Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08S3446
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
CATEGORIA PROFISSIONAL
Nº do Documento: SJ20090325034464
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário : 1. Perante o quadro factual provado, não pode deixar de se entender que a ré, muito embora tivesse continuado a qualificar o autor como chefe de vendas e a pagar-lhe a correspondente remuneração, a verdade é que lhe retirou as funções próprias dessa categoria, esvaziando, assim, o conteúdo daquela qualificação profissional e modificando a posição do autor na empresa.
2. Sabendo-se que são as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa e não o inverso, a retirada das “funções de chefe de vendas” constitui uma violação de uma garantia legal do autor, já que a ré não demonstrou, como lhe competia, que a colocação do autor a desempenhar tarefas inferiores (de assessor “para assuntos relativos às vendas”) tenha sido “por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador” e por este aceite e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho, como impõe o artigo 313.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
3. Provando-se que a conduta do empregador foi ilícita, culposa e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da gravidade e consequências da violação culposa do direito do trabalhador à sua categoria profissional, verifica-se justa causa para resolver o contrato de trabalho, nos termos dos artigos 441.º, n.º 4, e 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 6 de Junho de 2006, no Tribunal do Trabalho de Vila Nova de Gaia, AA intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra BB – REPRESENTAÇÕES GRÁFICAS, S. A., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe: (a) uma indemnização por danos patrimoniais, no montante de € 35.795,50; (b) a retribuição do mês de Maio de 2006, subsídio de férias, férias não gozadas e subsídio de Natal; (c) uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 17.897,75.

Alegou, para tanto, que trabalhou para a ré, exercendo as funções de chefe de vendas e de director comercial, desde Março de 2002, e que, sem justificação, em Maio de 2006, a ré lhe retirou essas funções, bem como as regalias inerentes, razão pela qual resolveu o contrato de trabalho com justa causa.

A ré contestou, alegando que o autor nunca exerceu as funções de director comercial e que, após reestruturação dos serviços da empresa, as funções de direcção de vendas passaram a ser exercidas directamente pela directora da empresa, tendo o autor mantido a categoria profissional e todos os seus direitos, e que a resolução do contrato causou prejuízos à empresa, termos em que deduziu pedido reconvencional.

Realizado julgamento, foi exarada sentença que julgou a acção parcialmente procedente e decidiu: (1) condenar a ré a pagar ao autor € 38.774,65, a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescidos de € 7.657,56 a título de retribuição de férias não gozadas e respectivo subsídio de férias e de Natal, e quinze dias de salário de Maio de 2006; (2) absolver a ré do mais que é pedido; (3) absolver o autor do pedido reconvencional.

2. Irresignada, a ré interpôs recurso de apelação, concluindo que a sentença é nula, violando o artigo 668.º, n.º 1, alíneas b), c) e d), do Código de Processo Civil, e que inexiste justa causa para a resolução do contrato de trabalho por parte do autor, sendo que o Tribunal da Relação do Porto negou provimento ao recurso de apelação e, bem assim, aos recursos de agravo anteriormente interpostos pela ré (o primeiro, relativo ao despacho que indeferiu o requerimento da ré, no sentido de, em contra interrogatório, não serem permitidas perguntas à testemunha TC sobre a revista junta a fls. 181 e seguintes, e o segundo, interposto do despacho que deferiu a acareação entre as testemunhas Norberto Martins e TC sobre «a existência ou não do projecto elaborado pelo autor, a que se referem os quesitos 9.º, 10.º e 11.º» e «saber se na reunião referida no quesito 20.º foi ou não afirmado que a ré tinha perdido confiança no autor e se deu alguma explicação ao mesmo», quesitos a que correspondem os pontos 8, 9, 10 e 15 da matéria de facto provada).

É contra esta decisão que a ré agora se insurge, mediante recurso de revista, ao abrigo das conclusões que se passam a transcrever:

«a) No recurso que interpôs para o TRP este apreciou uma questão prévia que não constava das alegações de recurso apresentadas e sobre as quais lhe competia pronunciar-se [sic];
b) O TRP julgou umas alegações diferentes das que foram apresentadas, pronunciando-se sobre questões que não lhe foram submetidas, pelo que é nulo o acórdão proferido, dado ter violado o art. 668.º, n.º 1, al. d), [do] CPC;
c) O referido ac. não decidiu também os agravos que haviam sido interpostos e se declarou querer ver julgados, por entender que os factos não eram relevantes, quando tinha e devia pronunciar-se sobre a questão que lhe foi submetida, o que consubstancia a nulidade da decisão no que a este aspecto respeit[a], por violação do art. 668.º, n.º 1, al. d), [do] CPC;
d) Quanto ao recurso em si, a recorrente levantou duas questões: a de que não havia baixa de categoria e a de que a viatura que lhe foi atribuída era inferior à que utilizava e que perdeu estatuto na empresa [sic];
e) O TRP apenas […] analisou a primeira das questões, nada referindo quanto à segunda, quando a devia dirimir, o que viola o[s] artigo[s] 156.º, n.º 1, [do] CPC e 202.º, n.º 2, [da] CRP, e torna a decisão nula por violar o art. 668.º, n.º 1, al. d), [do] CPC;
f) A decisão foi tomada com base nos factos provados 15.º a 17.º, dos quais se concluiu haver “baixa de categoria profissional”, factos esses que respeitam à circunstância de que, na referida reunião, foi comunicado aos trabalhadores da empresa que o A. deixava de exercer as funções de chefe de vendas, ao mesmo tempo que tal facto foi comunicado aos clientes através de uma circular, e que o A. foi colocado num gabinete a contactar clientes novos a partir de listas telefónicas;
g) A actividade da R. é regulamentada pelo CCTV constante do ACT n.º 27935, de acordo com o qual chefe de vendas (que era a categoria do A. — resposta aos factos 2.º e 3.º) é aquele que dirige, coordena ou controla um ou mais sectores de venda da empresa;
h) Das respostas a 23.º a 26.º [sic] resulta que a administração decidiu que as funções de direcção de vendas passavam a ser desempenhadas directamente pela directora Dr.ª TC, a quem competia já supervisionar e gizar as estratégias e gerir a empresa; que o A. ficou sob a alçada desta, assessorando-a nos assuntos relativos às vendas;
i) O recorrido foi colocado ao lado da Dr.ª TC, sua superiora, a estabelecer contactos com outros clientes que tinham deixado de o ser, no intuito de os recuperar e que desde que foi admitido na R. sempre o A. angariou clientes e lhes vendeu material, também pelo telefone (respostas de 37.º e 39.º a 41.º);
j) O A. recebeu ordens para contactar novos clientes, para recuperar clientes antigos e para vender pelo telefone, tal como ele sempre fizera desde que entrou para a empresa (factos 17.º, 37.º e 39.º a 41.º), o que significa que não baixou de categoria, contendo-se a alteração levada a cabo nos poderes da entidade patronal;
k) O ac. aqui recorrido encontra-se em oposição com a jurisprudência deste Venerando Tribunal (Ac. STJ de 06/03/2002, CJ, ano X, 1/266 e Ac. STJ de 06/12/2000, CJ, ano VIII, 111/291), pois que a questão de direito é a mesma;
l) O recorrido se manteve [sic] na mesma categoria profissional, pois que não lhe foram atribuídas um novo conjunto de funções, antes se mantiveram aquelas que ele já anteriormente desempenhava, não tendo por isso sido violados quaisquer direitos ou garantias do trabalhador, designadamente as dos art.s 122.º, al. e), 313.º e 441.º, todos do CT, que o TRP violou por erro de interpretação e aplicação;
m) Entendeu-se ainda no ac. recorrido, que havia impossibilidade prática da manutenção da relação laboral, pois que havia perda da confiança absoluta do trabalhador, resultando tal conclusão do facto da recorrente “ter perdido nele a confiança enquanto chefe de vendas” e de tal ter acontecido “numa reunião com todos os empregados da empresa”, o que constitui facto humilhante;
n) A recorrente apenas perdeu a sua confiança no recorrido enquanto chefe de vendas e não enquanto trabalhador, tendo nele mantido a sua confiança (cfr. factos 7.º e 15.º);
o) Não há qualquer razão que permita a conclusão pela quebra de confiança e humilhação, tanto mais que das respostas de 23.º a 26.º resulta a justificação da mudança;
p) Entre a reunião em causa e a rescisão por parte do A. apenas mediaram três dias, período que nem sequer seria suficiente para a verificação da humilhação que se refere, tendo-se por isso violado por erro de interpretação e aplicação, o art. 441.º do CT;
q) Dado que o recorrido não teve qualquer fundamento para resolver o contrato de trabalho, tem de proceder a reconvenção quanto à condenação do recorrido no pagamento das quantias relativas à falta de pré-aviso da cessação do contrato, uma vez que a demais matéria a ela respeitante não foi tida por provada;
Assim,
r) Deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra [que] declare as nulidades arguidas, com as demais consequências e que julgue a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente.»

O autor contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta concluiu que a revista devia ser negada, parecer que, notificado às partes, não suscitou resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

Se acórdão recorrido padece de nulidade [conclusões a) a e) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
Se não procede a justa causa invocada pelo autor para a resolução do contrato de trabalho que vigorou entre as partes [conclusões f) a p) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista];
Se a reconvenção procede, quanto à condenação do autor no pagamento das quantias relativas à falta de pré-aviso da cessação do contrato [conclusões q) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista].

Estando em causa a cessação de um contrato de trabalho por resolução da iniciativa do trabalhador, verificada em 16 de Maio de 2006, portanto, na vigência do Código do Trabalho de 2003 (entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 — artigo 3.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto) e atento o preceituado no artigo 8.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, aplica-se o regime jurídico estabelecido naquele Código.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II

1. Antes de mais, importa apreciar a questão prévia suscitada pela Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal, sem resposta das partes, apesar de terem sido notificadas do atinente parecer, no tocante ao não conhecimento das invocadas nulidades do acórdão recorrido.

A recorrente alega que «[o] TRP julgou umas alegações diferentes das que foram apresentadas, pronunciando-se sobre questões que não lhe foram submetidas, pelo que é nulo o acórdão proferido, dado ter violado o art. 668.º, n.º 1, al. d), [do] CPC», que o acórdão recorrido «não decidiu também os agravos que haviam sido interpostos e se declarou querer ver julgados, por entender que os factos não eram relevantes, quando tinha e devia pronunciar-se sobre a questão que lhe foi submetida, o que consubstancia a nulidade da decisão no que a este aspecto respeit[a], por violação do art. 668.º, n.º 1, al d), [do] CPC» e, ainda, que tendo suscitado duas questões no recurso, aquele acórdão «apenas […] analisou a primeira das questões, nada referindo quanto à segunda, quando a devia dirimir, o que viola o[s] artigo[s] 156.º, n.º 1, [do] CPC e 202.º, n.º 2, [da] CRP, e torna a decisão nula por violar o art. 668.º, n.º 1, al. d), [do] CPC».

O certo é, porém, que a recorrente, no requerimento de interposição do recurso de revista (fls. 666), não arguiu qualquer nulidade do acórdão recorrido.
Ora, a arguição de nulidade da sentença em contencioso laboral, face ao preceituado no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso, com vista a habilitar o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades invocadas no requerimento que lhe é dirigido e proceder eventualmente ao seu suprimento, sendo entendimento jurisprudencial pacífico que essa norma é também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, por força das disposições conjugadas dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, de onde resulta, conforme tem sido reiteradamente afirmado por este Supremo Tribunal, que essa arguição, no texto da alegação do recurso, é inatendível por intempestividade (cf., por todos, o recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 14 de Janeiro de 2009, Processo n.º 2469-08, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt).

Com efeito, nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, norma também aplicável à arguição de nulidade do acórdão da Relação, ex vi artigos 1.º, n.º 2, alínea a), desse Código e 716.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, não basta a arguição, no texto da alegação do recurso, da nulidade do acórdão recorrido, ainda que «em separado e de modo distinto da restante matéria de alegação e motivação de recurso» para permitir o conhecimento daquele invocado vício, sendo indispensável que essa arguição seja levada a cabo, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, ónus que é incontornável.

Logo, a referida arguição, no texto da alegação do recurso, é inatendível por intempestividade, já que não respeita o regime previsto no n.º 1 do artigo 77.º citado, no que toca ao prazo (neste ponto, por remissão para as disposições que regem sobre o atinente prazo de interposição do recurso, que devem considerar-se parte integrante da normação que inclui a norma remissiva) e ao modo de arguição de nulidade do acórdão em contencioso laboral, regime que não se apresenta como anómalo, face ao sistema processual civil, que contempla, igualmente, casos em que o fundamento específico do recurso deve ser indicado no próprio requerimento de interposição (artigo 687.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), e que não é arbitrário, face à preocupação de maior celeridade e economia processual que domina o processo do trabalho, exigindo-se do recorrente, quando estiver em causa a nulidade da decisão recorrida, um cuidado acrescido na delimitação dos fundamentos do recurso, de modo a possibilitar ao tribunal recorrido a sua fácil detecção e o eventual suprimento.

E não se verificando qualquer justo impedimento para a não arguição, em tempo, da alegada nulidade do acórdão, deve a recorrente sofrer as consequências do inadequado exercício do direito à arguição daquela nulidade, tanto mais, que o prazo de interposição do recurso permitia-lhe esse atempado exercício.

Isto é, por impossibilidade de suprimento do vício ocorrido na arguição da nulidade do acórdão, o tribunal ad quem não pode conhecer das alegadas nulidades

Assim, procede aquela questão prévia, não se conhecendo das nulidades do acórdão recorrido aduzidas nas conclusões a) a e) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

2. As instâncias consideraram provada a seguinte matéria de facto:

DA ESPECIFICAÇÃO:

A) O autor foi admitido na empresa CC, conforme documento de fls. 11 junto aos autos;
B) Continuou a exercer as suas funções na empresa S. A. CC, L.da, em 1997, empresa esta que assumiu os funcionários daquela outra, reconhecendo-lhes todos os seus direitos e garantias que possuíam naquela firma, incluindo o autor, conforme documento de fls. 12 junto aos autos;
C) Em 1 de Outubro de 1997, o autor assinou um contrato com a ré, a qual assumiu os funcionários da S. A. CC, L.da, reconhecendo-lhes todos os direitos e garantias que possuíam naquela firma, logo incluindo o autor, conforme documento de fls. 13 a 15 juntos aos autos;
D) O autor foi admitido na firma mencionada na alínea A) como vendedor, passando a técnico de vendas em 1997;
E) Em Março de 2004, o autor foi promovido à categoria profissional de chefe de vendas, embora já desempenhasse essas funções desde 2002;
F) Auferindo um vencimento base de € 2.650 e subsídio de alimentação e recebendo um salário base líquido no montante de € 1.854,15, conforme documento de fls. 16 junto aos autos;
G) Em 1997, foi concedido ao autor, para a sua condução, um veículo de marca Opel Corsa, de 5 lugares, e, mais tarde, um veículo Fiat Marea, de 5 lugares;
H) Em finais de 2003, a ré concedeu ao autor, para a condução deste, um Mazda 6, de cinco lugares;
I) Houve uma constante actualização e melhoria nos veículos que foram sendo concedidos pela ré ao autor para utilização deste, sem quaisquer limites;
J) A partir de Março de 2004, o autor passou a ter um gabinete só para si;
K) Em finais de 2004, a ré deu ao autor um gabinete com luz directa, ao contrário do anterior;
L) No entanto, em 16 de Maio de 2006, o autor rescindiu o seu contrato de trabalho alegando justa causa;
M) O autor apresentou queixa-crime contra TC e outro.

DO QUESTIONÁRIO:

1) A admissão referida na alínea A) ocorreu em Novembro de 1993;
2) O autor exercia as funções [de] chefe de vendas, vindo mencionado o facto nos recibos de vencimento;
3) O A. liderava as vendas da R. e tratava com os clientes referentes a essas vendas;
4) O autor recebia subsídio de almoço e estadia, gasóleos, ou seja, todas as despesas que o autor tinha no exercício das suas funções eram pagas mediante a apresentação das facturas;
5) E um gabinete que partilhava apenas com um colega de trabalho, que desempenhava as mesmas funções que o autor, o qual deixou a empresa ré em Março de 2004;
6) O autor deslocava-se, juntamente com a administração, a feiras internacionais com interesse para a ré, como a França, Alemanha e Inglaterra;
7) A ré teve sempre confiança no autor;
8) A partir de Setembro de 2005, o autor elaborou um projecto, tendo vindo das empresas Grafopel e Lidergraf funcionários para a empresa ré, tendo três novos funcionários ido trabalhar para a mesma, a partir de Dezembro de 2005;
9) Em Fevereiro de 2006, foi elaborada nas construções [sic] da empresa ré uma reportagem encabeçada pelo autor anunciando publicamente mais um serviço da BB, nomeadamente a assistência técnica com os funcionários mencionados no quesito anterior;
10) Acrescentando, também, que estaria para breve a abertura de uma filial da BB em Lisboa, na mesma linha do projecto apresentado pelo autor em Setembro de 2005;
11) A ré retirou ao autor o gabinete de seu uso exclusivo, colocando-o a trabalhar noutro gabinete;
12) Retirou-lhe ainda a viatura que na altura conduzia (o Mazda) e colocou-lhe nas mãos uma Renault Kangoo de 2 lugares (furgão), para logo de seguida lhe entregar um outro veículo do género, mas ainda mais antigo;
13) A ré retirou ao autor o telemóvel que lhe havia sido destinado para contacto com clientes e fornecedores e deram-lhe um outro com um número diferente do anterior;
14) O subsídio de almoço era de 6 euros;
15) Na reunião de 8/5/2006, com todos os funcionários da empresa presentes, a R. disse que havia perdido a confiança no autor como chefe de vendas, e que a partir dali o mesmo deixava de exercer as suas funções de chefe de vendas;
16) E enviando a ré uma circular, no dia 8/5/2006, para os clientes da mesma dizendo: “o autor, a partir desta data, deixou de exercer as funções de chefe de vendas”, conforme documento de fls. 18 junto aos autos;
17) Colocou-o num gabinete a contactar clientes novos, a partir de listas telefónicas;
18) O autor, com toda esta situação, ficou angustiado e psicologicamente abalado;
19) O A., por vezes, deslocava-se, juntamente com aquela directora, a expensas e sob as ordens da empresa, às feiras;
20) As viaturas utilizadas pelo autor foram sempre substituídas pela sequência da renovação da frota de veículos;
21) No que respeita ao quesito 4.º, a ré pagava ao autor apenas as despesas após conferidas, quando entendia que se justificava exceder os limites, caso a caso;
22) A mudança de gabinete deveu-se à reorganização, tal como, do mesmo modo e na mesma ocasião, reorganizou a localização dos gabinetes da administração, da direcção, da sala de reuniões e demais serviços;
23) Foi decidido pela administração que as funções de direcção de vendas passavam a ser desempenhadas directamente pela Directora Dr.ª TC;
24) A quem competia já supervisionar e gizar as estratégias e gerir a empresa, como se referiu supra;
25) O autor ficou sob a alçada desta;
26) Assessorando-a nos assuntos relativos às vendas;
27) Pagando-lhe o mesmo salário e subsídio de almoço de € 6;
28) Foi entregue ao A. novo telemóvel da empresa;
29) Que ele pôde usar para o trabalho;
30) Foi-lhe entregue uma Renault Kangoo de dois lugares;
31) Para uso pessoal e ilimitado.
32) No que respeita às viaturas, tal como acontecia quanto ao telemóvel, o autor sempre suportou de sua conta as despesas com a mesma, nos dias em que não trabalhava;
33) Designadamente, sempre foi o autor a suportar os gastos de combustível, portagens e estacionamento fora dos dias de trabalho;
34) Ao autor, já cerca de meio ano antes, tinha sido substituído o Mazda por um Clio comercial de dois lugares;
35) No qual e com o qual, o autor se deslocou cerca de cinco meses sem qualquer reparo ou reclamação;
36) Mudou o autor de gabinete para uma sala de trabalho que, por vezes, serve para reuniões;
37) Situa-se ao lado do da Dr.ª TC, sua directa superiora;
38) Tendo o gabinete do autor passado a ser ocupado por outros serviços;
39) E que estabelecesse também contactos com outros que tinham deixado de ser clientes, no intuito de os recuperar;
40) Sendo que desde que foi admitido na ré, sempre o autor angariou clientes e lhes vendeu material;
41) Também vendia pelo telefone;
42) O autor faltou ao trabalho, a 10 e 12 de Maio de 2006;
43) Após a cessação operada pelo autor, a ré interpelou este para comparecer na empresa e receber;
44) Recebimento que só não teve lugar porque o autor, chegado à empresa, se recusou a esse mesmo recebimento.

Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no n.º 3 do artigo 729.º do Código de Processo Civil, por conseguinte, será com base nesses factos que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

3. A ré sustenta que o autor manteve a mesma categoria profissional, não lhe tendo sido atribuídas novas funções, antes se mantendo aquelas que anteriormente desempenhava, «não tendo por isso sido violados quaisquer direitos ou garantias do trabalhador, designadamente as dos art.s 122.º, al. e), 313.º e 441.º, todos do CT, que o TRP violou por erro de interpretação e aplicação».

E, acrescenta, que «apenas perdeu a sua confiança no recorrido enquanto chefe de vendas e não enquanto trabalhador, tendo nele mantido a sua confiança (cfr. factos 7.º e 15.º)», não havendo «qualquer razão que permita a conclusão pela quebra de confiança e humilhação, tanto mais que das respostas de 23.º a 26.º resulta a justificação da mudança», sendo que «[e]ntre a reunião em causa e a rescisão por parte do A. apenas mediaram três dias, período que nem sequer seria suficiente para a verificação da humilhação que se refere, tendo-se por isso violado por erro de interpretação e aplicação, o art. 441.º do CT».

Por seu lado, o acórdão recorrido considerou verificada a justa causa de resolução, pois, «atenta a factualidade descrita sob os pontos 15 e 16 da matéria de facto, dúvidas não há de que a ré retirou “as funções de chefe de vendas” ao autor, funções essas determinantes para a sua qualificação profissional, quer perante a lei, quer face ao meio socioprofissional onde se insere, isto é, face aos colegas de trabalho e aos clientes da ré», configurando essa retirada de funções uma violação culposa de garantia legal do autor, que impossibilita a manutenção da relação laboral.

3.1. O contrato de trabalho pode cessar, entre outras causas, por resolução do trabalhador, nos termos dos conjugados artigos 384.º, alínea c), e 441.º do Código do Trabalho, diploma a que pertencem os demais preceitos a citar neste ponto, sem menção da origem.

Segundo o n.º 1 do artigo 441.º, quando ocorra justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

A declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artigo 442.º, n.º 1), havendo lugar a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, se a mesma se fundar nos factos previstos no n.º 2 do artigo 441.º, indemnização essa a fixar entre quinze e quarenta e cinco dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou fracção, neste último caso calculada proporcionalmente (artigo 443.º, n.os 1 e 2).

Consoante o disposto no n.º 2 do artigo 441.º, «[c]onstituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: (a) falta culposa de pagamento pontual da retribuição; (b) violação culposa das garantias legais ou convencionais do trabalhador; (c) aplicação de sanção abusiva; (d) falta culposa de condições de segurança, higiene e saúde no trabalho; (e) lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; (f) ofensas à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, puníveis por lei, praticadas pelo empregador ou seu representante legítimo.»

Trata-se da chamada justa causa subjectiva (culposa).

Constituem justa causa objectiva (não culposa) de resolução do contrato pelo trabalhador, conforme estipula o n.º 3 do artigo 441.º, as circunstâncias que se seguem: «(a) necessidade de cumprimento de obrigações legais incompatíveis com a continuação ao serviço; (b) alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício legítimo de poderes do empregador; (c) falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.»

Em qualquer das apontadas situações está subjacente o conceito de justa causa, que o artigo 441.º não define, mas que corresponde à ideia de impossibilidade para o trabalhador de manutenção do vínculo laboral, nos termos de similar locução constante no n.º 1 do artigo 396.º, até porque, consoante o previsto no n.º 4 do artigo 441.º, a justa causa é apreciada de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 396.º, com as necessárias adaptações, ou seja, atendendo-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.

Deste modo, o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, ou seja, é necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral.

Refira-se que é proibido ao empregador «baixar a categoria do trabalhador» [artigo 122.º, alínea e)], que o artigo 151.º determina que «[o] trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado» (n.º 1), a qual «compreende as funções que lhe sejam afins ou funcionalmente ligadas, para as quais o trabalhador detenha a qualificação profissional adequada e que não impliquem desvalorização profissional» (n.º 2), e que, nos termos do artigo 313.º, «[o] trabalhador só pode ser colocado em categoria inferior àquela para que foi contratado ou a que foi promovido quando tal mudança, imposta por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador, seja por este aceite e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho» (n.º 1), sendo que o artigo 314.º prevê que a entidade empregadora pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o trabalhador de funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique «modificação substancial da posição do trabalhador» (n.º 1), não havendo estipulação que restrinja essa faculdade (n.º 2) e diminuição da retribuição (n.º 3), e devendo a ordem de alteração de funções ser justificada, com indicação do tempo previsível (n.º 4).

3.2. No caso vertente, resultou provado que, em Março de 2004, o autor foi promovido à categoria profissional de chefe de vendas, embora já desempenhasse essas funções desde 2002 [facto assente E)] e que, em reunião ocorrida em 8 de Maio de 2006, «com todos os funcionários da empresa presentes, a R. disse que havia perdido a confiança no autor como chefe de vendas, e que a partir dali o mesmo deixava de exercer as suas funções de chefe de vendas», tendo a ré enviado, nesse dia, uma circular para os seus clientes, informando que o autor, a partir daquela data, deixara de exercer as funções de chefe de vendas [factos provados 15) e 16)].

Também ficou provado que a ré colocou o autor «num gabinete a contactar clientes novos, a partir de listas telefónicas» e que a administração da ré decidiu «que as funções de direcção de vendas passavam a ser desempenhadas directamente pela Directora Dr.ª TC», a quem competia já supervisionar e gizar as estratégias e gerir a empresa, ficando o autor «sob a alçada desta», «[a]ssessorando-a nos assuntos relativos às vendas», «[p]agando-lhe o mesmo salário e subsídio de almoço de € 6» [factos provados 17) e 23) a 27)].

Tal como refere a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, «[p]erante este quadro factual, não pode deixar de se entender, […], que a Ré, muito embora tivesse continuado a qualificar o Autor como chefe de vendas e a pagar-lhe a correspondente remuneração, a verdade é que lhe retirou as funções próprias dessa categoria, esvaziando, assim, o conteúdo dessa qualificação profissional e modificando a posição do Autor na empresa».

Ora, conforme se entendeu no acórdão recorrido, «sabendo-se que são as funções exercidas pelo trabalhador que determinam a sua classificação profissional na empresa e não o inverso, a retirada das “funções de chefe de vendas” constitui uma violação de uma garantia legal do autor, já que a ré não demonstrou, como lhe competia, que a colocação do autor a desempenhar tarefas inferiores (de assessor “para assuntos relativos às vendas”) tenha sido “por necessidades prementes da empresa ou por estrita necessidade do trabalhador” e por este aceite e autorizada pela Inspecção-Geral do Trabalho, como impõe o artigo 313.º, n.º 1, do CT».
E, sendo patente que as novas funções atribuídas ao trabalhador implicaram uma modificação substancial da sua posição contratual e que não foi indicado o tempo previsível da sua duração, também não se verificam os pressupostos da mobilidade funcional previstos no artigo 314.º do Código do Trabalho.

3.3. E não se diga que «[n]ão há qualquer razão que permita a conclusão pela quebra de confiança e humilhação, tanto mais que das respostas de 23.º a 26.º resulta a justificação da mudança» e que «[e]ntre a reunião em causa e a rescisão por parte do A. apenas mediaram três dias, período que nem sequer seria suficiente para a verificação da humilhação que se refere, tendo-se por isso violado por erro de interpretação e aplicação, o art. 441.º do CT».

É que, tal como é assinalado no acórdão recorrido, «do contexto dos autos resulta a perda absoluta de confiança entre as partes, já que está provado que a retirada das “funções de chefe de vendas” se deveu à circunstância de a ré ter “perdido a confiança no autor como chefe de vendas” e, como tal, a continuação da relação de trabalho seria praticamente impossível, uma vez que a ré denunciou tal situação numa reunião “com todos os funcionários da empresa presentes”, o que constituiu um acto humilhante para o autor (trabalhador com 13 anos de “casa”, sendo os 4 últimos como chefe de vendas) e o colocou perante a inevitabilidade da resolução do contrato de trabalho, tanto mais que a ré não explicou (pelo menos não está provado) quais as razões daquela perda de confiança, situação que permite todo o tipo de especulações: foi por incompetência, por deslealdade, por inadaptabilidade, ou por qualquer outro motivo? Não se sabe.»

Note-se, finalmente, que não se vislumbra semelhança fáctica entre os casos a que se reportam os acórdãos mencionados na alínea k) da alegação do recurso de revista e o ajuizado no acórdão recorrido, sendo certo que, naqueles acórdãos, os trabalhadores mantiveram as funções inerentes à respectiva categoria profissional.

Conclui-se, por conseguinte, que a conduta da recorrente foi ilícita, culposa e tornou imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da gravidade e consequências da violação culposa do direito do trabalhador à sua categoria profissional, e daí a verificação de justa causa para resolver o contrato de trabalho, nos termos dos artigos 441.º, n.º 4, e 396.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Improcedem, pois, as conclusões f) a p) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

4. Em derradeiro termo, a recorrente defende que, «[d]ado que o recorrido não teve qualquer fundamento para resolver o contrato de trabalho, tem de proceder a reconvenção quanto à condenação do recorrido no pagamento das quantias relativas à falta de pré-aviso da cessação do contrato».

O n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, aplicável aos acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do disposto nos conjugados artigos 713.º, n.º 2, e 726.º do mesmo Código, estabelece que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.

Ora, tendo-se concluído no sentido da verificação de justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho, fica prejudicada a apreciação da questão suscitada nas conclusões q) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista.

III

Pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Não conhecer das nulidades do aresto recorrido aduzidas nas conclusões a) a e) e r), na parte atinente, da alegação do recurso de revista;
b) Quanto ao mais, negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas da revista a cargo da recorrente.

Lisboa, 25 de Março de 2009

Pinto Hespanhol (relator)

Vasques Dinis

Bravo Serra