Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
202/14.2TBBAO-A.P2.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
VALOR DA CAUSA
ALÇADA
DUPLA CONFORME
TRÂNSITO EM JULGADO
INSOLVÊNCIA
RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 01/26/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: NÃO SE CONHECE DO OBJECTO DO RECURSO.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Existindo um despacho no processo a fixar o valor da causa sem que tenha havido qualquer impugnação, mostra-se o mesmo transitado em julgado, tendo assim sido dado cumprimento ao disposto no art. 306.º, n.º 1, do CPC «Compete ao juiz fixar o valor da causa (…)», não podendo tal valor ser alterado pelas partes por sua própria vontade.
II - O valor oportunamente fixado, em € 30 000, obsta à recorribilidade encetada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos nos arts. 629.º, n.º 1, do CPC e 44.º, n.º 1, da LOSJ.
III - Para além deste óbice decorrente do valor, a dupla conformidade que se verifica entre as duas decisões em confronto constituiria sempre uma outra circunstância impeditiva do conhecimento do objecto do recurso, caso aqueloutra se não verificasse.
Decisão Texto Integral:

PROC 202/14.2TBBAO-A.P2.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Os credores AA., BB., CC. e DD. no apenso de reclamação de créditos da Insolvente LUZALI-SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, LDA, vieram invocar dois erros materiais relevantes da sentença.

Alegam a existência de erro material quanto à identificação do credor AA., invocando os documentos que instroem a reclamação deste credor, cuja assinatura corresponde à do seu documento de identificação., concluindo que na sentença deverá passar a constar AA., onde agora consta EE..

Quanto ao segundo erro, invocam que as frações autónomas designadas pelas letras I, R, S e T sobre as quais incidem os direitos de retenção reclamados e reconhecidos aos credores CC., AA., BB. e DD., respetivamente, pertencem todas ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ………. sob o número ……. da freguesia ……, que estão atualmente inscritas na matriz predial urbana da freguesia de ….. sob os artigos …..-I, ……-R, …….-S e …….-T, que anteriormente correspondiam ao artigo matricial ……. da freguesia …….., as quais se encontram apreendidas no apenso G de Apreensão de Bens, no Auto de Apreensão, datado de 28.7.2014, sob as verbas nºs …., ……, ……. e ……., respetivamente.

Assim, entendem que os autos contêm todos os elementos relevantes para a retificação da sentença de verificação e graduação de créditos, ao abrigo do disposto nos nºs 1 e 3 do artigo 614º do C.P.C., devendo passar a constar que o crédito da credora CC., no montante de €270.000,00, é garantido por direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra I do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do registo Predial de …… sob o número ……. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……., da freguesia de ……, verba ….. do Auto de Apreensão de Bens, de fls. 8 a 9 do apenso G de Apreensão de Bens; o crédito da credora BB., no montante de €360.000,00, é garantido por direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra S do prédio em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ……. sob o número …….. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……., da freguesia …….., verba ……. do Auto de Apreensão de Bens, de fls. 8 a 9 do apenso G de Apreensão de Bens; o crédito do credor DD., no montante de €360.000,00, é garantido por direito de retenção sobre a fração autónoma designada pela letra T do prédio em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial ……. sob o número …….. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……., da freguesia ……., verba …….. do Auto de Apreensão de Bens, de fls. 8 a 9 do apenso G de Apreensão de Bens; e o crédito do credor AA., no montante de €390.000,00, é garantido por direito de retenção sobre a fracção autónoma designada pela letra R do prédio em regime de propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial …… sob o número ……. e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ……. da freguesia ……, verba …… do Auto de Apreensão de Bens de fls. 8 e 9, do apenso G de Apreensão de Bens, e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …… da freguesia de ……...

Mais alegam que, após esta retificação da sentença, os autos contêm os elementos de facto e de direito que permitem graduar os créditos destes credores.

Foi proferida decisão a considerar que, por ser manifestamente extemporânea a reclamação apresentada e não poder o tribunal reapreciar e julgar matéria que foi objeto de uma sentença transitada em julgado, indeferiu-se a requerida correção.

Inconformados, os Credores Requerentes recorreram tendo a final sido produzido Acórdão a consignar que ao credor identificado como EE. corresponde o nome de AA.; no mais, julgou-se improcedente a Apelação e, consequentemente, confirmou-se a decisão recorrida.

Os Requerentes, irresignados, pretendem recorrer agora de Revista, alegando, no que à economia desta decisão concerne, o seguinte:

- Advém dos autos que a 1.ª instância entendeu existir erro de julgamento com o fundamento de que as frações não estavam apreendidas para a massa, e a 2ª instância aqui recorrida entendeu verificar-se erro de julgamento, mas com fundamento em estar provado nos autos que as frações estavam apreendidas.

- Ou seja, ambas as decisões chegaram ao mesmo resultado traduzido no entendimento de que existe erro de julgamento, mas com fundamento em factos opostos, o que funda a admissibilidade da revista.

Não foram apresentadas contra alegações.

No despacho preliminar a Relatora ordenou a audição das partes, nos termos do artigo 655º, nº 1 do CPCivil, aplicável ex vi do artigo 679º do mesmo diploma, uma vez que «Como decorre dos autos, foi fixado o valor de 30.000 Euros à presente acção, acção para efeitos processuais e de custas, cfr despacho de fls 1534, o que significa que do Acórdão nela proferido não cabe qualquer impugnação recursiva para este Supremo Tribunal de Justiça, face ao preceituado nos artigos 629º, nº 1 do CPCivil e 44º, nº 1 da LOSJ. A questão do valor da acção é prévia à análise da fundamentação recursória, sustentada na aplicabilidade da excepção consignada no preceituado no artigo 671º, nº 3 do CPCivil.».

Os Recorrentes pronunciaram-se no sentido de terem atribuído ao recurso de Revista o valor de 30.000,01 Euros, o mesmo que já haviam atribuído ao recurso de Apelação, o qual não foi impugnado por qualquer das partes, nem alterado pelo Tribunal recorrido, motivo pelo qual entendem estar fixado definitivamente.

Vejamos.

O valor da presente acção mostra-se há muito fixado em 30.000 Euros, como deflui inequivocamente do despacho produzido a fls 1534.

Mesmo que assim se não entendesse, salvo qualquer lapso da nossa parte que não se lobriga existir, nunca os Recorrentes indicaram qualquer valor em sede de recurso de Apelação, nem em sede de recurso e motivação para este Supremo Tribunal de Justiça, cfr alegações de fls 2400 a 2409 e de2 428 a 2439, que pudesse suportar a sua tese, a qual, mesmo assim, seria sempre votada ao insucesso.

Se não.

O valor da causa, nos presentes autos deveria ter sido fixado no despacho saneador, de harmonia com o preceituado no artigo 306º, nº 2 do CPCivil, o que todavia não foi feito, cfr fls 1551 a 1558, mostrando-se, contudo atribuído à acção o valor de 30.000 Euros, pelo despacho produzido a fls 1534 onde se lê «Fixo o valor da acção em 30 000,00 euros – artigo 301º, nº 1, in fine e 15º, ambos do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresa».

Este despacho não foi impugnado pelas partes, mostrando-se transitado em julgado, tendo assim sido dado cumprimento ao disposto no artigo 306º, nº 1 do CPCivil «Compete ao juiz fixar o valor da causa (…)», o que foi feito, não podendo tal valor ser alterado pelas partes por sua própria vontade.

Daqui se extrai, que o valor oportunamente fixado obsta à recorribilidade encetada, nos termos das disposições conjugadas dos artigos nos artigos 629º, nº 1 do CPCivil e 44º, nº 1 da LOSJ.

Mas, para além deste óbice decorrente do valor, sempre existiria uma outra circunstância impeditiva do conhecimento do objecto do recurso, a qual reside na dupla conformidade que se verifica entre as duas decisões em confronto, o que adiantamos como obiter dictum.

Ao contrário do enunciado pelos Recorrentes, quer o primeiro grau, quer o segundo, alinharam as mesmas razões, pois em ambas se concluiu de forma expressa e indubitável que mesmo que se tratasse de um erro de julgamento quanto à graduação dos créditos reconhecidos o mesmo não poderia ser invocado após o trânsito em julgado da decisão, de onde não poder ser revertida a situação, o que afasta qualquer pretensão tendente a concluir que daí resultaria uma fundamentação essencialmente diferente que pudesse fazer funcionar a excepção consignada no nº 3 do artigo 671º do CPCivil.

Destarte, julga-se findo o recurso, nos termos do artigo 652º, nº 1, alínea b), aplicável por força do disposto no artigo 679º, este como aquele do do CPCivil, por se verificar uma circunstância obstativa ao seu conhecimento.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 26 de Janeiro de 2021

Ana Paula Boularot (Relatora)

(Tem o voto de conformidade dos Exºs Adjuntos Conselheiros Fernando Pinto de Almeida e José Rainho, nos termos do artigo 15º-A aditado ao DL 10-A/2020, de 13 de Março, pelo DL 20/2020, de 1de Maio).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).