Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3819/15.4T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: RAIMUNDO QUEIRÓS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONCAUSALIDADE
CONCORRÊNCIA DE CULPAS
CULPA DO LESADO
PRESUNÇÕES JUDICIAIS
MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
FACTOS INSTRUMENTAIS
REGRAS DA EXPERIÊNCIA COMUM
DANO MORTE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
ATUALIZAÇÃO
JUROS DE MORA
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 10/27/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :

I- É conhecida, por vezes, a dificuldade em reconstituir o desenrolar dos acontecimentos nos acidentes de viação, deixando a factualidade provada em aberto a causa determinantes ou principais do acidente.

II- Deste modo, nada impede que o julgador, à luz das regras da experiência, num juízo de indução ou inferência extraído do facto de base instrumental retire as ilações (presunções) sobre o modo como o acidente ocorreu.

 III- Para tanto importa que da decisão de facto ou, porventura, da respectiva motivação constem os factos essenciais instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído as suas ilações para justificar a prova dos factos essenciais, conforme decorre do artº 607º, nº 4 do CPC, devendo o juiz revelar ou expor na motivação da decisão o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais.

IV- Tem-se admitido que o STJ só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação se este uso ofender norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados.

V- No caso dos autos constata-se que o acórdão recorrido, partindo do acervo probatório e dos respectivos factos instrumentais, tirou as devidas ilações sobre o modo como ocorreu o acidente, não se vislumbrando qualquer ilogicidade no juízo presuntivo.

VI- Uma vez que o acórdão recorrido procedeu à fixação do montante da indemnização recorrendo ao critério actualizador previsto no artº 566º, nº 2 do CC, os juros de mora serão contados a partir da data da prolação do acórdão.

Decisão Texto Integral:

          

PROC. N.º 3819/15.4T8LRA.C1.S1

6ª SECÇÃO.                                                        

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I- Relatório

Recorrentes: Seguradoras Unidas, S.A. e

FGA- Fundo de Garantia Automóvel.

Recorridos: AA e Outros

AA, BB, CC, DD e mulher, EE, intentaram contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A., entretanto incorporada em Seguradoras Unidas, S.A., e ISP - Instituto de Seguros de Portugal, acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum.

Pedem a condenação solidária dos réus “ou na proporção da responsabilidade que se vier a apurar”, no pagamento aos autores da quantia global de € 147.300 (cento e quarenta e sete mil e trezentos euros), sendo € 145.000 (cento e quarenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais e € 2.300 (dois mil e trezentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, contados desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Estando verificados os requisitos do artigo 49.º do DL n.º 291/2007, de 21.08 (Regime do Sistema do Seguro Obrigatório de Responsabilidade Civil Automóvel), o Fundo de Garantia Automóvel (por cuja gestão é responsável o ISP – Instituto de Seguros de Portugal, nos termos do n.º 3 do artigo 47.º do mesmo diploma) apresentou contestação (fls. 49 e s.). Alegou que, conforme havia concluído o Núcleo de Investigação Criminal da GNR, tinha sido o peão a invadir a faixa de rodagem e por esse motivo foi atropelado e pugnando, por isso, pela improcedência da acção.

Contestou também a Açoreana Seguros, S. A. (fls. 69 e s.), alegando também haver culpa do lesado, considerando inexigíveis ou exagerados os montantes indemnizatórios peticionados

Estribado nos factos provados, o Tribunal de 1.ª instância concluiu que foi a vítima quem, com a sua conduta ilícita (violação dos artigos 3.º, n.º 2, 99.º, n.ºs 1 e 2, e 101.º, n.ºs 1 e 3 do Código da Estrada) e culposa, deu causa ao acidente de que veio a resultar a sua morte, julgando a acção totalmente improcedente e absolvendo ambos os réus do pedido formulado pelos autores (fls. 200 e s. autos).

Inconformados, recorreram os autores para o Tribunal da Relação de Coimbra pedindo a alteração da decisão sobre a matéria de facto e a condenação de ambas as rés na obrigação de indemnizar os autores na proporção das respectivas culpas (fls. 240 e s.).

Contra-alegaram o Fundo de Garantia Automóvel (fls. 268 e s.) e Seguradoras Unidas, S.A. (fls. 273 e s.), que pugnaram pela manutenção do decidido pelo Tribunal de 1.ª instância.

Apreciadas as questões suscitadas, o Tribunal da Relação decidiu, por Acórdão de 8.05.2018 (fls. 293 e s.), conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença do Tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, “condenar a ré seguradora a pagar aos autores a quantia de 60 mil euros; condenar o ISP a pagar aos autores a quantia de 36 mil euros; condenar ambos os réus no pagamento dos juros de mora, sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; absolver os réus do mais peticionado”.

Deste Acórdão interpôs a Seguradoras Unidas, S.A., recurso de revista para este Supremo Tribunal.

Contra-alegaram os autores, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.

O Fundo de Garantia Automóvel veio interpor recurso subordinado de revista.

Por vencimento da então Relatora relativamente à decisão, foi a mesma substituída, nessa qualidade, pelo primeiro adjunto, ora Relator (artº 663º nº 3 do CPC).

Por acórdão deste STJ, proferido em 4 de Julho de 2019, acordou-se em anular o acórdão recorrido, por contradições na decisão da matéria de facto, e ao abrigo do disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, determinou-se a remessa dos autos à Relação para eliminação dessas contradições e para ser proferida nova decisão.

O Tribunal da Relação de Coimbra, em cumprimento do determinado, alterou o teor do facto 7 do probatório e, em 10.12.2019, proferiu novo acórdão, idêntico ao anterior na parte dispositiva, no qual decidiu conceder parcial provimento ao recurso, revogando a sentença do Tribunal de 1.ª instância e, consequentemente, “condenar a ré seguradora a pagar aos autores a quantia de 60 mil euros; condenar o ISP a pagar aos autores a quantia de 36 mil euros; condenar ambos os réus no pagamento dos juros de mora, sobre cada uma das aludidas quantias, à taxa legal, desde a citação e até efectivo e integral pagamento; absolver os réus do mais peticionado”.

Deste acórdão veio a Seguradoras Unidas, S.A. interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, formulando as seguintes conclusões:

“1. A Recorrente entende que os Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal “a quo” efectuaram uma incorrecta subsunção jurídica da matéria de facto, errando na apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil relativos à produção do acidente dos presentes autos e ainda na condenação da Recorrente e do ISP a pagar juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento.

2. A matéria de facto não permite imputar a culpa pela produção do acidente ao condutor do camião.

3. Não se demonstrou a  existência de  qualquer embate  entre o veículo pesado  de mercadorias e o peão FF.

4. O condutor do veículo pesado de mercadorias, com receio de atingir o peão, desviou a trajetória para o seu lado esquerdo, chegando mesmo a invadir parcialmente a hemifaixa de rodagem contrária, atuação que corresponde àquela que um condutor medianamente diligente e cumpridor das normas estradais teria adotado nas mesmas circunstâncias.

5. É especulativa a conclusão de que o peão, por força da aproximação do corpo volumoso, do barulho por ele provocado e da própria pressão do ar, se terá assustado e ficado psiquicamente desequilibrado, algo desorientado e que, por essa razão, em desequilíbrio físico e afetação psíquico-emocional, caminhou involuntariamente para a faixa de rodagem onde veio a ser colhido.

6. A construção especulativa do desequilíbrio físico e afetação psíquico-emocional não pode estar apenas suportada no facto de, no momento do acidente, o peão circular na berma e o camião circular na faixa de rodagem a uma velocidade de cerca de 70km/h.

7. Não se mostra apurada a largura da berma, a distância concreta a que o peão circulava da faixa de rodagem, a distância concreta a que o camião circulava da berma, não existe qualquer prova testemunhal, documental ou pericial que ateste que o comportamento do peão sofreu alterações após a passagem do camião, ou seja, não existe qualquer demonstração da ocorrência do alegado desequilíbrio físico, psíquico e emocional.

8. Por   que   razão   o   Tribunal   “a   quo”   não   equacionou   as   possibilidades,   também especulativas face ao elenco de factos provados, do peão ter sofrido uma quebra de tensão, de ter tropeçado ou de simplesmente ter tentado proceder à travessia da faixa de rodagem após a passagem do camião?

9. Não existindo qualquer facto demonstrativo de que o peão se desequilibrou ou desorientou por força da passagem do camião, a velocidade a que este circulava é irrelevante para a análise da dinâmica do acidente.

10. Apenas se provou que o peão circulava na berma, que o camião circulava na hemifaixa de rodagem e que, já depois da passagem do camião e após este ter retomado a sua via de circulação, o peão aparece na faixa de rodagem, onde foi colhido por veículo que circulava no mesmo sentido do camião.

11. Não é possível imputar ao condutor do camião a violação de qualquer norma de circulação estradal ou de qualquer dever de cuidado que pudesse ter originado o acidente dos presentes autos.

12. Se o douto Tribunal “a quo” não sabe a que distância o pesado de mercadorias circulava da linha divisória da berma e se não sabe qual é a largura total do pesado de mercadorias, como pode afirmar que este circulava sem conservar da berma uma distância suficiente para evitar acidentes?

13. Se não sabe qual a largura total do veículo pesado, como pode afirmar que, sabendo-se a que via tinha uma largura de 4,10m, este poderia circular bem mais afastado da berma?

14. A   única    razão   justificativa   do   acidente    dos   autos    reside    no   facto   do   peão, seguindo    apeado    pela    berma    da    estrada,    surgir    na    hemifaixa de  rodagem destinada à circulação no sentido Norte / Sul de forma inesperada e repentina.

15. Foi o peão quem invadiu a via de circulação e cortou a linha de marcha do veículo ligeiro de mercadorias, tipo furgão, de cor branca.

16. Essa invasão da via de circulação podia e devia ter sido evitada pelo peão, bastando que continuasse a seguir pela berma e o mais à direita possível, não tendo sido demonstrada qualquer circunstância impeditiva para que tal sucedesse.

17. Na hipótese de se concluir pela culpa concorrencial do peão e dos condutores dos dois veículos a motor, a culpa do peão, pela extrema gravidade do seu comportamento de risco, não poderá ser graduada em menos de 80%.

18. O peão, ao caminhar na EN..., de noite, pela berma, muito próximo da sua linha divisória com a faixa de rodagem, de costas para o trânsito, adotou um comportamento de risco elevado, muitíssimo mais censurável, à luz do critério do Bonus Pater Familias, do que os comportamentos do condutor do veículo pesado de mercadorias e do condutor do veículo ligeiro de mercadorias

19. Os montantes indemnizatórios arbitrados a título de danos não patrimoniais foram determinados com recurso a critérios de equidade.

20. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” é omisso quanto ao momento da ponderação do montante indemnizatório.

21. À luz do disposto no artigo 566º do Código Civil, ter-se-á de entender que os montantes arbitrados a título de indemnização pela perda do direito à vida e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais foram atualizados à data da prolação do Acórdão, por ser essa a data mais recente que podia ser atendida pelo Tribunal.

22. Os juros de mora a calcular sobre aquele montante indemnizatório apenas são devidos desde a data da prolação do Acórdão.

23. O douto Acórdão proferido pelo Tribunal “a quo” violou as normas jurídicas contidas nos artigos 483º, 487º, 505º e 566º, n.º2 todos do Código Civil, bem como o disposto nos artigos 99º e 101º do Código da Estrada”.

Contra-alegaram os autores, pugnando pela confirmação do Acórdão recorrido.

O Fundo de Garantia Automóvel veio fazer seu o recurso interposto pela Recorrente Seguradoras Unidas S.A., aderindo integralmente às respectivas alegações e conclusões.

II- Objecto do Recurso

Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do CPC), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do CPC), as questões a decidir, in casu, são:

1º O Apuramento da/s culpa/as do acidente e respectivas percentagens.

2º O cálculo dos juros de mora.

III- FUNDAMENTAÇÃO

Os Factos Provados:

“1. Os autores foram habilitados como sendo os únicos herdeiros de FF, falecido em 00.00.2014, sem deixar testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sendo a autora AA a sua viúva e sendo os autores BB, CC e DD filhos do falecido (conforme escritura de habilitação de herdeiros cuja cópia foi junta como documento nº1, com a petição inicial).

2. No dia 16 de dezembro de 2014, cerca das 18 horas e 10 minutos, ocorreu um acidente de viação, consistente em atropelamento, na EN..., ao quilómetro 103,9, no lugar de ..., concelho de ..., distrito de ....

3. Nesse local, a via configura uma reta, com boa visibilidade, e o atropelamento deu-se na zona de um cruzamento.

4. É uma estrada com trânsito de veículos muito intenso, sendo o limite legal de velocidade no local de 60 km/hora, mas sendo usual os veículos por ali transitarem a velocidades superiores.

5. A estrada tem dois sentidos de trânsito, estando separada por raias oblíquas com 3,20 metros de largura.

6. No sentido norte / sul, a respetiva hemifaixa da via de trânsito tem uma largura de 4,10 metros.

7. FF caminhava a pé pela berma do lado direito, atento o sentido de marcha ... / … (norte / sul), da EN..., muito próximo da sua linha divisória com a faixa de rodagem.

8. O veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 00-00-XA, ao tempo propriedade da empresa LASO Transportes, S.A., conduzido pelo seu empregado/ motorista GG, passou pelo local, transitando mesmo junto à linha divisória da berma, pelo que, com receio de atingir o peão, desviou a viatura em direção às raias oblíquas que separam os dois sentidos de marcha, tendo invadido parcialmente a via destinada ao trânsito que circula em sentido contrário.

9. Logo após a passagem desse veículo pesado, o FF apareceu na faixa de rodagem, caiu e veio a ser, de imediato, embatido por um outro veículo de mercadorias, tipo furgão, de cor branca, que seguia atrás do supra mencionado pesado, tendo esta última viatura prosseguido a sua marcha, sem parar e sem que se tivesse logrado identificá-la.

9-A - Tal veículo (não identificado) passou com as rodas por cima do corpo do referido peão.

10. Devido ao facto de, quando retomou a sua via de circulação e olhou para trás, GG se ter apercebido do vulto do peão a cair na via, próximo do veículo que seguia na sua retaguarda, o referido condutor imobilizou o veículo pesado mais à frente, na berma, e foi-se inteirar do sucedido.

11. Após esse embate, FF ficou caído na via, mais precisamente, na hemifaixa destinada ao trânsito no sentido norte /sul, com a cabeça na direção do eixo da via e as pernas na direção da berma, a cerca de 1,5 metros desta.

12. No momento do acidente, não chovia, nem havia nevoeiro.

13. Já tinha anoitecido e, nas imediações do local, havia luz pública na berma, que, contudo, não facultava iluminação suficiente para a zona da faixa de rodagem.

14. Pela configuração da via e pelo tipo de tráfego que por ela circula, é muito perigoso fazer o atravessamento da via no aludido local, existindo, nas imediações, mais precisamente, a menos de 50 metros, uma ponte pedonal para o efeito.

15. FF tinha cerca de 76 anos de idade, à data do seu óbito, e, na ocasião do sinistro, tinha no seu organismo a presença de fármacos Carvedinol e Midazolam (e respetivo metabólico), todos em concentrações consideradas terapêuticas.

16. O veículo com a matrícula 00-00-XA seguia a uma velocidade de cerca de 70 km / hora a outra aludida viatura seguia a velocidade não concretamente apurada, mas certamente não muito diversa daquela.

17. A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo com a matrícula 00-00-XA, ao tempo, encontrava-se transferida para a 1ª ré, através da celebração de contrato de seguro (apólice nº0000).

18. Após o acidente, FF foi transportado de ambulância para o Centro Hospitalar de ..., onde deu entrada no serviço de urgência ainda com vida, onde lhe foi diagnosticado T.C.E., com perda de conhecimento; traumatismo com fratura grave e complexa da bacia; fratura exposta dos ossos da perna direita e lesão dos tecidos moles da região nadegueira esquerda.

19. Essas lesões determinaram a sua morte, cerca das 8 horas e 24 minutos do dia seguinte, a qual se ficou a dever a choque hemorrágico, consecutivo às lesões traumáticas pélvicas e dos membros inferiores.

20. O falecido FF era o polo aglutinador de toda a família, sendo o confidente da mulher e de seus filhos, a quem estes ainda recorriam quando alguma adversidade lhes surgia.

21. Era o falecido FF quem, habitualmente, organizava alguns jantares de aniversário dos filhos e dos netos; a festa da Páscoa e as refeições de consoada do Natal e do final de ano, alturas em que juntava todos os filhos, noras e netos à sua volta e todos gozavam de momentos de felicidade e alegria.

22. O entendimento entre os autores e o falecido era bom e unia-os um forte sentimento de amor e carinho.

23. Em virtude da perda do marido e pai, os autores sentiram e sentem dor, tristeza e angústia, tendo sobretudo em conta a forma repentina e violenta como aquele faleceu.

24. Nas semanas seguintes ao seu decesso, todos eles sentiram profunda mágoa e saudade.

25. A autora AA exerceu atividade remunerada enquanto solteira, tendo deixado de o fazer após o seu casamento.

26. Atualmente, não será fácil para a autora encontrar emprego e, com a morte de seu marido, viu-se privada do suporte monetário deste de que (em medida não apurada) beneficiava”.

IV- Cumpre decidir:

A responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos assenta na culpa do agente, do que resulta que, em princípio, só está obrigado a indemnizar quem agiu com culpa (cfr n.º 1 e n.º 2 do artigo 483.º do Código Civil).

Perante a factualidade provada, estamos em concordância com o acórdão recorrido quando neste se proclama que existe concorrência de culpas de três intervenientes: o condutor do camião, o condutor da carrinha branca e a própria vítima.

Como primeiro culpado temos do condutor do camião.   

Com efeito, o condutor do camião circulava a uma velocidade excessiva, quer em termos absolutos, circulando a cerca de 70 kms/h num local onde apenas podia circular a 60 kms (factos 4. e 16.), quer em concreto, circulando em velocidade desadequada para um veículo pesado numa estrada principal com muito trânsito e num local próximo de um entroncamento (factos 3. e 4.), violando as normas dos artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, do Código da Estrada[1].

Acresce ainda que circulava mesmo junto à linha divisória da berma (facto 8.),  numa via com 4,10 metros de largura (facto 6.), o que lhe permitiria circular mais afastado dessa linha, pelo que violou o artigo 13.º, n.º 1, do Código da Estrada[2].

Por sua vez, o condutor da carrinha circulava, pelo menos, à velocidade do camião (facto 16.), violando, igualmente, as normas dos artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, do Código da Estrada. Como não conseguiu fazer para o veículo no espaço livre e visível à sua frente, tendo atropelado a vítima logo a seguir à passagem do camião (factos 9. e 9.-A), com toda a probabilidade[3] não estaria a guardar a distância de segurança do veículo que o precedia, violando, deste modo, a norma do artigo 18.º do Código da Estrada[4].

Por fim, o peão caminhava na berma de uma estrada comprovadamente perigosa (facto 4.), muito próximo da sua linha divisória com a faixa de rodagem, e virado de costas para o sentido de trânsito que circulava junto de si (facto 7.). Como refere o aresto recorrido, “ainda que, formalmente, a vítima não tenha violado regra estatuinte para uma concreta atuação - até porque o artº 99º nº1 lhe permite caminhar pela berma-“, ela contendeu com um dever geral de prudência sempre exigível na circulação/caminhamento estradal, que emana do disposto no artigo 3.º, nº 2 do Código da Estrada[5], bem com o dever geral de cuidado e o bom senso, que impunham, analogamente ao que a lei exige no artº 100º nº 2 do CE para o caminhar na extrema da faixa de rodagem, o falecido também caminhasse de frente para o trânsito que mais próximo de si circulava”[6].

Alegam os Recorrentes que a matéria de facto não permite imputar a culpa pela produção do acidente ao condutor do camião, sendo especulativa a conclusão de que a vítima, por força da aproximação do corpo volumoso, do barulho por ele provocado e da própria pressão de ar, se terá assustado e ficado psiquicamente desorientado e desequilibrado, ao ponto de ter involuntariamente caminhado para a faixa de rodagem, onde acabou por ser colhido pela carrinha. E, na hipótese de se concluir pela culpa concorrencial do peão e dos condutores dos dois veículos a motor, a culpa do peão, pela extrema gravidade do seu comportamento de risco, não poderá ser graduada em menos de 80%.

Vejamos.

É conhecida, neste tipo de acidentes, a dificuldade em reconstituir o desenrolar dos acontecimentos, deixando a factualidade provada em aberto a causa determinantes ou principais do acidente.

O acórdão recorrido faz transparecer essa dificuldade ao referir que as “ocorrências materiais da vida real são, muitas vezes, complexas e intrincadas, tendo, assim, na sua génese ou despoletamento, motivos ou causas menos comuns, banais, ou aparentes (…) este Tribunal da Relação limitou-se a colocar várias hipóteses plausíveis, porque o caso é duvidoso, sobre o concreto modo como camião afetou o peão (…) e fê-lo em sede de apreciação do caso já no campo da aplicação do direito, ainda que numa postura hermenêutica atinente e concernente aos factos provados e às ilações que deles poderiam ser retiradas”.

Com efeito, nada impede que o Tribunal da Relação, à luz das regras da experiência, num juízo de indução ou inferência extraído do facto de base instrumental retire as ilações (presunções) sobre o modo como o acidente ocorreu. Para tanto importa que da decisão de facto ou, porventura, da respectiva motivação constem os factos essenciais instrumentais a partir dos quais o tribunal tenha extraído as suas ilações para justificar a prova dos factos essenciais, conforme decorre do artº 607º, nº 4 do CPC. Deste modo, bastará o juiz revelar ou expor na motivação da decisão o percurso lógico que o conduziu à formulação do juízo probatório sobre os factos essenciais.[7]

Tem-se admitido, ainda que com alguma controvérsia, que o STJ só pode sindicar o uso de presunções judiciais pela Relação “se este uso ofender norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados[8]. Em sede de revista é, assim, sindicável o uso de presunções judiciais quando a lei o não admita ou quando, admitindo-o, tal uso ocorra fora do condicionalismo legal previsto no art. 349.° do Código Civil, que exige a prova de um facto de base ou instrumental e a ilação a partir dele de um facto essencial presumido. O erro sobre a substância do juízo presuntivo formado com apelo às regras da experiência só será sindicável pelo tribunal de revista em casos de manifesta ilogicidade, como tem sido entendido pela jurisprudência constante do nosso Tribunal. Para tanto, importa que da decisão de facto ou porventura da respectiva motivação constem os factos instrumentais a partir dos quais o tribunal recorrido tenha extraído ilações em sede dos factos essenciais, nos termos dos artigos 349.° do CC e 607, nº 4 do CPC para, desse modo, aferir da ocorrência da sobredita ilogicidade. Mas está vedado ao tribunal de revista a indagação do erro intrínseco à própria apreciação crítica das provas produzidas em regime de prova livre.

Ora, analisando o acórdão recorrido, constata-se que o tribunal, partindo do acervo probatório e dos respectivos factos instrumentais, tirou as devidas ilações sobre o modo como ocorreu o acidente, não se vislumbrando qualquer ilogicidade no juízo presuntivo. Com efeito, lê-se no acórdão recorrido:

“No caso vertente temos três causadores do acidente.

O primeiro e que despoletou toda a dinâmica subsequente, foi o condutor do camião.

Pois que ele violou várias normas estradais.

Primeiro porque circulava com velocidade excessiva em termos absolutos: cerca de 70Km/h, num local onde apenas podia circular a 60Km.

Depois porque, mesmo que assim não fosse, circulava com velocidade excessiva relativa, ou seja, inadequada para o local.

É que o acidente deu-se próximo de um entroncamento numa estrada principal  com  muito  trânsito  motor  e,   até,   com   muitos peões  a  circular ou potencialmente a circular (note-se que o próprio motorista disse que avistou um grupo de pessoas junto da vítima a caminhar).

Ademais estamos perante um veículo pesado, comprido, volumoso a circular de noite numa estrada insuficientemente iluminada pela luz pública.

«Cocktail» que, obviamente, é potenciador de sinistros com possíveis consequências nefastas.

(…)

Finalmente, porque circulava junto à respectiva linha divisória da berma - e sendo certo que dispunha de uma largura da via de 4,10 m que lhe permitia circular bem mais afastado - ele violou o disposto no artigo 13.º, a saber:

(…)

Assim, se é defensável admitir que fisicamente o camião não atingiu o peão, até porque não se provou tal conciso facto, não é peregrino e inconcebível admitir, antes pelo contrário se mostra o mais plausível, que a sua passagem o afetou em termos físicos, psíquicos e emocionais.

(…)

Ora, estando o veículo pesado a circular com o seu lado direito pelo menos encostado à berma da estrada, e se a vítima circulava dentro da berma, é de concluir que o camião passou, mesmo junto, de rés vés, pela vítima, pois que o seu condutor até teve de fazer uma manobra desviante para evitar o embate.

E que, assim, o falecido, atenta a sua já avançada idade, ancião já com 76 anos de idade, e por força da aproximação do corpo volumoso, do barulho por ele provocado, e da própria pressão do ar supra aludida, ter-se-á assustado e ficado psiquicamente desequilibrado, algo desorientado.

E, por tudo isto, terá, em desequilíbrio físico e afectação psíquico-emocional, involuntariamente, caminhado para a faixa de rodagem onde veio a ser colhido.

E, neste momento, encontramos outro culpado do acidente: é o condutor da carrinha branca, o qual, porque circulava pelo menos à velocidade do camião, ie, a cerca de 70Km, outrossim o fazia com violação das aludidas regras estradais dos artºs 24º e 25º.

E, assim, não podendo, perante um obstáculo, apesar de inopinado, travar e parar no espaço livre e visível que tinha à sua frente.

Mas há ainda um terceiro culpado.

É a própria vítima.

Numa estrada comprovadamente perigosa porque via principal com imenso trânsito ela caminhava, ainda que na berma que as fotografias demonstram ser larga de mais de um metro, certamente muito próxima do seu limite com a faixa de rodagem; e, ademais e primordialmente, virado de costas para o sentido de trânsito que circulava junto de si, o qual, obviamente, era o que constituía maior perigo.

Assim, e ainda que, formalmente, a vítima não tenha violado regra estatuinte para uma concreta atuação - até porque o artº 99º nº1 lhe permite caminhar pela berma - ela contendeu com um dever geral de prudência sempre exigível na circulação/caminhamento estradal, de que uma emanação é o disposto no artigo 3.º, a saber:

«2 - As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias…»

Ou seja, e numa outra vertente interpretativa, considerando, repete-se, o intenso fluxo de trânsito da via, e, ainda, que o espaço da berma é a continuação da faixa de rodagem, estando apenas dela separada por uma simples linha de tinta que não tem qualquer virtualidade física de impedir que um condutor menos atento, pelo menos momentaneamente, a ultrapasse e naquela (berma) circule, o aludido dever geral de cuidado e o bom senso, impunham que, analogamente ao que a lei exige no artº 100º nº 2 para o caminhar na extrema da faixa de rodagem, o falecido também caminhasse de frente para o trânsito que mais próximo de si circulava”.

Deste modo, não se apurando ilogicidade ou erro no juízo presuntivo sobre o modo como ocorreu o acidente, conclui-se que o acórdão recorrido não merece censura quando imputa a responsabilidade pelo acidente aos três intervenientes.

Existindo três culpados importa agora repartir as respectivas responsabilidades.

Sobre este segmento decidiu-se, no acórdão recorrido, a seguinte repartição de culpas no acidente:

- 50% para o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula 00-00-XA.

- 30% para veículo de mercadorias, tipo furgão, de cor branca, cuja matricula não foi possível identificar.

- 20% para a vítima.

Discordamos, em parte, das percentagens de culpa fixadas pelo acórdão. Vejamos:

O condutor do camião foi o causador genético do acidente. Circulando com infracção das regras estradais já referidas, sem a sua conduta o acidente não teria ocorrido, pois a vítima não teria caído na via onde acabaria por ser colhido pela carrinha branca, cuja matrícula não foi identificada.

Como refere o acórdão “esta queda é outro forte indício da influência da passagem do pesado pela vítima.

Pois que, se esta tivesse caminhado voluntariamente para a via, como provado na 1ª instância, sem qualquer fator negativamente afectante, e porque o seu interesse seria atravessá-la, porque motivo nela caiu?

Certamente que aquele fator negativo existiu.

O qual, no mínimo, se traduziu no facto de a passagem do camião - corpo volumoso que mede 12 metros de comprimento e que se deslocava, já de noite e em local pouco iluminado, a uma considerável excessiva velocidade de cerca de 70KM/h - ter provocado na vítima um desequilíbrio físico e uma desorientação psicológica, nos termos sobreditos. Note-se que o próprio condutor verbalizou que parou porque pensou que a tinha atingido com o camião(Sublinhado nosso).

Nesta conformidade julga-se adequada a percentagem de responsabilidade do condutor do camião em quarenta por cento (40%).

O segundo culpado é o condutor da carrinha branca atropelante. Embora a vítima lhe tenha surgido surgiu na estrada como um obstáculo inesperado, o condutor da carrinha circulava, pelo menos, à velocidade do camião (facto 16.), violando, igualmente, as normas dos artigos 24.º, n.º 1, e 25.º, n.º 1, do Código da Estrada. Como não conseguiu fazer para o veículo no espaço livre e visível à sua frente, tendo atropelado a vítima logo a seguir à passagem do camião (factos 9. e 9.-A), com toda a certeza não estaria a guardar a distância de segurança do veículo que o precedia, violando, deste modo, a norma do artigo 18.º do Código da Estrada.

Deste modo, julga-se adequado atribuir ao condutor da carrinha a mesma percentagem de culpa quanto à sua contribuição causal para o acidente, ou seja quarenta por cento (40%).

E os restantes 20% devem ser imputados à vítima, pois, como se refere no acórdão, “ainda que, formalmente, não tenha violado regra estatuinte para uma concreta atuação, contendeu com um dever geral de prudência sempre exigível na circulação/caminhamento estradal, que emana do disposto no artigo 3.º, nº 2 do Código da Estrada , bem com o dever geral de cuidado e o bom senso, que impunham, analogamente ao que a lei exige no artº 100º nº 2 do CE para o caminhar na extrema da faixa de rodagem, o falecido também caminhasse de frente para o trânsito que mais próximo de si circulava” .

Relativamente aos montantes indemnizatórios atribuídos pelo acórdão recorrido, as Recorrentes não colocam em causa os valores atribuídos.

De todo o modo, os valores atribuídos a título de indemnização parecem-nos adequados e justos.

Com efeito, no que concerne à perda do direito à vida, o acórdão recorrido concedeu o montante indemnizatório pedido pelos autores (40.000€), justificando fundamentadamente a sua atribuição com referência à idade e saúde da vítima e aos critérios comparativos da nossa jurisprudência, valor que nos parece ajustado.

No que toca à indemnização a título de danos não patrimoniais igualmente nos parece ajustado o montante arbitrado (20.000€) ao conjugue sobrevivo e a cada um dos filhos da vítima.

Como é sabido, a fixação desta indemnização obedecerá a critérios de equidade, tendo em conta as circunstâncias concretas do caso (artº 496, nº 3 do CC) e devendo ainda atender-se aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência.

De salientar que constitui orientação da nossa jurisprudência que a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica nem miserabilista, devendo, antes, ser significativa e traduzir a justiça do caso concreto.

No caso dos autos, para apuramento da indemnização importa ter em conta a factualidade dada como provada nos pontos 20 a 26.

E, ponderando este quadro factual à luz dos sobreditos critérios balizadores, a verdade é que não se vê que o critério seguido pela Relação se afaste, de modo significativo, dos padrões que vêm sendo seguidos em casos equiparáveis, pelo que considera-se que não merece censura o estabelecimento de indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de €20.000,00 a cada um dos autores.

O segundo ponto objecto do recurso reporta-se à data do início da contagem dos juros de mora.

Os Recorrentes alegam que o acórdão é omisso quanto ao momento da ponderação dos montantes indemnizatórios e que, face ao disposto no artigo 566º, nº 2 do Código Civil, ter-se-á de entender que os montantes arbitrados a título de indemnização pela perda do direito à vida e a título de indemnização pelos danos não patrimoniais foram atualizados à data da prolação do acórdão, por ser essa a data mais recente que podia ser atendida pelo tribunal. Pelo que os juros de mora a calcular sobre aquele montante indemnizatório apenas são devidos desde a data da prolação do acórdão e não desde a data da citação.

Vejamos:

Nas obrigações pecuniárias a indemnização (pela mora) corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora – art. 806º, nº1, do CC.

Porém, sendo o crédito ilíquido, não há mora enquanto se não tornar líquido, excepto se a falta de liquidez for imputável ao devedor – n.º 3 do art. 805º, do CC.

É o que sucede na presente acção em que está em causa o apuramento da responsabilidade pela produção dos danos e a fixação do quantum indemnizatório. Consequentemente, nem o crédito é líquido, nem a falta de liquidez é de imputar à ré.

Tratando-se, porém, de “responsabilidade por facto ilícito ou pelo risco, o devedor constitui-se em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, nos termos da primeira parte deste número” (art. 805º, n.º 3, do CC), e a não ser que a indemnização tenha sido objecto de cálculo actualizado à data da decisão, como resulta do acórdão uniformizador 4/2002, publicado no Diário da República em 27 de Junho de 2002, que firmou jurisprudência nos seguintes termos:

“Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

A aplicação da norma do n.º 2 do artigo 566.º com a função de regra geral indemnizatória que claramente desempenha, faz com que, inevitavelmente, o n.º 3 do artigo 805.º deva sofrer uma restrição interpretativa, para a qual aponta também a consideração de que o princípio actualista que preside ao enunciado n.º 2 do artigo 566.º não se confina ao aspecto da correcção monetária.

A controvérsia, no caso dos autos, reside, porém, no facto de que não decorre expressamente do acórdão recorrido que o julgador tenha actualizado os montantes indemnizatórios por referência à data da sua prolação. Como solucionar então a questão?

O comando normativo do nº 2 do artº 566º do CC impõe ao julgador a fixação da indemnização em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos.

 Assim, terá o tribunal de proceder à fixação do montante da indemnização recorrendo ao critério actualizador previsto no artº 566º, nº 2 do CC. E, deste modo, a condenação proferida, na data respectiva, efectuará os cálculos indemnizatórios segundo o valor da moeda corrente à mesma data e segundo padrões de equidade.

Deste modo, embora o acórdão não o refira expressamente, apenas se poderá concluir que obedeceu ao comando legal estatuído pelo nº 2 do artº 566º do CC, já que nada é dito em contrário.

Assim, assiste razão aos Recorrentes, neste segmento, pelo que os juros terão de ser contabilizados a partir da prolação do acórdão.

 V- Decisão

Pelo exposto, acorda-se neste Supremo tribunal de Justiça:

1 - Revogar o acórdão recorrido e, consequentemente, condenar:

- A Ré Seguradoras Unidas, SA a pagar aos Autores a quantia de quarenta e oito mil euros (48.000,00€).

- Condenar o Réu Fundo de Garantia Automóvel a pagar aos Autores a quantia de quarenta e oito mil euros (48.000,00€).

2- Conceder provimento à revista quanto aos juros de mora, fixando-se a respectiva contagem a partir da data da prolação do acórdão. 

Custas pelas Recorrentes e Recorrido na proporção dos respectivos decaimentos.

Lisboa, 27 de Outubro de 2020

Raimundo Queirós (Relator)

Ana Paula Boularot

Catarina Serra

 

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

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[1] O artigo 24.º, n.º 1, do Código da Estrada é do seguinte teor: “O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente. O artigo 25.º, n.º 1, do Código da Estrada é do seguinte teor: “Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade: (…) e) À aproximação de utilizadores vulneráveis; f) À aproximação de aglomerações de pessoas ou animais; (…) h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida”.

[2] O artigo 13.º, n.º 1, do Código da Estrada é do seguinte teor: “A posição de marcha dos veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes”.

[3] Este facto não resulta da factualidade provada. No entanto, como advertiu o Tribunal a quo, o juiz não deve ater-se, no seu raciocínio de qualificação jurídica, aos factos rigorosamente provados, estando autorizado a retirar destes ilações que sejam conformes às regras da lógica e da experiência comum.

[4] O artigo 18.º, n.º 1, do Código da Estrada é do seguinte teor: “O condutor de um veículo em marcha deve manter entre o seu veículo e o que o precede a distância suficiente para evitar acidentes em caso de súbita paragem ou diminuição de velocidade deste, tendo em especial consideração os utilizadores vulneráveis”.

[5] O artº 3º, nº 2 do Código da Estrada estabelece: “As pessoas devem abster-se de atos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança, a visibilidade ou a comodidade dos utilizadores das vias…”.

[6] Estipula o artº 100º , nº 2 do Código da Estrada: “Nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo anterior, os peões devem transitar pelo lado esquerdo da faixa de rodagem, a não ser que tal comprometa a sua segurança”.

[7] Abrantes Geraldes/ Paulo Pimenta/Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, anotação  ao artº 607º .

[8] Cfr. Acórdãos do STJ de 17-12-2019, p. 2224/17; de 11-04-2019, p. 8531/14; de 19-01-2017, p. 841/12; de 29-09-2016, p. 286/10, disponíveis em www.dgsi.pt.  Na doutrina Antunes varela e outros, Manual de processo Civil, Coimbra, 1985, p. 500/501.