Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1585/12.4TBGDM.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: OLIVEIRA ABREU
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
DANO EMERGENTE
DANOS PATRIMONIAIS
SUBSÍDIO DE DESEMPREGO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
DANOS FUTUROS
DANO BIOLÓGICO
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
SALÁRIO MÍNIMO NACIONAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
NULIDADE DE ACÓRDÃO
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
ARBITRAMENTO DE REPARAÇÃO PROVISÓRIA
Data do Acordão: 11/20/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO / INDEMNIZAÇÃO EM DINHEIRO.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, volume I, p. 865 ; Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, p. 591 ; Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, p. 628;
- Menezes Cordeiro, O Direito, 122º, p. 272;
- Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 86;
- Pessoa Jorge, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4 E 639.º, N.º 1.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 566.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 07-04-2016, PROCESSO N.º 237/13.2TCGMR.G1.S1;
- DE 10-11-2016, PROCESSO N.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 14-12-2016, PROCESSO N.º 37/13.0TBMTR.G1.S1;
- DE 11-04-2019, PROCESSO N.º 465/11.5TBAMR.G1.S1;
- DE 23-05-2019, PROCESSO N.º 1046/15.0T8PNF.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I. Tendo-se demonstrado que a atribuição do subsídio de desemprego, enquanto prestação para compensar a sua falta de remuneração motivada pela perda involuntária de emprego, e sem que tenha acumulado, no apurado período temporal, qualquer subsídio de doença, tendo sido cancelada em virtude do ajuizado sinistro, reconhecemos que esta perda terá que se considerar, necessariamente, como dano patrimonial, enquanto dano emergente, devendo ser fixado o respectivo quantum indemnizatório pela perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego.

II. É reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pelos prejuízos decorrentes da perda de capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, nomeadamente, quer quanto ao tempo de vida do lesado, quer quanto à própria evolução salarial que a vítima teria ao longo da sua vida, evolução que hoje, mais do que nunca, é de uma imprevisibilidade evidente, inclusive, a própria empregabilidade e manutenção do emprego, cada vez mais incerta, outrossim, os próprios índices de inflação, entre outros.

III. Não podendo ser quantificado, em termos de exactidão, o prejuízo decorrente da perda de capacidade aquisitiva futura, impondo-se ao Tribunal que julgue equitativamente.

IV. Na Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho futuro, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, encontrando, assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a aferir segundo um juízo de equidade, tomando em consideração critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, enunciados na precedente alínea.

V. Quando o reclamante da indemnização pela perda de capacidade aquisitiva futura se encontra desempregado, à data do acidente ajuizado, ter-se-á em conta como rendimento mensal a considerar, o salário mínimo nacional.

VI. Tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis.

VII. Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral sofridas pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, quanto possível, a intensidade dessa dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, fazendo funcionar a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, de forma que se tenha em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

VIII. A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito gera a nulidade, sendo que a fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça



I – RELATÓRIO


AA intentou a presente acção declarativa contra Companhia de Seguros BB, S.A., pedindo a condenação desta a pagar-lhe: - a quantia já liquidada de €18.718,69 a título de danos patrimoniais;- a quantia de €30.000,00 a título de danos não patrimoniais; - a quantia a liquidar em sede de execução de sentença referente a:-incapacidade permanente geral; tratamentos e medicação até a data da alta clínica definitiva; - deslocações a consultas e tratamentos até à data da alta clínica definitiva; - perdas salariais até à data da alta clínica definitiva; - tratamentos futuros de fisioterapia, transportes para os mesmos e medicação; - contratação de empregada doméstica; - cirurgias que venha a necessitar no futuro, danos patrimoniais e não patrimoniais emergentes das mesmas; tudo acrescido de juros de mora à taxa legal sobre todas as quantias peticionadas desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

Articulou que em 17 de Maio de 2011 foi vítima de um acidente de viação causado por culpa exclusiva do condutor de veículo seguro na ré, em virtude do qual sofreu danos patrimoniais e não patrimoniais dos quais pretende ser indemnizado.

Regularmente citada, contestou a ré contestou aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro na produção do acidente alegado na petição, contudo impugnou parte da factualidade alegada quanto aos danos, alegando que nos exames médicos realizados ao autor apurou-se que o mesmo sofre de lesão degenerativa da coluna cervical, já com alterações de sinal medular, em C5-C6 presentes também alterações degenerativas vertebro-discais, lesões que são anteriores ao acidente dos autos não sendo portanto uma consequência deste e nem sequer podem resultar do mesmo.

Mais alegou que o autor teve alta médica em 28/7/2011, sem desvalorização, com cessação do tratamento, pelo motivo de não existir nexo de causalidade entre a lesão e a ocorrência do acidente e, como tal, foi encaminhado para o serviço nacional de saúde.

Ademais, sustentou que os montantes indemnizatórios peticionados pelo autor são exagerados.

Replicou o autor alegando que as alterações degenerativas antes do sinistro eram assintomáticas e não causavam qualquer grau de incapacidade ao autor, nem tinham qualquer interferência no seu dia-a-dia ou mesmo a nível do desempenho da sua actividade profissional.


Foi proferido despacho saneador e despacho de selecção de matéria de facto, o qual sofreu reclamações apresentadas pelas partes, que foram parcialmente julgadas procedentes.


O autor apresentou articulado superveniente com ampliação do pedido alegando, em síntese, que após a data da entrada da petição inicial ocorreu evolução da sua situação clinica no sentido do agravamento da mesma, o que obrigou a mais uma intervenção cirúrgica, tendo sofrido diversas intercorrências nos tratamentos, ampliando o pedido a título de danos não patrimoniais para o montante global de €45.000,00, acrescido de juros de mora.


O autor deduziu, ainda, incidente de liquidação parcial do pedido quanto ao dano emergente da perda de capacidade de ganho, uma vez que o grau de incapacidade já está quantificado, liquidando, assim, tal pedido para o montante de €70.000,00; no que diz respeito ao prejuízo inerente a perdas salariais considerando que teve alta definitiva em 1/10/2014 reclama, assim, o montante de €65.000,00 a título de perdas salariais entre a data de interposição da acção e a data em que teve alta clinica; mais liquidou em €1.200,00 o prejuízo referente às despesas médicas, medicamentosas e de transporte para tratamentos efectuados entre a data da interposição da acção e a data da alta clinica.


A ré impugnou a factualidade alegado pelo autor reiterando que os montantes peticionados são exagerados, alegando, ainda, que o autor não teve perda de rendimento porquanto mesmo que o subsídio de desemprego tenha sido suspenso o autor passou a receber da Segurança Social o correspondente por subsídio de doença, pelo que não se verifica qualquer perda de rendimento.


O articulado superveniente e ampliação do pedido foram admitidos e foram aditados factos à factualidade controvertida.


Calendarizada e realizada a audiência final foi proferida sentença, em cujo dispositivo se consignou:

“Julgar a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:

- Condenar a ré Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar ao autor o montante global de €62.787,06 (sessenta e dois mil setecentos e oitenta e sete euros e seis cêntimos), acrescida de juros de mora contados a taxa de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento sobre a quantia de €23.787,06, e da qual deverá ser descontada a quantia já paga pela ré no cumprimento da decisão proferida em sede da providência cautelar de arbitramento e reparação provisória; e sobre a quantia de €39.000,00 acrescem juros de mora à taxa de 4% desde a data da presente decisão até integral e efectivo pagamento;

- Condenar a ré Companhia de Seguros BB, S.A. a indemnizar o autor no que vier a liquidar-se em execução de sentença pelo dano resultante da necessidade de tratamentos de fisioterapia de manutenção, transporte para os mesmos, e medicação;

- Absolver a ré do demais peticionado pelo autor.”


Inconformados com o decidido, o Autor/AA e a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A.,interpuseram recursos, tendo o Tribunal a quo conhecido dos mesmos, proferindo acórdão onde concluiu pela improcedência do recurso da Ré e procedência parcial do recurso do Autor, alterando a sentença recorrida fixando-se:

“ - a indemnização por perdas salariais no montante de €24.416,13;

- a indemnização  por  danos  futuros  em consequência  da incapacidade em €45.000,00;

- a indemnização por danos morais em €25.000,00;

- no montante, a liquidar posteriormente, com o custo de trabalho de recurso a terceira pessoa no auxílio à esposa do autor.”

É contra este acórdão proferido no Tribunal da Relação do Porto que a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. se insurge, interpondo recurso de revista, sustentado nas seguintes conclusões:

“1.) A indemnização a fixar no âmbito de uma ação de responsabilidade civil visa colocar o lesado no estado em que se encontrava antes do facto que obriga à reparação (artigo 562:ºdoCódigo Civil), sendo que, quando tal não seja possível, a indemnização em dinheiro atende ao prejuízo efectivamente sofrido, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (artigo 566.º do Código Civil).

2.) O subsídio de desemprego é uma prestação social que é atribuída durante um determinado período de concessão que é estabelecido em função da idade do beneficiário e do número de meses com registo de remunerações no período imediatamente anterior à data do desemprego (artigo 37.º do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril).

3.) Ocorrendo uma situação de suspensão do subsídio de desemprego, o respetivo beneficiário não fica prejudicado porquanto o tempo de concessão do subsídio não corre durante a suspensão e só começa a correr com o reinício do subsídio (artigo 53.º do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril).

4.) Demonstrado nos autos que o recorrido deixou de receber o subsídio de desemprego durante o período de suspensão mas que este se reiniciou em 1 de outubro de 2014, inexiste qualquer prejuízo patrimonial resultante do acidente de viação que imponha reparação.

5.) Ao fixar uma indemnização por “perda salarial” em virtude da suspensão do subsídio de desemprego o tribunal fez errada interpretação do Decreto-Lei n.º 124/84, de 18 de abril e dos artigos 562.º, 564.º e 566.º, do Código Civil.

6.) Par ressarcir o dano resultante do défice funcional de que ficou a padecer o autor, o Tribunal da Relação entendeu justo e adequado alterar a indemnização fixada na primeira instância em €22.000,00 para €45.000,00.

7.) A perda da capacidade de ganho é, normalmente, igual à percentagem do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de que o lesado ficou a sofrer, isto é, o caso concreto, 10 pontos em 110, ou seja, 10%.

8.) Acompanhando-se o raciocínio desenvolvido pelo douto acórdão objeto do presente recurso, tendo por base o rendimento mensal de €600,00 e atendendo a que o autor ficou com um défice funcional permanente que lhe foi fixado em 10%, o recorrido teria um reflexo na sua perda de retribuição de €25.200,00.

9.) Tendo por referência este reflexo na perda de retribuição, a indemnização a arbitrar deve corresponder a um capital produtor do rendimento que se extinguirá no termo do período de vida ativa do lesado, com uma dedução que razoavelmente se pode estimar em ¼, dado o facto de ocorrer uma antecipação do pagamento de todo o capital.

10.) De acordo com os enunciados fatores, considerando o montante apurado pelo Tribunal da Relação do Porto em €25.200,00, apura-se um valor de €18.900,00 após operar o apontado desconto de ¼.

11.) Pelo que a indemnização para ressarcir o dano biológico não poderá exceder os €22.000,00 fixados em primeira instância, considerando já aqui algum eventual acréscimo no que concerne ao salário mínimo nacional, não sendo credível que o autor de desempregado de longa duração passe a trabalhador capaz de acumular vários trabalhos remunerados.

12.) Ao fixar a indemnização derivada do défice funcional permanente de que o recorrido padece em €45.000,00, fez o tribunal errada interpretação e aplicação do artigo 566.º, n.º 3, do Código Civil.

13.) Ao liquidar o dano não patrimonial o tribunal deve levar em conta os sofrimentos efetivamente padecidos pelo lesado, a gravidade do ilícito e os demais elementos da “fattispecie”, de modo a achar a soma adequada ao caso concreto.

14.) As circunstâncias específicas do caso concreto demandam uma ponderação do montante equivalente a uma compensação digna de todo o sofrimento, sem olvidar que a mesma se dirige, primordialmente, para a satisfação do próprio lesado, na perspetiva de minimizar a sua dor e as suas perdas, por isso se impõe que seja séria e que corresponda à dignidade dos valores lesados mas, por outro lado, levando em consideração a relatividade de cada caso e as circunstâncias da vida que evidenciam, quotidianamente, que valores mais elevados são infringidos.

15.) Impõe-se uma verdadeira tutela do dano não patrimonial mas a experiência da vida também ensina que existem danos não patrimoniais objetivamente muito mais graves do que aqueles sofridos pelo recorrente.

16.) O valor fixado pelo Tribunal da Relação do Porto para ressarcir o dano não patrimonial do recorrido distancia-se da jurisprudência mais recente.

17.) Sendo a compensação fixada em primeira instância reveladora de uma melhor ponderação do caso concreto, estando devidamente fundamentada.

18.) Fundamentação que não é colocada em crise pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, o que não permite à recorrente vislumbrar a razão da alteração do decidido.

19.) Ponderando o princípio da igualdade, analisando comparativamente os valores arbitrados em outras situações equivalentes, conclui-se que o valor fixado em primeira instância - €17.000,00 – é adequado para compensar o dano sofrido pelo autor, sendo exagerado o montante de €25.000,00 fixado pelo acórdão em apreciação no presente recurso.

20.) O Tribunal da Relação do Porto não fez assim a melhor interpretação e aplicação do disposto no artigo 496.º do Código Civil.

21.) Em primeira instância decidiu-se que não resultou provado a necessidade de ajuda de empregada doméstica e, consequentemente, julgou-se improcedente tal pedido.

22.) O acórdão recorrido, no que concerne à decisão de revogação deste segmento decisório da sentença, refere apenas: Também o autor ajudava a sua esposa nos trabalhos domésticos em consequência da sua doença. Não vai poder continuar a fazer necessitando de auxílio de terceira pessoa, o que vai redundar numa lesão efetiva do seu património. Como (Neste sentido os acórdãos citados na motivação do presente recurso) se desconhece o seu montante do prejuízo sofrido deve o mesmo ser liquidado posteriormente.

23.) O douto acórdão não refere a matéria de facto provada que motivou a conclusão de que o A. não vai poder continuar a ajudar a esposa nos trabalhos domésticos.

24.) Do recurso interposto pelo autor para a Relação do Porto extrai-se que era com fundamento na matéria de facto provada em 37 e 38 que o autor preconizava a alteração do decidido em primeira instância, concluindo pela necessidade de auxílio de terceira pessoa.

25.) Ocorre que destes factos não é possível extrair tal conclusão.

26.) Acresce que, foi julgado como não provado que o autor necessita do auxílio de terceiros para a execução da higiene pessoal, para se vestir, despir, calçar e descalçar, para se alimentar, entre outros (ponto 10 dos factos não provados) e que em consequência do impedimento da esposa do autor e por força das sequelas de que previsivelmente ficará a padecer, para o auxiliar em tais tarefas, necessitará de contratar uma empregada doméstica para o resto da sua vida, cujo custo hora é de, pelo menos, €5,00 (ponto 15 dos factos não provados).

27.) O autor aceitou o julgamento da matéria de facto e não é possível extrair da matéria de facto provada vista na sua globalidade a conclusão que a Relação do Porto concretiza para condenar a recorrente no pagamento da quantia a liquidar com a ajuda de terceira pessoa, impondo-se a alteração do decidido nos termos do disposto nos artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 674.º, n.º 1, c), do Código de Processo Civil.

28.) Por decisão proferida em 21 de março de 2012 no procedimento cautelar apenso a estes autos, foi a recorrente condenada a pagar a renda mensal de €491,60 a título de reparação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano resultante do acidente de viação ocorrido em 17 de maio de 2011.

29.) O valor arbitrado em sede de providência cautelar não se destinou a compensar as perdas salariais do recorrido.

30.) A renda arbitrada apenas corresponde ao valor que o recorrido então auferia a título de subsídio de desemprego, por este montante revelar-se adequado e suficiente para suportar as despesas do seu agregado familiar.

31.) Impõe-se a dedução da quantia paga pelo recorrente em sede de providência cautelar ao valor global da indemnização fixada, também para evitar-se um injusto enriquecimento do recorrido à custa da recorrente.

32.) Ao decidir diferentemente a douta sentença violou o disposto no artigo 388.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (correspondente ao artigo 403.º, n.º 3 do CPC em vigor à data da decisão proferida em sede de providência cautelar) e no artigo 473.º do Código Civil.

Termos em que deve ser procedente o presente recurso, revogando-se o douto acórdão em apreciação conforme o preconizado. Assim se fará Justiça”


O Recorrido/Autor/AA apresentou contra alegações pugnando pela improcedência do recurso interposto, sem aduzir quaisquer conclusões.


Foram dispensados os vistos.


Cumpre decidir.


II. FUNDAMENTAÇÃO


II. 1. As questões a resolver, recortadas das conclusões apresentadas pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., consistem em saber se:

(1) Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que os valores atribuídos a título de indemnização/compensação, ora não são devidos, ora são inadequados ao caso sub iudice, concretamente:

a) O quantum indemnizatório fixado por perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego não é devido?

b) O quantum indemnizatório fixado pelo chamado dano biológico do Autor/AA é desajustado, impondo-se arbitrar ao demandante, pela respectiva perda de capacidade de ganho futuro, um valor inferior ao fixado no acórdão recorrido que não poderá exceder os €22.000,00 atribuídos em 1ª Instância?

c) O quantum fixado pela compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA é exagerado,devendo ser arbitrado um valor inferior aqueloutro fixado pelo Tribunal a quo, sendo a compensação fixada em 1ª Instância,condizente ao montante de €17.000,00, reveladora de uma melhor ponderação do caso concreto?

 (2) O acórdão recorrido é nulo, porquanto o Autor/AA aceitou a decisão de facto, não sendo possível extrair da facticidade provada a conclusão que o Tribunal a quo concretiza para condenar a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. no pagamento da quantia a liquidar com a ajuda de terceira pessoa, impondo-se a alteração do decidido nos termos do disposto nos artºs. 615º n.º 1 alíneas b) e c) e 674º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil?

(3) Considerada a facticidade adquirida processualmente, impõe-se a dedução da quantia paga pela Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória, ao valor global da indemnização fixada ao Autor/AA, evitando-se um injusto enriquecimento deste à custa da demandada?


II. 2. Da Matéria de Facto


Factos Provados:

“1 - O autor requereu procedimento cautelar para reparação provisória de dano, a estes autos apenso, no âmbito da qual a ré foi condenada a pagar ao autor, a titulo provisório, a renda mensal de €491,60, a título de reparação provisória, a imputar na liquidação definitiva do dano do sinistro ocorrido em 17.05.2011.

2 - No dia 17 de Maio de 2011, pelas 13:10 horas, na Rua de … mais precisamente ao Km 8,6 e junto do n.º 2 de polícia 54, em …, …, ocorreu um embate entre o veículo com a matrícula ...-...-AG, conduzido por CC e o veículo de matrícula ...-...-DS, conduzido pelo A.

3 - A obrigação de indemnizar proveniente da responsabilidade civil por danos causados a terceiros decorrentes da circulação do veículo “AG” encontrava-se na data de 17 de maio de 2011 transferida para a R. através de contrato de seguro titulado pela apólice nº 795330 6260331.

4 - O veículo “DS” circulava em direção à rotunda da Covilhã.

5 - Porque um peão se preparava para atravessar a via utilizando para o efeito a passadeira inscrita no pavimento junto ao n.º de polícia 54, da direita para a esquerda atento o sentido de marcha do A.,

6 - o condutor do DS imobilizou o veiculo por forma a permitir aquela travessia.

7 - Já após o peão ter passado pela sua frente, e numa altura em que o A. ainda tinha o pé no travão, o DS foi embatido na sua traseira pela frente do AG.

8 - Com o embate, o DS foi projetado para a frente vários metros, acabando os veículos imobilizados na via conforme indicado na participação de acidente de viação elaborada pela GNR junta a fls. 14 e ss dos autos de providência cautelar a estes apensos.

9 - O AG antes do acidente circulava pela Rua de S. Pedro no mesmo sentido do autor atrás dele.

10 - O condutor do AG não guardou a distância de segurança para o veículo que o precedia e nem o imobilizou no espaço livre e visível à sua frente.

11 - O local onde ocorreu o embate é uma reta, que permite a visibilidade em toda a sua largura, existindo placas indicadoras de localidade, antes e após o local do embate.

12 - A ré prestou cuidados de saúde ao autor.

13 - Em consequência direta e necessária do embate, o autor sofreu ferimentos, essencialmente ao nível da coluna cervical.

14 - O autor nasceu em 14/9/1972.

15 - O A. à data do sinistro encontrava-se desempregado e a auferir um subsídio no valor de 491,60€ mensais durante 14 meses por ano.

16 - Esse subsídio em consequência da baixa médica subsequente ao embate foi suspenso.

17 - Desde a data do embate e até à data da propositura da ação o autor despendeu em consultas médicas e medicamentos a quantia de €126,65.

18 - O autor sofre de lesão degenerativa da coluna cervical, com alterações de sinal medular.

19 - O canal vertebral tem dimensões congénitas no limite inferior da normalidade mas está secundariamente diminuído devido a alterações degenerativas unco-discovertebrais de C3 a C6, mais acentuadas em C3 e C4.

20 - O autor foi conduzido pelos Bombeiros ao serviço de urgência e observado no Hospital de … tendo-lhe sido diagnosticada lesão da coluna cervical com afetação do membro superior esquerdo,

21 - Em virtude do acidente o autor sofreu traumatismo cervical que condicionou contusão medular cervical, tendo desenvolvido síndrome piramidal e parésia do membro superior esquerdo.

22 - Em consequência de tal lesão foi-lhe aplicado colarinho cervical que usou até 13 de junho de 2012.

23 - Foi prescrito tratamento fisiátríco, tendo realizado 20 sessões nos serviços médicos ré.

24 - Por o seu estado não apresentar melhorias teve aquele tratamento de ser suspenso por necessidade de intervenção cirúrgica.

25 - O autor era pessoa ativa.

26 - O autor passou a ser agressivo e ríspido para todos quantos o rodeiam.

27 - O autor antes da situação de desemprego exercia a atividade de técnico de telecomunicações.

28 - Como técnico de telecomunicações o autor tinha de carregar bobines de fio de cobre, caixas de ferramentas, puxar guias e fios, levantar caixas de visita de telecomunicações.

29 - O autor conduzia automóveis.

30 - Como consequência direta e necessária do acidente autor apresenta rigidez cervical afetando as rotações principalmente a esquerda e dificultando a extensão/flexão.

31 - Com dificuldade na elevação e movimentação e manutenção do membro superior esquerdo e dor à mobilização contra resistência, que se traduz em dificuldade em pegar em pesos,

32 - Apresenta contractura paravertebral dolorosa estendendo-se aos trapézios.

33 - O autor apresenta dores agravadas com esforços e mudanças climatéricas.

34 - O autor tem necessidade de toma regular de analgésicos, relaxantes musculares e anti inflamatórios.

35 - As consultas médicas tratamentos e medicação referidas em 17) foram necessárias em consequência das lesões sobrevindas do embate.

36 - O autor, em consequência das sequelas sobrevindas ao embate, continuara a necessitar de tratamentos de fisioterapia com regularidade quer para o alivio sintomático, que para evitar o agravamento da sua situação e bem assim para preservação da mobilidade.

37 - A esposa do autor encontra-se reformada por invalidez por afetação de doença do foro cardíaco que a impede de fazer esforços.

38 - Em consequência do que à data do embate era o autor quem executava as tarefas mais pesadas.

39 - Aquando do embate e durante os tratamentos e períodos de internamento o autor sofreu dores, tendo o perito médico fixado o quantum doloris em 5/7.

40 - Em consequência das lesões provindas do embate o autor foi internado em 7 de maio de 2012 no HGSA para ser submetido a intervenção cirúrgica por neurocirurgia a 8 de maio de 2012 a três HDC entre C3 e C6, com aplicação de cage intersomática em C3-C4 e C4-C5 tendo tido alta hospitalar no dia seguinte,

41 - No pós-operatório imediato, após alta hospitalar, apresentou como intercorrência odinofagia, que motivou recurso ao serviço de urgência por 2 vezes (10 de maio de 2012 e 23 de maio de 2012).

42 - Seguido na consulta externa do HGSA foi-lhe prescrita fisioterapia,

43 - Em agosto de 2012 foi-lhe diagnosticado divertículo de zenker esofágico após realização de exames complementares.

44 - Em 30/10/2012 recorreu ao serviço de urgência do HGSA por aparecimento de tumefação cervical na região da incisão cirúrgica, dolorosa e ruborizada com 4cm de diâmetro e com evolução de três dias.

45 - Realizou TAC que demonstrou do lado esquerdo duas estruturas sugestivas de abcesso, uma localizada no músculo longo do pescoço e a outra maior no bordo anterior o musculo esternocleímastoideu.

46 - Foi internado e submetido a cirurgia de limpeza dos abcessos e feita antibioterapia.

47 - Esteve internado no HGSA desde 30/12/2012 até 14/12/2012, data em que teve alta para o domicílio com indicação de fazer 6 semanas de antibioterapia.

48 - Em 15/1/2013 permanecia em tratamento de fisioterapia os quais continuaram até 5/9/2014.

49 - Em consequência das lesões provenientes do embate o autor ficou a padecer de cicatriz linear com 6cm, cujo dano estético o perito médico no grau 1, numa escala de 1 a 7.

50 - O autor despendeu o montante de €63,61 com medicamentos.

51 - Em 1 de julho de 2011 e devido ao sinistro foi suspensa a atribuição de subsídio de desemprego ao autor, que se reiniciou em Outubro do ano 2014.

52 - A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 1/10/2014.

53 - O período de défice funcional temporário total foi fixado pelo perito em 50 dias.

54 - O período de défice funcional temporário parcial foi fixado pelo perito médico em 1184 dias.

55 - O défice funcional permanente da integridade física psíquica foi fixado pelo perito médico em 10 pontos.

56 - O autor apresentou alterações degenerativas referidas em 18) e 19) mas as mesmas foram agravadas pelo acidente e o quadro clinico incapacitante surgiu após os traumatismos sofridos.

57 - A última remuneração como trabalhador por conta de outrem declarado é de maio de 2010 no montante de €475,00.

58 - O autor não recebeu da Segurança Social subsídio de doença.”


II. 3. Do Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso, conforme prevenido no direito adjectivo civil - artºs. 635º, n.º 4, e 639º n.º 1, ex vi, art.º 679º, todos do Código de Processo Civil.


II. 3.1. Considerada a facticidade adquirida processualmente, divisamos errada subsunção jurídica da mesma, na medida em que os valores atribuídos a título de indemnização/compensação, ora não são devidos, ora são inadequados ao caso sub iudice, concretamente:

a) O quantum indemnizatório fixado por perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego não é devido?

b) O quantum indemnizatório fixado pelo chamado dano biológico do Autor/AA é desajustado, impondo-se arbitrar ao demandante, pela respectiva perda de capacidade de ganho futuro, um valor inferior ao fixado no acórdão recorrido que não poderá exceder os €22.000,00 atribuídos em 1ª Instância?

c) O quantum fixado pela compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA é exagerado, devendo ser arbitrado um valor inferior aqueloutro fixado pelo Tribunal a quo, sendo a compensação fixada em 1ª Instância,condizente ao montante de €17.000,00, reveladora de uma melhor ponderação do caso concreto? (1)

O acidente de viação não é uma estática mas uma dinâmica, daí que os factos enunciados como demonstrados foram interpretados numa perspectiva crítica, tendo a 1ª Instância apurado aqueles que tiveram a virtualidade de, só por si, desencadearem todo o nexo causal e necessário ao evento, concluindo que o condutor do veículo segurado da Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., ao ofender os princípios de diligência a que estava obrigado no exercício da respectiva condução, agiu com culpa exclusiva, determinando a ocorrência do acidente ajuizado.

Os litigantes não questionam a culpa do condutor do veículo segurado da Ré/Companhia de Seguros BB, S.A na eclosão do acidente, aceitando-a, conformando-se, nesta parte, com a decisão proferida em 1ª Instância, tão pouco contestada na Relação, pugnando a Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., isso sim, como já adiantamos, pela errada subsunção jurídica dos factos adquiridos processualmente, uma vez que, em sua opinião, os valores atribuídos a título de indemnização/compensação não são devidos e/ou são inadequados, concretamente, o quantum indemnizatório fixado por perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego não é devido; o quantum indemnizatório fixado pelo chamado dano biológico do Autor/AA, é desajustado, impondo-se arbitrar ao demandante, pela respectiva perda de capacidade de ganho futuro, um valor inferior ao fixado no acórdão recorrido que não poderá exceder os €22.000,00 fixados em 1ª Instância; outrossim, o quantum fixado pela compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA é exagerado, devendo ser arbitrado um valor inferior aqueloutro fixado pelo Tribunal a quo, sendo a compensação fixada em 1ª Instância, condizente ao montante de €17.000,00, reveladora de uma melhor ponderação do caso concreto.

Incontestada a assacada responsabilidade na eclosão do acidente há que determinar o quantum indemnizatório, atinente aos danos sofridos, enquanto questão essencial trazida a este Tribunal ad quem.

Recolhemos do aresto em escrutínio, fundamentação para a fixação dos valores atribuídos a título de indemnização/compensação, pela perda salarial arrogada pelo Autor/AA; a par das razões que suportam o quantum indemnizatório fixado pelo chamado dano biológico do Autor/AA, outrossim, do quantum fixado pela compensação dos danos não patrimoniais reclamados pelo Autor/AA, a merecer reparos, como adiante consignaremos.

Sendo o nexo causal um dos pressupostos da responsabilidade civil, o nosso ordenamento jurídico acolheu nos artºs. 483º e 563º do Código Civil a teoria da causalidade adequada, reportando-se esta a “todo o processo causal, a todo o encadeamento de factos que, em concreto, deram origem ao dano, e não à causa/efeito, isoladamente considerados” - neste sentido, Pessoa Jorge, in, Ensaio Sobre Responsabilidade Civil - sustentando, de igual, Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, página 865 “do conceito de causalidade adequada pode extrair-se, desde logo, como corolário, que para que haja causa adequada, não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano. Essencial é que o facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como frequentemente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”.


Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação - Código Civil art.º 562º - é o que se designa pelo principio da reparação in pristinum.

Este normativo substantivo civil, consagra o princípio da reconstituição natural, entendendo-se por dano, sufragando Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, volume I, 7ª edição, página 591, “a perda “in natura” que o lesado sofreu em consequência de certo facto nos interesses (materiais, espirituais ou morais) que o direito viola ou a norma infringida visam tutelar”.

Os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, compreendendo aqueles, não só o prejuízo causado como os benefícios que o lesado deixou de obter na sequência da lesão, ou seja, os danos emergentes e lucros cessantes.

A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não é possível, não repara integralmente os danos, ou, seja excessivamente onerosa para o devedor - Código Civil art.º 566º n.º 1 - sendo que a indemnização pecuniária tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal e a que teria nessa data se não existisse danos - Código Civil art.º 566º n.º 2 - sem deixar de se avaliar, em concreto, o dano sofrido.

No particular da quantificação do dano não patrimonial, observamos que aqui não entram considerações do “perder” ou “ganhar”, mas do “sentir”, razão pela qual não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a indemnização/compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.

Apreciemos, então, as particularidades atinentes ao ressarcimento dos danos patrimoniais, posto em causa com a interposição do recurso, pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., designadamente, o quantum indemnizatório fixado por perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, que na sua opinião não é devido (questão (1) enunciada em II. 1.a) deste acórdão).

O subsidio de desemprego é uma prestação em dinheiro atribuída aos beneficiários desempregados para compensar a falta de remuneração motivada pela perda involuntária de emprego, importando que o beneficiário esteja, nomeadamente, em situação de desemprego involuntário, sendo que pode ser acumulado com outros benefícios, concretamente, com indemnizações e pensões por riscos profissionais e equiparadas a par de bolsa complementar paga durante a realização de trabalho socialmente necessário, porém, não pode ser acumulado, designadamente, com prestações compensatórias da perda de remuneração de trabalho, verbi gratia, subsídio de doença.

A este propósito resulta demonstrado nos autos a seguinte facticidade:

“15 - O A. à data do sinistro encontrava-se desempregado e a auferir um subsídio no valor de 491,60€ mensais durante 14 meses por ano.

16 - Esse subsídio em consequência da baixa médica subsequente ao embate foi suspenso.

51 - Em 1 de julho de 2011 e devido ao sinistro foi suspensa a atribuição de subsídio de desemprego ao autor, que se reiniciou em Outubro do ano 2014.

58 - O autor não recebeu da Segurança Social subsídio de doença.”

Neste conspecto atinente às perdas salariais em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, sufragamos a sentença proferida em 1ª Instância (embora mereça ser rectificada o número de meses considerado neste aresto, conforme adiante concretizaremos) e que o Tribunal recorrido não deixou de aquiescer, conquanto tenha alterado, por sua vez, o montante devido ao Autor/AA a título de perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, reconhecendo também como indemnizável o valor correspondente aos duodécimos proporcionais de subsídio de férias e natal, relativos ao ano de 2014, no total acrescido de €819,33 (€409,60X2), sem, contudo, se pronunciar sobre a correcção dos cálculos enunciados em 1ª Instância, mormente os consignados 10 (dez) meses relativos ao ano de 2011, de subsidio de desemprego não recebido pelo Autor/AA, assumindo como correctos os cálculos enunciados em 1ª Instância que a Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. tinha invocado como não devidos.

Consignamos, a propósito, os seguintes trechos da lavra da 1ª Instância:

“Dos danos patrimoniais a título de perdas salariais.

Como referimos supra ao lado do dano real, da lesão ou prejuízo em si mesmo considerados, existe o dano patrimonial que mais não é do que o reflexo do dano real sobre a situação patrimonial do lesado.

(…) apurou-se que na data do acidente o autor estava desempregado e a auferir um subsídio no valor de €491,60 mensais durante 14 meses por ano, o qual em consequência do sinistro foi suspenso em 1 de julho de 2011 e reiniciou-se em outubro do ano de 2014; ou seja, após a data da consolidação médico-legal das lesões.

Apurou-se por informação prestada pelo ISSS que em virtude do sinistro dos autos foi suspensa a atribuição de subsídio de desemprego ao autor em 1 de julho de 2011

Por outro lado, também se apurou que o autor não recebeu subsídio de doença.

Ora, considerando tal factualidade, entendemos que para o cálculo do dano patrimonial por perdas salariais, ou seja, aquilo que o autor deixou de auferir em virtude do evento lesivo, deverá ser o equivalente ao que o autor recebia a título de subsídio de desemprego e pelo período correspondente a 1 de julho de 2011 a 1 de outubro de 2014, durante 14 meses por ano, o que perfaz o montante de (10 meses do ano de 2011, 14 meses do ano de 2012, 14 meses do ano de 2013 e 10 meses do ano de 2014, o que perfaz 48 mesesx€491,60, o que corresponde ao montante global de €23 596,80 (vinte e três mil quinhentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos).

De referir que conforme informação prestada pelo ISSS a atribuição do subsídio de desemprego ao autor foi cancelada em julho de 2011 devido a sinistro, pelo que a perda do direito ao recebimento de tal montante por parte do autor é consequência do acidente em apreço nos autos.

Com efeito, embora o autor estivesse desempregado, apurou-se que a atribuição de tal subsídio foi cancelada em virtude do sinistro, perda que terá que se considerar como prejuízo lucro cessante, aquilo que deixou de auferir em virtude do acidente. Por outro lado, no que diz respeito ao período a considerar entendemos que deverá ser o da retoma do recebimento de tal subsídio que coincide com o do período da consolidação médico-legal das lesões em 1/10/2014, data a partir da qual o autor retomou a possibilidade de receber o subsídio cuja atribuição foi suspensa em virtude do sinistro.

Nesta conformidade, assiste ao autor o direito a ser indemnizado a título de dano patrimonial no montante de €23.596,80 (vinte e três mil quinhentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos), ao que acresce juros de mora (a taxa de 4%) desde a citação até integral pagamento, do qual deverá ser descontado o montante já recebido pela autor e pago pela ré em cumprimento da decisão proferida em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória, julgando-se improcedente o demais peticionado pelo autor a título de dano patrimonial (perdas salariais).”

Esta enunciação justifica, por forma linear, a devida indemnização pela perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, e que este Tribunal ad quem comprova, merecendo somente o reparo quanto ao cálculo efectuado, pois, relativamente ao ano de 2011 deve contabilizar-se 8 (oito) meses e não 10 (dez) como se consignou no aludido aresto, uma vez contabilizados os meses de Julho a Dezembro em que o Autor/AA não recebeu subsídio de desemprego, acrescendo os outros dois meses a perceber anualmente também nos meses de Julho e Dezembro daquele ano de 2011.

Assim, tendo-se demonstrado que a atribuição do subsídio de desemprego, enquanto prestação para compensar a sua falta de remuneração motivada pela perda involuntária de emprego, e sem que tenha acumulado, no apurado período temporal, qualquer subsídio de doença, tendo sido cancelada em virtude do ajuizado sinistro, reconhecemos que esta perda terá que se considerar, necessariamente, como dano patrimonial, enquanto dano emergente, e nesta medida, uma vez que a Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. sempre pôs em causa o arrogado direito do Autor/AA à perda salarial em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, temos, por isso, legitimada a enunciada rectificação do número de meses a ter em atenção com vista a fixar o quantum indemnizatório pela “perda salarial” em virtude da suspensão do subsídio de desemprego.

Apurado que o Autor/AA deixou de auferir o subsídio de desemprego em razão do articulado acidente, durante 48 (quarenta e oito) meses (8 [oito] meses do ano de 2011, 14 [catorze] meses do ano de 2012, 14 [catorze] meses do ano de 2013 e 12 [doze] meses do ano de 2014, o que perfaz 48 [quarenta e seis] meses x €491,60), importa tal facticidade um prejuízo sofrido pelo Autor/AA, condizente a €23.596,80 (vinte e três mil quinhentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos), que deve ser ressarcido.

Admitida a pertinência da fixação da indemnização por “perda salarial” devido ao Autor/AA em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, soçobra a argumentação recursiva da Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., neste particular, fixando-se, assim, o quantum indemnizatório pela “perda salarial” em virtude da suspensão do subsídio de desemprego, no montante de €23.596,80 (vinte e três mil quinhentos e noventa e seis euros e oitenta cêntimos).

Debrucemos, de seguida, sobre aqueloutra questão, objecto da presente revista, ou seja, o quantum indemnizatório fixado pelo chamado dano biológico do Autor/AA que a Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. entende como desajustado, impondo-se, em sua opinião, arbitrar ao demandante, pela respectiva perda de capacidade de ganho futuro, um valor inferior ao fixado no acórdão recorrido que não poderá exceder os €22.000,00 fixados em 1ª Instância (questão (1) enunciada em II. 1.b) deste acórdão).

Sublinhamos que o thema decidendum do recurso é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não sendo permitido ao Tribunal de recurso conhecer de questões que extravasem as conclusões, excepto se as mesmas forem de conhecimento oficioso.

Tanto quanto se alcança das conclusões do recurso de revista, distinguimos não se colocar em causa a devida indemnização ao Autor/AApelo dano biológico sofrido, mas tão só o valor arbitrado, o quantum.

Recolhemos do acórdão recorrido fundamentação para a fixação do valor atribuído como indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura, por parte do Autor/AA, enquanto dano patrimonial, apelando a um juízo de equidade, a par das razões que suportam o arbitrado quantum indemnizatório fixado.

Contudo, questão diversa é apurar-se da bondade da consignada fundamentação que conduziu o Tribunal recorrido a arbitrar o valor de €45.000,00 como indemnização pela perda da capacidade aquisitiva futura, por parte do Autor/AA.

Reconhecendo-se que se deve atender aos danos futuros, desde que previsíveis, importa adiantar como calcular o valor indemnizatório, já que, tirando a idade do Autor/AA, e a incapacidade que o atinge, a par de que estava desempregado, recebendo subsidio a esse título, tudo o mais é aleatório.

É sobejamente reconhecido o melindre da fixação do valor indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura, na medida em que se funda em parâmetros de incerteza, quanto ao tempo de vida do lesado, quanto ao tempo de vida com capacidade de ganho, a par de outras circunstâncias atinentes à capacidade de trabalho poder vir a ser afectada por doença ou acidente, a própria evolução salarial, hoje mais do que nunca, de uma imprevisibilidade evidente, a empregabilidade e manutenção do emprego, cada vez mais incerta, os próprios índices de inflação, entre outros.

Perante a delicadeza desta realidade impõe-se deitar mão da previsão legal contida no n.º 3 do art.º 566° do Código Civil, recorrendo à equidade, ante a dificuldade de averiguar com exactidão a extensão dos danos.

Se não puder ser quantificado, em termos de exactidão, o montante desses danos, julgará o tribunal equitativamente, dentro dos limites que tiver por provados, de acordo com o disposto no art.º 566º n.º 3 do Código Civil.

Face à constatação das dificuldades associadas à fixação do montante indemnizatório para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, e perante a diversidade de resultados obtidos com o recurso a critérios tão diferentes que oscilaram entre o recurso às tabelas de cálculo das pensões por incapacidade laboral e sua remição, que depressa foi abandonado, o recurso às tabelas financeiras, às fórmulas matemáticas, de fraca adesão, além de outros critérios, há que trilhar caminho seguro na apreciação desta temática.

Aqueles enunciados critérios foram sucessivamente perfilhados por decisões do Supremo Tribunal de Justiça, que, todavia, não deixaram de lhes reconhecer, somente, a natureza de índices meramente informadores da fixação do cálculo, simples instrumentos auxiliares de orientação, não dispensando o recurso à equidade, que pressupõe uma solução em sintonia com a lógica e o bom senso, com apelo às regras da boa prudência, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem submissão, porém, a critérios subjectivos de ponderação, tendo sempre em devida conta a gravidade do dano.

A Jurisprudência tende a defender dever-se confiar no prudente arbítrio do tribunal, com recurso à equidade, todavia, seja qual for o critério norteador (já que todos os critérios seguidos não são vinculativos, são meramente indiciários), haverá que ter sempre presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta, mais uma vez sublinhamos, as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida.

Como calcular, então, o quantum indemnizatório para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura?

Sublinhamos que o cálculo do quantum indemnizatório fixado para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura, tem, necessariamente, por base, critérios de equidade que assenta numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida, que, de todo, colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Na Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, a atribuição de indemnização por perda de capacidade geral de ganho futuro, segundo um juízo equitativo, tem variado, essencialmente, em função dos seguintes factores: a idade do lesado; o seu grau de incapacidade geral permanente; as suas potencialidades de aumento de ganho, antes da lesão, tanto na profissão habitual, ou previsível profissão habitual, como em profissão ou actividade económica alternativas, aferidas, em regra, pelas suas qualificações, a par de um outro factor que contende com a conexão entre as lesões físico-psíquicas sofridas e as exigências próprias da actividade profissional habitual do lesado, ou da previsível actividade profissional habitual do lesado, assim como de actividades profissionais ou económicas alternativas, tendo em consideração as competências do lesado, neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 2014 (Processo n.º 436/11.1TBRGR.L1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Fevereiro de 2015 (Processo n.º 99/12.7TCGMR.G1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (Processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Abril de 2016 (Processo n.º 237/13.2TCGMR.G1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Dezembro de 2016 (Processo n.º 37/13.0TBMTR.G1.S1), Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2019 (Processo n.º 465/11.5TBAMR.G1.S1),e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23 de Maio de 2019 (Processo n.º 1046/15.0T8PNF.P1.S1), in, www.dgsi.pt.

Revertendo ao caso sub iudice, relembremos os factos apurados no que interessa à fixação doquantum indemnizatório pela perda da capacidade aquisitiva futura:

“14 - O autor nasceu em …/9/1972.

15 - O A. à data do sinistro encontrava-se desempregado e a auferir um subsídio no valor de 491,60€ mensais durante 14 meses por ano.

27 - O autor antes da situação de desemprego exercia a atividade de técnico ... .

28 - Como técnico ... o autor tinha de carregar bobines de fio de cobre, caixas de ferramentas, puxar guias e fios, levantar caixas de visita de telecomunicações.

29 - O autor conduzia automóveis.

30 - Como consequência direta e necessária do acidente autor apresenta rigidez cervical afetando as rotações principalmente a esquerda e dificultando a extensão/flexão.

31 - Com dificuldade na elevação e movimentação e manutenção do membro superior esquerdo e dor à mobilização contra resistência, que se traduz em dificuldade em pegar em pesos,

32 - Apresenta contractura paravertebral dolorosa estendendo-se aos trapézios.

33 - O autor apresenta dores agravadas com esforços e mudanças climatéricas.

34 - O autor tem necessidade de toma regular de analgésicos, relaxantes musculares e anti inflamatórios.

36 - O autor, em consequência das sequelas sobrevindas ao embate, continuara a necessitar de tratamentos de fisioterapia com regularidade quer para o alivio sintomático, que para evitar o agravamento da sua situação e bem assim para preservação da mobilidade.

52 - A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 1/10/2014.

5 - O défice funcional permanente da integridade física psíquica foi fixado pelo perito médico em 10 pontos.

57 - A última remuneração como trabalhador por conta de outrem declarado é de maio de 2010 no montante de €475,00.”


No cálculo da indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura impõe-se considerar que o Autor/AA tinha a idade de 38 anos à data do acidente, com o percurso profissional, enquanto técnico …, carregava bobines de fio de cobre, caixas de ferramentas, puxava guias e fios, levantava caixas de visita de telecomunicações e conduzia automóveis, sendo que à data do sinistro encontrava-se desempregado e auferia um subsídio de desemprego no valor de €491,60 mensais (14 meses/ano), sendo que a última remuneração como trabalhador (Maio/2010) é de €475,00, outrossim, de acordo com o parecer médico realizado, das lesões e sequelas sofridas resultou para o Autor/AA um défice funcional permanente da integridade física psíquica, fixado pelo perito médico em 10 pontos.

Anota-se que este Tribunal ad quem perfilha o entendimento, tão pouco questionado pelos litigantes, de que uma vez que o Autor/AA se encontrava desempregado, à data do acidente ajuizado, ter-se-á em conta como rendimento mensal a considerar, o salário mínimo nacional, ao alcance de qualquer pessoa (€600,00).

Salientamos ainda, esclarecendo, porque ao caso interessa, que a esperança média de vida para os cidadãos nacionais do sexo masculino é de 78 anos, pelo que, a indemnização a arbitrar deverá abranger a perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA, durante os 37 (trinta e sete) anos previsíveis em que irá viver, contados a partir da data da consolidação médico-legal das lesões, ou seja, 1 de Outubro de 2014, rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado e não da vida activa deste, já que não é razoável ficcionar-se que a vida física desaparece no mesmo momento e com ela todas as suas necessidades, sendo manifesto que será nesse período temporal da sua vida que as suas limitações e situações de dependência, ligadas às sequelas permanentes das lesões sofridas, com toda a probabilidade mais se acentuarão, além de que, como é evidente, as limitações às capacidades do lesado não deixarão de ter reflexos negativos na respectiva carreira contributiva para a segurança social, repercutindo-se no valor da pensão de reforma a que venha a ter direito, posto que só assim se logrará, na verdade, reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, neste sentido, por todos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 10 de Novembro de 2016 (Processo n.º 175/05.2TBPSR.E2.S1, desta 7ª Secção), in, www.dgsi.pt.

Finalmente, anotamos que o quantum indemnizatório a arbitrar pela perda da capacidade aquisitiva futura irá ser entregue de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la, impondo-se considerar esses proveitos, introduzindo um desconto no valor achado, sob pena de se verificar um enriquecimento sem causa do lesado à custa da responsável civil, no caso, a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., condizente a uma taxa de juro de 1% julgada equitativa e ajustada, na linha do rendimento do capital, aplicado em produto sem risco.

Posto isto, convertendo o enunciado enquadramento numa fórmula matemática, tão só orientadora, que conjuga os critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, já adiantados, alcançamos um primeiro valor atinente ao quantum indemnizatório, a fixar para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura relativamente ao Autor/AA [(€600,00 x 14 meses x 37 anos x 0,10 x 0,01], ou seja, €30.769,20 (trinta milhares, setecentos  e sessenta e nove euros e vinte cêntimos) .

Encontramos assim, uma orientação para o cálculo do montante indemnizatório pela reparação da perda da capacidade aquisitiva futura, a apreciar segundo um juízo de equidade, tomando em consideração os vertidos critérios objectivadores, aferidores e orientadores seguidos pela jurisprudência, ou seja, sem deixar de considerar que a arbitrada indemnização para reparação pela perda da capacidade aquisitiva futura deve corresponder a um capital produtor do rendimento que o lesado deixará de perceber em razão da perda da capacidade aquisitiva futura e que se extingue no termo do período de vida, atendendo-se, para o efeito, à esperança média de vida do lesado; sabendo que as tabelas matemáticas usadas para apurar a indemnização, têm um mero carácter indicativo, não substituindo, de modo algum, sublinhamos, a ponderação judicial com base na equidade; que no cômputo da indemnização não se deve deixar de considerar a natural evolução dos salários, tendo-se, em devida atenção a evolução expectável do salário mínimo nacional; e ponderando-se o facto de a indemnização ser paga de uma só vez, o que permitirá ao seu beneficiário rentabilizá-la em termos financeiros, importando introduzir um desconto no valor achado, condizente ao rendimento de uma aplicação financeira sem risco, e que, necessariamente, deverá ser tida em consideração pelo tribunal que julgará equitativamente, uma vez que o dano a indemnizar, não pode ser quantificado, em termos de exactidão.

Sublinhamos, por outro lado, a propósito da fixação de indemnização com recurso à equidade que a Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de, tratando-se de uma indemnização fixada segundo a equidade, mais do que discutir a aplicação de puros juízos de equidade que, em rigor, não se traduzem na resolução de uma “questão de direito”, importa, essencialmente, num recurso de revista, verificar se os critérios seguidos e que estão na base de tais valores indemnizatórios são passíveis de ser generalizados e se se harmonizam com os critérios ou padrões que, numa jurisprudência actualista, devem ser seguidos em situações análogas ou equiparáveis, neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Junho de 2017 e 28 de Outubro de 2010, in, dgsi.pt., enunciando-se, a propósito, um trecho do mais recente acórdão mencionado “[se] o STJ é chamado a pronunciar-se sobre o cálculo de uma indemnização assente em juízos de equidade, não lhe compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar, mas tão-somente a verificação exacta acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo”, neste sentido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Outubro de 2013 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.12.2015, in, www.dgsi.pt, acentuando a nossa Jurisprudência que “a aplicação de puros juízos de equidade não traduz, em bom rigor, a resolução de uma «questão de direito”; [pelo que o STJ] se é chamado a pronunciar-se sobre “o cálculo da indemnização” que “haja assentado decisivamente em juízos de equidade”, não lhe “compete a determinação exacta do valor pecuniário a arbitrar […], mas tão somente a verificação acerca dos limites e pressupostos dentro dos quais se situou o referido juízo equitativo, formulado pelas instâncias face à ponderação casuística da individualidade do caso concreto «sub iudicio»”.

Confrontada a facticidade apurada e assumindo uma ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, tidos em consideração pela Jurisprudência, reconhece este Tribunal ad quem, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade, e, atenta a diferença significativa dos valores encontrados por este Supremo Tribunal de Justiça, como indemnização pelo dano biológico do Autor/AA, com repercussões na perda de capacidade de ganho futuro, relativamente ao arbitrado pelo Tribunal a quo, impõe-se a alteração do decidido, fixando-se o quantum indemnizatório pelaperda da capacidade aquisitiva futura, tendo em conta todas aquelas circunstâncias e considerandos, a par do valor aquisitivo do dinheiro na actualidade, em €33.000,00 (trinta e três milhares de euros), como sendo o mais ajustado como indemnização, pela perda da capacidade aquisitiva futura do Autor/AA.

Assim, na parcial procedência das conclusões retiradas das alegações trazidas à discussão, pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., neste particular atinente ao quantum fixado a título de indemnização pela perda de capacidade de ganho futuro do Autor/AA, reconhecemos às mesmas virtualidades no sentido de alterarem o destino da demanda, e, nessa medida, merecendo censura, altera-se o aresto em escrutínio, na concreta alínea do respectivo dispositivo, condenando-se a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar ao Autor/AA a quantia de €33.000,00 (trinta e três milhares de euros), a título de indemnização pelo chamado dano biológico do Autor/AA, com repercussões na respectiva perda de capacidade de ganho futuro.

É agora chegada a altura de conhecermos da bondade do fixado quantum pela compensação dos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA que no entendimento da Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. importa arbitrar em valor inferior aqueloutro fixado pelo Tribunal a quo, sendo a compensação fixada em 1ª Instância, condizente ao montante de €17.000,00, reveladora de uma melhor ponderação do caso concreto. (questão (1) enunciada em II. 1.c) deste acórdão).

Vejamos.

A este propósito, importa considerar o já dito no precedente item quanto aos pressupostos da responsabilidade civil no nosso ordenamento jurídico, sublinhando que os danos podem ser patrimoniais ou não patrimoniais, sendo que no particular da quantificação do dano não patrimonial, não entram considerações do “perder” ou “ganhar”, mas do “sentir”, razão pela qual não rege a teoria da diferença, nem faz sentido o apelo ao conceito de dano de cálculo, pois que a compensação do dano não patrimonial não se propõe remover o dano real, nem há lugar a reposição por equivalente.

Apreciemos, assim, porque ao caso sub iudice interessa, as singularidades atinentes ao ressarcimento dos danos não patrimoniais.

Na feliz enunciação de Mota Pinto, in, Teoria Geral do Direito Civil, página 86, os interesses cuja lesão desencadeia um dano não patrimonial “são infungíveis, não podendo ser reintegrados mesmo por equivalente. Mas é possível, em certa medida, contrabalançar o dano, compensá-lo mediante satisfações derivadas da utilização do dinheiro (…) em virtude da aptidão (diga-se, do dinheiro) para propiciar a realização de uma ampla gama de interesses.”


Sempre que se trate de compensar a dor física ou a angústia moral, sofrida pelo lesado, atender-se-á ao critério pelo qual a quantia em dinheiro há-de permitir alcançar situações ou momentos de prazer bastantes para neutralizar, na medida do possível, a intensidade dessa respectiva dor, sem descurar que a obrigação de ressarcir os danos morais tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória.

Aos danos não patrimoniais refere-se o n.º 1 do art.º 496º do Código Civil que textua “na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito”, sendo que no dizer de Antunes Varela, in, Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 628, 9ª edição “a gravidade deve ser apreciada objectivamente.”

De acordo com o n.º 3 deste preceito “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º…”.

Assim, como critério para a determinação equitativa dos danos não patrimoniais sofridos, há que atender à natureza e intensidade do dano causado, ao grau de culpa do lesado e demais circunstâncias que seja equitativo ter em conta, sendo que entre estas, Doutrina e a Jurisprudência, apontam a idade e sexo da vítima, a natureza das suas actividades, as incidências financeiras reais, possibilidades de melhoramento, de reeducação e de reclassificação …

Daqui decorre que quanto à fixação do montante compensatório pelos danos não patrimoniais, a lei remete para juízos de equidade, haja culpa ou dolo.

A propósito da equidade, e na ausência de uma definição legal atinente, a Doutrina sublinha que o julgamento pela equidade “é sempre o produto de uma decisão humana que visará ordenar determinado problema perante um conjunto articulado de proposições objectivas; distingue-se do puro julgamento jurídico por apresentar menos preocupações sistemáticas e maiores empirismo e intuição”, neste sentido, Menezes Cordeiro, in, O Direito, 122º/272.

O julgamento ex aequo et bono apela a um juízo de oportunidade, de justiça concreta, sem deixar de aplicar os critérios gerais do sistema, mas agora tendo por referência decisiva as necessidades de justiça que o concreto caso reclama. A equidade encerra um mecanismo de adaptação da lei às circunstâncias do caso concreto, a usar pelo juiz, aquando da aplicação do direito, permitindo-lhe adaptar a própria lei ao caso concreto, sendo que a equidade opera, em todo o caso, não apenas a respeito de normas jurídicas, mas também no momento de apreciar a prova dos factos, neste sentido, Alejandro Nieto, in, El Arbitrio Judicial, Barcelona, 2000, páginas 234 e 235.

Nos presentes autos, e no que a esta particular questão da indemnização por danos não patrimoniais respeita, o Tribunal a quo considerou como demonstrado:

“13 - Em consequência direta e necessária do embate, o autor sofreu ferimentos, essencialmente ao nível da coluna cervical.

14 - O autor nasceu em 14/9/1972.

17 - Desde a data do embate e até à data da propositura da ação o autor despendeu em consultas médicas e medicamentos a quantia de €126,65.

18 - O autor sofre de lesão degenerativa da coluna cervical, com alterações de sinal medular.

19 - O canal vertebral tem dimensões congénitas no limite inferior da normalidade mas está secundariamente diminuído devido a alterações degenerativas unco-discovertebrais de C3 a C6, mais acentuadas em C3 e C4.

20 - O autor foi conduzido pelos Bombeiros ao serviço de urgência e observado no Hospital de … tendo-lhe sido diagnosticada lesão da coluna cervical com afetação do membro superior esquerdo,

21 - Em virtude do acidente o autor sofreu traumatismo cervical que condicionou contusão medular cervical, tendo desenvolvido síndrome piramidal e parésia do membro superior esquerdo.

22 - Em consequência de tal lesão foi-lhe aplicado colarinho cervical que usou até 13 de junho de 2012.

23 - Foi prescrito tratamento fisiátríco, tendo realizado 20 sessões nos serviços médicos ré.

24 - Por o seu estado não apresentar melhorias teve aquele tratamento de ser suspenso por necessidade de intervenção cirúrgica.

25 - O autor era pessoa ativa.

26 - O autor passou a ser agressivo e ríspido para todos quantos o rodeiam.

30 - Como consequência direta e necessária do acidente autor apresenta rigidez cervical afetando as rotações principalmente a esquerda e dificultando a extensão/flexão.

31 - Com dificuldade na elevação e movimentação e manutenção do membro superior esquerdo e dor à mobilização contra resistência, que se traduz em dificuldade em pegar em pesos,

32 - Apresenta contractura paravertebral dolorosa estendendo-se aos trapézios.

33 - O autor apresenta dores agravadas com esforços e mudanças climatéricas.

34 - O autor tem necessidade de toma regular de analgésicos, relaxantes musculares e anti inflamatórios.

35 - As consultas médicas tratamentos e medicação referidas em 17) foram necessárias em consequência das lesões sobrevindas do embate.

36 - O autor, em consequência das sequelas sobrevindas ao embate, continuara a necessitar de tratamentos de fisioterapia com regularidade quer para o alívio sintomático, que para evitar o agravamento da sua situação e bem assim para preservação da mobilidade.

39 - Aquando do embate e durante os tratamentos e períodos de internamento o autor sofreu dores, tendo o perito médico fixado o quantum doloris em 5/7.

40 - Em consequência das lesões provindas do embate o autor foi internado em 7 de maio de 2012 no HGSA para ser submetido a intervenção cirúrgica por neurocirurgia a 8 de maio de 2012 a três HDC entre C3 e C6, com aplicação de cage intersomática em C3-C4 e C4-C5 tendo tido alta hospitalar no dia seguinte,

41 - No pós-operatório imediato, após alta hospitalar, apresentou como intercorrência odinofagia, que motivou recurso ao serviço de urgência por 2 vezes (10 de maio de 2012 e 23 de maio de 2012).

42 - Seguido na consulta externa do HGSA foi-lhe prescrita fisioterapia,

43 - Em agosto de 2012 foi-lhe diagnosticado divertículo de zenker esofágico após realização de exames complementares.

44 - Em 30/10/2012 recorreu ao serviço de urgência do HGSA por aparecimento de tumefação cervical na região da incisão cirúrgica, dolorosa e ruborizada com 4cm de diâmetro e com evolução de três dias.

45 - Realizou TAC que demonstrou do lado esquerdo duas estruturas sugestivas de abcesso, uma localizada no músculo longo do pescoço e a outra maior no bordo anterior o musculo esternocleímastoideu.

46 - Foi internado e submetido a cirurgia de limpeza dos abcessos e feita antibioterapia.

47 - Esteve internado no HGSA desde 30/12/2012 até 14/12/2012, data em que teve alta para o domicílio com indicação de fazer 6 semanas de antibioterapia.

48 - Em 15/1/2013 permanecia em tratamento de fisioterapia os quais continuaram até 5/9/2014.

49 - Em consequência das lesões provenientes do embate o autor ficou a padecer de cicatriz linear com 6cm, cujo dano estético o perito médico no grau 1, numa escala de 1 a 7.

52 - A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 1/10/2014.

53 - O período de défice funcional temporário total foi fixado pelo perito médico em 50 dias.

54 - O período de défice funcional temporário parcial foi fixado pelo perito médico em 1184 dias.

55 - O défice funcional permanente da integridade física psíquica foi fixado pelo perito médico em 10 pontos.

56 - O autor apresentou alterações degenerativas referidas em 18) e 19) mas as mesmas foram agravadas pelo acidente e o quadro clinico incapacitante surgiu após os traumatismos sofridos.”

A respeito da compensação a atribuir por danos não patrimoniais, o Tribunal recorrido consignou apenas e só no respectivo aresto “o tribunal decide segundo a equidade, tomando em consideração “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 406º e artigo 494º).

O autor sofreu varias intervenções cirúrgicas esteve internado, foi submetido a vários tratamentos durante um período de 2 anos. Ficou a sofrer de dano biológico uma incapacidade de grau 10 que o diminui enquanto pessoa e nas diversas actividades diárias, do lazer, familiares, convívio etc. Este desgosto deve ser fixado com recurso à equidade, o que achamos adequado - tendo em conta as intervenções cirúrgicas a que foi submetido, o período de recuperação, as dores sofridas, o dano estético de grau 1, e o dano biológico decorrente da incapacidade - o montante de €25 000,00.”

Sublinhamos que o valor compensatório a atribuir há-de ser calculado com base em critérios de equidade assente numa ponderação prudencial e casuística, dentro de uma margem de discricionariedade que ao julgador é consentida e que não colida com critérios jurisprudenciais actualizados e generalizantes, de forma a não pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio de igualdade.

Ao liquidar o dano não patrimonial, o Tribunal deve levar em conta os sofrimentos efectivamente padecidos pelo lesado, bem como, a gravidade do ilícito e os demais elementos apurados, por forma a encontrar um valor ajustado ao caso concreto que efectivamente compense os danos sofridos.

Cotejados os factos demonstrados, divisamos que o Autor/AA evidencia danos com algum significado, a par da incapacidade geral, na vertente do dano moral propriamente dito, na perspectiva do dano existencial, traduzido, em especial, na dificuldade nas relações sociais, na ansiedade sentida em relação a básicos actos da vida corrente, como decorre dos factos apurados que consubstanciam sofrimento emocional do Autor/AA, traduzido num prejuízo de afirmação pessoal, sem desprezar os sofrimentos e abalos psicológicos sofridos aquando da eclosão do acidente e posteriormente, ou mesmo até à consolidação médico-legal das lesões que ocorreu em 1 de Outubro de 2014, e que perduramdesde então.

Reconhecendo que os Tribunais não se devem pautar por critérios miserabilistas, nem tão pouco seguir critérios de puro mercantilismo, e fazendo apelo a todos aqueles critérios que vimos de consignar com vista à justa compensação, usando juízos de equidade, ponderando a situação do lesado e do obrigado à reparação, sopesando a intensidade do grau de culpa do lesante e extensão e natureza das lesões sofridas, descortinamos como equilibrado o valor de €22.000,00 (vinte e dois milhares de euros), tendo em vista as próprias finalidades prosseguidas pela compensação neste tipo de danos, não esquecendo que a compensação pelo dano não patrimonial jamais poderá ser traduzido no equivalente à alegria vital perdida, mas uma compensação da dor sofrida.

Não queremos deixar de sublinhar e aqui registar que tivemos em consideração os critérios jurisprudenciais que, em nossa opinião, constituem importante baliza para o raciocínio da fixação do quantum indemnizatório, posto que aplicáveis, ainda que por semelhança, ao caso concreto.

Tendo presente a figura da equidade, a qual visa alcançar a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei, de forma que se tenha em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem olvidar o valor aquisitivo do dinheiro na actualidade, entendemos ser o valor de €22.000,00 (vinte e dois milhares de euros), o mais ajustado para compensação dos danos não patrimoniais sofridos, pelo que, reconhecemos merecer censura a decisão proferida pelo Tribunal a quo nos termos que constam do respectivo segmento do aresto recorrido.

Tudo visto, na parcial procedência da revista interposta pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., determina-se, neste particular, a alteração do acórdão recorrido, na concreta alínea do respectivo dispositivo em que atribui a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA, e, em consequência, condena-se a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar ao Autor/AA, a quantia de €22.000,00 (vinte e dois milhares euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo Autor/AA.


II. 3.2. O acórdão recorrido é nulo, porquanto, o Autor/AA aceitou a decisão de facto, não sendo possível extrair da facticidade provada, a conclusão que o Tribunal a quo concretiza para condenar a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. no pagamento da quantia a liquidar com a ajuda de terceira pessoa, impondo-se a alteração do decidido nos termos do disposto nos artºs. 615º n.º 1 alíneas b) e c) e 674º n.º 1 alínea c) do Código de Processo Civil? (2)

O direito adjectivo civil enuncia, imperativamente, no n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi artºs. 666º e 679º, todos do Código de Processo Civil, as causas de nulidade do acórdão.



Os vícios da nulidade do acórdão correspondem aos casos de irregularidades que põem em causa a sua autenticidade (falta de assinatura do juiz), ou a ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou ocorra alguma ambiguidade, permitindo duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto na sentença (obscuridade), quer pelo uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).

Como já antecipamos, e no que ao caso em apreço interessa, os vícios da nulidade do acórdão correspondem, aos casos de ininteligibilidade do discurso decisório quando o juiz não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, ou porque a explicação que conduz ao resultado adoptado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido.

Vejamos as razões atinentes à arrogada nulidade do acórdão.

A nulidade em razão da falta de fundamentação de facto e de direito (alínea b) do nº. 1 do art.º 615º do Código de Processo Civil) está relacionada com o comando que impõe ao Tribunal o dever de discriminar os factos que considera provados e de indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes.

Na verdade, a fundamentação das decisões é uma exigência constitucional - art.º 205º n.º1 da Constituição da República Portuguesa - e legal – artºs. 154º, 607º e 663º, todos do Código de Processo Civil.

É na fundamentação que o Tribunal colhe legitimidade e autoridade para dirimir o conflito entre as partes e lhes impor a sua decisão, sendo a fundamentação imprescindível ao processo equitativo e contraditório.

Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito gera a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do citado art.º 615º do Código de Processo Civil.

A fundamentação deficiente, medíocre ou errada, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.

Escrutinada a decisão, distinguimos que o Tribunal a quo ao subsumir juridicamente os factos adquiridos processualmente sustentou:

“[O autor] (…) Considera ainda que peticionou um quantitativo a fixar a terceira pessoa que cuide das tarefas domésticas mais pesadas em virtude de doença da sua esposa, pela sua incapacidade em levar a cabo essa tarefa em consequência do acidente, tarefa de que se ocupava à data do acidente e que a sentença recorrida omitiu.

(…) Também o autor ajudava a sua esposa nos trabalhos domésticos em consequência da sua doença. Não vai poder continuar a fazer necessitando de auxílio de terceira pessoa, o que vai redundar numa lesão efectiva do seu património. Como se desconhece o seu montante do prejuízo sofrido deve o mesmo ser liquidado posteriormente.”

Ora cotejada a facticidade demonstrada nos autos, distinguimos a este propósito, os seguintes factos:

“13 - Em consequência direta e necessária do embate, o autor sofreu ferimentos, essencialmente ao nível da coluna cervical.

18 - O autor sofre de lesão degenerativa da coluna cervical, com alterações de sinal medular.

19 - O canal vertebral tem dimensões congénitas no limite inferior da normalidade mas está secundariamente diminuído devido a alterações degenerativas unco-discovertebrais de C3 a C6, mais acentuadas em C3 e C4.

20 - O autor foi conduzido pelos Bombeiros ao serviço de urgência e observado no Hospital de … tendo-lhe sido diagnosticada lesão da coluna cervical com afetação do membro superior esquerdo,

21 - Em virtude do acidente o autor sofreu traumatismo cervical que condicionou contusão medular cervical, tendo desenvolvido síndrome piramidal e parésia do membro superior esquerdo.

22 - Em consequência de tal lesão foi-lhe aplicado colarinho cervical que usou até 13 de junho de 2012.

23 - Foi prescrito tratamento fisiátríco, tendo realizado 20 sessões nos serviços médicos ré.

24 - Por o seu estado não apresentar melhorias teve aquele tratamento de ser suspenso por necessidade de intervenção cirúrgica.

25 - O autor era pessoa ativa.

30 - Como consequência direta e necessária do acidente autor apresenta rigidez cervical afetando as rotações principalmente a esquerda e dificultando a extensão/flexão.

31 - Com dificuldade na elevação e movimentação e manutenção do membro superior esquerdo e dor à mobilização contra resistência, que se traduz em dificuldade em pegar em pesos,

32 - Apresenta contractura paravertebral dolorosa estendendo-se aos trapézios.

33 - O autor apresenta dores agravadas com esforços e mudanças climatéricas.

34 - O autor tem necessidade de toma regular de analgésicos, relaxantes musculares e anti inflamatórios.

36 - O autor, em consequência das sequelas sobrevindas ao embate, continuara a necessitar de tratamentos de fisioterapia com regularidade quer para o alivio sintomático, que para evitar o agravamento da sua situação e bem assim para preservação da mobilidade.

37 - A esposa do autor encontra-se reformada por invalidez por afetação de doença do foro cardíaco que a impede de fazer esforços.

38 - Em consequência do que à data do embate era o autor quem executava as tarefas mais pesadas.

40 - Em consequência das lesões provindas do embate o autor foi internado em 7 de maio de 2012 no HGSA para ser submetido a intervenção cirúrgica por neurocirurgia a 8 de maio de 2012 a três HDC entre C3 e C6, com aplicação de cage intersomática em C3-C4 e C4-C5 tendo tido alta hospitalar no dia seguinte,

43 - Em agosto de 2012 foi-lhe diagnosticado divertículo de zenker esofágico após realização de exames complementares.

44 - Em 30/10/2012 recorreu ao serviço de urgência do HGSA por aparecimento de tumefação cervical na região da incisão cirúrgica, dolorosa e ruborizada com 4cm de diâmetro e com evolução de três dias.

45 - Realizou TAC que demonstrou do lado esquerdo duas estruturas sugestivas de abcesso, uma localizada no músculo longo do pescoço e a outra maior no bordo anterior o musculo esternocleímastoideu.

46 - Foi internado e submetido a cirurgia de limpeza dos abcessos e feita antibioterapia.

52 - A data da consolidação médico-legal das lesões ocorreu em 1/10/2014.

55 - O défice funcional permanente da integridade física psíquica foi fixado pelo perito médico em 10 pontos.

56 - O autor apresentou alterações degenerativas referidas em 18) e 19) mas as mesmas foram agravadas pelo acidente e o quadro clinico incapacitante surgiu após os traumatismos sofridos.”

Pese embora se reconheça demonstrado que também o Autor/AA ajudava a sua esposa nos trabalhos domésticos em consequência da doença desta, não enxergamos, contrariamente ao sustentado no aresto recorrido que o Autor/AA vai necessitar de auxílio de terceira pessoa para o substituir na ajuda que prestava a sua esposa nos trabalhos domésticos, donde concluímos por uma errada fundamentação vertida no acórdão sob escrutínio, sujeitando-se à revogação do segmento decisório que condenou a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. “-no montante, a liquidar posteriormente, com o custo de trabalho de recuso a terceira pessoa no auxílio à esposa do autor.”

Reconhecida a revogação do aludido segmento decisório que condenou a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. no montante, a liquidar posteriormente, com o custo do trabalho de recurso a terceira pessoa no auxílio à esposa do autor, fica prejudicada a invocada ininteligibilidade do discurso decisório sustentada na circunstância de que a anunciada explicação vertido no aresto recorrido que conduz ao resultado adoptado, induz logicamente a um desfecho oposto ao reconhecido

Pelo exposto, ao cotejarmos o aresto recorrido, tomando por referência os excertos consignados, descortinamos um discurso decisório com errada fundamentação, importando, assim, julgar procedente a argumentação aduzida na revista interposta, e, nesse sentido, este Tribunal ad quem revoga o concreto segmento decisório que condenou a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. no montante, a liquidar posteriormente, com o custo do trabalho de recurso a terceira pessoa no auxílio à esposa do autor.


II. 3.3. Considerada a facticidade adquirida processualmente, impõe-se a dedução da quantia paga pela Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória, no valor global da indemnização fixada ao Autor/AA, evitando-se um injusto enriquecimento deste à custa da demandada? (3)

A presente questão, colocada no recurso de revista apresentado, deve-se, em nossa opinião, à circunstância de o dispositivo do acórdão recorrido, não ter, como devia, consignado expressamente que à indemnização global, devida ao Autor/AA se deve deduzir a quantia paga pela Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. ao Autor/AA, em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória.

Na verdade, enxergamos da sentença proferida em 1ª Instância o seguinte trecho: “assiste ao autor o direito a ser indemnizado nos seguintes montantes: (…) €23 596,80 (…) do qual deverá ser descontado o montante já recebido pelo autor e pago pela ré em cumprimento da decisão proferida em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória”, consignando no dispositivo:“Condenar a ré Companhia de Seguros BB, S.A. a pagar ao autor o montante global de €62.787,06 (…), acrescida de juros de mora contados à taxa de 4% desde a citação até integral e efetivo pagamento sobre a quantia de €23.787,06, e da qual deverá ser descontada a quantia já paga pela ré no cumprimento da decisão proferida em sede da providência cautelar de arbitramento e reparação provisória”

Por seu turno, o Tribunal recorrido consignou, a este respeito, no respectivo acórdão “[A Ré] Considera ainda que o valor atribuído no procedimento cautelar a título de reparação provisória deve ser deduzido no montante da indemnização. (…) Quanto à segunda parte das alegações, cumpre dizer que a sentença recorrida ordenou que o montante recebido a título de reparação provisória fosse descontado na indemnização fixada a título de perda salarial, o que inteiramente subscrevemos, por ter sido considerado que o subsídio de desemprego era equiparado aquele rendimento. Improcedem as alegações da Ré na sua totalidade”, deixando, no entanto, de retirar as devidas consequências da fundamentação aduzida, não cuidando de as expressar no dispositivo.

Pelo exposto, torna-se apodíctico afirmar que o Tribunal recorrido reconheceu expressamente que se deverá efectuar a dedução da quantia paga pela Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória, no valor global da indemnização fixada ao Autor/AA, impondo-se, por isso, que esta declaração conste do dispositivo, no concreto segmento em que se enuncia como se dirime o pleito trazido a Juízo.


III. DECISÃO


Pelo exposto, os Juízes que constituem este Tribunal, julgam parcialmente procedente o recurso interposto pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., concedendo-se parcialmente a revista.

Assim, acordam os Juízes que constituem este Tribunal:

1) Em julgar parcialmente procedente o recurso de revista interposto pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. impondo-se alterar a decisão recorrida, que sufragando a pedida rectificação do aresto da 1ª Instância, nos seguintes termos “ - Condenar a ré Companhia de Seguros BB, S.A. a indemnizar o autor no que vier a liquidar-se em execução de sentença pelo dano resultante da necessidade de tratamentos de fisioterapia de manutenção, transporte para os mesmos, e medicação”, consignou no respectivo dispositivo: “Atento o exposto e na improcedência total das alegações da Ré e parcial do autor das alegações do autor altera-se a sentença recorrida fixando-se: - a indemnização por perdas salariais no montante de €24.416,13; - a indemnização por danos futuros em consequência da incapacidade em €45.000,00; - a indemnização por danos morais em €25.000,00; - no montante, a liquidar posteriormente, com o custo de trabalho de recuso a terceira pessoa no auxílio à esposa do autor”substituindo-a por outra, condenando a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A.:

a) A indemnizar o Autor/AA, a título de indemnização por “perdas salariais”, na quantia de €23.596.80, acrescida de juros de mora contados à taxa de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento;

b) A indemnizar o Autor/AA, a título de indemnização por danos futuros em consequência da incapacidade sofrida, na quantia de €33.000,00, acrescida de juros de mora contados a taxa de 4% desde o trânsito desta decisão até integral e efectivo pagamento;

c) A indemnizar o Autor/AA, a título de indemnização por danos não patrimoniais, na quantia de €22.000,00, acrescida de juros de mora contados a taxa de 4% desde o trânsito desta decisão até integral e efectivo pagamento;

d) Ao valor global da indemnização fixada ao Autor/AA deve ser descontada a quantia paga pela Ré/Companhia de Seguros BB, S.A. em sede de providência cautelar de arbitramento e reparação provisória;

e) A indemnizar o Autor/AA no que vier a liquidar-se em execução de sentença pelo dano resultante da necessidade de tratamentos de fisioterapia demanutenção, transporte para os mesmos, e medicação;

f) Outrossim, revoga-se o aresto em escrutínio, na concreta alínea do respectivo dispositivo ao condenar a Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., “no montante, a liquidar posteriormente, com o custo de trabalho de recuso a terceira pessoa no auxílio à esposa do autor”.

2) Custas pela Recorrente/Ré/Companhia de Seguros BB, S.A., e pelo Recorrido/Autor/AA, na proporção de 6/10 e 4/10, respectivamente.

Notifique.

Lisboa, Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Novembro de 2019

                                                         

Oliveira Abreu (Relator)

Sacarrão Martins

Nuno Pinto Oliveira