Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3383/19.5T8VCT.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
VIOLAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
ILICITUDE
DANO
NEXO DE CAUSALIDADE
ÓNUS DA PROVA
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 11/30/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. A formulação “se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas SLN 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro”, integra-se no domínio daquilo a que se pode designar se realidades de uma zona empírica que se inscreve ainda na área da instrução da causa.

II. É que, mesmo que se entenda estarmos perante factos conclusivos, tais factos constituem uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis, podendo, como tal, ainda integrar o acervo factual.

III. No âmbito dos deveres impostos ao intermediário financeiro, destacam-se os deveres de informação, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo ilícita a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado quando tem lugar a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

IV. Para o preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil contratual, do intermediário financeiro, impõe-se a prova: do facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea pelo intermediário financeiro); da culpa (que se presume); do dano (perda do capital entregue para a subscrição do produto financeiro); e do nexo de causalidade entre o facto e o dano. E incide sobre o investidor o ónus da prova desse nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível

I – RELATÓRIO

AA e BB vieram propor acção declarativa de condenação contra Banco BIC Português, S.A. peticionando que (i) o R. seja condenado a pagar aos AA. o capital e juros vencidos que, nesta data, perfazem a quantia de € 115.000,00, sendo €57.500,00 para cada um dos AA., bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento, ou, caso assim não se entenda, (ii) se declare nulo qualquer eventual contrato de adesão que o R. invoque para ter aplicado a quantia de € 100.000,00 que os AA. entregaram ao R., em obrigações subordinadas SLN 2006, sendo € 50.000,00 de cada um dos AA., (iii) se declare ineficaz em relação aos AA. a aplicação que o R. tenha feito desses montantes, (iv) se condene o R. a restituir aos AA. a quantia de € 115.000,00, sendo € 57.000,00 para cada um dos AA., que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao R. e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento, e, ainda, num caso ou noutro, (v) seja o R. condenado a pagar aos AA. a quantia de € 5.000,00, sendo € 2.500,00 para cada um dos AA., a título de dano não patrimonial.

Alegam, para o efeito e em síntese, que eram clientes do BPN (Banco Português de Negócios) e que em Abril de 2006 o gerente do Banco R. disse aos AA. que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada. Os AA. anuíram e entregaram ao R., cada um deles, a quantia de € 50.000,00, num total de €100.000,00, que este, sem que os AA. se tivessem apercebido, utilizou para adquirir obrigações SLN 2006, que os AA. desconheciam o que fosse. Alegam que se soubessem que o dinheiro seria investido no produto em que foi investido nunca o autorizariam, pois não era sua intenção investir em produtos de risco, mas apenas numa aplicação com as características de um depósito a prazo, pois o R., alegam, sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo. Quando, em Novembro de 2015, os juros deixaram de ser pagos, os AA. descobriram o tipo de produto em que o dinheiro foi investido e, em Maio de 2016, data da respectiva maturidade, não o puderam reaver de imediato. Ficaram alarmados, com ansiedade e preocupados com temor de perder os valores entregues ao R.

O R. foi regularmente citado e contestou a acção invocando a excepção de incompetência do tribunal em razão do território, a prescrição do direito invocado pelos AA., por impugnação motivada e alegando factos enquadráveis, para além dos alegados para fundamentar a excepção de prescrição, em excepção peremptória inominada de direito material.

A excepção de incompetência territorial foi julgada improcedente nos termos do despacho de fls. 42-42v (...66).

A audiência prévia foi dispensada, foi proferido o despacho saneador, definido o objecto do processo e seleccionaram-se os Temas de Prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com observância de todas as formalidades legais.


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No final, foi proferida sentença, tendo-se decidido nos seguintes termos:

Em face do exposto, julgo a acção proposta por AA e BB contra Banco BIC Português, S.A., parcialmente procedente, por parcialmente provada, e, consequentemente, condeno o Réu a pagar a cada um dos Autores a quantia de 50.000,00 (num total global de 100.000,00), acrescida de juros à taxa legal de 4% desde a citação, contados sobre cada uma das quantias de 50.000,00, até integral e efectivo pagamento.”.

Inconformado com essa sentença, apresentou o R. Banco BIC Português, S.A. recurso de apelação, tendo a Relação, em acórdão de 17.12.2020, decidido (após eliminar o ponto p) da matéria de facto dada como provada) julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.

Por decisão de 11-02-2021, a Relação decidiu, ainda, indeferir o pedido de reforma do acórdão.


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De novo inconformado, vem o R. Banco BIC Português, S.A., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES

1) O recurso ora interposto é de revista excepcional, a admitir nos termos do disposto no art.º 672 nº 1 als. a) e b) do CPC.

2) Ambas as decisões das instâncias acabam por condenar o Banco-R. no pagamento de indemnização por violação do dever de informação enquanto intermediário financeiro.

3) O âmbito dos concretos deveres de informação a observar pelo intermediário financeiro tem sido objecto de vasta jurisprudência, com soluções e orientações bastante distintas, para não fizer completamente opostas.

4) Pontificaaestepropósitoasdiferentesposiçõesquantoànecessidadeegraudeinformaçãodorisco de insolvência da entidade emitente bem como do risco de incumprimento da obrigação de reembolso, por oposição à menção de “capital garantido”.

5) Varia, igualmente, e diríamos de forma inaudita, a interpretação e consequências jurídicas do anúncio do produto de “capital garantido”, ali vendo algumas decisões uma verdadeira fiança ou assunção de dívida – como parece ser o caso da decisão recorrida, ao passo que outras veem na mesma exacta expressão apenas uma afirmação de segurança do investimento num contexto de pressuposta segurança por parte de todo o contexto social e financeiro no momento em que é feita a aplicação, ou por fim, quem veja – como é na realidade, uma mera característica da própria emissão, em que o valor de reembolso é necessariamente igual ao valor nominal do título.

6) Estes concretos temas e questões, além de relevantes na discussão da pura dogmática jurídica, são hoje, na ressaca da chamada “crise das dívidas”, uma das pedras de toque de todo o sistema financeiro, por um lado, e judicial por outro, em face do volume de contencioso pendente em todos os Tribunais perante o não reembolso de inúmeras emissões de vários instrumentos de dívida.

Além disso,

7) O volume do contencioso exactamente com este objecto, com a definição e delimitação do dever de informação na comercialização de instrumentos financeiros em momento anterior a Dezembro de 2007, é hoje considerável e com um grande impacto na economia e na sociedade portuguesa em geral, até pela repetição de situações análogas em várias instituições bancárias, por corresponder a uma actividade corrente antes da chamada crise das dívidas.

8) Não podemos senão concluir pela admissibilidade do presente recurso de revista, nos citadostermos do disposto no art.º 672º nº 1 . als. a) e b) do Código de Processo Civil.

9) A ocorrência de ambiguidade ou de obscuridade passa a configurar causa de nulidade da sentença apenas na medida em que torne a decisão ininteligível, como resulta do artigo 615.º, n.º , alínea c), do actual CPC. Neste contexto, sendo o requerimento em causa mero pedido de aclaração do acórdão, forçoso é concluir que não poderá ser atendido.

10) O requerimento de aclaração dos Recorridos, nos termos em que é efectuado, não integra qualquer expressão de direta de erro de julgamento grosseiro decorrente de lapso manifesto e erro notório na determinação das normas aplicáveis ou na qualificação jurídica dos factos, assentando antes em considerações que traduzem a imputação de críticas ao decidido, com vista ao reexame e a consequente modificação do julgado, devendo ser desatendido.

Acresce que...

11) A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer senso desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação... A este propósito, de resto, e quase esvaziando tudo o que pudéssemos alegar, é eloquente o parecer adiante junto do PROF. PINTO MONTEIRO, onde se chega a esta mesma conclusão!

12) A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do título e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

13) Veja-se a este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt!

14) Vale isto por dizer que, ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá firmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

15) insistimos no facto de esta menção, ainda que interpretada por um “leigo” apenas deveria permitir concluir pela segurança atribuída ao instrumento financeiro em causa! E não a qualquer tipo de garantia absoluta de cumprimento da entidade emitente.

16) A apresentação de características de um produto financeiro meramente descritivas, com indicação de prazo, remuneração, garantia de capital, liquidez por endosso não parece constituir de qualquer forma uma forma de manifestação de uma vontade de vinculação por parte de quem as anuncia!

17) E o certo é que as Obrigações eram então, como são ainda de uma forma geral, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente. Ao que acrescia, no caso concreto, e em abono desta sociedade emitente pertencer ao mesmo Grupo que o Banco Réu - mais, de ser a sua sociedade totalmente dominante!

18) Tanto mais que o risco de um DP no Banco seria, então, semelhante a uma tal subscrição de Obrigações SLN, porque sendo a SLN dona do Banco a 100%, o risco da SLN estava indexado ao risco do próprio Banco.

19) Ao entender esta expressão como tendo valor negocial, o tribunal a quo violou o disposto no art.º 236 º do Código Civil.

De resto,

20) O dever de informação quanto aos “riscos do tipo de instrumento financeiro” surge perfeitamente densificado quanto ao seu cumprimento, não deixando o legislador uma cláusula aberta que permita margem para dúvida quanto ao alcance do seu dever.

21) De facto, se é verdade que a informação tem que ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita (art. 7º CdVM), não é menos verdade que o cumprimento desse dever de transmissão da informação não se compadece com qualquer conceptologia idílica e de delimitação difusa quanto ao seu inadimplemento.

22) E desde logo, não se compadece com ideias simplistas como as de mera reprodução de prospectos dos produtos, principalmente antes da transposição da chamada DMIF, em que a complexidade técnica da documentação de cada instrumento financeiro era enorme.

23) A adequação da informação começa exactamente por afastar o cumprimento meramente formal do dito dever de informação, antes visando uma efectiva informação.

24) O CdVM estabelece objectiva e precisamente qual a informação que tem de ser prestada quanto a cada um dos contratos de intermediação financeira e até – em alguns casos –, quanto aos instrumentos financeiros objecto dessa intermediação.

25) E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”. Ora, tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução. E a verdade é que tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si (como, aliás, na redacção aplicável ao caso).

26) Neste sentido apontam não só o elemento histórico decorrente da redacção anterior da lei, como também o elemento sistemático já abordado, como até o seu próprio elemento literal.

27) Mas, o que é certo é que, o legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa.

28) Assim é que nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E obriga a que a descrição dos riscos do tipo do instrumento em causa incluam:

a) Os riscos associados ao instrumento financeiro, incluindo uma explicação do impacto do efeito de alavancagem e do risco de perda da totalidade do investimento;

b) A volatilidade do preço do instrumento financeiro e as eventuais limitações existentes no mercado em que o mesmo é negociado;

c) O facto de o investidor poder assumir, em resultado de operações sobre o instrumento financeiro, compromissos financeiros e outras obrigações adicionais, além do custo de aquisição do mesmo;

d) Quaisquer requisitos em matéria de margens ou obrigações análogas, aplicáveis aos instrumentos financeiros desse tipo.

29)    São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação!

30) A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

31) O investimento em Obrigações, não é sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do título (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

32) Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso!

33) Recordemos que qualquer contrato, seja qual for a sua natureza, apenas um de dois destinos: o cumprimento ou incumprimento! Ou seja, é de uma ingenuidade atroz pensar-se que alguém toma a prestação de qualquer contrato como certa, e não apenas como mais ou menos segura!

34) Por isso, a informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do tipo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

35) Não se pode confundir a advertência sobre o risco de perda do investimento com a análise de qualquer qualidade e robustez (ou falta dela) do emitente do título!

36) Não cometeu o R. qualquer acto ilícito!

37) A decisão recorrida violou por errónea interpretação ou aplicação o disposto no art.º 312 do CdVM (na redacção aplicável), e os art.ºs 74 e 75 do RGCISF.

38) A prova da causalidade deveria ter provado que não houver aquela violação e nunca subscreveria o produto financeiro, tendo esta subscrição causado um dano, e que a produção desse dano resulta como consequência adequada da ilicitude.

Termos em que se conclui pela procedência do presente recurso, e por via dele, pela revogação da decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Réu do pedido, assim fazendo V. Exas. ...

JUSTIÇA


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Foram apresentadas contra-alegações, nas quais se conclui desta forma: “Nestes termos, e nos melhores de direito aplicáveis, que Vªs Exªs doutamente suprirão, o presente recurso não deve ser admitido ou, quando assim não se venha a entender, deve negar-se provimento, mantendo-se o douto acórdão apelado nos seus precisos termos, e, sem prescindir, deve o ponto p) eliminado, voltar a constar da factualidade dada como provada, nos termos supra expostos e pelas razões ali invocadas, com as legais consequências.”.


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A Formação admitiu a revista excepcional.

Vistos os autos e após um período de suspensão da instância, cumpre decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir são:

§ Da impugnação da matéria de facto: se a alínea p) dos factos considerados na sentença como provados e que a Relação entendeu eliminar, deve voltar a constar como facto provado[1].

§ Se, in casu, estão preenchidos todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C., a justificar e impor a condenação da Ré no pedido.


III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS E NÃO PROVADOS

Matéria de facto provada (após decisão da impugnação da decisão da matéria de facto - na qual a Relação decidiu eliminar o ponto p) da matéria de facto provada na sentença):

a) Os Autores eram clientes do R. (BPN), na sua agência de ..., actualmente, em ..., com as contas à ordem nºs ...01 e ...01, onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças;

b) Em Abril de 2006, o gerente do Banco Réu da agência de ... disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada;

c) Tendo ainda utilizado a expressão risco zero e risco banco nas explicações que deu aos Autores;

d) Propondo-lhes a colocação do dinheiro dos Autores nessa aplicação;

e) Por terem uma remuneração a uma taxa de juro “interessante”, a 4,5%, no primeiro semestre, nos nove semestres seguintes à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,15%, e nos semestres seguintes à taxa Euribor a 6 meses, acrescida de 1,50%, e por um prazo de 10 anos;

f) Em todas as aplicações realizadas pelos Autores através do gerente, CC, no banco supra referido, os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada;

g) O referido gerente é amigo dos Autores há muitos anos e, por causa desta relação de amizade, os Autores bastaram-se com as referidas explicações do primeiro e assinaram todos os documentos que este lhes pediu para assinarem, sem lerem o respectivo conteúdo, tendo sido desta forma que apuseram as suas assinaturas nos documentos cujas cópias se encontram juntas aos autos de fls. 22 e 22v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

h) O dinheiro dos Autores foi utilizado, em 19 de Abril de 2006 para a aquisição de duas Obrigações Subordinadas SLN 2006, emitidas pela sociedade SLN, SGPS, S.A.: uma em nome do primeiro Autor, no valor de € 50.000,00; a outra em nome do segundo Autor, no valor de € 50.000,00;

i) Ambas com um prazo de reembolso de 10 anos, com previsão para que este ocorresse a 9 de Maio de 2016;

j) Os Autores não sabiam, à data, da subscrição, o que era ou como funcionava financeiramente uma obrigação subordinada;

k) Os Autores não sabiam, à data da subscrição, o que era a sociedade SLN, SGPS, S.A., qual o seu objecto social e qual a sua relação com o BPN;

l) Os Autores não sabiam, à data da subscrição, quais os riscos inerentes ao produto obrigação subordinada e nenhum funcionário do Réu lhes explicou;

m) E ficaram convencidos que podiam recuperar o dinheiro investido em qualquer altura;

n) O gerente do Banco Réu sabia que os Autores não possuíam qualificação, ou formação técnica que lhes permitisse à data conhecer, por si, os produtos subscritos, designadamente, as obrigações subscritas e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que as respectivas características lhes fossem explicadas pormenorizadamente;

o) Uma vez que eram pessoas que pretendiam salvaguardar o capital investido e, nessa condição, procurar a melhor rentabilidade possível;

p) (eliminada pela Relação).

q) O Banco Português de Negócios, S.A. foi nacionalizado em 12 de Novembro de 2008; r) Em Novembro de 2015, o Banco Réu deixou de pagar os juros referidos em e);

s) Tendo sido nesse momento que os Autores tomaram conhecimento dos termos e condições do investimento que fizeram, das características do produtos e das possibilidades existentes para recuperar o capital investido;

t) Na data de vencimento das obrigações, o Réu não lhes restituiu o montante que os Autores lhe entregaram;

u) Na data da subscrição dos produtos em causa nestes autos, a sociedade BPN, SGPS, SA era detida na totalidade pela SLN, SGPS, S.A.;

v) Em 2012, o BPN incorpora o Banco BIC Português, S.A. e adopta a denominação deste último.

Matéria de facto não provada: 1. Da petição inicial: artigo 6º, sem prejuízo do que se deu por provado nas alíneas b) a f), 31º, sem prejuízo do que se deu por provado na alínea r), 39º a 42º; 2. Da contestação: artigos 25º a 31º, 50º, 52º a 62º, 64º a 72º.


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Analisemos, então, as questões suscitadas na revista.

    • Da impugnação da matéria de facto: se a alínea p) dos factos considerados na sentença como provados e que a Relação entendeu eliminar, deve voltar a constar como facto provado.

Considerou a Relação que a matéria da al. p) dos factos provados na sentença continha um juízo especulativo/lógico-conclusivo, assente em pressupostos hipotéticos, não encerrando por isso matéria de facto”, antes uma conclusão, razão pela qual eliminou essa alínea.

Sustentam, por sua vez, os Recorridos que mal andou a Relação ao retirar essa alínea dos factos provados, pois não apenas tal resulta dos demais factos provados, como tal matéria consubstancia uma realidade de facto.

Vejamos.

A al. p) dos factos provados, que os Autores/Recorridos entendem ter sido indevidamente eliminada pela Relação, tem o seguinte teor:
“Se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas SLN 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro”.


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No discernimento da dicotomia Facto versus Direito, escreveu, com toda a pertinência, ALBERTO VICENTE RUÇO[2]: "quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos".

De igual modo, referem ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA e SAMPAIO E NORA[3] que os factos "abrangem as ocorrências concretas da vida real". E acrescentam:

“Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem - ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (...); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (...) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (...); as dores fisicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria. [...]

Anote-se, por fim, que a área dos factos (selecionáveis para o questionário) cobre, principalmente, os eventos reais, as ocorrências verificadas; mas pode abranger também as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto. [...]

São realidades de uma zona empírica que se inscreve ainda na área da instrução da causa (thema probandum) [...]. Mas trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, integrando a esfera do direito, embora estritamente ligados ao circunstancialismo concreto pertencem já a uma outra jurisdição”.

Deste modo, os factos meramente conclusivos, quando constituam "uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis[4]" podem ainda integrar o acervo factual, "apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum".


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Ora, quanto à al. p) dos factos elencados na sentença como provados, parece-nos que o que nela se refere (que “se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas SLN 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro”), se integra, precisamente, no domínio daquilo a que podemos designar se "realidades de uma zona empírica que se inscreve ainda na área da instrução da causa". É que, mesmo que se considere estarmos perante factos conclusivos, a verdade é que tais factos constituem "uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis", os quais, por não integrarem o thema decidendum, podem ainda integrar o acervo factual.

E sendo assim, o que releva é apurar se foi ou não efetuada prova sobre tais realidades.

Ora, está provado que na data dos factos foi transmitida aos Autores, pelo gerente do Banco R. que lhe  sugeriu esse produto, a informação de quetinha «uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada» (al. b.); “Tendo ainda utilizado a expressão risco zero e risco bando nas explicações que deu aos AA» (al. c.); de tal forma que« (…) os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada.» (al. f.); sendo que «O referido gerente é amigo dos Autores há muitos anos e, por causa desta relação de amizade, os Autores bastaram-se com as referidas explicações do primeiro e assinaram todos os documentos que este lhes pediu para assinarem, sem lerem o respetivo conteúdo (…)» (al. g.); provando-se, ainda, que «Os Autores não sabiam, à data, da subscrição, o que era ou como funcionava financeiramente uma obrigação subordinada» (al. j.); «não sabiam, à data da subscrição, o que era a sociedade SLN, SGPS, S.A., qual o seu objeto social e qual a sua relação com o BPN» (al. k.), e também, «não sabiam, à data da subscrição, quais os riscos inerentes ao produto obrigação subordinada e nenhum funcionário do Réu lhes explicou» - al. l.); tando mais que, «ficaram convencidos que podiam recuperar o dinheiro investido em qualquer altura» (al. m).

 Perante estes factos, o vertido naquela al. p) é algo que ressalta com toda a evidência, sendo uma consequência lógica retirada daqueles factos provados, simples e facilmente aprensíveis.

Como tal, não se vislumbram razões consistentes para retirar da relação dos factos provados essa mesma alínea, que a sentença ali inserira.


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No conspecto dos poderes do Supremo Tribunal em matéria de facto, temos como particularmente relevantes os seguintes normativos:

O artº 674º do CPC (que reza:

 “1. A revista pode ter por fundamento:

a) A violação da lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação como no erro de determinação da norma aplicável;

b) A violação ou errada aplicação da lei de processo;

c) As nulidades previstas nos artigos 615.ºe 666.º.”

(…).

3. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que lhe fixe a força de determinado meio de prova.”.

E o artigo 682.º do CPC que, sob a epígrafe, “Termos em que julga o tribunal de revista”, dispõe no nº 2 que “A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.”.

Dos mesmos preceitos legais resulta, com toda a clareza, que os poderes do STJ, em sede de apreciação/alteração da matéria de facto, são muito restritos. Em regra, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (ut art. 682º, nº 1, do CPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e modificabilidade da decisão sobre tal matéria.

Esta restrição, contudo, não é absoluta, como decorre da remissão que o nº 2 do referido art. 682º faz para o aludido art. 674º, nº 3, do NCPC, norma que atribui ao Supremo a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Assim, portanto, só excepcionalmente o Supremo Tribunal de Justiça pode apreciar matéria de facto, ou seja:

§ Se tiver lugar a violação de direito probatório material por ofensa de disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova ou por ofensa de disposição expressa da lei que fixe a força de determinado meio de prova;

§ Se houver violação de direito probatório adjectivo[5], designadamente por mau uso que a Relação fez dos seus poderes de reapreciação da matéria de facto: pelo uso meramente formal dos poderes de reapreciação; pelo estabelecimento de presunções judiciais em oposição a norma legal, em oposição com os factos apurados ou com insuficiência dos mesmos, ou mediante patente ilogicidade; pela anulação de respostas em desconformidade com as regras processuais;

§ Se houver insuficiência da matéria de facto apurada para a correcta solução jurídica da causa[6].

Se se verificar contradição essencial na matéria de facto[7].

Ora, parece evidente que o que está em causa não é o sentido da decisão, em si, mas sim a possível violação da lei processual pela Relação, por não uso ou no uso deficiente dos poderes que a esta, e só a esta, são conferidos na reapreciação da prova.

Efectivamente, o que os AA pretendem atacar, ao insurgir-se contra a aludida eliminação da al. p) dos factos provados, não é a decisão em si, mas o “vício na formação da decisão”, por considerarem que houve um manifesto lapso do acórdão recorrido, ao eliminar aquele ponto p) da matéria de facto provada, por o ter considerado conclusivo. Pelo que pode este Tribunal de Revista intervir na decisão sobre a matéria de facto e apreciar tal questão.

Mas mesmo que assim não se considerasse, sempre podia este Supremo Tribunal intervir, na medida em que a questão de saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui questão de direito de que cumpre ao STJ conhecer, porquanto a sua apreciação não envolve um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto enquanto realidade da vida ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado.

Assim, portanto, podia o STJ intervir, pois (como bem observam os recorridos), “centrando-se na despistagem (identificação/qualificação/expurgação) do ponto p) que constava da matéria de facto dada como provada, como facto conclusivo, o juízo operativo em crise, é de natureza jurídica e, como tal, sindicável”.

E, percutindo o que acima dissemos, o teor da eludida al. p) dos factos provados mais não é do que algo que ressalta com toda a evidência dos demais factos provados, sendo uma consequência lógica dos mesmos.


*

O que está em causa nos autos é apurar se, no âmbito da responsabilidade do intermediário, o Réu está (ou não) obrigado a reembolsar aos Autores o capital aplicado em Obrigações SLN 2006 e respetivos juros, apurando, designadamente, se, aquando da subscrição dessas obrigações pelos Autores, o Banco violou os deveres de informação a que estava vinculado e se existe nexo de causalidade entre a eventual violação desses deveres e o dano alegado pelos Autores (perda do capital investido naquelas obrigações) com vista a saber se estão (ou não) verificados os pressupostos de que depende a responsabilidade civil do Réu e a consequente obrigação de indemnizar esse dano.

Ora, os AA alegaram matéria factual atinente à verificação do nexo causal (cfr., v.g., artº 8º da pi), matéria essa, portanto, que se insere na causa petendi e é um elemento absolutamente crucial para a procedência da sua ajuizada pretensão.

E o facto de a factualidade ínsita naquela al. p) estar apresentada no condicional, também não impede que se inclua no âmbito dos factos provados. E da mesma forma não se vislumbra que tal alínea p) contenha um tal nível de abstração conclusiva que torne inadmissível submetê-la a prova directa, ao invés se tratando de matéria de facto suscetível de ser provada directamente através de qualquer meio de prova, designadamente testemunhal (como, aliás, ocorreu, pois foi precisamente com base na prova testemunhal que a sentença deu como provada essa mesma al. p)).

Percute-se que a matéria contida nessa alínea está, de facto, mais que provada – como, aliás, é salientado pelo próprio acórdão recorrido, quando, na motivação refere não ter ficado com quaisquer dúvidas quanto à credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha CC, bem como à valoração dos depoimentos dos Autores, e que elimina o ponto p) porque considera o mesmo conclusivo (o que, como dito, não nos parece acertado).

Assim se concorda, inteiramente, com os recorridos: “o ponto p), devidamente interpretado, densifica e concretiza uma realidade de facto, em concreto revela que os Autores estavam convictos de estar a colocar o seu dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, e que se lhes tivesse sido explicado que o dinheiro era para investir em Obrigações SLN 2006 e sem que o capital fosse garantido pelo Banco Réu, os Autores nunca aceitariam.

Como tal, integra matéria de facto, e por isso deve manter-se esse ponto, que incide sobre a relação de causalidade naturalística entre a dita atuação do Banco Réu, que prestou informações falsas aos Autores, e o dano que estes sofreram, que foi a perda do capital que investiram nas obrigações, afirmando-se que aquela determinou naturalisticamente este”.

Atento o explanado, não vemos qualquer anomalia na decisão da matéria de facto levada a cabo na sentença, pois que a resposta ali dada àquela al. p) dos factos provados resulta, afinal, com toda a clarividência, da interligação dos factos alegados e de um simples raciocínio lógico-dedutivo.

Donde dever manter-se na relação dos factos provados aquela p), que (reitera-se) tem a seguinte redacção:

“p). Se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas SLN 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro”.


**

§ Estão preenchidos todos os requisitos ou pressupostos da obrigação de indemnizar, nos termos do disposto no artigo 483.º, n.º 1 do C.C. – maxime o nexo de causalidade entre a conduta ilícita do réu e o prejuízo sofrido pelos autores –, a justificar e impor a condenação da Ré no pedido?


Os contratos de intermediação financeira têm como objecto a prestação de serviços financeiros, podendo assumir diversas espécies, consoante o respectivo conteúdo (cf. Arts. 325.º, 335.º e 337.º do CVM [8]), mas todos assumem a natureza de um contrato de prestação de serviços ou de mandato, consoante a natureza da obrigação assumida pelo intermediário financeiro (um resultado ou actos jurídicos): art. 1154.º e 1157.º do Código Civil.
E, dado que tais actos são praticados em nome do mandante, o mandato diz‑se mandato com representação, ao qual se aplicam as regras do instituto da representação (art. 1178.º, n.º 1, do CC).
Temos, assim, que o contrato de intermediação financeira encerra um negócio jurídico celebrado entre um intermediário financeiro e um cliente (investidor), relativo à prestação de actividades de intermediação financeira, enunciando-se, a propósito que, nos termos do n.º 1 do art.º 289.º do Código dos Valores Mobiliários, são actividades de intermediação financeira: a) Os serviços de investimento em valores mobiliários; b) Os serviços auxiliares dos serviços de investimento; c) A gestão de instituições de investimento colectivo e o exercício das funções de depositário dos valores mobiliários que integram o património dessas instituições, sublinhando, outrossim, que os serviços de investimento compreendem: a) A recepção e a transmissão de ordens por conta de outrem; b) A execução de ordens por conta de outrem; c) A gestão de carteiras por conta de outrem; d) A colocação em ofertas públicas de distribuição.
O objectivo essencial da actividade de intermediação é o de propiciar decisões de investimento informadas, em ordem a defender o mercado e a prevenir a lesão dos interesses dos clientes, importando que ao nível dos deveres impostos ao intermediário financeiro, incluindo o banco para tal autorizado, se destacam os deveres de informação, expressos no Código dos Valores Mobiliários, relativamente aos serviços que ofereça, lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, os quais deverão ser cumpridos através da prestação de “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada”, sendo que a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor não qualificado, será ilícita se ocorrer a violação do dever de informação, com os seus requisitos indispensáveis: completude, veracidade, actualidade, clareza, objectividade e licitude.

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Não se questiona, in casu, a qualificação jurídica do Banco Réu - Banco BIC Português, S.A. - ou do seu antecessor BPN - Banco Português de Negócios, S.A. - como intermediários financeiros na venda ou comercialização, em 2006, das chamadas ‘Obrigações SLN 2006’ na óptica dos artºs 1º, nº 1, al. b); 289º, nº 1, al. a), e 290º, nº 1, al. a), todos do CVM, aprovado pelo Dec. Lei nº 486/99, de 13/11, na redação vigente em 2006 (DL nº 66/2004, de 24/03).

E não parece haver qualquer dúvida de que o BPN, relativamente aos Autores AA e BB, levou a cabo actos de intermediação financeira (o BPN além de ser uma instituição de crédito, era também um intermediário financeiro, tratando da comercialização, aos seus balcões, nomeadamente, de obrigações da SLN, executando ordens de subscrição, que lhe foram transmitidas).

Atenta a data em que ocorreu a subscrição dos produtos pelos Autores,  são aplicáveis a essa atividade as normas constantes do Código de Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-lei n.º 486/99, de 13 de novembro, com as alterações que se seguiram, até à alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 52/2006, de 15 de Março, nos termos das regras de aplicação da lei no tempo contantes do artigo 12.º do Código Civil, sendo essa a versão do Código de Valores Mobiliários que doravante será aqui mencionada.

Impõe-se, então, de seguida aferir se o Banco/Réu violou, quanto aos Autores, os deveres que sobre si impendiam, enquanto intermediário financeiro, aquando da aquisição, por estes, do alegado e provado produto financeiro, e, consequentemente, apurar se o Banco/Réu responde pelo ressarcimento aos Autores do aqui peticionado.
Neste aspecto dos deveres de informação, importa salientar, desde logo, que a extensão e a profundidade da informação, a cargo do intermediário financeiro, devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente (princípio da proporcionalidade inversa), o que pressupõe o reconhecimento de que as exigências de informação variam em função do perfil do cliente a quem o serviço é prestado, assentando o cumprimento do dever de informação num princípio de proporcionalidade, o que, de resto, este Tribunal de recurso reconhece, e não questiona.

Mas atentemos nos normativos legais que devem orientar os intermediários financeiros no exercício da respectiva actividade, nos deveres de informação, mormente os deveres comuns, e, de igual modo, nos preceitos legais respeitantes à responsabilidade civil dos intermediários financeiros, por danos causados a qualquer pessoa, em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

Sobre estes aspectos gerais, transcreve-se o que ficou dito no (recentíssimo) acórdão do STJ de 10.11.2022, também relatado pelo ora relator, produzido no processo nº 2165/19.9T8LRA.C1.S1:

«O Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (R.G.I.CS.F. - DL 298/92, de 31/12, na redação vigente à data dos factos introduzida pelo DL n.º 252/2003, de 17/10) estabelece a regulação pública da atividade das instituições de crédito e instituições financeiras, contendo um conjunto de "Regras de Conduta" (no respetivo Título VI, Capítulo I), balizados com o seguinte dispositivo de ordem geral:

"As instituições de crédito devem assegurar, em todas as atividades que exerçam, elevados níveis de competência técnica, garantindo que a sua organização empresarial funcione com os meios humanos e materiais adequados a assegurar condições apropriadas de qualidade e eficiência. " (cfr. art. 73.º). Sequencialmente, os artigos 74.º e 75.º, entre outros deveres de conduta, determinam que os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder "com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados." e, obrigando a um elevado nível de competência técnica, que "devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e ter em conta o interesse dos depositantes, dos investidores, dos demais credores e de todos os clientes em geral. "

As regras de conduta previstas no referido R.G.I.C.S.F. traduzem-se claramente num código de conduta financeira.

A Associação Portuguesa de Bancos elaborou em 1993 um "Código de Conduta", versando precisamente sobre intermediação de valores mobiliários.

Entretanto surgiram outros códigos de conduta, designadamente os elaborados pela "Interbolsa – Sociedade Gestora de Sistemas de Liquidação e de Sistemas Centralizados de Valores Mobiliários, S.A.", "APFIPP - Associação Portuguesa de Fundos de Investimento, Pensões e Patrimónios", "APAF - Associação Portuguesa de Analistas Financeiros" e "Associação Portuguesa de Bancos".

E já com os artigos 10.º-B e 10.º-C do Regulamento da CMVM n.º 3/2010 relativo aos "Deveres de Conduta e Qualificação Profissional dos Analistas Financeiros e Consultores para Investimento" vieram promover a elaboração de "códigos de conduta e ou deontológicos" tendentes a "(...) definir as políticas e procedimentos de atuação a ser respeitados no exercício da atividade de consultoria para investimento (...)." e necessariamente "(...) suscetíveis de proporcionar que as recomendações de investimento sejam emitidas com competência, independência e objetividade."

Feito este enquadramento geral, vejamos agora mais de perto os deveres específicos dos intermediários financeiros, interpretados à luz do antecedente enquadramento:

Há uma generalidade de princípios que as partes devem respeitar durante a negociação e execução dos contratos de intermediação financeira, desde logo os princípios do direito civil comum que são transportados para o âmbito comercial sem perder a sua força impositiva, em especial o princípio geral da boa-fé previsto respetivamente nos artigos 227.º e 762.º do Código Civil.

no âmbito do CVM (sempre na redação vigente à data dos factos, como acima já referido), importa destacar as seguintes normas com relevo para o caso concreto em apreciação:

Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)
1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

2 - O disposto no número anterior aplica-se seja qual for o meio de divulgação e ainda que a informação seja inserida em conselho, recomendação, mensagem publicitária ou relatório de notação de risco.

3 - O requisito da completude da informação é aferido em função do meio utilizado, podendo, nas mensagens publicitárias, ser substituído por remissão para documento acessível aos destinatários.
4 - À publicidade relativa a valores mobiliários e a atividades reguladas neste Código é aplicável o regime geral da publicidade.

Artigo 304.º (Princípios)
1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.
2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
4 - Os intermediários financeiros estão sujeitos ao dever de segredo profissional nos termos previstos para o segredo bancário, sem prejuízo das exceções previstas na lei, nomeadamente o cumprimento do disposto no artigo 382.º.
5 - Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efetivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das atividades de intermediação.

Artigo 312.º

(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou

que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;
b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;
c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.

E do disposto no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000:

Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;
c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
d) informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.

Artigo 304.º-A
1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.
2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

Na versão original do CVM o legislador assumia ter privilegiado a consagração de princípios e de regras gerais, recorrendo com frequência a conceitos indeterminados e a cláusulas gerais, justificando que a sua "densificação se espera que seja continuada pela jurisprudência, pela prática das autoridades administrativas e pela doutrina." (cfr. preâmbulo).

Entretanto, já no atual CVM, a transposição da Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 21/04/04, através do D.L. nº 357-A/2007 de 31/10 (que entrou em vigor já posteriormente à data dos factos em causa), veio densificar e intensificar estes deveres de conduta, estando em causa essencialmente disposições legais destinadas à proteção do próprio mercado e dos investidores.

Neste âmbito, é essencial a disposição legal do art. 101.º da Constituição da República Portuguesa, segundo a qual "O sistema financeiro deve ser estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social."

Uma das principais atribuições da CMVM (cfr. art. 358.º, alínea b), do CVM) é precisamente garantir a eficiência e regularidade de funcionamento dos mercados de instrumentos financeiros.

O CVM contém, no n.º 2 do art. 304.º do CVM, um princípio geral nesta matéria, com a consagração de um dever geral de lealdade e de boa fé, ao enunciar que “Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência."

De seguida contém duas disposições legais diretamente respeitantes à defesa do mercado (cfr. artigos 310.º e 311.º), onde se procuram sintetizar as diretrizes gerais deste princípio estruturante do direito dos valores mobiliários com um conjunto de deveres impostos aos intermediários financeiros.

Noutra perspetiva, ..., é consequência do reconhecimento de um interesse público inerente ao correto funcionamento do mercado de valores mobiliários a prevalência deste mesmo interesse sobre o interesse privado de um participante em tal mercado, seja ele intermediário financeiro ou investidor. Ou seja, trata-se de proteger o mercado em si mesmo e não o agente do mercado.

No entanto, é evidente que os investidores individuais sairão reflexamente beneficiados com uma cabal e consistente proteção do sistema financeiro, designadamente por esta conferir segurança e eficácia aos investimentos. O princípio da proteção dos interesses do investidor em valores mobiliários é o segundo elemento modelador e estruturante do regime jurídico do mercado de valores mobiliários, sendo já um princípio de carácter privado, encarando o investidor sob uma perspetiva individual.

O CVM estabelece, como princípio orientador geral, o de o intermediário financeiro dever pautar a sua atuação no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, os quais se identificam com o melhor interesse do cliente na sua vertente económico-financeira.

O art. 7.º do CVM equipara, em termos gerais, a informação de qualidade com aquela que é completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita.

Ou seja, a informação deve ser casuisticamente adaptada e compreender todos os elementos relevantes, ser fiel à realidade, ser apresentada no momento oportuno, ser percetível e isenta de elementos subjetivos e conformada com a lei, a ordem pública e os bons costumes. Estas características da informação aplicam-se seja qual foi o meio de divulgação, e inclusivamente a conselhos, recomendações, mensagens publicitárias ou relatórios de notação de risco (art. 7.º, n.º 2, do CVM).

Posteriormente, estes específicos deveres de informação foram sequencialmente concretizados no Aviso do Banco de Portugal n.º 10/2008, de 09 de Dezembro (in D.R. II Série n.º 246, de 22/12/08).

Concretizando: o intermediário financeiro deve, em primeiro lugar, informar-se junto do cliente sobre os seus conhecimentos e experiências na área e, em seguida, promover uma atuação pedagógica, tendo presente que este dever de informar é tanto mais premente quanto menos experiente for o cliente.

Assim sendo, é, desde logo, essencial a categorização dos clientes, depois, em execução deste "teste de adequação", o intermediário deverá indicar ao investidor os instrumentos financeiros "adequados" ao seu perfil de risco. Na sua vertente negativa, temos que, verificando o intermediário que o cliente não tem perfil para aquela concreta operação financeira ou não tem possibilidade de apreender as características e riscos de uma certa operação financeira, deverá aconselhar o cliente a não investir nesse produto específico.».

Acrescenta-se que, em matéria de conflitos de interesses e realização de operações pessoais, o art.º 309º do Código dos Valores Mobiliários prevê os seguintes princípios gerais:

“1 - O intermediário financeiro deve organizar-se e actuar de modo a evitar ou a reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses.

2 - Em situação de conflito de interesses, o intermediário financeiro deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo.

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores.

4 - Sempre que o intermediário financeiro realize operações para satisfazer ordens de clientes, deve pôr à disposição destes os valores mobiliários pelo mesmo preço por que os adquiriu.”.

Acresce sublinhar que o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, prevenido no Decreto-Lei n.º 298/92 de 31 de Dezembro, impõe, nos seus artºs. 73º, a 76º, às instituições de crédito, em quaisquer das actividades que pratiquem, que garantam aos seus clientes, superlativos graus de tecnicidade, provendo a respectiva organização com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência, devendo os seus administradores e empregados proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados, pelos clientes, informando-os sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos prestados, devendo sempre e em todo o caso proceder com a diligência de um gestor criterioso.

Aqui é de salientar o estatuído no nº1 do art.º 77.º, do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras - Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro – que dispõe:

“As instituições de crédito devem informar com clareza os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e os elementos caracterizadores dos produtos oferecidos, bem como sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos a suportar pelos clientes”.


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Dos normativos citados, emerge com toda a clareza que a relação contratual obrigacional estabelecida entre o cliente e o intermediário financeiro, deve estar sempre pautada pela lealdade, sustentada no rigor informativo pré-contratual e contratual por parte do intermediário financeiro, condizente a uma informação objectiva, completa, verdadeira, actual, clara, e lícita, sendo de salientar que entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte.

E também a Jurisprudência e Doutrina têm como assente que as aludidas normas legais  salientam à evidência a imposição ao intermediário financeiro, para além do dever de transmitir uma informação, clara e relevante para a opção que o investidor pretenda tomar, o dever de avaliar a adequação das operações financeiras face aos conhecimentos, experiência, situação financeira e objectivos do mesmo investidor, seu cliente, sendo certo, afinal, que o dever contratual de agir conforme os elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro no interesse legítimo dos seus clientes, resulta no dever de agir de boa-fé[9].


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No que respeita à responsabilidade civil do intermediário financeiro, por danos causados ao investidor em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública, remete-se para o já citado art.º 304º-A do CVM.

Porém, como é evidente, a responsabilidade ali prevista pressupõe a verificação/prova dos (todos os) pressupostos da responsabilidade civil: o facto ilícito (omissão ou prestação de informação errónea, no quadro de relação contratual bancária e intermediação financeira); a culpa (esta que se presume nos termos do art.º 799.º n.º 1 do Código Civil e art.º 304º-A do Código dos Valores Mobiliários); o dano (que equivale à perda do capital entregue para subscrição do ajuizado produto financeiro); o nexo de causalidade entre o facto e o dano (sendo que o ónus da prova da existência do nexo causal entre a ilicitude e o dano incide sobre quem alega o direito, não havendo lugar a presunção, quer do nexo de causalidade, quer do dano, e daí que para se responsabilizar o intermediário financeiro pelo dano sofrido pelo investidor, impõe-se que este/investidor consiga fazer a prova do nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano, prova essa que tem de resultar dos factos provados).


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Sobre esta temática da responsabilidade dos intermediários financeiros, foi recentemente uniformizada jurisprudência, no recurso de Uniformização formulado e admitido no âmbito do Processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022 - Diário da República n.º 212/2022, Série I de 2022-11-03), o qual, sobre o pressuposto da ilicitude, deu a seguinte resposta uniformizadora:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos arts. 7º, nº 1, 312º, nº 1, al. a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo DL nº 357-A/07, de 31-10, e 342º, nº 1, do CC, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano;

1. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”, sem outras explicações, nomeadamente, o que era obrigações subordinadas), não cumpre o dever de informação aludido no art. 7º, nº 1, do CVM.”.

E, da mesma forma, no mesmo acórdão de Uniformização de Jurisprudência, agora acerca do nexo de causalidade entre o facto e o dano, consignou-se que a demonstração desse nexo de causalidade é um ónus a cargo do investidor, mesmo que não qualificado, como se vê no ponto 1 do sumário desse AUJ, explanado nos pontos 3 e 4 da respectiva resposta uniformizador:

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[10]

Ficaram, assim, dissipadas as dúvidas acerca do ónus da prova do nexo causal: é sobre o interessado que recai esse ónus, não podendo dispensar-se os factos integrantes deste pressuposto, ao invés do entendimento que alguns Autores têm sustentado, de que ilicitude (a violação dos deveres de informação) presume a causalidade (esta resultaria, e automaticamente, daquela).


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Regressemos aos factos.

DA ILICITUDE

Aferir da verificação deste pressuposto da responsabilidade civil implica se apure, desde logo e antes de mais, da violação, ou não, pelo Réu dos deveres respeitantes ao exercício da sua actividade de intermediário financeiro, impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública e em particular dos deveres de informação vigentes aquando da subscrição do produto financeiro.

Ora, parece evidente que teve lugar, in casu (ao nível do caso concreto, considerando o perfil do cliente e as específicas circunstâncias da contratação), a violação dos deveres de informação, por parte Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro.

Basta atentar na factualidade ínsita nos pontos de facto provados sob as alíneas b), c), d), e), f), g), j), k), l), m), n), o), p) e s), para se concluir, sem margem para dúvidas, que aqueles específicos deveres do Banco Réu (constituído – em 2012 – mediante a fusão, por incorporação, do anterior Banco BIC Português, S.A., no BPN - Banco Português de Negócios, S.A., e com a alteração da denominação social deste último para a daquele primeiro) foram por ele violados, enquanto intermediário financeiro perante os Autores.

Efectivamente, cremos resultar destes factos que o BPN, de forma deliberada, pautou a sua conduta, enquanto intermediário financeiro, na colocação em mercado das chamadas Obrigações SLN 2006, por uma clara e deliberada omissão dos seus deveres de conduta e de informação para com os Autores, seus clientes, que nele confiavam, pois que se limitava a acenar aos clientes com uma taxa de juros apelativa e dizendo-lhes tratar-se de uma aplicação em tudo  semelhante a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada, para assim os mobilizar a investirem, e sem jamais lhes falar em obrigações e no risco associado a este tipo de produto, para, desse modo manifestamente desinformativo e potencialmente lesivo dos clientes, os não informar com verdade, por forma completa, objectiva e de forma clara sobre o tipo de produto em questão e riscos a ele associados.

Assim, portanto, temos como seguro que o Réu violou, de forma grave, os seus deveres de informação, ínsitos nas normas mencionadas supra, nomeadamente, nos artºs 7º, nº 1[11], 304º[12] e 312º[13] do CVM e no art. 39.º, n.º 1, do Regulamento da CMVM n.º 12/2000[14].

Violação dos deveres de informação, cujo entendimento está conforme ao que se plasmou no corpo do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no supra citado processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, já transitado em julgado[15].

Com efeito, como ali se diz, «… a informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite”.

“(…) Existe um conjunto de informações que o intermediário está obrigado a prestar a um cliente, potencial investidor, antes de lhe prestar qualquer serviço de intermediação financeira. Trata-se de informações prévias no âmbito das quais se inserem todas as necessárias para que o cliente tome uma decisão de investimento esclarecida e fundamentada (art.312.º Cód. VM), as respeitantes à estrutura empresarial do intermediário financeiro e ainda as relativas à natureza e características do investimento a realizar (artigos 38.º e 39.º do Regulamento n.º12/2000).”

“A lei não enumera taxativamente o conteúdo da informação considerada necessária, tendo por obrigatório prestar aquela informação que se revele relevante para efeitos de uma tomada de decisão consciente por parte do investidor. O legislador não dispensou, contudo, o enunciado de um conjunto mínimo de dados informativos que necessariamente terão de ser fornecidos pelo intermediário financeiro, encontrando-se nesse grupo elementos cujo conhecimento é, desta forma, reconhecido como indispensável à adopção de qualquer decisão de investimento. Entre esses elementos encontram-se os riscos envolvidos pelas operações a realizar e suas implicações, o custo do serviço a prestar, a existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente bem como a possibilidade de uma eventual reclamação ser recebida pela CMVM e ainda qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço que presta [alíneas a) a d) do n.º1 do art. 312.º do Cód. VM e 39.º do Regulamento CMVM n.º12/2000]. O intermediário financeiro deverá ainda fornecer ao investidor toda a documentação necessária.».


*

De entre os factos provados, são, neste aspecto da violação dos deveres de informação, particularmente impressivos os seguintes (o destaque é nosso):

- Em Abril de 2006, o gerente do Banco Réu da agência de ... disse aos Autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada (al a.);

- Tendo ainda utilizado a expressão risco zero e risco banco nas explicações que deu aos Autores (al. c.);

- Propondo-lhes a colocação do dinheiro dos Autores nessa aplicação (al.d);

- Em todas as aplicações realizadas pelos Autores através do gerente, CC, no banco supra referido, os primeiros depositavam total confiança no segundo e acreditaram quando este lhes disse que a aplicação em causa era igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN e com rentabilidade assegurada (al. f);

- O referido gerente é amigo dos Autores há muitos anos e, por causa desta relação de amizade, os Autores bastaram-se com as referidas explicações do primeiro e assinaram todos os documentos que este lhes pediu para assinarem, sem lerem o respectivo conteúdo, tendo sido desta forma que apuseram as suas assinaturas nos documentos cujas cópias se encontram juntas aos autos de fls. 22 e 22v e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido (al. g);

- O dinheiro dos Autores foi utilizado, em 19 de Abril de 2006 para a aquisição de duas Obrigações Subordinadas SLN 2006, emitidas pela sociedade SLN, SGPS, S.A.: uma em nome do primeiro Autor, no valor de € 50.000,00; a outra em nome do segundo Autor, no valor de € 50.000,00 (al. h);

- Os Autores não sabiam, à data, da subscrição, o que era ou como funcionava financeiramente uma obrigação subordinada (al. j);

- Os Autores não sabiam, à data da subscrição, o que era a sociedade SLN, SGPS, S.A., qual o seu objecto social e qual a sua relação com o BPN (al. k);

- Os Autores não sabiam, à data da subscrição, quais os riscos inerentes ao produto obrigação subordinada e nenhum funcionário do Réu lhes explicou (al. l);

- E ficaram convencidos que podiam recuperar o dinheiro investido em qualquer altura (al. m);

- O gerente do Banco Réu sabia que os Autores não possuíam qualificação, ou formação técnica que lhes permitisse à data conhecer, por si, os produtos subscritos, designadamente, as obrigações subscritas e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que as respectivas características lhes fossem explicadas pormenorizadamente (al. n);

- Se os Autores tivessem conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas SLN 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro (al. p);

- O Banco Réu deixou, em Novembro de 2015, de pagar os juros referidos em e) dos factos provados, tendo sido nesse momento que os Autores tomaram conhecimento dos termos e condições do investimento que fizeram, das características do produtos e das possibilidades existentes para recuperar o capital investido (als. r. e s.).

Estes factos revelam, como dito, a violação (grave) dos apontados deveres de informação por banda do Réu/Recorrido, enquanto Intermediário Financeiro, a que alude com especial enfoque o artº 7º, n.º1 CVM, desta forma se preenchendo o requisito ou pressuposto da ilicitude da conduta do Réu perante os concretos clientes que constituíam os Autores.

Mas tal não basta, para a responsabilização do Réu.

Ou seja, temos como preenchido o pressuposto ilicitude da conduta do Banco/Réu, na violação do dever de informação e do compromisso assumido de garantia do capital investido, sendo este não cumprimento sancionado no âmbito da responsabilidade civil contratual. E impendendo, de igual modo, sobre o Banco/Réu, enquanto intermediário financeiro, uma presunção de culpa, nos termos do direito substantivo civil, podendo bem dizer-se que a culpa do Banco/Réu é claramente grave, até pelo especial dever de diligência que sobre ele impendia e que foi desconsiderado de forma, no mínimo, grave.

E igualmente temos preenchidos outros pressupostos da responsabilidade civil contratual, quais sejam, a culpa – que, como já dito, se presume – e outrossim o dano, correspondente à perda do capital entregue para subscrição do produto financeiro.

Falta, porém, aferir do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, saber se os Autores, acaso tivessem sido informados das características reais do produto que adquiriu, não teriam levado a cabo essa aquisição.


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DO NEXO CAUSAL

Ao contrário do que alguma Doutrina e Jurisprudência tem sustentado, não consideramos que a apontada violação dos deveres de informação por banda do Intermediário Financeiro imponha, sem mais, a conclusão de que, face a tal violação, o Banco Réu fica obrigado a indemnizar o investidor – consideram aquela Doutrina e Jurisprudência que com a apontada violação dos deveres de informação ficam verificados os requisitos de uma conduta ilícita e culposa do Intermediário Financeiro e simultaneamente adequada à verificação de danos para o investidor.

Com efeito, como consta do dispositivo do acima referido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, proferido no proc. n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A,
“1. (…).
(2. …).
“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”
4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”[16].

Como se escreveu no recente Ac. deste STJ de 27.10.2022, «se, nas relações pré-contratuais e contratuais em que intervenham intermediários financeiros, a culpa se presume (art.º 314.º n.º2 do CVM, na redacção anterior a 2007), presunção que também resulta do disposto no art.º 799.º n.º1 do Código Civil, para serem indemnizáveis os danos (perda do capital investido na aquisição das obrigações) devem ligar-se causalmente ao incumprimento do dever pré-contratual ou contratual (a prestação, por omissão, de informação errónea).

Neste sentido, mesmo que uma dada situação seja configurada como facto ilícito (por exemplo, a prestação, por omissão, de informação errónea, nomeadamente no que concerne à concreta identificação ou às características do produto e a natureza subordinada), essas circunstâncias podem não ser causais da subscrição efetuada e consequente dano.

Portanto, se a culpa se presume, mas a presunção não abrange o nexo de causalidade, este terá de ser alegado e comprovado, pois como decorre do art.º 563.º do Código Civil, a obrigação de indemnizar só ocorre em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não houvesse lesão.

Nesta decorrência, incumbe ao cliente (investidor) a prova do nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, que, se tivesse sido informado, por completo, da concreta identificação, natureza e características do produto financeiro que lhe foi proposto, bem como da sua natureza, não as teria adquirido (cabe a quem invoca o direito à indemnização alegar e demonstrar o nexo causal entre o facto ilícito e o dano, que também não se presume, nos termos do disposto no n.º1 do art.º 342.º do Código Civil).».

Ora, este pressuposto da responsabilidade civil (o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano – aferido em conformidade com a designada teoria da causalidade adequada, segundo a qual, é necessário que, em concreto, a acção ou omissão tenha sido condição do dano, e que, em abstracto, dele seja causa adequada, desta forma seguindo o nosso ordenamento jurídico a teoria da “causalidade adequada” na sua formulação negativa, ou seja, para que um facto seja causa adequada de um determinado evento, “não é de modo nenhum necessário que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano”, sendo essencial que o “facto seja condição do dano, mas nada obsta a que, como vulgarmente sucede, ele seja apenas uma das condições desse dano”) está provado, prova esta que os Autores/Investidores conseguiram fazer, como era sua incumbência, conforme estatuído no referido Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste STJ.

Provado está, com efeito, que “p)     Se os Autores tivessem tido conhecimento das características do produto/aplicação Obrigações Subordinadas SLN 2006, não teriam investido nesse produto o seu dinheiro”.

O mesmo é dizer que se – à data da subscrição do produto – os AA tivessem tido conhecimento da informação que lhes foi omitida, aludida nas alíneas dos factos provados supra referenciadas (com especial enfoque nas als. j) a  m)), “não teriam investido nesse produto o seu dinheiro o seu dinheiro”.


*

Ao contrário do entendimento sufragado por alguma Doutrina e Jurisprudência – o qual, diga-se, o acórdão recorrido aceitou, cfr. pp 24 a 25 do ac.[17] – , não entendemos (como não entendeu o citado AUJ) que o nexo causal entre o facto e o dano esteja abrangido pela presunção do artº 799º, nº1 do CC. Isto é, não compete ao intermediário financeiro – devedor da informação – provar que, mesmo perante um cumprimento pontual dos deveres de informação, o investidor/credor da informação teria tomado a mesma decisão, correndo deste modo o primeiro o risco de não serem provados factos que permitam uma conclusão clara em matéria de nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e a decisão do investidor.

Ou seja, não se presume o nexo causal entre o incumprimento ou deficiente cumprimento dos deveres de informar e a decisão de investimento adotada pelo investidor – presunção que alguns retiram do art. 304.º-A, n.º 2 do Cód. Valores Mobiliários, entendendo que esta disposição contem, não apenas uma presunção de culpa e de ilicitude, mas também uma presunção de nexo de causalidade.

Dito de outra forma, neste segmento da causalidade, não se presume que a vontade individual do investidor foi determinada pela irregularidade da informação, ou seja, o nexo causal entre a informação deficiente e a decisão do investidor.

 Com efeito, como dito, o entendimento plasmado no supra citado AUJ foi que a prova do nexo causal entre a violação dos deveres de informação pelo Intermediário Financeiro e o dano havido é ónus do investidor (in casu, dos Autores).

E, como visto, lograram os Autores fazer a prova, precisamente, do facto que o referido Acórdão Uniformizador exige para que se possa considerar preenchido o nexo de causalidade entre o facto – aquela violação dos deveres de informação – e o verificado dano.

Prova desse pressuposto ou requisito da responsabilidade civil que se torna imprescindível para a obrigação de indemnizar (ut artº 563º do Cód. Civil).

Assim – embora com diferente fundamentação, pois que (diferentemente do entendimento vertido no ac. recorrido), em sintonia com o estatuído no referido AUJ, consideramos que se não presume o nexo causal (nos termos explicados supra), antes cabendo ao investidor (in casu, aos AA) a sua prova, a qual lograram fazer (neste recurso de revista repristinou-se a al. p) dos factos provados da sentença) – , confirma-se o decidido nas Instâncias e daí não merecer provimento a pretensão recursiva do Réu.


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IV. DECISÃO 

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se (embora com fundamentação não coincidente) o decidido no Acórdão da Relação.

Custas pelo Réu/Recorrente.

Lisboa, 30 de Novembro de 2022

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Ana Paula Lobo (Juíza Conselheira 1º Adjunto)

Afonso Henrique (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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[1] Esta questão foi suscitada pelos Recorridos, na requerida ampliação do objecto do recurso.

Ora, dado que a alínea p) dos factos que na sentença foram dados como provados respeita a matéria de crucial importância na economia do mérito dos autos, no que tange à prova dos pressupostos da responsabilidade civil contratual do Banco Réu – mais concretamente, do nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação do Intermediário Financeiro e os danos sofridos pelo Investidor (a perda do capital investido) – , considerando o segmento uniformizador produzido no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, lavrado no processo n.º 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, começaremos, precisamente, pela análise da ampliação do objecto do recurso deduzida pelos Réus. É que a improcedência desta questão (da impugnação da decisão da matéria de facto) poderá, na perspectiva do aludido AUJ, e por si só, levar à revogação da decisão recorrida.

[2] Prova e Formação da Convicção do Juiz, Coletânea de Jurisprudência, Almedina, 2016, p. 55.

[3] Manual de Processo Civil, 2.a edição, Coimbra Editora, pp. 406-408.

[4] Acórdão do TRC, proferido em 20-06-2018, no âmbito do processo n.° 13/16.0GTCTB.C1, consultável em www.dgsi.pt.

[5] Cfr. acórdãos do STJ de 05.02.2020 (proc. 13097/17.5T8LSB.L1.S1), de 20.02.2020 (processo 1893/12.4TBSCR.L2.S2) e Ac. no proc. 6126/15.9T8BRG.G1.S1. Ainda, ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., págs.434-436.

[6] Art.º 682º, nº 3, do CPC.

[7] Art.º 682, nº 3, do CPC.
[8]- O Código de Valores Mobiliários (CVM) foi republicado pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro e alterado pelo Decreto-Lei n.º 211-A/2008, de 3 de Novembro, pela Lei n.º 28/2009, de 19 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de Agosto, pelo Decreto-Lei n.º 49/2010, de 19 de Maio, pelo Decreto-Lei n.º 52/2010, de 26 de Maio, e pelo Decreto-Lei n.º 71/2010, de 18 de Junho.
[9] Cfr., entre muitos outros que se poderiam citar, AGOSTINHO CARDOSO GUEDES, in, A Responsabilidade do banco por informações à luz do artigo 485º do Código Civil - Revista de Direito e Economia, Volume XIV, páginas 138 e139, GONÇALO CASTILHO DOS SANTOS, in, A responsabilidade civil do intermediário financeiro perante o cliente, página 76, 96 e 141, 2008, Almedina; na jurisprudência, por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 2018.
[10] Os destaques são nossos.
[11] Artigo 7.º

(Qualidade da Informação)

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.

[12] Artigo 304.º (Princípios)

- Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

1 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

2 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.

(…).

[13] “(Deveres de Informação)

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar;

b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar;

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar;

d) Custo do serviço a prestar.’.

[14] Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro:

a) fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa;

b) entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros;

c) fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado;
[15]Cujo segmento uniformizador, repete-se, tem o seguinte teor:

“1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de Outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.”

“2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto “não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.”

“3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.”
“4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.”.
[16]Destaque nosso.
[17] Seguindo a “tese”, nomeadamente, de MENEZES CORDEIRO, que cita, sustentando que o nº2 do artº 304º do CVM contém igualmente uma presunção de causalidade, a qual se estende igualmente à ilicitude. Pelo que incumbiria ao Réu ilidir a presunção de causalidade entre a violação dos deveres de informação e os danos sofridos pelos Autores.