento para facilitação de uma operação de remoção – através de um reboque – do veículo adornado sobre uma propriedade alheia.
A operação de despejo do cimento em que foi efectuada não pode ser qualificada como “descarga» da carga que ele transportava, dado que por «descarga», em termos de transporte de mercadorias, deve ser entendido como a operação que se destina a colocar um produto transportado por um veículo num local previamente acordado, traduzindo-se essa entrega/descarga num acto de entrega do produto transportado ao destinatário final, ou seja aquele a quem o produto era destinado e que estava previamente referenciado como sendo o receptor da mercadoria transportada. Descarga de qualquer mercadoria não pode deixar de ser entendido como um acto de entrega de um produto, que teve uma acção de carga, precisamente num destino de origem – o do produtor ou intermediário – e que se destina a um destinatário, ou seja a um ponto – previamente acordado entre o transportador e o expeditor – que a recebe – conferindo-a ou não – e dá por concluído o transporte da mercadoria. Só com a entrega da mercadoria a um destinatário, previamente acordado, é que o acto de entrega se verifica e se conclui, com o desapossamento da mercadoria do transportador para a esfera de controle do destinatário. Uma descarga, importa, nesta medida e com o recorte funcional e executivo que lhe conferimos, um acto de entrega da mercadoria transportada a um destinatário, que com o acto de entrega - «descarga» - recebe a mercadoria e a integra no sua esfera de dominialidade.
A descarga só pode ser entendida, nos preditos termos e com os efeitos que aqui lhe atribuímos, passagem de uma mercadoria transportada da esfera de controle do transportador para a esfera de controle de outem, neste caso daquele a quem a mercadoria é destinada e tem o poder de a receber, mediante, normalmente, da retirada da mercadoria do veículo transportador para um local que o destinatário lhe destina.
No caso que nos ocupa, a mercadoria transportada não foi entregue ao destinatário, tendo sido «despejada», por esvaziamento do recipiente da autobetoneira, para um qualquer espaço revel e alheio aquele que lhe estava destinado pelo transportador. O cimento não foi destinado ao fim para que era transportado, mas derramado num espaço qualquer para facilitar a operação de reboque/remoção da autobetoneira.

Ensaiando uma definição de contrato de seguro – tendo em conta que ao contrato de seguro em pareço se aplica a Lei do Contrato de Seguro (DL n.º 72/2008, de 16 de Abril) –, Margarida Lima Rego, in “Contrato de Seguro e Terceiros”, propõe dever ser definido como sendo “[o] contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, suporta um risco económico da outra parte ou de terceiro, obrigando-se a dotar a contraparte ou o terceiro dos meios adequados à supressão ou atenuação das consequências negativas reais ou potenciais de determinado facto.” [[4]]    

Não sofre controvérsia a qualificação do contrato de seguro como contrato obrigacional, no sentido de encerrar “[uma] relação jurídica relacional, ou relação jurídica, em que uma pessoa - o seu titular activo: o credor – tem um direito subjectivo de obter ou exigir de outrem uma prestação – sendo essa pessoa o titular passivo: o devedor – que, por sua vez, está adstrito a um dever específico de prestar, ou seja, está vinculado a uma conduta, passiva ou negativa, para com o primeiro.” [[5]] Na desinência da correspectividade obrigacional ou do sinalagma que se constitui com o contrato de seguro [[6]], o tomador do seguro obriga-se ao pagamento de uma prestação ou prémio, ou fracção de prémio, de seguro, que se renova, se não ocorrer a sua caducidade ou desistência, enquanto que, para o segurador, enquanto entidade que suporta o risco, em que se traduz o objecto imediato do contrato de seguro, a prestação radicaria no pagamento de uma indemnização. [[7]] O pagamento do prémio é condição da eficácia da atribuição cometida ao segurador - cobertura do seguro -, ou seja o contrato de seguro só adquire eficácia entre as partes depois do tomador pagar o prémio a que corresponde a contrapartida estipulada entre as partes.

O contrato de seguro é um contrato típico ou nominado e sujeito à regra geral dos contratos, a saber o principio da autonomia da vontade das partes, que numa formulação breve se traduzirá na liberdade atribuída aos particulares para que estes possam determinar e conformar livremente o conteúdo de um acordo bilateral consensuado, segundo os seus interesses e observados os limites previstos em lei, em outra variante, no poder das partes de estipular livremente, mediante acordo de vontades, a disciplina de seus interesses, consistente na liberdade de contratar, de escolher ou outro contraente e de fixar o conteúdo do contrato, limitadas pela função social do contrato, pelas normas de ordem pública, pelos bons costumes.

Esta liberdade de contratar reconduz-se, nos contratos de seguro, às condições particulares ou a certos aspectos deste tipo de cláusulas, já que as condições gerais estão normalmente consubstanciadas em cláusulas contratuais gerais que regem para todos os contratos de determinada tipologia. [[8]]

Tratando-se de contrato sujeito a forma aplica-se a regra de interpretação contida no artigo 238.º do Código Civil segundo o qual “Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo que não tenha um mínimo de correspondência no texto”.

Os contratos de seguro inserem condições gerais, aplicáveis à generalidade dos seguros relativos a riscos homogéneos (assim, as condições gerais do seguro de responsabilidade civil), condições especiais, também de natureza geral que completam e especificam as gerais (assim, as condições do seguro de responsabilidade civil do médico) e condições particulares que respeitam ao contrato em causa, adaptando-o às exigências das partes. Razões de lógica impõem que as condições particulares prevaleçam sobre as especiais e gerais, as especiais sobre as gerais, as escritas sobre as impressas e as impressas para que remetem as condições escritas sobre as impressas para que remetem as condições impressas”. [[9]

A questão – tal como a deixamos enunciado supra – prendia-se, tão só, com a qualificação do acto operado/executado pela autora. Tratando-se de uma operação de «descarga» ou de um capotamento.

Temos para, nós, pelas razões que deixamos adiantadas supra, que o sinistro deve ser considerado como tratando-se de um capotamento, originado, ou tendo como causa próxima e imediata, uma operação de remoção, que por inépcia, falta de perícia, inconsideração de todos os factores físico-dinâmicos envolventes com a operação fez com que a autobetoneira de uma posição relativamente inclinada, viesse a tombar, sobre o seu lado direito, tendo capotado e ficado numa posição de deitada sobre este lado direito e com os rodados numa posição de «virados para cima». 
Tratando-se de um capotamento está a demandada obrigada a indemnizar, por estar incluído nas cláusulas particulares contratadas.

Tal como se diz, acertadamente, na decisão recorrida (sic): “Dentro do âmbito do seguro automóvel facultativo celebrado entre as partes, foram contratados os seguintes riscos:

- responsabilidade civil facultativa;

- Choque, Colisão, Capotamento, Incendio, Raio e Explosão;

- Furto ou roubos;

- Greves, tumultos, alteração da ordem pública;

- Actos de terrorismo, vandalismo, sabotagem;

- assistência em viagem;

- Quebra de vidros - vidro fabricante veículo.

Nas Condições Especiais, respeitantes à “001 – Responsabilidade Civil Facultativa”, dispõe o art. 2º, sob a epígrafe, “Exclusões”:

1. Além das exclusões previstas nos artigos 6º e 37º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos, em caso algum, as perdas e danos em consequência de:

(…)

e) sinistros causados por excesso ou mau condicionamento de carga, transporte de objetos ou participação em atividades que ponham em risco a estabilidade e domínio do veículo.

Também esta cláusula de exclusão, que a Ré invoca a seu favor para se eximir ao pagamento da indemnização pelos danos sofridos pela autora na sequência do sinistro em causa, nada tem a ver com a situação em apreço.

Tal cláusula de exclusão diz respeito alargamento do risco acordado relativamente à “Responsabilidade Civil Facultativa”, o qual garante a “cobertura complementar de responsabilidade civil para além do montante exigido quanto à obrigação de segurar ou da que for contratada para veículos não sujeitos à obrigação” (cfr., art.1º, nº1, das Condições Especiais, 001 Responsabilidade Civil Facultativa).”

E mais adiante, escreveu-se na decisão sob escrutínio, que: “O que aqui se encontra em causa são os danos sofridos pela viatura propriedade da autora na sequência de capotamento, ou seja, é a cobertura facultativa que se acha sujeita às Condições Especiais “002 Choque, Colisão, Capotamento, Incendio, Raio e Explosão”, a qual “garante os danos no veículo seguro em consequência de Choque, Capotamento, Incêndio, Raio e Explosão ou Quebra de Vidros”.

E, para efeitos de tal Condição Especial, considera-se:

“3. Capotamento – Acidente em que o veículo perde a sua posição normal e não resulta de choque ou colisão.

E, relativamente a tais condições, a Ré seguradora não invoca qualquer uma das exclusões expressamente previstas no seu art. 2º, nº1, sendo certo que só relativamente à prevista na al. e), se poderia por a hipótese de se encontrar verificada, no caso em apreço: “Para além das exclusões previstas nos arts. 6º e 37º das Condições Gerais da Apólice, não ficam garantidos as perdas ou danos:

(…) e) causados por objetos transportados ou durante operações de carga ou descarga.”

Já deixamos supra clarificada a posição do Tribunal quanto ao que deve ser entendido como operação de descarga, pelo que, as considerações que deixamos extractadas da decisão sob sindicância, merecem total adesão.

Ocorreu um capotamento – em consequência e tendo como causa, directa e imediata uma operação/execução de remoção do veículo sinistrado – e, em função das condições particulares constantes da apólice, está a demandada obrigada a indemnizar, nos termos afinados na decisão recorrida e que por se encontrar devidamente especificada e justificada não merecerá qualquer alteração. [10]]   
      



III. – DECISÃO.
Na defluência do exposto, acordam os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:
- Negar a revista;
- Condenar a recorrente das custas.

Lisboa, 25 de Novembro de 2014


Gabriel Catarino (Relator)

Maria Clara Sottomayor

Sebastião Póvoas


______________________
[1] As indicações e referências aos “Factos Provados” e respectivas alíneas e as respostas aos pontos da base instrutória, constituem acrescentos da nossa lavra, para melhor explicitação do alinhamento factual adquirido para o processo.
[2] Cfr. respostas aos quesitos 15 e 16 que quedam transcritos. “Após o capotamento parcial do veículo, e porque este corria o risco de virar por completo para cima do telhado da moradia aí existente, o condutor do reboque teve de colocar umas cintas no veículo, tendo aguardado pela chegada de uma auto-grua para o levantar. - resposta ao quesito 15.º;
25) O que sucedeu, apenas, na manhã do dia seguinte, com o envio de uma auto-grua pela empresa “II, S.A.”, a solicitação da autora. - resposta ao quesito 16.º.
[3] Cfr. síntese do depoimento da testemunha A... – proprietário da casa sobre a qual caiu a autobetoneira – “tentaram rebocar o camião e depois de despejar o betão, na altura em que ligaram o camião (cerca das 16,00 horas) para despejar o betão este caiu e ficou com as rodas viradas para o ar”. Esta testemunha refere igualmente que a auto-grua só chegou na manhã seguinte.
[4] Cfr. Lima Rego. Margarida, in “Contrato de Seguro e Terceiros”, Coimbra Editora, 2010, pág. 66.
[5] Cfr. Lima Rego. Margarida, in op. loc. cit., pág. 309.
[6] Cfr. Lima Rego. Margarida, in op. loc. cit. pags. 351 a 392.
[7] Cfr. Lima Rego. Margarida, in op. loc. cit. págs. 321 a 351.
[8] Quanto às características dos contratos de adesão veja-se Pinto Monteiro, António, “Novo Regime Jurídico dos Contratos de Adesão, Cláusulas Contratuais Gerais”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano2002, no 62, Vol. I, Jan. 2002, onde a propósito escreveu: “[estes] contratos são normalmente celebrados com base em cláusulas ou “condições gerais” previamente redigidas. Quer dizer, a pré-disposição, a que atrás me referi, consiste, via de regra, na elaboração prévia de cláusulas que irão integrar o conteúdo de todos os contratos a celebrar no futuro ou, pelo menos, de certa categoria de contratos: trata-se, “hoc sensu”, de cláusulas contratuais gerais. A esta característica da generalidade anda associada uma outra, a indeterminação: as cláusulas são previamente redigidas para um número indeterminado de pessoas.
É a intenção uniformizadora que leva a este procedimento, a fim de os contratos que vierem a ser concluídos obedecerem todos ao mesmo padrão ou modelo. O que permite responder às necessidades de racionalização, planeamento, celeridade e eficácia que impuseram e justificam, como já referi, o recurso a este modo de formação do contrato.
Pensemos, entre tantos outros exemplos, nos contratos de seguros, bancários, de locação financeira (“leasing”), informáticos, de transporte, de fornecimento de energia eléctrica, água e gás, de prestação do serviço telefónico ou, até, nos contratos pelos quais se adquire, hoje em dia, um electrodoméstico ou outro bem de consumo corrente.
Neles estão presentes, em regra, todas as características dos contratos de adesão em sentido amplo: a pré-disposição, a unilateralidade, a rigidez, a generalidade e a indeterminação. Alguém, normalmente uma empresa, elabora previamente as cláusulas (ou “condições”) que irão fazer parte de todos os contratos que vier a celebrar, seja com quem for. Isto não impede, naturalmente, eventuais negociações entre as partes quanto a alguns aspectos do contrato — no essencial, porém, ele será regido, no todo ou em parte, pelas cláusulas previamente formuladas, sem que o aderente possa alterá-las. Tais cláusulas não são, pois, o resultado das negociações — pelo contrário, elas antecedem eventuais negociações, são elaboradas antes e independentemente de quaisquer (hipotéticas) negociações.
Há, assim, que separar duas fases: a da elaboração das cláusulas, que antecede e abstrai dos contratos que venham futuramente a celebrar-se, a qual é uma fase estática; e a da celebração de cada contrato singular, isto é, a fase em que se celebra efectivamente o contrato com alguém, que é a fase dinâmica em que se constitui a relação contratual, em que se conclui o contrato dito de adesão e que integra aquelas cláusulas.
Estas duas fases constituem dois momentos distintos do processo de contratação. E originaram diferentes designações para o mesmo fenómeno: com efeito, contratos de adesão, condições gerais dos contratos, cláusulas contratuais gerais, contratos “standard”, etc., tem sido, como se sabe, a terminologia utilizada em vários direitos para designar a mesma realidade. Pondo de lado a distinção entre contratos de e por adesão — que poucos seguidores tem tido —, a alternativa tem-se colocado entre as expressões contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais (ou condições gerais dos contratos).
Ora, se é certo que se trata, frequentemente, de designar de forma diversa o mesmo processo, a verdade é que, em rigor, a fórmula contratos de adesão é mais ampla, podendo não coincidir com a expressão cláusulas contratuais gerais.
Na verdade, em regra o contrato de adesão é concluído através de cláusulas contratuais gerais; mas pode acontecer que falte às cláusulas pré-formuladas o requisito da generalidade (ou o da indeterminação), caso em que haverá contrato de adesão (estando presentes as características da pré-disposição, unilateralidade e rigidez) sem se poder falar de cláusulas contratuais gerais. Estas últimas são previamente elaboradas, numa palavra, tendo em vista a celebração, no futuro, de múltiplos contratos, que serão de adesão — mas tais contratos não deixarão de o ser se faltarem às cláusulas pré-formuladas os requisitos da generalidade e indeterminação.” 

[9] Apud. Op. loc. cit. Pág. 135.
[10] Para melhor esclarecimento deixa-se transcrita a parte da decisão em quem se explicita e aloca cada uma das parcelas em que se desdobra a indemnização a suportar pela seguradora.

Na sequência do exposto, considera-se que o sinistro ocorreu no âmbito dos riscos cobertos pelo seguro celebrado entre as partes, nomeadamente da cobertura facultativa por “choque, colisão e capotamento”, para a qual foi fixado o capital máximo de 99.000,00 €, com uma franquia de 2% a cargo da empresa segurada, e a franquia de dois dias no caso da cobertura de privação temporária de uso, com o limite de 30 dias, à razão diária de 250 € diários.

Tratando-se de seguro facultativo, os valores a receber pelo autor não cobrirão a totalidade dos danos por si sofridos em consequência do sinistro – capotamento do veículo –, mas, tão só, os danos que se mostrem expressamente previstos e contemplados no contrato de seguro.

Encontra-se a 1ª Ré obrigada a proceder ao pagamento à autora do valor correspondente à reparação do veículo sinistrado e substituição da betoneira acidentada, no valor de 89.971,24 €, deduzida a franquia de 2% a cargo da autora (= 88.180,82 €).

Autora pede ainda:

- o valor de 2.700,00 €, correspondente à despesa que suportou com remoção e transporte do balão da betoneira para incineração;

- a quantia de 5.760,00 € que pagou pela viatura que retirou o camião e a colocou sobre a via pública;

- a quantia de 4.600,00 €, montante equivalente ao valor de dois alugueres mensais, que a locatária lhe deixou de pagar por a Autora não ter conseguido assegurar uma viatura de substituição;

- 10.000,00 € pela desvalorização do veículo.

Ora, quanto ao valor da desvalorização do veículo e ao custo do transporte do balão para a incineração, não se encontrando expressamente contemplada a cobertura de tais danos, terão de improceder as pretensões formuladas a tal respeito pela autora.

Quanto à privação do veículo, encontrando-se provado que a autora se encontrou privada do veículo desde a data do sinistro (26.02.2009) e até 18 de Maio de 2009 (cerca de três meses) e não ultrapassando o valor peticionado a este título os limites estabelecidos no contrato de seguro (250,00 € dia, até um máximo de 30 dias), terá a autora direito ao recebimento do valor por si peticionado a este título.

Por fim, quanto à despesa de 5.700,00 €, que a autora suportou pela viatura que removeu o camião e o colocou sobre a via pública, alega a Ré seguradora que, caso a 2ª Ré tenha encetado operações de salvamento do camião, sempre as garantias do contrato se encontram excluídas, face ao disposto no 10º, nº1, da Condição Especial 017, uma vez que a Ré apenas se responsabilizou pelo serviço de reboque do camião até à sede da Autora, solicitado no âmbito da cobertura de assistência em viagem participada no âmbito do primeiro sinistro. Mais alega, que, de qualquer modo, o limite de capital disponibilizado para o serviço de reboque de um veículo com mais de 20 001 kg de peso bruto é de 550,00 €.

As despesas com a remoção do camião só se encontrariam cobertas ao abrigo da cobertura de assistência em viagem, que se encontra sujeita à Condição Particular 017 Assistência em Viagem (fls. 144 e ss).

Quanto a tal garantia (assistência decorrente da verificação dos riscos previstos que ocorram durante deslocações), o art. 10º, nº1, prevê a seguinte exclusão da obrigação de indemnizar:

“A BB não suportará as prestações que não lhe tenham sido solicitadas ou que não tenham por ela sido efetuadas ou com o seu acordo, salvo nos casos de força maior ou de impossibilidade material demonstrados”. 

No caso em apreço, ficou demonstrado que tendo a autora comunicado a ocorrência do sinistro à empresa mediadora do acordo de seguro outorgado entre A. e Ré, esta se responsabilizou pela adoção das medidas necessárias e adequadas à resolução do sinistro. E, tendo sido transmitido àquela sociedade que a 1ª ré teria de mandar uma Auto grua para remoção da viatura sinistrada, uma vez que aquela só mediante a utilização de uma grua poderia ser removida do local, e sob o fundamento de não trabalhar com auto-gruas, a 1ª ré solicitou a utilização de 3ª entidade para remoção do veículo. E, acedendo à solicitação da Ré, passado 3 horas, surgiu no local um reboque, que se limitou a segurar a viatura sinistrada, após tentativas frustradas de remoção da mesma, que redundaram no capotamento parcial da viatura, ficando a aguardar até ao dia seguinte, até à chegada de uma Auto grua, enviada a solicitação da autora.

Ora, tendo a autora seguido os trâmites previstos no contrato, para que fosse a Ré Seguradora a disponibilizar os serviços necessários à remoção do veículo, e face à comunicação, por parte da ré, da impossibilidade de enviar uma Auto grua sem a qual não seria possível a retirada do camião, era inexigível à autora outro comportamento que não fosse, providenciar, ela própria pelo envio de uma grua para remover o camião, sobretudo, após as tentativas falhadas de remover o veículo com recurso a um mero rebocador, e que acabaram por provocar o tombamento do camião, e com o risco de virar por completo para cima do telhado da moradia aí existente.

Como tal, entende-se não se verificar a invocada cláusula de exclusão, uma vez que, embora esta despesa não tenha sido expressamente por si autorizada, não tendo a 1ª ré providenciado, em tempo útil, o envio de uma Auto grua que se mostrava necessária à remoção do camião, tal circunstancialismo configura um caso de força maior ou de impossibilidade de utilizar os meios da 1ª Ré, encontrando-se plenamente justificada tal despesa.

Encontrando-se a cobertura de tais danos coberta unicamente até ao capital máximo de 550,00 € (art. 6º, das Garantias de Assistência ao veículo e seus ocupantes, ponto 1.1., pág. 44 das Condições juntas aos autos), será este o valor a receber pela autora.

Sobre os valores referidos serão devidos juros à taxa legal desde 9 de julho de 2009: embora a Ré alegue não ter sido interpelada para proceder ao pagamento dos valores aqui peticionados, dos documentos juntos aos autos pela autora a fls. 65 a 83, resulta que, pelo menos nessa data, a autora havia já sido interpelada para pagamento da totalidade das quantias peticionadas nos presentes autos.