Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
185/13.6TBCHV-A.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FERNANDES DO VALE
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACORDO DE CREDORES
INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 04/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO FALIMENTAR - INSOLVÊNCIA.
DIREITO TRIBUTÁRIO - RELAÇÃO JURÍDICA TRIBUTÁRIA.
SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL - RELAÇÃO JURÍDICA DE VINCULAÇÃO - RELAÇÃO JURÍDICA CONTRIBUTIVA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE INSOLVÊNCIA E DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 304.º.
CÓDIGO DOS REGIMES CONTRIBUTIVOS DO SISTEMA PREVIDENCIAL DE SEGURANÇA SOCIAL, (CRCSPSS), APROVADO PELA LEI Nº 110/2009, DE 16.09): - ARTIGOS 3.º, 190.º, N.º/S 1, 2 E 6.
LEI GERAL TRIBUTÁRIA (LGT – DL Nº 398/98, DE 17.12., COM AS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELO ARTIGO 125.º DA LEI Nº 55-A/2010, DE 31-12): - ARTIGOS 30.º, N.º S 1, 2, 3, 36.º, N.º S 2, E 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18.02.14, PROC. N.º 1786/12.5TBTNV.C2.S1, EM WWW.DGSI.PT.
Sumário :
Não obstante o plano de revitalização aprovado conter propostas que violam o disposto nos arts. 30.º, n.º s 1, 2, 3, 36.º, n.º s 2, e 3, da LGT, e 190.º, n.º s 1, 2 e 6, do CRCSPSS, não deve ser o mesmo objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando de mera ineficácia, sendo, por isso, inoponível, relativamente ao Instituto da Segurança Social.
Decisão Texto Integral:

Proc. nº 185/13.6TBCHV-A.P1.S1[1]

               (Rel. 157)

                            Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça

1 – “AA, Lda” (devedora/requerente) instaurou, em 2013, na comarca de Chaves, o presente processo, nos termos do disposto no art. 17º-A do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

       Concluídas as negociações, foi realizada uma reunião de credores para votação do plano apresentado pela devedora, tendo comparecido credores que representam 86,71% dos créditos.

       Votaram favoravelmente o plano credores que representam 85,74% dos créditos, tendo votado contra um credor comum particular que representa 0,97% dos créditos.

       Por força do disposto nos arts. 17º - F, nº3, 212º, nº1 e 17º - D, nº/s 3 e 4, todos do CIRE, considerou-se aprovado o plano e, ponderando-se que não tinha ocorrido violação não negligenciável de normas procedimentais ou aplicáveis ao conteúdo do plano que impedissem a sua homologação e que não tinha sido solicitada a não homologação do plano por qualquer interessado (art. 216º, aplicável ex vi art.17º - F, nº3, in fine, ambos do CIRE) homologou-se o plano, nos termos do art. 17º - F, nº/s 5 e 6 do CIRE, com a declaração de que a decisão vinculava todos os credores, mesmo que não houvessem participado nas negociações.

       Apelou o “Instituto de Segurança Social, I. P.” (ISS), tendo a Relação do Porto, por acórdão de 17.10.13 e na procedência do recurso, revogado a decisão recorrida, recusando a homologação do plano de recuperação.

       Daí a presente revista interposta pela requerente, com fundamento em oposição de acórdãos (art. 14º, nº1, do CIRE) – e como tal admitida –, visando a revogação do acórdão recorrido, conforme alegações culminadas com a formulação das seguintes e relevantes conclusões:

                                                          /

1ª – O presente recurso deve ser admitido, tendo em conta o disposto no artigo 14°, nº 1 do CIRE, uma vez que o douto acórdão impugnado está em oposição com o douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 4021/12.2TBGMR.G1, de 18.06.2013, (publicado em www.dgsi.pt), no domínio da mesma legislação, tendo decidido de forma divergente a mesma questão fundamental de direito, ou seja, se a homologação de um plano de revitalização aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto nos artigos 1º e 2° do DL nº 411/91, de 17/10, e no artigo art. 30°, nº/s 2 e 3 da LGT, por contemplar a concessão do pagamento a prestações do crédito do “Instituto de Segurança Social, I.P.” sem que tenha sido dada a competente autorização, impõe a não homologação do plano na globalidade ou se apenas torna o plano ineficaz relativamente a este credor, não produzindo quaisquer efeitos quanto ao mesmo;

2ª – Quer no douto acórdão impugnado, quer no douto acórdão-fundamento, o Tribunal de 1ª instância homologou um plano de revitalização que foi aprovado em assembleia de credores por maioria de 85,74%, no caso destes autos, e por maioria de 83,27%, no caso decidido no douto acórdão-fundamento;

3ª – Qualquer dos planos de revitalização prevê que as dívidas à Segurança Social sejam pagas segundo um regime prestacional e, no caso dos autos, prevê, ainda, a redução dos juros e uma taxa de juro de 4%, contra o que, em ambos os casos, a Segurança Social se insurgiu, alegando que o PER homologado afasta, ainda, o regime geral de regularização de dívidas à Segurança Social, violando normas imperativas, nomeadamente da LGT, da Lei nº 55-A/2010, de 31.12, LOE 2011, bem como o Código Contributivo. Pois viola abertamente o princípio da indisponibilidade dos créditos tributários, previsto no artigo 30º, nº2 da LGT, com desrespeito pelos princípios da igualdade e da legalidade tributária. Principio que a LOE 2011 veio fortalecer, fazendo-o prevalecer sobre qualquer legislação especial, e aplicando-o aos processos de insolvência que se encontrem pendentes e ainda não tenham sido objecto de homologação, conforme se determina no artigo 30º, nº3 da LGT e no artigo 125º da LOE. Assim sendo, um plano de insolvência que regule a matéria dos créditos fiscais e da segurança social de forma diversa viola o disposto em normas imperativas, normas essas que não devem, pois, ceder perante a legislação especial contida no CIRE;

4ª – Os doutos acórdãos em oposição, tendo em conta que, em qualquer dos casos, o Instituto de Segurança Social não votou o plano de recuperação aprovado, decidiram que estavam consumadas violações ao art. 30°, nº/s 2 e 3 da LGT e aos arts. 1° e 2° do DL nº  411/91, de 17/10, tendo, em ambos os acórdãos, sido lavrada conclusão no sentido de que "o crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária". Daí, ter-se por assente, nas doutas decisões em causa, que, nos processos especiais de revitalização, não é possível, contra vontade do Estado, reduzir ou extinguir créditos tributários e/ou conceder moratória;

5ª – O douto acórdão impugnado diverge do douto acórdão-fundamento no alcance que da interpretação destas normas retiram. Enquanto o douto acórdão impugnado decide que, face a que o plano de revitalização põe em crise, da forma sobredita, aqueles créditos da Segurança Social, torna-se impossível mantê-lo para os demais créditos, porque, no entender expresso no mesmo, não é possível que o plano homologado vigore apenas para alguns dos créditos, com exclusão dos outros;

6ª – O douto acórdão-fundamento vai em sentido oposto, decide que o plano de recuperação aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto no art. 30°, nº/s 2 e 3 da LGT e os arts. 1° e 2° do DL nº 411/91, de 17.10, relativamente aos créditos tributários, é ineficaz em relação à Fazenda Nacional e ao “Instituto de Segurança Social, I. P.”, não produzindo quaisquer efeitos relativamente a tais credores;

7ª – Consequentemente, a conclusão que se retirou no douto acórdão impugnado é no sentido da não homologação do plano de revitalização, enquanto no douto acórdão-fundamento se decidiu pela ineficácia do plano em relação aos créditos da Segurança Social, mas mantendo-se a homologação do plano em relação aos demais créditos reclamados;

8ª – Quanto a esta questão jurídica fundamental, a de saber se a homologação de um plano de revitalização aprovado pela assembleia de credores, sem respeitar o regime previsto nos artigos 1° e 2° do DL nº 411/91, de 17.10 e no art.º 30°, nº/s 2 e 3 da LGT, por contemplar a concessão do pagamento a prestações do crédito do “Instituto de Segurança Social, I. P.”, perdão de juros e redução da taxa de juro sem que tenha sido dada a competente autorização, impõe a não homologação do plano na globalidade, ou se apenas torna o plano ineficaz relativamente a este credor, não se pronunciou ainda este Colendo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos previstos para a uniformização de jurisprudência;

9ª – Salvo o devido respeito pelo que vem decidido no douto acórdão impugnado, a solução que vem consagrada no douto acórdão-fundamento é a que deve vingar, uma vez que é a única que garante a possibilidade de manter em vigor um plano de revitalização que foi aprovado pelos credores que participaram nas negociações do mesmo, ao mesmo tempo que garante que os tributos do Estado não são afectados e não põe em causa a possibilidade da recorrente poder sobreviver, salvaguardando os postos de trabalho e contribuindo para a manutenção do tecido empresarial nacional.  

       Termos em que, contando com o douto suprimento de V. Exas., a recorrente pede a V. Exas. que seja admitido o presente recurso e que a douta decisão impugnada seja revogada e substituída por outra que, embora salvaguardando os créditos do “Instituto da Segurança Social, IP”, permita manter a aplicação do plano de revitalização aprovado em relação aos créditos reclamados no processo de revitalização, assim fazendo JUSTIÇA.

         Inexistem, nos autos, contra-alegações.

      Corridos os vistos e nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre decidir.

                                                     *

2 – A Relação teve por provados os seguintes factos:

                                                     /

1 – Os constantes do relatório que antecede;

2 – O plano de pagamentos proposto, em relação aos créditos privilegiados do ISS – no montante de € 202 987,52 –, que não consta da lista de credores, foi o seguinte:

--- Perdão de 80% dos juros, pagando-se 20% das coimas pelo não pagamento dos impostos, dos juros de mora e dos juros vencidos, por ser este perdão imprescindível para a viabilização da insolvente;

--- Juros vincendos, à taxa fixa de 4% ao ano;

--- Liquidação integral do capital;

--- Pagamento em 180 prestações postecipadas, mensais e constantes de capital e juros, no montante de € 1 501,47 cada, vencendo-se a primeira um mês após o trânsito em julgado da sentença de homologação do plano;

3 – Do mesmo plano de pagamentos constava ainda:

--- Créditos comuns:

  - Perdão total de juros vencidos e vincendos;

  - Pagamento parcial (10%) de capital em 120 mensalidades constantes e postcipadas de capital, vencendo-se o primeiro pagamento no dia 31 de Janeiro de 2015;

--- Créditos privilegiados do Estado – Fazenda Nacional:

  - Não aplicável;

--- Créditos privilegiados emergentes de contratos de trabalho (salários não liquidados):

  - Não aplicável;

--- Créditos subordinados:

  - Não aplicável;  

--- Créditos garantidos:

  - Juros vincendos à taxa Euribor 90 dias + 2,5%;

  - Pagamento total do capital em 120 mensalidades constantes e postecipadas de capital, vencendo-se o primeiro pagamento no dia 31 de Janeiro de 2014;

--- Regime de dedução do IVA a que se refere o art. 78º, nº7, c) do CIVA, no valor de € 21 139,39:

  - Trata-se de um crédito sob condição, dependente da confirmação do pedido de reembolso junto da Fazenda Pública do IVA integrante do perdão de créditos dos credores da insolvência.

--- Plano de regularização: fica estabelecido que os credores procederão, junto do ESTADO – FAZENDA PÚBLICA, ao reembolso do IVA que integra a parte perdoada dos seus créditos em 42 prestações mensais, iguais e sucessivas, vencendo-se a primeira no mês de Julho de 2013, nos termos do direito que lhes assiste de procederem ao reembolso/dedução no prazo de 4 anos com início na data de apresentação ao PER, conforme o art. 78º, nº7, al. c) do CIVA.

--- O que se justifica porque, do mesmo modo que os credores podem usufruir deste seu direito, também nasce para a insolvente a obrigação de entregar uma verba de igual montante ao Estado – Fazenda Pública.

--- Ora, esta entrega ao Estado de uma só vez ou sem planeamento só contribuiria para dificultar ou mesmo impossibilitar de todo a recuperação da insolvente;

--- Outras condições:

  - Nos termos do art. 209º, nº3 do CIRE, o plano de recuperação acautela os créditos eventualmente controvertidos em processo de impugnação de forma  que venham a ter o mesmo tratamento que os da classe em que se inserem;

  - O cumprimento do plano exonera o devedor e os responsáveis legais da totalidade das dívidas da insolvência remanescentes.

                                                         *

3 - Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (exceptuando questões de oficioso conhecimento não obviado por ocorrido trânsito em julgado e não tendo lugar – como, ora, sucede – a ampliação prevista no art. 636º) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso (arts. 608º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº4, 639º, nº1 e 679º, todos do vigente CPC[2]) –, constata-se que a questão por si suscitada e que, no âmbito da revista, demanda apreciação e decisão por parte deste Tribunal de recurso consiste em saber se, tendo sido homologado o plano de revitalização relativo à recorrente, o mesmo, por violar a lei imperativa no que concerne ao crédito do “Instituto da Segurança Social, I. P.”, não podia ter sido homologado judicialmente, devendo ser considerado nulo e não produzindo quaisquer efeitos, ou se a respectiva decisão de homologação apenas padece de ineficácia quanto àquela entidade.

       Apreciando:

                                                           

                                                           *

   4 - A sobredita questão foi já objecto de meticulosa abordagem e exaustivo tratamento por parte desta 6ª Secção – à qual são distribuídos, nos termos do disposto no art. 42º, nº2 da Lei nº 52/2008, de 28.08 (L.O.F. T.J.Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), todos os processos mencionados no respectivo art. 121º –, na sequência do que foi proferido, por unanimidade, o Ac. de 18.02.14, de que foi relator o Ex. mo Cons. Fonseca Ramos e em que os, ora, relator e 1ª adjunta intervieram como adjuntos (Proc. nº 1786/12.5TBTNV.C2.S1).

       Conforme respectivo sumário, aí se entendeu que:

                                                          /

     1 – O Direito falimentar português tem sido objecto de reformas, sempre oscilando entre dois paradigmas, tendo em conta a situação da economia e das empresas – indissociável da conjuntura económica e financeira nacional e transnacional – num tempo histórico em que a globalização tornou vulneráveis as economias de muitos países, mormente daqueles cuja situação económica e financeira, por ser mais precária, foi mais atingida por uma nova realidade: um dando primazia à recuperação, outro privilegiando a liquidação de empresas em estado de insolvência iminente.

     2 – A Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, reformou aspectos do CIRE, em consequência das obrigações assumidas pelo Estado por imposição do Memorando da troika que, nos pontos 2. 17, 2.18 e 2.19 – “Enquadramento legal da reestruturação de dívidas de empresas e de particulares”, dispõe:

“2.17. A fim de melhor facilitar a recuperação efectiva de empresas viáveis, o Código de Insolvência será alterado até ao fim de Novembro de 2011, com assistência técnica do FMI, para, entre outras, introduzir uma maior rapidez nos procedimentos judiciais de aprovação de planos de reestruturação.

2.18. Princípios gerais de reestruturação voluntária extrajudicial em conformidade com boas práticas internacionais serão definidos até fim de Setembro de 2011.

2.19. As autoridades tomarão também as medidas necessárias para autorizar a administração fiscal e a segurança social a utilizar uma maior variedade de instrumentos de reestruturação baseados em critérios claramente definidos, nos casos em que outros credores também aceitem a reestruturação dos seus créditos, e para rever a lei tributária com vista à remoção de impedimentos à reestruturação voluntária de dívidas”.

     3 – Daqui decorre que o Estado, num quadro de forte constrangimento económico e financeiro, assumiu o compromisso de legislar no sentido de introduzir um quadro legal de cooperação e flexibilização dos seus créditos quando estiver em causa a aceitação de reestruturação de créditos de outros credores, ou seja, o Estado Português aceitou adoptar, legislativamente, procedimentos flexíveis quanto aos seus créditos, que, no direito português, como é consabido, se apresentam exornados de fortes garantias (v. g. privilégios creditórios), em ordem à salvaguarda das empresas, em comunhão de esforços com os credores particulares, dando primazia à recuperação.

     4 – Esse foi o caminho trilhado pela Jurisprudência dos Tribunais Superiores, antes mesmo da Reforma de 2012, ao considerar que o Estado, no contexto do processo insolvencial, poderia ver os seus créditos afectados por decisão dos credores, porquanto as prerrogativas dos seus créditos, no contexto da relação tributária, não seriam, sem mais, transponíveis para o processo universal que a insolvência é, e, por isso, não estavam os créditos da Autoridade Tributária numa posição de intangibilidade, enquanto os credores privados renunciavam aos seus direitos na tentativa de recuperar a empresa e, reflexamente, outros interesses a ela ligados, onde nem sequer é despiciendo aludir aos benefícios que o erário público colhe quando uma empresa é recuperada e não liquidada pela inviabilidade da sua recuperação.

     5 – O legislador alterou a Lei Geral Tributária blindando os créditos fiscais. O art. 30º, nº2 estatui – “O crédito tributário é indisponível, só podendo fixar-se condições para a sua redução ou extinção com respeito pelo princípio da igualdade e da legalidade tributária”, tendo o art. 125º da Lei nº 55-A/2010, de 31.12 (Lei do Orçamento para 2011), aditado um nº3 ao art. 30º, para que não restassem dúvidas: “O disposto no número anterior prevalece sobre qualquer legislação especial”.

     6 – Reafirmando com indiscutível clareza a indisponibilidade dos créditos tributários, proibindo a sua redução ou extinção e tendo em conta a amplitude do conceito de “relação tributária” e o que a constitui – cfr. art. 30º, nº1, als. a) a e) – o direito insolvencial, após a reforma de 2012, quando conjugado com aqueles preceitos da LGT, é dificilmente harmonizável.

     7 – Como é notório, quer os créditos do Estado, quer os de outras entidades, como a Segurança Social, representam, em grande número de casos, avultadas somas, daí que, a manterem-se intocados, todo o esforço de recuperação da insolvente ficará a cargo dos credores comuns ou preferenciais da insolvência, que terão de arcar com a modificabilidade e mesmo a supressão dos seus créditos e garantias, ante o Estado que, nada cedendo, se coloca numa posição de jus imperii, num processo em que, só excepcionalmente, deveria ter tratamento diferenciado.

     8 – Numa perspectiva de adequada ponderação de interesses, tendo em conta os fins que as leis falimentares visam, pode violar o princípio da proporcionalidade admitir que o processo de insolvência seja colocado em pé de igualdade com a execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, sem atender à particular condição dos demais credores do insolvente ou pré-insolvente, que contribuem para a recuperação da empresa, abdicando dos seus créditos e garantias, permanecendo o Estado alheio a esse esforço, escudado em leis que contrariam o seu Compromisso de contribuir para a recuperação das empresas, como resulta do Memorandum assinado com a troika e até das normas que, no contexto do PER, o legislador fez introduzir no CIRE.

     9 …

     10 – O plano de insolvência, assente numa ampla liberdade de estipulação pelos credores do insolvente, constitui um negócio atípico, sendo-lhe aplicável o regime jurídico da ineficácia. Por isso, o plano de recuperação da empresa que for aprovado não é oponível ao credor ou credores que não anuíram à redução ou à modificação lato sensu dos seus créditos.

                                                                   *

5 – Na senda da fundamentação constante do transcrito sumário e da que, mais desenvolvida e exaustivamente, é invocada no respectivo acórdão – para onde se remete, porquanto objecto de publicação e acessível em www.dgsi.pt –, uma e outra, aqui, inteiramente perfilhadas, deve entender-se, como entendemos, que o aprovado plano de revitalização, não obstante conter propostas que violam o disposto nos arts. 30º, nº/s 1, 2 e 3 e 36º, nº/s 2 e 3 da LGT (Lei Geral Tributária – DL nº 398/98, de 17.12., com as alterações introduzidas pelo art. 125º da já mencionada Lei nº 55-A/2010, de 31.12, que não foram beliscadas pelas Leis Gerais do Orçamento dos subsequentes anos, sendo aquela Lei subsidiariamente aplicável aos créditos da Segurança Social, nos termos preceituados pelo art. 3º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social, aprovado pela Lei nº 110/2009, de 16.09) e 190º, nº/s 1, 2 e 6 deste último Cod., não deve ser objecto de recusa de homologação judicial, antes enfermando o mesmo de mera ineficácia relativamente ao Instituto da Segurança Social, a quem o mesmo não é oponível.

       Procedendo, assim, sem complementares considerações ou desenvolvimentos, por desnecessários, as conclusões formuladas pela recorrente.

                                                         *

6 – Na decorrência do exposto, acorda-se em conceder a revista, em consequência do que se revoga o douto acórdão recorrido, decretando-se que a decisão que homologou o plano de revitalização da recorrente é ineficaz em relação ao credor “Instituto da Segurança Social, I. P.”, subsistindo, pois, no mais.

       Custas, aqui e na Relação, pelo Instituto da Segurança Social, sendo as da 1ª instância, oportunamente, imputadas, nos termos do disposto no art. 304º do CIRE.

                                                          /

                                              Lx  01 /   04  /   2014  /

Fernandes do Vale (Relator)

Ana paula Boularot

Pinto de Almeida

_____________________
[1]  Relator: Fernandes do Vale (04/14)
   Ex. mos Adjuntos
   Cons. Ana Paula Boularot
   Cons. Pinto de Almeida
[2]  Como os demais que, sem menção da respectiva origem, vierem a ser citados.