Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
345/03.8TBCBC.G1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRATO DE FACTORING
NATUREZA JURÍDICA
CESSÃO DE CRÉDITOS
NOTIFICAÇÃO
DEVEDOR
EFICÁCIA DO NEGÓCIO
CLÁUSULA CONTRATUAL
CONSENTIMENTO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / TRANSMISSÃO DE CRÉDITOS E DE DÍVIDAS / CESSÃO DE CRÉDITOS.
DIREITO BANCÁRIO - CESSÃO FINANCEIRA.
Doutrina: - António Pinto Monteiro e Carolina Cunha, “Sobre O Contrato de Cessão Financeira ou de «Factoring»”, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra 2003, 533/535.
- João Caboz Santana, O Contrato De Factoring Sua Caracterização E Relações Factor-Aderente, 1995, 30/31.
- Miguel Pestana de Vasconcelos, “O contrato De Cessão Financeira (Factoring) No Comércio Internacional”, in Estudos Em Homenagem Ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, 403.
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Nota: - Ver, ainda, doutrina para esta temática, indicada nos Acórdãos do S.T.J. de 05/06/2003 e 13/01/2005.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 577.º, 583.º.
DL N.º 171/95, DE 18-07: - ARTIGOS 2.º, N.º1, 3.º, ALÍNEA B), 8.º, N.º1.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 06/02/1997; DE 25/05/1999; DE 24/01/2002; DE 05/06/2003; DE 27/05/2004; DE 13/01/2005; DE 4/05/2010; DE 21/06/2011; DE 06/11/2012; EM WWW.STJ..PT .
Jurisprudência Estrangeira: JURISPRUDÊNCIA ESPANHOLA: - SENTENÇA DA AUDIENCIA PROVINCIAL DE MADRID, DE 10 DE JULHO DE 1996.
Sumário :
I - O factoring apresenta-se como uma operação mediante a qual o factor adquire, a título oneroso, de uma pessoa física ou jurídica, denominada aderente, instrumentos de conteúdo creditício, prestando, nalguns casos, serviços adicionais, em troca de uma retribuição, assumindo o factor o risco de cobrança dos créditos cedidos, relativamente aos devedores.

II - Os traços definidores do contrato de factoring são os seguintes: a) o contrato nasce com a aquisição, pelo factor, dentro de um prazo determinado, de créditos existentes na esfera jurídica do aderente ou de prestação de serviços; b) mediante a aquisição de créditos não cobrados, o factor assume-se como uma entidade que adianta meios financeiros ao cliente; c) com a aquisição de instrumentos creditícios em dívida e de cobrança não certa, o factor assume os riscos económicos e de actividade adstritos aos devedores dos créditos cedidos.

III - Do ponto de vista jurídico, o contrato de factoring prefigura-se com as seguintes características estruturantes: a) configura-se como um contrato bilateral, que se celebra entre o(s) aderente(s) e o factor; b) um contrato consensual, que só surge por vontade declarada das partes contratantes; c) um contrato tipificado em legislação adrede (DL n.º 171/95, de 18-07); d) um contrato nominado, pela denominação que lhes está consagrada na doutrina e na lei; e) um contrato comutativo, dado que as partes assumem, na respectiva esfera jurídica, os efeitos advenientes do acordo contratual assumido; f) um contrato que depende da autonomia da vontade contratual das partes, por poder ser moldado e recortado, nos específicos contornos, alcance, objectivos e finalidades que as partes conferem ao negócio; g) um contrato oneroso, porquanto o factor realiza uma prestação em troca duma retribuição.

IV - O objecto do contrato consiste, do ponto de vista do aderente/cliente, na intenção de obter financiamento, o que importará a cessão dos créditos que detenha sobre clientes seus, e, do ponto de vista da entidade que presta o serviço de factoring, no propósito de obter uma comissão pelo financiamento ao cliente.

V - Para o factor, do contrato advêm as seguintes obrigações: a) adquirir os créditos (ou a prestação de serviços) nas condições contratualmente acordadas; b) pagar ao aderente os créditos cedidos, de acordo com o plano de aquisição aprovado; c) outorgar a antecipação de fundos ao aderente, pela forma convencionada; d) proceder à cobrança dos créditos em cujos direitos se haja subrogado, de acordo e pela forma como o cedente havia estabelecido com o devedor.

VI - Para o aderente, resultam do contrato as seguintes obrigações, em raiz dos princípios da confiança, da correcção contratual e da informação inerente: a) informar o factor do comportamento dos devedores cedidos e contribuir para a cobrança dos créditos cedidos; b) remeter ao factor aquilo que tenham pago directamente os devedores cedidos, a fim de cumprir o compromisso de reembolso pactuado; c) ceder ao factor os documentos e instrumentos de conteúdo creditício objecto da aquisição.

VII - O devedor cedido não participa no acordo de vontades, apesar de, como decorre das regras próprias da cessão de créditos (art. 583.º do CC), o acordo só produzir efeitos em relação a ele desde que lhe seja notificado, ainda que extrajudicialmente, ou desde que aceite (de forma tácita ou expressa) a cessão de créditos operada.

VIII - A cessão de créditos está na livre disponibilidade das partes vinculadas por uma obrigação de natureza pecuniária e sem prévia dependência do consentimento do devedor, desde que entre este e o cedente não exista convenção que estipule limitação ou proibição de cessão de créditos.

IX - Provado que num contrato de empreitada se estabeleceu uma cláusula de salvaguarda de necessidade de prévio consentimento, no caso de a sociedade empreiteira pretender ceder os créditos que adviriam do cumprimento do contrato, tendo a empreiteira ficado vinculada a esta convenção, não poderia ter celebrado contrato de factoring ou de cessão de créditos sem que o devedor se tivesse pronunciado pela prévia aceitação da cessão que pretendia efectuar.
Decisão Texto Integral:

Recorrente: AA, S.A.

Recorrido: BB.

I. – RELATÓRIO

“AA, S.A.” intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra a BB, pedindo, na respectiva procedência, a sua condenação no pagamento das seguintes quantias pecuniárias: “a) € 78.396,07, referentes aos créditos financiados e não pagos pela Ré, em conformidade com o alegado na petição inicial; b) €2.221,00, referente a despesas por si suportadas, em conformidade com o alegado na petição inicial; c)juros vincendos, à taxa legal, desde a propositura da acção até efectivo e integral pagamento.”

Alega, em síntese, que no exercício da sua actividade, celebrou com a sociedade Construtora CC, Lda., em 28 de Maio de 1999, um contrato de factoring, nos termos do qual adquiriu a tal sociedade créditos sobre terceiros, nomeadamente, os créditos sobre a BB, aqui Ré, no valor global de € 156.910,51, titulados em facturas discriminadas na petição inicial. A ré notificada da celebração desse contrato, aceitou fazer os pagamentos à autora e chegou mesmo a liquidar algumas facturas. Contudo, relativamente às supra aludidas, não o fez, sendo, por isso devedora da quantia de € 156.910,51, referente aos aludidos créditos titulados pelas mesmas facturas, ainda que seja esse o montante total em divida.

A Autora pede nesta acção tão somente os valores financiados e entregues ao aderente no âmbito do contrato financiado, na quantia de € 78.396,07, acrescida do montante das despesas na celebração e manutenção do contrato, no montante de € 2.221,00 e, ainda, dos juros de mora.

Citada, a Ré contestou, alegando que o contrato de factoring invocados na petição inicial – e a cessão de créditos que o mesmo encerra – é nulo ou inválido, pois que o cedente não podia ceder à Autora os créditos sobre a Ré, por a tal estar vedado nos termos do contrato de empreitada de obras públicas celebrado e que esteve na base da constituição dos créditos em causa.

Por outro lado, tal contrato não pode produzir efeitos relativamente a si, pois que, nos termos do sobredito contrato de empreitada, a construtora não poderia ceder ou dar como garantia tal contrato de empreitada ou quaisquer dos direitos ou obrigações nele estipulados, sem prévio acordo escrito da contestante.

Sucede que não houve acordo escrito prévio ou posterior à celebração do contrato de factoring, pelo que a Construtora do CC nunca poderia ceder à Autora os créditos que detinha sobre si.

Impugnou, por falsos ou porque desconhecidos, os factos alegados na petição inicial e afirmou que jamais o seu representante legal assinou, reconheceu ou assumiu a existência de qualquer cessão de créditos, sendo que todos os pagamentos relacionados com a empreitada em causa sempre foram feitos através de cheques emitidos à ordem da construtora.

Alega que já pagou a totalidade do preço da empreitada e que, por isso, nada deve à Construtora do CC, Lda., no âmbito da empreitada em apreço.

Remata impugnando o valor reclamado relativo a despesas diversas na celebração e manutenção do contrato de factoring, tendo concluído pela improcedência da acção.

A Autora replicou, sustentando, no essencial, que a Ré, através do Chefe de Repartição, e ao abrigo do despacho de delegação do Presidente da Câmara, aceitou expressamente efectuar os pagamentos devidos pela empreitada através do factoring, tanto que chegou a efectuar o pagamento de algumas facturas à Autora.

Após despacho que admitiu a réplica apresentada pela autora e julgou inadmissível a tréplica apresentada pela ré, foi proferido despacho saneador tabelar e seleccionou-se a matéria de facto assente e controvertida, da qual reclamaram a autora e a ré, na sessão da audiência de julgamento ç cfr. consta da acta de fls. 256 e 257 - o que foi decidido através de despacho proferido na mesma sessão de julgamento, deferindo as reclamações apresentadas.

Instruídos os autos e realizada a audiência de discussão e julgamento, respondeu-se à matéria de facto nos termos que constam de fls. 382 a 387, sem reclamações.

Juntas as alegações sobre o aspecto jurídico da causa, foi a fls. 420 e ss., proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente e, consequentemente, condenar a Ré a pagar à Autora: a) a quantia de € 78.396,07; b) juros de mora sobre tal quantia, às taxas legais sucessivamente aplicáveis, desde a citação (17-09-03) e até integral pagamento; c) o montante de despesas de celebração e manutenção do contrato que venha a apurar-se em execução de sentença.

Inconformada a Ré interpôs recurso de apelação da sentença, o qual foi decidido nos termos do douto Acórdão de fls. 579 a 598, que julgou parcialmente procedente a apelação e, consequentemente, revogou a sentença proferida apenas na parte em que condenou em custas a Ré, confirmando-a quanto ao mais.

Desta decisão, a Ré interpôs recurso de revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por douto Acórdão de fls. 699 a 706, decidido anular o julgamento e ordenar a baixa dos autos à Relação de Guimarães, para ampliação da matéria de facto, nos termos dos arts. 729.º, n.º3 e 730.º do C.P.C..

Conforme consta do douto Acórdão desta Relação a fls. 714 a 716, decidiu-se, na sequência da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, anular a sentença proferida em 1.ª instância, não abrangendo a repetição do julgamento a parte da decisão não viciada, podendo, no entanto, aquele tribunal ampliar o julgamento de modo a apreciar outros pontos da matéria de facto, com o fim exclusivo de evitar contradições na nova decisão a proferir.

De novo na 1.ª instância, em obediência ao douto Acórdão supra referido, foi ampliada a base instrutória nos termos que constam a fls. 785. Realizado o julgamento, apenas quanto a esta matéria, foi a mesma decidida nos termos que constam de fls. 1004 a 1009, sem que dela tenha havido reclamação.

Por fim foi proferida sentença com a seguinte decisão:

''Termos em que se decide julgar parcialmente procedente a acção e, consequentemente: “a) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia de € 78.396,07; d) condenar a Ré a pagar à Autora a quantia que vier a ser liquidada ulteriormente, referente a despesas suportadas pela Autora com a manutenção do contrato de factoring dos autos; e) juros de mora, à taxa aplicável aos juros de natureza comercial, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.”

Inconformada com esta decisão dela recorreu a ré, de apelação, tendo, no respectivo julgamento, a Relação decidido “julgar procedente a apelação, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgando-se improcedente a acção, absolve-se a Ré dos pedidos contra si formulados.”

Da decisão absolutória prolatada pela relação, interpõe a demandante o presente recurso de revista, tendo concentrado o quadro conclusivo que a seguir queda extractado. 

I.B. – QUADRO CONCLUSIVO.

“1) A cessão de créditos no âmbito de contrato de "factoring" é acto que traduz mera prática comercial corrente.

2) No contrato de empreitada a cláusula que determina a obrigação de prévia aceitação, sob a forma de acordo escrito, da cessão dos créditos resultantes desse mesmo contrato não é elemento essencial do mesmo, pelo que pode a entidade a quem tiver sido cometida a execução do contrato, sua implementação, controlo e acompanhamento, aceitar validamente tal cessão.

3) Aceite tal entendimento e transposto o mesmo para a matéria dos autos, deverá ter-se como boa a aceitação ali levada a cabo.

4) E, consequentemente proceder a douta sentença recorrida com a consequente condenação da Recorrida no pedido formulado.

Termos em que, Excelentíssimos Senhores Conselheiros, revogando Vossas Excelências o douto acórdão recorrido e, concomitantemente, mantendo a douta sentença proferida na primeira instância com a condenação da R no pedido (…)”

Nas parcimoniosas contra-alegações que produziu, a demandada/recorrida pede a consolidação da decisão proferida pelo Tribunal da relação.

I.C. – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO.

A questão que vem a tela de juízo, prende-se com o consentimento e/ou aceitação (expressa e/ou tácita) de terceiro (demandada) relativamente a pagamentos de créditos referentes a um contrato de empreitada que a cessionária obteve da cedente, “Construtora CC, Lda.”, por força da execução de um contrato de cessão de créditos (factoring), operada entre a instituição financeira cessionária e a cedente, considerando que figurava no contrato de empreitada celebrado entre a recorrente/demandada e a adjudicatária da empreitada que esta não poderia ceder os direitos ou obrigações constantes do contrato sem prévio acordo da adjudicante.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

“1. - A Autora é uma sociedade comercial que se dedica à aquisição de créditos por meio da celebração de contratos de factoring.

2. - No dia 16 de Abril de 1999 a sociedade Construtora do CC, Lda. acordou com a BB a realização de trabalhos na estrada de ligação entre a EN 206 e a nova Ponte sobre o rio Tâmega, nos termos constantes do contrato junto a fls. 137 dos autos e cujo teor se dá aqui por reproduzido.

3. - Do referido contrato consta, entre o demais, a seguinte cláusula:

"A Segunda Outorgante não pode ceder ou dar como garantia o presente contrato ou qualquer dos direitos ou obrigações nele estipulados, sem prévio acordo escrito da Primeira Outorgante". (sublinhado nosso)

4. - Em 16 de 2000 foi enviado da BB para a Construtora do CC, Lda. o ofício constante de fls. 108 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde consta o seguinte:

"Em resposta ao ofício n.º 7514/CG, datado de 02-05-00, informa-se a V. Exas. que esta Câmara Municipal aceita fazer os pagamentos da referida empreitada através de factoring.

Com os melhores cumprimentos.

Por Delegação do Exmo. Sr. Presidente da Câmara.

(Despacho n.º 4/99, de 99-01-18)

O Chefe de Repartição,

(Assinatura)

(DD, Dr.)".

5. - No exercício da sua actividade, em 28 de Maio de 1999, a Autora e a sociedade Construtora do CC, Lda., declararam acordar nos termos expressos no documento junto a fls. 31 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.

6. - No âmbito do contrato referido em 5, a Autora adquiriu à sociedade Construtora CC os seguintes créditos, que esta detinha sobre a BB:

-     a quantia de € 42.600,83 a que alude a factura com o n.º 30, junta a fls. 46 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

-     a quantia de € 51.745,29, relativa à factura n.º 42, junta a fls. 49 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

-     a quantia de € 6.630,52, relativa à factura n.º 93, junta a fls. 52 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

-     a quantia de € 32.157,94, relativa à factura n.º 329, junta a fls. 55, cujo teor se dá aqui por reproduzido;

-     a quantia de € 23.775,93, relativa à factura n.º 367, junta a fls. 60, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

7. - A Ré procedeu mesmo ao pagamento à Autora de algumas facturas, nomeadamente, as facturas juntas com a petição inicial como documentos n.ºs 8 e 10, cujo teor se dá aqui por reproduzido.

8. - Em 19-05-2000 a Construtora do CC enviou para a Ré a carta junta a fls. 66 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, da qual consta, entre outros elementos, que todas as facturas relativas à empreitada Estrada de Ligação entre a EN e a ponte sobre o rio Tâmega e que venham a ser emitidas a partir de 19 de Maio de 2000 deverão ser liquidadas à MC Factor, S.A. até comunicação em contrário".

9. - Do montante total das facturas referidas em 6, a Autora financiou e entregou à Construtora do CC, Lda. a quantia de € 78.396,07.

10. - Os trabalhos efectuados no âmbito dos trabalhos realizados por causa do contrato a que se alude em 2 já foram pagos na totalidade pela Ré, sendo os valores referidos nos documentos n.ºs 8 e 10 juntos com a petição inicial por esta pagos à Autora e os restantes valores por si directamente pagos à sociedade Construtora do CC, Lda..

11. - Embora o anexo A das condições particulares do contrato de factoring em apreço se refiram a créditos da Autora sobre as Câmaras Municipais de Figueiró dos Vinhos, Vinhais e Cabeceiras de Basto a Autora teve com a manutenção do contrato referido em 5 despesas que ascendem a montante não concretamente apurado.

12. - Nunca a BB deu o seu acordo escrito à celebração do acordo referido em 5.

13. - Todos os pagamentos relacionados com o acordo referido em 2 foram sempre feitos através de cheques emitidos à ordem da "A Construtora do CC, Lda.".

14. - "Considerando que, através do despacho n.º 7/99, de 3 de Janeiro de 1998, deleguei no Chefe da Divisão Administrativa e Financeira competência no que se refere à assinatura de alguma correspondência;

Considerando que, devido à aposentação da titular daquele cargo, Sra. D. EE, passaram as suas funções a ser asseguradas pelo Chefe de Repartição, Dr. DD;

Considerando o disposto no n°4, do Art. 54 do Dec. Lei 100/84, de 29 de Março;

Assim e prosseguindo a política de descentralização que aquele despacho preconizava;

Determino:

Delegar no Chefe de Repartição da Divisão Administrativa e Financeira a seguinte competência, no que se refere à assinatura de correspondência:

a) - Assinar toda a correspondência relativa a receitas e despesas, nomeadamente a quitação dos recebimentos, através de remessa das correspondentes guias de receita e a remessa dos cheques para pagamento de despesas;

b) - Assinar todo o expediente relativo à transmissão e publicitação das deliberações da Câmara Municipal;

c) - Assinar todo o expediente relativo à comunicação dos despachos da Presidência ou do Vereador com poderes delegados ou subdelegados;

d) - Assinar toda a correspondência necessária à completa organização dos processos de uso e porte de arma, nomeadamente no que se relaciona com a intervenção da PSP, GNR e DGV;

e) - Assinar todo o expediente que se prenda com assuntos que já tenham tido decisão do Presidente ou Vereador delegado ou subdelegado.

Cabeceiras de Basto, 18 de Janeiro de 1999 O Presidente da Câmara (Assinatura)". (Aditado pela Relação - cfr. fls.

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Contrato de Factoring.

Ainda que não venha problematizada a tipificação do contrato ajuizado, impõe-se o recorte e caracterização dos elementos definidores e balizantes do contrato de factoring ou cessão de créditos financeira - cfr. artigo 2.º do Decreto-lei n.º 171/95, de 18 de Julho, por forma a extrair desses elementos e traços definidores, os efeitos e as consequências jurídicas que dele defluem e se radicam na esfera jurídica e patrimonial de terceiros, devedores dos créditos cedidos. Vale por dizer, quais os efeitos e consequências jurídicas que se percutirão na esfera jurídico-patrimonial de terceiro (devedor) do crédito cedido e quais os pressupostos de validade de que depende a integração/absorção dos efeitos do negócio celebrado entre o credor e o factor na esfera jurídica do terceiro/devedor.     

Etimologicamente a palavra “factoring” deriva do inglês, sendo que a sua origem deve ser procurada no latim no verbo “facere”, sendo que o “factor” é “aquele que faz”.

As origens e antecedentes da actividade de “factoring” é dada, por alguns autores, nas práticas da antiga babilónia, sendo que outros a reconduzem ao antigo “Institor” romano, na medida em que este se congraçava com o termo “factor”, ou seja, aquela pessoa que realiza uma actividade por outra, dentro de um âmbito mais ou menos mercantilista, ou a ideia de realização frente a terceiros, por uma pessoa física ou jurídica, de uma função que normalmente corresponderia a outra, em virtude de uma relação de carácter interno que os une e que é determinante que lhe seja conferida a representação para que essa actividade concreta possa ser levada a cabo. No entanto a doutrina mais abalizada, independentemente da controvérsia que possa estar gerada acerca desta problemática, ubica o contrato de factoring no século XVIII, mais precisamente nas actividades que se desenvolveram na América com os “selling agent” das empresas têxteis inglesas. (As empresas inglesas, refere o autor Max Árias Scheiber, necessitadas de conquistar novos mercados que lhes eram oferecidas pelas colónias da coroa adiantaram nos principais portos de embarque, pessoa que denominou de factores, ao quais se encarregavam da colocação dos produtos. Com o melhor conhecimento que adquiriam do mercado onde operavam, os “factor”foram concedendo créditos ás pessoas que adquiriam os bens enviados desde a Metrópole, lucrando para seu próprio beneficio com o financiamento, que eles suportavam ao outorgar o crédito para a compra).                   

No que se refere à definição propriamente dita, ainda que a doutrina não se tenha posto de acordo de maneira unânime sobre a natureza jurídica desta modalidade contratual, constata-se que é um contrato, geralmente, utilizado pelos Bancos e as empresas do sistema financeiro, na sua qualidade de factores, com a finalidade não só de cobrar uma divida por outro, mas também para garantir a operação de financiamento através do pagamento antes do vencimento dos instrumentos creditícios adquiridos pelo factor, podendo, em consequência, ser qualificado como um contrato financeiro. [[1]/[2]]

O “factoring” apresentar-se-ia, em termos de actividade bancária/financeira e/ou contratual como uma operação mediante a qual o factor adquire, a título oneroso, de uma pessoa física ou jurídica, denominada “aderente” – cfr. alínea b) do artigo 3.º do Decreto-lei nº 171/95,de 18 de Julho, (que em outras legislações assume a designação de “cliente”), instrumentos de conteúdo creditício, prestando, nalguns casos, serviços adicionais, em troca (ou mediante) uma retribuição, assumindo o factor o risco de cobrança dos créditos cedidos, relativamente aos devedores.

A doutrina reconhece o “factoring” como um contrato financeiro próprio e com autonomia funcional. Assim, para Carlos Gilberto Villegas, o “factoring” é um contrato autónomo, distinto, que deve ser distinguido de outros contratos tradicionais; não constitui uma simples cessão de créditos, pois que à cessão de documentos vão congraçados outros serviços que o factor se compromete a prestar ao cliente. Distingue-se do desconto, em razão de que o “factoring” gera uma assumpção do risco da cobrança por parte do factor, já que teve a oportunidade de avaliar e seleccionar os créditos, de letras nas quais se poderá produzir-se uma falta de pagamento, debitando-se a sua importância na conta corrente do descontante do documento.

Na opinião de Sidney Alex Bravo Melgar, em “Contratos Modernos e Factoring”, o “factoring” é um contrato sui generis, com características estruturais e funcionais próprias, que são diferentes dos outros tipos de contratos. Neste sentido, o “factoring” é um contrato financeiro, pois que através deste contrato o cliente pode obter recursos líquidos imediatos é um contrato de serviços, já que do Factoring derivam actividades complementares ao financiamento, que podem ser necessárias para racionalizar a empresa ou modernizá-la em face da realidade actual.

Se quisermos pôr em destaque os traços e recortes definidores e tipificantes do contrato de “factoring” poder-se-iam elencar os seguintes:

a) O contrato nasce com a aquisição, pelo factor, dentro de um prazo determinado “curto prazo” - n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-lei n.º 171/95, de 18 de Julho, de créditos existentes na esfera jurídica do “aderente” (“produtos”) ou de prestação de serviços (por não estarem em causa no presente caso a prestação de serviços, descartaremos, doravante, na resenha que nos propusemos efectuar, este segmento ou campo de acção em que se desdobra ou expande o contrato de factoring);

b) mediante a aquisição de créditos (“produtos”) não cobrados, o factor assume-se como uma entidade que adianta meios financeiros ao cliente, funcionando, deste modo, como financiador da actividade económica em geral;   

b) com a aquisição de instrumentos creditícios em dívida e de cobrança não certa, o factor assume os riscos económicos e de actividade adstritos a todos e cada um dos devedores dos créditos cedidos;

Do ponto de vista jurídico o contrato de factoring prefigura-se com as seguintes características estruturantes: 

a) Configura-se como um contrato bilateral, já que se celebra entre duas pessoas: por um lado o(s)  aderente(s), e do outro o factor. O devedor cedido não participa no acordo de vontades, ainda que, como decorre das regras próprias da cessão de créditos – cfr. artigo 583.º do Código Civil – deva ser notificado, ainda que extrajudicialmente, ou desde que aceite ( de forma tácita ou expressa) a cessão de créditos operada;   

b) Perfila-se como um contrato consensual, já que só surge por vontade declarada das partes contratantes;

c) Quadra-se como um contrato tipificado em legislação adrede (decreto-lei n.º 171/95, de 18 de Julho) pelo que assume as características de um contrato nominado;

d) Trata-se de um contrato nominado, pela denominação que lhes está consagrada, na doutrina e na lei;

e) Trata-se de um contrato comutativo, dado que as partes no momento em que o celebram assumem cada uma para si, e na sua esfera jurídica, os efeitos, consequências e resultados advenientes do acordo contratual querido e assumido;

f) Funda-se e balanceia-se como um contrato que depende da autonomia da vontade contratual das partes, por poder ser moldado e recortado, nos seus contornos específicos, alcance específicos e objectivos e finalidades que as partes conferem ao negócio, ou seja o respectivo conteúdo, termos e finalidades que cada uma das partes teve a liberdade e autonomia de conformar e declarar, v. g. prestação do serviço de gestão ou cobrança, riscos da cobrança, ou tão só serviço de cobrança e financiamento;

g) Trata-se de um contrato oneroso, porquanto o factor realiza uma prestação em troca duma retribuição.

Nesta ordem de ideias, o objecto do contrato está considerado como o propósito que as partes intervenientes tenham de criar, regular, modificar ou extinguir obrigações:

a) Do ponto de vista do “aderente/cliente”, o objecto consiste na intenção de obter financiamento o que importará a cessão dos créditos que detenha sobre clientes seus;

b) Do ponto de vista da entidade que presta o serviço de factoring o objecto consiste no propósito de obter uma comissão pelo financiamento ao cliente.

Tratando-se de um contrato de feição sinalagmática, em que para cada um dos contraentes resultam direitos, obrigações e deveres, advêm para o factor as seguintes obrigações:    

a) Adquirir os créditos (como se deixou dito supra descarta-se um dos campos da acção do contrato de factoring, a saber a prestação de serviços) nas condições contratualmente acordadas;

b) Pagar ao “aderente” os créditos cedidos e que estejam, naturalmente, no plano de aquisição aprovado e para o momento convencionado;

c) Outorgar a antecipação de fundos ao aderente, nos termos, momento e pela forma convencionada;

e) Proceder á cobrança dos créditos em cujos direitos se haja subrogado, de acordo e pela forma como o cedente havia estabelecido com o devedor - cfr. n.º 1 do artigo 8.º do Decreto-lei n.º 171/95, de 18 de Julho;

Do mesmo passo resultam para o “aderente/cliente” as seguintes obrigações, em raiz dos princípios da confiança, da correcção contratual e da informação inerente:

a) Informar o factor, do comportamento dos devedores cedidos e contribuir com o factor para a cobrança dos créditos cedidos.

b) Remeter ao Factor aquilo que tenham pago directamente os devedores cedidos, a fim de cumprir o compromisso de reembolso pactuado.

c) Ceder ao Factor os documentos e instrumentos de conteúdo creditício objecto da aquisição.

Recortado o contrato de factoring nos termos explanados, queda, para apreciação, a segunda questão proposta.

II.B.2. – Consentimento; Acordo/Aceitação do devedor como pressuposto de eficácia do contrato de cessão de créditos (contrato de factoring).

Preceitua o n.º 1 ao artigo 577.º do Código Civil que a cessão de créditos é permitida a um terceiro, desde que essa transferência ou detenção da titularidade do crédito “não seja interdita por determinação da lei ou convenção das partes e o crédito não esteja, pela própria natureza da prestação, ligada ao credor”. Do mesmo passo, nos termos do art. 583.º, n.º1, "a cessão só produz efeitos em relação ao devedor desde que lhe seja notificada, ainda que extrajudicialmente, ou desde que ele a aceite."

Operando a recensão da jurisprudência mais saliente deste Supremo Tribunal, escreveu-se no acórdão de 4 de Maio de 2010, relatado pelo Conselheiro Hélder Roque, que: “[por] via de regra, o factor, tal como acontece na cessão de créditos, na modalidade do factoring «pro soluto» ou factoring sem recurso, que corresponde à cessão de créditos comuns, consagrada pelo artigo 587.º, n.º 1, do CC, que aqui interessa considerar, assume o risco do incumprimento por parte do devedor cedido.

 Por seu turno, dispõe o artigo 585.º, do CC, que “o devedor pode opor ao cessionário, ainda que este os ignorasse, todos os meios de defesa que lhe seria lícito invocar contra o cedente, com ressalva dos que provenham de facto posterior ao conhecimento da cessão”.

Não sendo necessário o consentimento do devedor para se operar, validamente, a cessão do crédito, aquele não pode, em circunstância alguma, ser prejudicado pela modificação subjectiva do lado activo da relação jurídica, isto é, pela cessão de créditos verificada.

Com efeito, o crédito em que o cessionário fica investido é o mesmo que pertencia ao cedente, não se transmitindo para aquele apenas os acessórios e as garantias, mas, também, as vicissitudes da relação creditória, que o podem enfraquecer ou destruir.

Se os efeitos entre as partes, isto é, entre o cedente e o cessionário, estão dependentes do tipo de negócio que serve de base à cessão, já em relação ao devedor, que não tem de ser parte no contrato de factoring, a eficácia da cessão, que não, propriamente, a sua validade, depende de um de dois factores, ou seja, a notificação ou a aceitação, a que se reporta o artigo 583º, nº 1, do CC.

É que a notificação da cessão ao devedor ou a aceitação desta servem ainda para lhe atribuir eficácia quanto a terceiros, apresentando um alcance análogo ao que se consegue, noutros casos, com os meios de publicidade, desempenhando uma função análoga à do registo.

O devedor cedido pode, assim, impugnar, perante o adquirente do crédito, a sua existência e todas as excepções a que teria podido recorrer face ao cedente, em aplicação do princípio do «nemo plus iuris ad alium …», quer sejam factos que determinem a invalidade, como os vícios de vontade, ou a destruição retroactiva, como a resolução, do negócio jurídico donde surge o crédito, quer se trate de causas extintivas do próprio crédito, como o pagamento, podendo defender-se, por excepção, dilatória ou peremptória, em relação ao pedido que contra si o cessionário tenha deduzido, para exigir o cumprimento do crédito V, recorrendo, se for caso disso, à excepção do não cumprimento do contrato, na eventualidade de o cedente não cumprir a sua prestação, no prazo estipulado, ou à compensação.”

Do mesmo passo no Acórdão deste Supremo tribunal de Justiça de 25.05.1999, relatado pelo Conselheiro Torres Paulo, in www.stj..pt, escreveu-se: “[Na] cessão de créditos o credor transmite a terceiro, independentemente do consentimento do devedor, a totalidade ou parte do seu crédito, nos termos do art. 577 CC.

O crédito transferido fica inalterado: apenas se verifica a substituição do credor originário por um novo credor.

Cedente e cessionário têm intervenção activa e a terceira pessoa – o devedor – passiva, uma vez que se não exige o seu consentimento.

O cessionário adquire o poder de exigir a prestação, em seu nome e no seu interesse e daí reter o objecto da prestação como coisa sua, e o cedente perde esse poder.

Opera-se inter partes desde a conclusão do contrato, independentemente da sua notificação ao devedor, em aplicabilidade do princípio da eficácia imediata das convenções negociais – art. 408, nº1.

Com efeito, a fonte da cessão, o contrato, opera os seus efeitos imediatamente nos termos gerais: apenas esses efeitos não se manifestam face ao devedor de boa fé – art. 583 – Prof. M. Cordeiro, Direito das Obrigações, vol. II, Pg. 97. E sem necessidade de forma especial – art. 219.

Em relação ao devedor é necessário que a cessão lhe seja notificada, pois só a partir da notificação (denuntiatio) ele fica obrigado perante o cessionário – nº 1 art. 583.º.

É a solução do art. 1264 CC italiano, art. 1527 CC espanhol e § 407 a 409 do B.G.B. e art. 1.º, nº2 al. c) da Convenção de Otava sobre Factoring Internacional, de Maio de 1988, negociada sob a égide do UNIDROIT (Instituto para a Unificação do Direito Privado, com sede em Roma). Agora há uma mera ineficácia do negócio jurídico de cessão em face de terceiros, o devedor da situação jurídica transmitida, enquanto não se operar: notificação ou aceitação da cessão ou conhecimento dela pelo devedor – art. 583.

Se o primitivo credor ceder sucessivamente o mesmo direito a várias pessoas, nos termos do art. 584, correspondente ao art. 1265 CC italiano, prevalecerá a cessão primeiro notificada ao devedor ou aceita por este.

A notificação ou aceitação do devedor assumem aqui uma função paralela à do registo predial nos direitos reais sujeitos a registo Prof. A.Varela, Obg. Geral, vol.II, Pg. 276 em nota (3).

A notificação ou aceitação tem alcance análogo ao que se consegue, noutros casos, com os meios de publicidade.

Não prevalece, desta forma, a que primeiro tiver sido efectuada, nem a que primeiro tiver sido conhecida do devedor.

"É manifesto, no contraste entre o art. 584.º e o nº2 art. 583.º, o intuito de acautelar os interesses de terceiros, a quem o credor haja sucessivamente transmitido o crédito, contra a contingência da prova relativa ao simples conhecimento de cessão por parte do devedor" Prof. A.Varela, ob. cit. Pg. 272, nota (1).

Também o nº2 do art. 11 da Convenção de Otava determina que a notificação da cessão sucessiva ao devedor constitui igualmente notificação da cessão à sociedade de factoring, sendo o cessionário sucessivo como se fosse a sociedade factoring.”
A notificação ao devedor tem, na doutrina expressa no acórdão deste Supremo tribunal de Justiça, de 06-11-2012, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, “[como] se extrai do regime acolhido pelos arts. 583º a 585º, no seu conjunto, ao consagrar a ineficácia relativa da cessão enquanto o devedor não teve conhecimento da transferência do direito, e em que, “perante ele, aparentemente, a situação não se modificou (…), a lei protege a confiança do devedor nessa aparência, impedindo que, até ao momento em que este teve conhecimento seguro da alteração no lado activo da relação, essa modificação na titularidade do crédito lhe seja oposta” (L.M. PESTANA DE VASCONCELOS, “A Cessão de Créditos em Garantia e a Insolvência”, 405).
Dirige-se, deste modo, a tutela da lei, a impedir que a modificação da obrigação quanto ao credor venha a prejudicar os meios de defesa a que o devedor poderia ter recorrido, caso ela não se tivesse verificado, meios que só lhe ficam vedados quando assentem em factos posteriores ao conhecimento da cessão (cfr. A. e ob. cit., 408).
O desiderato legal é, pois, em qualquer caso, que o devedor, como terceiro relativamente ao contrato de cessão, não veja a sua situação alterada, no sentido do agravamento, por via da transferência do direito de crédito.
Por isso, a notificação, enquanto comunicação do facto, visa, tão só, a protecção do devedor de boa fé, que deve manter-se a coberto dos riscos de um negócio a que foi alheio, marcando, a um tempo, os termos inicial e final de utilização dos meios de defesa oponíveis pelo devedor.”

Do extractado resulta, irrefragavelmente, que a questão da notificação e/ou a aceitação (expressa ou tácita) ao devedor da cessão de créditos efectuada comporta e pretende acautelar duas situações, de aparente sinal contraditório, mas, na sua etimologia, convergentes ou conciliantes. Por um lado, o interesse do devedor em tomar conhecimento do novo credor, ou seja, daquele para quem foi transferida a obrigação de pagamento dos débitos que até estava obrigado a satisfazer para com determinado credor, permitindo-lhe manter a correcção e regularidade do pagamento que estava acordado com o cedente; por outro, para o novo credor (cessionário), uma vez efectuada a notificação, ou mesmo antes dela e da aceitação (pelo devedor) – cfr. parte final do n.º 2 do artigo 583.º do Código Civil - poderá opor ao cedente e ao devedor o pagamento ou qualquer outro negócio jurídico que haja sido efectuado entre o devedor e o cedente.

Resulta desta bipolaridade de interesses e direitos, por um lado, de um não interveniente no contrato de cessão de créditos – o devedor – em ter conhecimento e conservar o interesse em manter a obrigação de satisfação do crédito relativamente a um novo titular, por outro, do lado - o cessionário -, em saber que o devedor está disponível e não tem oposição a continuar a cumprir as obrigações a que se tinha adstrito ou vinculado para com o cedente.

Fixados os parâmetros e as balizas legais em que se deve conter e expressar a apreciação do caso que nos ocupa, importa repristinar a matéria de facto atinente, tendo, naturalmente, em linha de conta o que esteve na base da necessidade de ampliação da matéria de facto ditada por douto acórdão deste tribunal.

Inuma-se, para o efeito, o que ficou dito no acórdão recorrido quanto a esta recensão. Assim recenseou-se para o efeito no acórdão recorrido que: “[no] dia 16 de Abril de 1999, a "Construtora do CC, Lda." celebrou um contrato de empreitada com a BB, na sequência da adjudicação àquela, por concurso público, da obra da "Estrada de ligação entre a EN 206 e a Nova Ponte sobre o rio Tâmega" (facto n.º 2 supra - doc. de fls.137-139).

Foi clausulado em tal contrato que a segunda outorgante – Construtora – não poderia ceder ou dar como garantia «o presente contrato ou qualquer dos direitos ou obrigações nele estipulados, sem prévio acordo escrito da primeira outorgante -Câmara – (facto n.º 3).

Segundo o documento junto a fls. 31 e ss., datado de 28.05.1999, a autora e a "Construtora do CC" celebraram entre si um contrato de cessão financeira (factoring), pelo qual a primeira adquiriu à segunda diversos créditos – descriminados no facto n.º 6 da sentença – que esta detinha sobre a aqui ré e recorrente, relativos ao mencionado contrato de empreitada (n.º 5 dos factos supra).

Em 19.05.2000 a "Construtora do CC" comunicou à aqui ré e recorrente haver celebrado o aludido contrato de factoring, informando a Câmara que todas as facturas emitidas a partir de 19 de Maio, relativas ao referido contrato de empreitada, deveriam ser directamente liquidadas à MCFactor, S.A., na data do seu vencimento, até comunicação em contrário por parte desta (facto n.º 8 e doc. de fls.66).

Por ofício de 16 de Maio de 2000, ofício junto a fls. 108, assinado pelo Chefe de Repartição, Dr. DD, por delegação do Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal, endereçado à Construtora do CC, foi comunicado o seguinte "em resposta ao ofício n.º 7514/CG, datado de 02.05.00 informa-se a V. Exas. que esta Câmara Municipal aceita fazer os pagamentos da referida empreitada através de factoring." (facto n.º 4).

Após a ampliação da matéria de facto assente, decorrente do julgamento ocorrido para se apurar se chegou a haver acordo escrito relativamente à cessão em causa, por parte da ré, foi dado por assente que, nunca a BB deu o seu acordo escrito à celebração do acordo referido em 5. (facto n.º 12). (Ou seja, relativamente à celebração do contrato dos autos, não houve um acordo escrito da Ré directamente dirigido ao contrato de factoring celebrado)”.

A divergência patenteada entre a decisão proferida na 1.ª instância e a que se mostra sob sindicância radica na dissimilar compreensão, percepção do comportamento assumido pela Câmara de Cabeceira de Bastos, melhor seria dizer por funcionários do município, relativamente à cessionária, mormente o pagamento pela tesouraria da câmara de créditos correspondentes a facturas que lhe foram apresentadas por esta. Desta sorte, enquanto que para a 1.ª instância a aceitação da cessão se perfectibilizou e ficou plenamente assumida e validada com acarta enviada pela cedente à Câmara e respondida pelo tesoureiro confirmando a aceitação e o posterior pagamento de facturas que foram apresentadas pela cessionária, para o acórdão recorrido a questão tem de colocar-se a montante – como fazia antever a necessidade de ampliação da matéria de facto ordenada no acórdão deste Supremo – a saber se Câmara, enquanto entidade de direito público e de feição colegial, tinha deliberado aceitar a cessão de créditos, em face da cláusula inclusa no contrato de empreitada – cfr. ponto n.º 3 da matéria de facto - e/ou, sucessivamente se a delegação de poderes, ou de prática de determinados actos de gestão corrente, que havia sido operada pelo presidente do município no tesoureiro, é passível, ou suficiente, de/para vincular a entidade camarária e de satisfazer o requisito de prévia aceitação pelo município de qualquer negócio que visasse a cessão de créditos referentes ao contrato de empreitada que havia sido celebrado entre a cedente e o município.

Afigura-se-nos que a razão está do lado do acórdão recorrido.

Como resulta do preceituado no artigo 577.º do Código Civil a cessão de créditos está na livre disponibilidade das partes vinculadas por uma obrigação de natureza pecuniária e sem prévia dependência do consentimento do devedor, desde que entre este e o cedente não esteja consensuado ou convencionado que essa cessão ou cedência dos créditos que aquele (devedor) tem de cumprir perante este (cedente/credor). A convenção que estipula esta limitação ou proibição de cessão de créditos pode assumir diversas razões ou ter como causa relações contratuais específicas, particulares e próprias que os contraentes pretendam salvaguardar na relação negocial que estabeleceram. Essas relações negociais especificas e de feição particular e endonegocial que tenham estado na base da formação do contrato, porque realizadas sob a égide da livre contratação e da autonomia da vontade das partes, no caso de a relação contratual estabelecida ter uma feição consensual, deve manter-se e prevalecer durante a vigência do contrato e ser observada, pontualmente, no cumprimento concreto e genérico que as partes estão vinculadas a realizar.

No caso da cessão de créditos, a lei ao estabelecer esta limitação/proibição de cessão - por estatuição de convenção de prévio consentimento do devedor - quis certamente salvaguardar situações em que o negócio efectuado reveste uma especifica natureza, pela qualidade das partes envolvidas ou por injunções/compromissos exteriores ou externos ao contrato, como pode ocorrer no caso de um contrato celebrado pelo devedor estar dependente de financiamento e o financiador tiver feito depender a concessão do crédito de determinadas condições. Neste caso, ao financiado, que assumirá a qualidade de devedor no futuro contrato, pela vinculação a uma obrigação externa, mas que tem, naturalmente, reflexos e repercussões na sua liberdade de contratar com outrem, não restará se não incluir no contrato que venha a celebrar uma cláusula de salvaguarda, que reflicta e precipite a obrigação externa a que se comprometeu e vinculou.

Voltando ao caso, ficou provado que no contrato de empreitada se estabeleceu uma cláusula de salvaguarda de necessidade de prévio consentimento, no caso de a sociedade empreiteira pretender ceder os créditos que adviriam do cumprimento da empreitada, mormente das facturas que se viessem a vencer no decurso da realização da obra.

Tendo a empreiteira ficado vinculada a esta convenção, parece inderrogável, que não poderia ter celebrado o contrato de factoring ou de cessão de créditos e/ou de gestão contabilística sem que a edilidade, na sua composição orgânica e funcional, ou o presidente, se para tal estivesse mandatado, com mandato representativo do órgão executivo, se tivesse pronunciado pela prévia aceitação da cessão que pretendia efectuar.

A questão coloca-se, pois, em nosso aviso, nos mesmos termos em que o acórdão recorrido a colocou, ou seja, não como a percepcionou a 1.ª instância, colocando a questão como aceitação (expressa, pela carta de aceitação firmada pelo tesoureiro, em resposta á comunicação da empresa empreiteira, e/ou tácita, pelo pagamento de facturas que foram apresentadas a pagamento pela cessionária e que a tesouraria da edilidade terá pago), mas sim na convenção estabelecida e clausulada no contrato de empreitada, que impedia a sociedade/ empresa de ceder os créditos resultantes do pagamento da obra, sem prévio consentimento da outra contraente, neste caso a demandada, BB.

Não tendo existido deliberação do órgão executivo a dar o consentimento (prévio) para que a sociedade encarregada de realizar a empreitada para operar a cessão dos créditos que para ela adviriam da realização da obra, nem tendo ficado provada qualquer delegação de poderes para esse específico e concreto efeito, na pessoa do presidente do município, torna-se subsistente e procedente a argumentação expendida pelo acórdão recorrido, que, pela sua proficiência explicativa dispensa de outros argumentos que a reforcem ou coonestem.                              

Improcede, pois, o recurso.

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, acordam os juízes, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista;

- Condenar a recorrente nas custas.

                                                            Lisboa, 15 de Janeiro de 2012    

                                  


                                                 Gabriel Catarino (Relator)

                                                António Joaquim Piçarra

                                                 Sebastião Póvoas

__________________________________


[1] Na jurisprudência deste Supremo Tribunal (inter alia, e sem preocupação de exaustão), o contrato de Factoring vem sendo definido, como:

“O contrato de factoring consubstancia-se, por um lado, numa cessão de créditos e, por outro, na assunção por parte de sociedade de factoring, de três tipos de responsabilidades distintas: as dos riscos inerentes à futura cobrança dos créditos cedidos, a da eventual insolvabilidade do devedor e a da concessão de financiamento ao cedente.” - Ac. STJ de 6 de Fevereiro de 1997, in www.stj.pr (Roger Lopes)

 “O contrato de "factoring" caracteriza-se, pois, pela transferência de créditos a curto prazo do seu titular (cedente, aderente ao factor) para um factor (cessionário), créditos esses resultantes da venda de produtos ou prestação de serviços a terceiros (devedores cedidos).

Embora de natureza essencialmente comercial, assume a natureza de uma cessão de créditos, sendo-lhe, como tal, aplicável o regime jurídico contemplado nos arts. 577º e ss do C.Civil, de resto, neste domínio subsidiariamente aplicável "ex-vi" do art. 3.º do CCOM 888 – conf., neste sentido, o Ac do STJ de 1-6-00, in CJSTJ, ano VIII, Tomo II, pág 87.

O "factoring" assume – segundo Calvão da Silva, in "Direito Bancário", Almedina – Coimbra, 2001, pág 430, três funções essenciais:

- uma função de financiamento : o «factor» antecipa à empresa cedente os (ou grande parte) dos valores dos créditos, assim a financiando (art. 8º, nº 2 do DL 171/95);

- uma função administrativa : o «factor» administra e cobra os créditos adquiridos, assim facilitando aos aderentes (cedentes) a correspondente mobilização e alívio da sobrecarga administrativa para o efeito necessária; o «factor» pode fazer estudos do risco de crédito e dar apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos serviços transaccionados;
- uma função de seguro de crédito : o «factor» assume o risco dos créditos cedidos, o risco da insolvência do devedor («crédito pro soluto»).” - Ac. STJ de 05-06-2003, in www.stj.pt. (relatado pelo Conselheiro Oliveira Barros), Cfr. ainda os Acórdãos deste Tribunal de Ac. STJ de 24/1/2002, in www.stj.pt ; de 27 de Maio de 2004, (relatado pelo Conselheiro Azevedo Ramos); de 13 de janeiro de 2005, relatado pelo Conselheiro Araújo de Barros), onde se elenca em nota a doutrina nacional que deu tratamento deste tipo de contrato; de 04-05-2010 (relatado pelo Conselheiro Hélder Roque), em se escreveu: “O contrato de factoring ou de cessão financeira é um negócio jurídico que se baseia na cessão de créditos, eventualmente, futuros, e que consiste numa transferência de créditos, de natureza continuada, do seu titular – cedente ou aderente ao factor – para outrem – o cessionário ou factor –, derivados da venda de produtos ou da prestação de serviços a terceiros - devedores cedidos - passando o factor, a partir da data da transferência dos créditos e da respectiva notificação ao devedor, a ser o credor e a poder exigir o pagamento do devedor que, anteriormente, era do cedente ou aderente, nos termos das disposições combinadas dos artigos 577º e 583º, ambos do CC.”. E ainda o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 21-06-2011, relatado pelo Conselheiro Alves Velho, em que a propósito da definição deste contrato se escreveu: “O factoring ou cessão financeira vem sendo definida como “o contrato uma das partes (o facturizado) cede ou se obriga a ceder a outra (o factor) a totalidade ou parte dos seus créditos comerciais de curto prazo decorrentes de contratos já celebrados ou a celebrar com certos terceiros (clientes do cedente), para que este último os administre e cobre na data do vencimento e, eventualmente, nos termos fixados nesse negócio lhe conceda adiantamentos calculados sobre o valor nominal desses créditos e/ou também garanta o cumprimento ou solvência dos credores cedidos” (vd. L. M. PESTANA DE VASCONCELOS, “O contrato de Cessão Financeira (Factoring) no Comércio Internacional”, Homenagem ao Prof. Doutor Ribeiro de Faria, 405).
A lei não oferece um conceito do contrato, mas define a actividade de factoring como consistindo na “aquisição de créditos a curto prazo, derivados da venda ou da prestação de serviços, nos mercados interno ou externo, compreendendo-se ainda na actividade de factoring a prestação de outros serviços (art. 2º do DL. n.º 171/95, de 18/7).
O contrato engloba, assim, elementos como uma promessa de venda de créditos futuros, uma assunção de risco e a prestação de diversos serviços. Como contrato misto, dominam elementos da compra e venda e da prestação de serviços (MENEZES CORDEIRO, “Manual de Direito Bancário”, 578).”   

Na doutrina, para além da extensa lista de autores recenseados nos acórdãos supra mencionados de 05-06-2003 e 13-01-2005, veja-se para esta temática: - António Pinto Monteiro e Carolina Cunha, in “Sobre O Contrato de Cessão Financeira ou de «Factoring»”, in Boletim da Faculdade de Direito, Volume Comemorativo, Coimbra 2003, 533/535; - João Caboz Santana, “O Contrato De Factoring Sua Caracterização E Relações Factor-Aderente”, 1995, 30/31; Miguel Pestana de Vasconcelos, “O contrato De Cessão Financeira (Factoring) No Comércio Internacional”, in Estudos Em Homenagem Ao Professor Doutor Jorge Ribeiro de Faria, Coimbra Editora, 2003, 403, (que se encontram, aliás, igualmente recenseados nos arestos supra citados). 

Na jurisprudência espanhola o contrato de factoring foi definido na Sentença da Audiencia Provincial de Madrid, de 10 de Julho de 1996, como sendo: "El contrato de factoring es calificado por la doctrina científica como un contrato atípico, mixto y complejo, llamado a cubrir diversas finalidades económicas y jurídicas del empresario por una sociedad especializada, que se integran por diversas funciones, aun cuando alguna de ellas no venga especialmente pactada, y que se residencian: en la función de gestión, por la cual la entidad de factoring se encarga de todas las actividades empresariales que conlleva la función de gestionar el cobro de los créditos cedidos por el empresario, liberando a éste de la carga de medios materiales, y humanos que debería arbitrar en orden a obtener el abono de los mismos; la función de garantía, que en este supuesto la entidad de factoring asume, además, el riesgo de insolvencia del deudor cedido, adoptando una finalidad de carácter aseguratorio; y la función de financiación, que suele ser la más frecuente, en ella la sociedad de factoring anticipa al empresario el importe de los créditos transmitidos, permitiendo la obtención de una liquidez inmediata, que se configura como un anticipo de parte del nominal de cada crédito cedido, aparte de la recepción por la sociedad de factoring de un interés en la suya".

[2] Quanto á natureza essencialmente financeira do contrato de factoring escreveu-se no Acórdão deste Supremo tribunal de Justiça de 25.05.1999 (Torres Paulo), in www.stj..pt, que:

 “A função do factoring é essencialmente financeira.

Daí que, na esteira da terminologia preconizada pelo Prof. M. Cordeiro, de cessão financeira, 1994, Pg. 19 e Manual de direito bancário, 1988, Pg. 562, o art. 2.º. n. 1 daquele decreto-lei [171/95, de 18 de Julho] identifique a actividade de factoring com a cessão financeira.

A descrição dessa actividade – art. 2 nºs 1 e 2 - permite definir o contrato de factoring, como contrato pelo qual uma das partes (o cessionário financeiro, sociedade de factoring ou factor) adquire créditos a curto prazo que a outra parte (cliente, aderente ou fornecedor) tem sobre os seus clientes (devedores), derivados de venda de produtos ou de prestação de serviços, nos mercados.

Integram ainda o objecto do contrato acções de celebração entre o factor e os seus clientes, designadamente de estudo de riscos de mercado e de apoio jurídico, comercial e contabilístico à boa gestão dos créditos transaccionados - Drª M. Helena Brito, O Factoring Internacional, 1998, Pg 53.

Paralelamente, na esteira de Sebastião Pizarro e Margarida Cabieto, Contratos Financeiros 1991, Pg. 117, S.T.J., Ac. 6-2-97, CJ. STJ ano V, Tomo I, 1997, Pg. 93, decidiu que o contrato de factoring "consiste numa cessão de créditos duma das partes e na assunção por parte da sociedade factoring dos riscos inerentes à respectiva cobrança, da eventual insolvabilidade do devedor e a concessão de financiamento ao cedente".

Posição que é pacífica na doutrina estrangeira - ver por todos A. Bassi, Factoring e cessione dei credite, Milano, 1993, Pg. 67 e seg.

E, ainda na doutrina portuguesa: Dr. Pedro Romano Martinez, contratos em especial, 2 ed. 1996; Drª Teresa Anselmo Vaz, Contrato de Factoring, Revista da Banca, 1987, Pg. 53 e seg; Drª Maria João V. Tomé, Algumas notas sobre a natureza jurídica e estrutura do contrato de factoring - Direito e Justiça, 1992, Pg. 251 e seg.

Por isso, na esteira da doutrina alemã e parte da italiana, sustenta a Drª Helena Brito tratar-se de um contrato-quadro, ob. cit. Pg. 18.

Nele se compagina uma concepção dualista: regula o conjunto das relações do factor com o respectivo aderente - nº1 art 7; e transmite créditos - nº2 art. 7.

Semelhantemente o Aviso do Banco de Portugal nº 4/91, de 25 de Março.

O seu núcleo central assenta numa cessão de créditos, com função financeira.

Daí ser qualificado, como contrato socialmente típico - Dr.ª Helena Brito, ob. cit. Pg. 17.

É um contrato unitário, globalizante, organizativo, que assentando numa cessão de créditos não se identifica consequentemente com ela.