Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
09B0139
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LÁZARO FARIA
Descritores: ASSEMBLEIA GERAL
VOTAÇÃO
Nº do Documento: SJ200904160001397
Data do Acordão: 04/16/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
1 - Nas assembleias e para os fins a que se referem os três primeiros números do artº 175º do C. Civil, as deliberações só podem ser votadas por associados que, fisicamente, se encontrem presentes, não sendo permitido o voto por procuração.
2 – Esta presença física, exigida legalmente, é perceptível e justifica-se, porquanto, não exigindo a lei um número mínimo obrigatório de associados votantes, compensa esta não exigência, ao menos, com a obrigatoriedade da sua presença, como meio de assegurar que o voto exercido nestas condições seja livre, esclarecido e responsável.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – RELATÓRIO -

AA instaurou, em Janeiro de 2007, a presente acção declarativa, com processo comum, na forma ordinária, contra BB, pedindo que fossem declarados nulos 19 votos que o cabeça da lista B fez entrar na urna, com recurso a procurações, declarando-se a vitória da lista A, com uma vantagem de 17 votos ou, subsidiariamente, que fossem declarados nulos a deliberação da sessão eleitoral do BB., de 15/12/2006, e o respectivo acto eleitoral, ou, ainda, subsidiariamente, fossem aqueles actos anulados, nos termos do artigo 177º do Código Civil.
Alegou, em síntese, os factos atinentes à invalidade da deliberação social tomada na Assembleia-geral da demandada, de 15/12/2006.
Citado, o clube réu contestou, sustentando a validade da votação por procuração.

***

Entendendo o tribunal que o processo continha todos os elementos que permitiam conhecer, desde logo, do mérito da causa, foi proferido saneador-sentença - artigos 510º, nºs 1, b), e 3, do C. P. C. - julgando a acção procedente e, em consequência, declarados nulos e sem nenhuns efeitos os 19 votos referidos, entrados em urna com recurso a procuração, no acto eleitoral realizado no dia 15/12/2006, o que implica a vitória da lista A.
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Inconformado, o clube Réu apelou, tendo, nas alegações, concluído que:

A) A votação por procuração é legal, não estando impedida pelos artigos 180° e 175° do C. C.
B) Interpretar os artigos 180° e 175° no sentido de que estes impedem o voto por procuração, a decisão viola a Constituição da Republica Portuguesa (seu artigo 26°).

Nas contra-alegações, o apelado defendeu a manutenção do decidido.

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O Tribunal da Relação acordou em, confirmando inteiramente os fundamentos da decisão recorrida e esta, julgar a apelação improcedente.

Desta decisão interpôs recurso, de revista, o Réu, para o Supremo Tribunal de Justiça.

Alegando, concluiu:

A) A votação por procuração é legal, não estando impedida pelos artigos 180º e 175° do C. C.

B) Interpretar os artigos 180° e 175° no sentido de que estes impedem o voto por procuração, viola a C.R.P., artigo 26°.

Pede a procedência do recurso e a revogação do acórdão recorrido e, em consequência, que seja declarada a improcedência da acção.

Foram apresentadas contra-alegações, defendendo-se que:

- A votação por procuração, na situação vertente, não é admissível pela lei civil.

- Esta interpretação não é inconstitucional, tendo mesmo sido confirmada por este Tribunal.

- Os votos por procuração aceites pela mesa da Assembleia - Geral do Recorrente são nulos.

Sem prescindir,

- 2 (dois) daqueles votos por procuração estão feridos de nulidade atendo a que os instrumentos de representação que lhes deram origem estão revestidos de irregularidades.

Pede a confirmação da decisão, julgando improcedente o recurso interposto.


II - Cumpre apreciar e decidir:

Foram julgados provados os seguintes factos:
a) No dia 15 de Dezembro de 2006, teve lugar, na sede da Ré uma Assembleia-Geral eleitoral para a eleição dos seus corpos sociais, para o biénio 2006/2008;
b) Apresentaram-se a sufrágio duas listas, a Lista A e a Lista B.
c) No final daquela assembleia proclamou-se a vitória da Lista B, com uma vantagem de 2 votos em relação à Lista A.
d) Muitos dos eleitores exerceram o seu direito de voto através de procuração, passadas na sua maioria, a favor do associado CC (cabeça da Lista B);
e) As duas listas que se apresentaram a sufrágio englobavam os candidatos a todos os órgãos sociais, não sendo a votação para cada um desses órgãos (Direcção, Conselho Fiscal e Assembleia Geral) realizada separadamente;
f) Nenhuma dificuldade à utilização das procurações foi oposta pelo presidente da mesa em exercício e pelos membros da mesa que presidiram à Assembleia-geral;
g) Na noite do acto eleitoral foi decidido aceitar as 19 procurações apresentadas pelo cabeça da Lista B e, consequentemente, considerar válidos os votos que lhes corresponderam, num total de 19 votos;
h) As listas terminaram separadas por 2 votos (44 para a lista A e 46 para a lista B).


- O DIREITO -


É sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de “questões” nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso - arts. 684º, nº 3, e 690º, nº 1 e 3, e 660º nº 2, do C. P. Civil, sendo que este dispõe: “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. Não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”.

A única questão ora sob conhecimento consiste em decidir da validade ou nulidade dos votos, por procuração, em Assembleia-Geral eleitoral (para a eleição dos corpos sociais) do Réu, BB, Associação sem fins lucrativos.
E, caso se entenda a impossibilidade deste meio de votação, invoca o recorrente a inconstitucionalidade desta interpretação dos artigos 180° e 175° do C. Civil, por violação da C.R.P., seu artigo 26°.

Tendo-se entendido no tribunal de 1ª instância que - não sendo possível na situação “subjudice” o voto por procuração, dada a exigência legal da presença física dos votantes no acto eleitoral (artº 175º nº 2 do C. Civil) e afastada que foi a inconstitucionalidade de tal interpretação - os votos por procuração são nulos, foi interposto recurso para a Relação com apresentação de alegações (e conclusões). Este, considerando que “as razões de tal entendimento se mostram adequada e desenvolvidamente expostas na decisão recorrida”, para as mesmas remeteu, nos termos e para os efeitos do nº 5 do artº 713º do C. P. Civil, “sem necessidade de repeti-las”, confirmando-se o decidido.

Apresentadas, de novo, alegações, agora para este Supremo Tribunal, invoca o recorrente como fundamento que a possibilidade do exercício do direito de voto, em representação do associado não presente na Assembleia Geral, é totalmente legal, mesmo sem necessidade de expressa consagração estatutária, devendo a interpretação do artigo 180º do C. C. ter por base uma visão actualista da realidade e a defesa do princípio da possibilidade geral da representação voluntária.

Quid Júris?

Nos termos do artº175ºdo Código Civil:

1. A assembleia não pode deliberar, em primeira convocação, sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados.

2. Salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta dos associados presentes.

3. As deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes.

4. As deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva requerem o voto favorável de três quartos do número de todos os associados.

5. Os estatutos podem exigir um número de votos superior ao fixado nas regras anteriores.


Nos termos dos três primeiros números desta norma, como da sua leitura se conclui, em qualquer das situações neles previstas, é necessária a presença dos associados votantes. A assembleia não pode deliberar (nº1) sem a presença de metade, pelo menos, dos seus associados; nos termos do nº2, salvo o disposto nos números seguintes, as deliberações são tomadas por maioria absoluta dos associados presentes; e, (nº3) as deliberações sobre alterações dos estatutos exigem o voto favorável de três quartos do número dos associados presentes.


Nos termos do artº 180º do C. Civil, “salvo disposição estatutária em contrário, a qualidade de associado não é transmissível, quer por acto entre vivos, quer por sucessão; o associado não pode incumbir outrem de exercer os seus direitos pessoais”.


Se se tiver em conta o disposto na parte final desta norma - sendo certo que o direito de voto é, sem qualquer espécie de dúvida, um direito pessoal – e conjugando - se o seu teor com o disposto nos três primeiros números daquela, claramente se conclui pela razão de ser da exigência da necessidade de presença dos associados, sem a qual a votação não é válida.


E compreende-se a razão desta exigência e a diferença desta com o disposto no nº 4 do artº 175º referido.
Temos por certo que, por exemplo, no caso das deliberações a que se referem o seu nº 2, que são, por exclusão de partes, as da vida diária da Associação, necessárias ao seu normal funcionamento, não se exigindo, em segunda convocação – que é o que vulgarmente acontece - número mínimo de associados para que a deliberação seja válida, exige-se pelo menos a presença física dos associados votantes. E tal exigência é perceptível, porquanto não exigindo a lei um número mínimo obrigatório de associados votantes, compensa esta não exigência, ao menos, com a obrigatoriedadde da sua presença.


Igualmente, quanto à referida no nº 3, em que a exigência da presença dos associados é obrigatória; porém, neste caso, esta exigência fundamenta-se pela importância das matérias a discutir e a deliberar para a vida da Associação, como é a referente “às alterações dos seus estatutos”, caso em que o legislador vai até mais longe: - além da necessária presença dos associados, exige o voto favorável de três quartos destes.


E justifica-se a exigência da presença (física), porquanto só esta permite, sobre cada ponto em discussão e votação, uma tomada de posição do associado consciente, esclarecida e responsável.


Já, quanto à situação a que se refere o nº 4 dessa norma, a inexistência de exigência legal da presença (física) dos associados na assembleia justifica-se; e tem também explicação.

É inquestionável que, ainda que estivesse em causa a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva, se fosse exigível a presença física de todos os associados na assembleia, dificilmente esta alguma vez teria lugar, inviabilizando o legislador, por esse meio, a concretização desses objectivos. Acresce que, exigindo a lei também o voto favorável de três quartos de todos os associados e se, da mesma forma, fosse exigida também a presença física destes, tal normalmente implicaria a presença (física), nas assembleias, de ainda um maior número do que esses três quartos, já que não é verosímil esperar-se, na maioria das vezes, votações próximas da unanimidade, de forma a conseguir-se voto concordante de ¾ de todos os associados; por isso, se esta fosse uma exigência legal, seria o próprio legislador quem, praticamente, tornaria inviáveis os fins visados pela própria norma.

Assim, tal permite concluir que o legislador, à permissão de votações em assembleias sem a exigência de número mínimo de associados contrapôs a exigência da sua presença física. Dir-se-ia que o legislador adoptou um princípio misto: “ Não exigindo número mínimo, exigiu presença”.

No caso de votação qualificada do nº 3, dentro ainda deste princípio, pela importância das matérias em causa, foi um pouco mais longe na exigência: “ Não exigindo número mínimo, além da presença, exigiu voto favorável de ¾ dos presentes”, assim exigindo grande consenso do sentido de voto.


Quanto à situação prevista no seu nº 4, à exigência de consenso de ¾ de todos os associados (voto favorável) contrapôs o legislador a não exigência da presença (física) dos mesmos. O que, pelo atrás referido, se justifica.

Estas considerações fundamentam o entendimento de que do disposto no artº175.º do C. Civil resulta que a referência à votação por representação feita nele apenas é aplicável nas deliberações sobre dissolução ou prorrogação da associação (cfr., neste sentido, marcelo caetano, as pessoas colectivas no novo código civil português, in o direito, ano 99, pág. 108).


Daí que:

“A regra do artigo 175.º, nºs 2 e 3 do Código Civil, quando alude a associados presentes, deve ser interpretada como “presença física” e não como “presença jurídica” (através do instituto da representação)”.
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Ou seja, como no acórdão recorrido:
“Entende-se que, “nas associações sem fim lucrativo (…), a lei exige a comparência dos associados, como forma de se assegurar que as deliberações são tomadas de harmonia com vontade livre e esclarecida; uma vez que a cada associado corresponde um voto. Ao invés daquilo que sucede, fundamentalmente, com as sociedades com fim lucrativo, em que o número de votos depende da titularidade de posições sociais; e portanto, a representação tem aí o seu campo de eleição, uma vez que as estratégias económicas muitas vezes são de antemão preparadas e concertadas entre os titulares do direito de voto, a comparência pessoal nesses casos têm significado e função menos relevantes”.
Logo,
“a única maneira de conciliar o artigo 175.º e 180.º do Código Civil seria “considerar que a referência à votação por representação feita no art. 176º se entende apenas aplicável aos casos em que o art. 175º não a proíbe, isto é, nas deliberações sobre dissolução ou prorrogação. Nestes casos, a importância das resoluções a tomar e o “quorum” exigido (três quartos dos votos de todos os associados) explicariam a transigência com a votação por procuração (...)”. Assim, “ fora das hipóteses de dissolução ou de prorrogação da associação, a exigência de que as deliberações sejam tomadas por maioria” referir-se-ia “aos associados presentes, estando excluído o voto por procuração” (cfr. o Acórdão do STJ, de 18/6/1996, relatado pelo Sr. Desembargador Aragão Seia, in CJSTJ, 1996, Tomo II, 132/134, citando Marcello Caetano, in “As Pessoas Colectivas no Novo Código Civil Português”, in “O Direito”, págs. 99/108)”.
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Acresce que, como igualmente se refere, o Tribunal Constitucional decidiu recentemente (cfr. Ac. n.º 18/06 de 06/1/2006) “não julgar inconstitucional a norma obtida por interpretação conjugada dos artigos 175.º, nºs 2, 3 e 4, e 176.º do Código Civil, segundo a qual apenas é admissível o voto por procuração nas deliberações sobre a dissolução ou prorrogação da pessoa colectiva, estando o voto por procuração vedado nas deliberações enunciadas nos nºs 2 e 3 do artigo 175.º do Código Civil”.
Por isso, é de se concluir que a referência feita no n.º 2 e no n.º 3 do art.º 175º do Código Civil a associados presentes se refere a presença física dos mesmos (na Assembleia); e está em “contraposição” com o disposto no seu nº 4 (deliberações sobre dissolução ou prorrogação da associação) que, referindo-se apenas a associados (sem a menção de “presentes”) admite que a sua ausência (física) seja colmatada pela sua representação por procurador.
Assim, sendo esta interpretação que melhor se coaduna com o disposto no artº 9º, nºs 1, 2 e 3, do C. Civil, e sobre a qual já o Tribunal Constitucional se pronunciou recentemente (ac. nº 18/06, de 06/01/2006), se conclui – e assim se entende - que não há ofensa à referida norma constitucional; e que a lei, neste caso, não admite a votação por procuração.

Por isso, a decisão recorrida não merece censura, improcedendo os invocados fundamentos.

Em consequência:
Acorda-se em, confirmando o acórdão recorrido, negar revista.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 16 de Abril de 2009

Lázaro Faria (relator)
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa