Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B3439
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUÍS FONSECA
Descritores: PROMESSA BILATERAL
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Nº do Documento: SJ200311200034392
Data do Acordão: 11/20/2003
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Sumário : I- É questão nova aquela que não foi suscitada nos articulados da acção, apenas o tendo sido, pela 1ª vez, no recurso de revista.
II- O tribunal de recurso não pode conhecer de questões novas, excepto quando está em causa matéria de conhecimento oficioso.
III- No contrato promessa de partilha de bens comuns do casal não há promessa de constituição ou transmissão de direito real porque a partilha, isto é, o negócio prometido, não tem efeito constitutivo mas apenas modificativo dos direitos preexistentes na titularidade dos promitentes.
IV- Estando convencionada uma pena para o incumprimento no contrato promessa de partilha, fica afastado o direito à execução específica por força das disposições combinadas dos nºs. 1 e 2 do art. 830º do Cód. Civil, já que não tem aplicação o disposto no nº. 3 da referida norma.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"A", B e C instauraram acção declarativa contra D, para obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do réu, pedindo que, após depositarem a quantia de 1.000.000$00 à ordem destes autos, se declare a extinção do usufruto que o réu possui no prédio inscrito sob o art. 2.693º na matriz predial urbana da freguesia de Santa Maria Maior.
Alegam para tanto que, tendo requerido o divórcio por mútuo consentimento, o réu e sua esposa E celebraram um contrato promessa de partilha dos bens comuns do casal, nos termos do qual seria adjudicado o usufruto vitalício relativo a uma fracção autónoma, à esposa.
Já depois de decretado o divórcio e antes de outorgada a escritura pública de partilha dos bens comuns do casal, faleceu a referida E, sucedendo-lhe, como herdeiros, os autores que são os proprietários de raiz do mencionado prédio.
Porém, o réu recusa-se a cumprir o contrato promessa, tendo ficado com o usufruto da fracção autónoma que arrendou após o falecimento da E.
Contestou o réu, alegando que a cláusula 5ª do referido contrato promessa afasta a possibilidade da execução específica, não se aplicando o nº. 3 do art. 830º do Cód. Civil porque o negócio prometido (partilha dos bens comuns do casal) não se enquadra na previsão do nº. 3 do art. 410º do mesmo Código.
Conclui pela improcedência da acção.
Não houve réplica.
Foi proferido saneador/sentença onde, julgando-se a acção improcedente, se absolveu o réu do pedido.
Os autores apelaram, tendo a Relação de Guimarães, por acórdão de 23 de Abril de 2003, julgado improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Os autores interpuseram recurso de revista para este Tribunal, concluindo assim, a sua alegação do recurso:
1- No dia 2 de Fevereiro de 1993 o recorrido celebrou com a esposa E o contrato de promessa de partilha dos bens comuns do casal que constitui o doc. de fls. 7 e 8 junto aos autos.
2- Através desse contrato à esposa era adjudicado o usufruto duma fracção autónoma que se achava constituído a favor de ambos os cônjuges.
3- Ao recorrido era adjudicado um veículo automóvel e a quantia de 1.000 contos que a esposa pagaria na data da escritura de partilha.
4- Com a assinatura do contrato promessa o recorrido recebeu o veículo automóvel que passou a usufruir de modo exclusivo.
5- E, simultaneamente, a esposa passou a residir sozinha na referida fracção autónoma.
6- O divórcio veio a ser decretado em 17 de Junho de 1993, tendo transitado em julgado em 1 de Julho do mesmo ano.
7- Em 9 de Janeiro de 1996 a ex-mulher do recorrido faleceu, tendo deixado como herdeiros os ora recorrentes.
8- Estes são os proprietários da raiz da fracção sobre a qual incide o usufruto a favor do recorrido.
9- Após a morte da mulher, o recorrido arrendou a fracção de que é usufrutuário, passando a receber a respectiva renda.
10- No contrato promessa de partilha consta uma cláusula penal de 1.500.000$00 para o incumprimento daquele.
11- A escritura de partilha nunca chegou a ser celebrada.
12- Os outorgantes do contrato promessa nunca quiseram atribuir qualquer eficácia à referida cláusula penal.
13- O que é suficientemente demonstrado pelo facto do recorrido, apesar do incumprimento do contrato promessa de partilha lhe ser imputável, nunca ter indemnizado os recorrentes do valor da indemnização fixada, nem mesmo após a entrada em tribunal da presente acção.
14- Como tal não pode o recorrido escudar-se nessa cláusula para impedir a execução específica do contrato quando, na realidade, não lhe reconhece qualquer eficácia.
15- O acórdão recorrido violou o disposto no art. 830º, nº. 1 do Cód. Civil, pelo que deve ser revogado.

Contra-alegou o recorrido, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

No acórdão recorrido julgaram-se provados os seguintes factos:
1- No dia 2 de Fevereiro de 1993 o réu celebrou com a sua esposa E, o contrato promessa de partilha de bens comuns do casal que constitui o documento de fls. 7 e 8 dos autos.
Nele, para além do mais, consta:
«Que achando-se os outorgantes acordados quanto à partilha dos bens comuns do casal, consignam o seguinte:
1º- À outorgante esposa é adjudicada a verba identificada sob o nº. 2 - usufruto da fracção autónoma;
2º- Ao outorgante marido é adjudicada a verba identificada sob o nº. 1 - viatura automóvel;
3º- A outorgante esposa compromete-se e obriga-se a entregar ao 2º outorgante a título de tornas, a importância de 1.000.000$00 (um milhão de escudos) que liquidará no dia da outorga da escritura pública de partilha que terá lugar num dos Cartórios Notariais de Viana do Castelo, logo que transite em julgado a sentença de divórcio.
4º- (...)
5º- A parte que culposamente violar o presente contrato indemnizará a outra com a quantia de 1.500.000$00 (um milhão e quinhentos mil escudos) a título de cláusula penal.
6º- Pelos outorgantes foi dito que aceitam o presente contrato nos precisos termos exarados, pelo que se comprometem e obrigam reciprocamente a cumpri-lo segundo as regras da boa fé.»
2- Os bens comuns do casal eram um veículo automóvel e o usufruto vitalício da fracção autónoma "B" correspondente ao r/c traseiras e 1º andar traseiras, sito no lugar da Abelheira, Barranco, freguesia de Santa Maria Maior, inscrito na matriz com o art. 2693º, propriedade dos autores.
3- A referida E faleceu no dia 9/1/96, sendo os autores os seus únicos herdeiros.

É pelas conclusões da alegação do recurso que se delimita o seu âmbito - cfr. arts. 684º, nº. 3, e 690º, nº. 1, do C.P.C..
Analisando as conclusões do recurso, verifica-se que as onze primeiras conclusões se limitam a descrever a situação de facto onde se devem enquadrar as normas jurídicas, apenas se suscitando uma questão jurídica nas 12ª, 13ª e 14ª conclusões.
Tal questão, ora suscitada pelos recorrentes - de que os outorgantes nunca quiseram atribuir qualquer eficácia à cláusula que penaliza com a quantia de 1.500.000$00 a parte que não cumpra o contrato, razão pela qual o recorrido não pode invocar tal cláusula para afastar a execução específica do contrato promessa -, é uma questão nova pois não foi suscitada nos articulados da acção, nomeadamente na réplica (articulado que não foi apresentado) onde os autores podiam ter respondido à matéria de excepção deduzida na contestação (art. 502º, nº. 1, do C.P.C.); aliás, também não o fizeram no recurso de apelação.
Tratando-se de uma questão nova, este Tribunal, como tribunal de recurso, não pode conhecer dela pois não está em causa matéria de conhecimento oficioso.
Como se refere no acórdão do S.T.J. de 21/1/93, C.J./S.T.J., ano I, tomo 1, pág. 72, «... como decorre dos arts. 676º, nº. 1, e 690º, nº. 1, do CPC, os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia ad quem, sobre questões novas.».
Neste sentido, entre outros, já que se trata de jurisprudência pacífica, os acórdãos de 25/2/93, C.J./S.T.J., ano I, tomo 1, págs. 150 e seg., e de 26/6/03, revista nº. 1.303/03 da 2ª Secção.
Tal questão que, como já se demonstrou, está vedado a este Tribunal dela conhecer, constitui o fundamento do recurso (os recorrentes até afirmam na alegação que «Existiu uma manifesta falta de consciência da declaração dos outorgantes relativamente à cláusula penal pelo que, nessa parte, a declaração não produz qualquer efeito, atento o disposto no art. 246º do C.C.»).
Afastada ela, os recorrentes não apresentam mais razões para o acórdão recorrido ser revogado.
E nesse acórdão decidiu-se acertadamente. Com efeito:
No contrato promessa de partilha dos bens comuns do casal, está clausulada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa.
Não tem aplicação o disposto no nº. 3 do art. 830º do Cód. Civil porque a partilha (o negócio prometido), como se refere no acórdão recorrido, não tem efeito constitutivo mas apenas modificativo dos direitos preexistentes na titularidade dos promitentes, não havendo promessa de constituição ou transmissão de direito real.
Assim, aplicando o disposto nos nºs. 1 e 2 do referido art. 830º, verifica-se que o direito à execução específica não existe neste caso porque há uma convenção contrária a ele que é a pena fixada pelas partes para o caso de incumprimento da promessa.

Pelo exposto, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido.
Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 20 de Novembro de 2003
Luís Fonseca
Lucas Coelho
Santos Bernardino