Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03P2849
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: CARMONA DA MOTA
Descritores: RECURSO PENAL
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO
REJEIÇÃO DE RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
JUSTO IMPEDIMENTO
MULTA
Nº do Documento: SJ200310020028495
Data do Acordão: 10/02/2003
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Tribunal Recurso: T J ESPINHO
Processo no Tribunal Recurso: 1462/02
Data: 05/08/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Sumário : I - Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento (art. 107.2 do CPP).
II - Mas, «independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações», ou seja, «dentro dos três primeiros dias úteis seguintes subsequentes ao termo do prazo» (art. 145.5 do CPC). Só que, nesse caso a validade do acto ficará dependente do «pagamento imediato de uma multa» (idem).
III - Uma vez, porém, que o MP, atento o seu específico estatuto, a não deve, é de perguntar qual a «adaptação» que, em razão disso, será «necessário» impor ao preceito, para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do MP relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais».
IV - Nesse sentido, o Tribunal Constitucional vem exigindo - para afeiçoamento constitucional da norma - que o MP, «não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo». «Essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento de multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo MP» (TC 11JUL01, DR II 238).
Decisão Texto Integral: Acordam do Supremo Tribunal de Justiça

Recorrente: Ministério Público
Arguido/recorrido: A (1)

1. OS FACTOS

No dia 24Out02, cerca das 00:20, o arguido dirigiu-se às instalações da sociedade "G.T.A. - Comércio de Automóveis, L.da", situada na Rua do Loureiro, em Silvalde, em Espinho, visando apoderar-se de quaisquer objectos e valores que aí encontrasse e que denotassem especial interesse económico. Para tal, o arguido, com os pés, partiu dois vidros da porta principal das referidas instalações por onde entrou. Uma vez no seu interior, o arguido percorreu diversas dependências e remexeu vários locais, tendo retirado os seguintes objectos que aí se encontravam e que pertenciam àquela sociedade: um berbequim de marca "Black & Decker", no valor de 43,64 €; trinta e cinco relógios de diversas marcas, no valor total de 615,65 €; um auto rádio de marca "Challenge", no valor de 106,49 €; um auto rádio de marca "Blaupunkt", modelo "Paris", no valor de 238,92 €; dois altifalantes, no valor total de 71,98 €; uma calculadora sem marca, no valor de 5,00 €; um kit mãos livres, no valor de 51,17 €; seis cd’s da "Fiat", no valor total de 116,82 €; duas camisas fiat, no valor total de 37,90 €; um rádio de marca "Grundig", no valor de 37,90 €; um relógio de marca "Fiat", no valor de 26,08 €; um relógio "Stilo", no valor de 53,32 €; um porta moedas em pele, no valor de 5,00 €; um conjunto brocas pedra, no valor de 14,35 €; sete disketes, no valor de 4,90 €; um cheque à ordem da sociedade. O arguido foi surpreendido ainda no interior das instalações dessa sociedade por elementos de uma empresa de vigilância, tendo sido encontrados na sua posse, no interior de duas sacas plásticas, a totalidade dos objectos subtraídos, com excepção do berbequim que se encontrava dentro do respectivo estojo. Logo de seguida foi avisada a PSP de Espinho, a qual fez deslocar de imediato para esse local elementos dessa corporação. Tais objectos, no valor total de 1.429,12 € (mil quatrocentos e vinte e nove euros e doze cêntimos), foram recuperados e entregues à referida sociedade. (...) O arguido quis fazer seus, através do modo anteriormente descrito, aqueles objectos, sabendo que o fazia e que os mesmos não eram seus. O arguido agiu de forma e vontade livre, consciente e deliberada, sabendo que a sua conduta é criminalmente punível.

2. A CONDENAÇÃO

Com base nestes factos, o tribunal colectivo do 1.º Juízo de Espinho (2), em 08Mai03, condenou A, «como autor material e na forma tentada, de um crime de furto qualificado p. e p. pelo art. 204.º, n.º 2, al. e), 23.º, n.º 2, 73.º, n.º 1, al. a) e b), 75.º, 76.º, agravado pela reincidência, do Código Penal (1995), numa pena de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão»:

A única dúvida é se o arguido cometeu este crime de furto qualificado na forma consumada ou se houve apenas tentativa do seu cometimento. A consumação ocorre quando a conduta do autor tipifica todos os elementos do respectivo tipo legal, independentemente daquele ter atingido ou não os seus propósitos com a realização de tal ilícito, bastando por isso a sua mera consumação formal, em contraponto com a consumação material ou terminação, como alude H.-H. Jescheck, no seu "Tratado de Derecho Penal", Vol. II (1981), p. 705. O crime tentado, por sua vez e como resulta do art. 22.º, n.º 1 do Código Penal consiste numa realização parcial do correspondente crime, já que aí estipula-se que "Há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se", precisando-se no seu n.º 2 o que são actos de execução. Assim, na tentativa vai-se para além do acto preparatório, mas sem se chegar à consumação do respectivo crime - sobre as várias fases do iter criminis veja-se Eduardo Correia, "Direito Criminal. I - Tentativa e Frustração" (1953), que a nosso ver continua a ser de leitura obrigatório nesta matéria. A propósito do crime de furto têm surgido várias conceitualizações para se precisar ou destrinçar a consumação da tentativa, que vão desde a "teoria da contretação" (contrectatio), em que basta pegar ou tocar na coisa, passando quer pela "teoria da apreensão", onde é necessário que a coisa seja colocada sob o controle de facto e exclusivo do novo detentor, quer pela "teoria da ablação" (ablatio), em que é essencial tirar ou levar essa coisa da zona ou local do domínio do anterior detentor, até se chegar à "teoria da ilação" (illatio), segundo a qual é necessário que a coisa seja transferida ou recolhida de modo pacífico na esfera de domínio do novo detentor. A nossa doutrina tem naturalmente acompanhado estas posições, havendo de destacar aqueles que, como Sousa Brito (ob. cit., p. 60), se bastam com a apreensão, até àqueles, como Teresa Beleza (Direito Penal, II Vol. II, p. 486) vão ao ponto de exigir "uma certa paz na posse do bem furtado ou roubado", passando por outros, como Faria Costa (Comentário Conimbricense", Tomo II, p. 49), que consideram ser "imprescindível que o agente da infracção tenha adquirido um pleno e autónomo domínio sobre a coisa". A jurisprudência vem, de um modo generalizado, excluindo categoricamente aquela primeira posição, surgindo no entanto dividida entre os demais posicionamentos, o que dá para ver que a solução desta controvérsia é longe de ser pacífica. Assim e seguindo uma posição bastante generalizada desde há muito tempo e que se aproxima da mera apreensão, temos os Ac. do STJ de 1989/Jul/05 (BMJ 389/298) (3), e de 1988/Jan/13 (BMJ 373/279) (4), onde se sustentou que "Não é necessária à consumação do crime de furto que o agente tenha o objecto furtado em pleno sossego ou em estado de tranquilidade, pelo que o arguido que chegou a apropriar-se dos objectos subtraídos colocando-os dentro de um saco e que depois foi interpelado por agentes da autoridade, comete um crime de furto na forma consumada". Já no Ac. do STJ de 1982/Nov/23 (BMJ 312/316), seguiu-se uma posição mais exigente, ao decidir-se que "Não há consumação quando o objecto do furto não entra na esfera patrimonial do agente ou de terceiro, embora aquele tenha actuado com intenção de apropriação e chegue a deslocá-la do local onde se encontra", assentando que só há consumação quando o objecto subtraído chega a estar na posse do agente em pleno sossego ou em estado de tranquilidade. A meio caminho entre uma e outra destas correntes jurisprudenciais encontramos o Ac. do STJ de 1990/Nov/21 (BMJ 401/234) onde se decidiu que "o crime de furto se consuma quando o agente tira ou subtrai a coisa da posse do respectivo dono ou detentor, contra a vontade deste, e a coloca na sua própria posse, substituindo-se ao poder de facto sob o qual ela se encontrava" (5), assim como o Ac. da R. C. de 1985/Nov/06, na CJ V/48, segundo o qual "comete um crime de furto, na forma tentada, o agente que entra numa ourivesaria, se apodera de vários objectos que retira de cima e do interior do balcão e os mete num saco que levava, mas, em virtude de se ter apercebido da presença de agentes da GNR, deixou ficar o saco junto ao balcão, dirigindo-se para a saída, onde foi detido". Cremos que esta última corrente jurisprudencial é aquela que mais se aproxima da caracterização da subtracção como um acto de desapossamento e em que, consequentemente, passa a existir um novo domínio factual. Assim torna-se relevante apurar se o autor do furto passa a ter, directamente ou indirectamente, a disponibilidade da coisa, pois só com esta passa a haver consumação, como refere Muñoz Conde, na sua obra "Derecho Penal - Parte Especial" (1999), p. 360. "De acordo com esta teoria - que é a mais aceite pela jurisprudência espanhola, como escreve este autor - pode dizer-se que o não chegar a tocar na coisa ou o seu apoderamento material sem disponibilidade, por ter sido surpreendido in fraganti ou seguido de perseguição ininterrupta, constituiu tentativa; e a disponibilidade, ainda que momentânea, será consumação" - sendo nossa a tradução. Para melhor compreender este entendimento, que consideramos o mais acertado, precisou-se que se a perseguição tem lugar depois de descoberto o furto, em que o agente pode hipoteticamente dispor do que foi subtraído, existe consumação, mas se aquela inicia-se no momento em que aquele se apodera de tais bens, já haverá tentativa. Nesta conformidade e retomando o caso em apreço, afigura-se-nos e s.m.o. que não se pode dizer que quando o arguido foi surpreendido com aqueles bens no saco que transportava, já havia um novo domínio seu em relação aos mesmos, pela simples razão de que o arguido não chegou a sair das instalações onde tinha entrado para subtrair o que aí encontrasse. Naturalmente que o arguido, nessa ocasião, já detinha factualmente tais bens, mas ainda não exercia o seu domínio, sob o ponto de vista social, sobre os mesmos - nessa altura tais bens ainda se encontravam na órbita do seu legítimo dono, mais concretamente no mesmo espaço geográfico onde tinham sido deixados, sujeito à sua vigilância e disponibilidade. Houve sim antes, a nosso ver, a realização dos apontados actos de execução dessa subtracção que poderiam conduzir a esse novo empossamento, mas que não chegou a ser concretizada, pelo que houve apenas tentativa.

3. O RECURSO

Inconformado, o Ministério Público (6), em 27Mai03 (15.º dia: 23, sexta feira), recorreu ao Supremo Tribunal de Justiça, pedindo a condenação do arguido, «pela prática do crime de furto qualificado na forma consumada», na pena de 4 anos de prisão.

4. QUESTÃO PRÉVIA

4.1. Datando a publicação e o depósito da sentença recorrida de 08Mai03 (fls. 165/166), o prazo do recurso - de 15 dias (art. 411.1 do CPP) - haveria de terminar, como terminou, no dia 23Mai01 (art. 104.1). Mas o MP (v. fls. 178) só o interpôs - sem invocação de justo impedimento, sem pagamento de multa e sem qualquer declaração de igual simbolismo - no dia 27Mai03 (correspondente ao 2.º dia útil seguinte ao último do prazo).

4.2. Ora, «os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos (...), a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento» (art. 107.2 do CPP).

4.3. Acontece, porém, que o MP não só não requereu a prática do acto de recurso «fora do prazo estabelecido» como não invocou - e, muito menos, provou - justo impedimento.

4.4. É certo que, «independentemente de justo impedimento, poderia o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações», ou seja, «dentro dos três primeiros dias úteis seguintes subsequentes ao termo do prazo» (art. 145.5 do CPC).

4.5. Só que, nesse caso, a validade do acto ficaria dependente do «pagamento imediato de uma multa (...)» (art. 145.5 do CPC), mas que o Ministério Público, atento o seu específico estatuto, não deve.

4.6. É de perguntar, por isso, qual a «adaptação» que, em razão disso, será «necessário» impor ao preceito, para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do MP relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais» (TC 11Jul01, DR II 238).

4.7. Nesse sentido, o Tribunal Constitucional (7) vem exigindo - para afeiçoamento constitucional da norma (8) - que o MP, «não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo» (9):

«A justificação da isenção da multa não implicará um privilégio do Ministério Público relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais, não o dispensando, por isso, de emitir uma manifestação de vontade no sentido de requerer a prática do acto nos três dias posteriores ao termo do prazo. Essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento de multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo MP».

4.8. Mas, no caso, o MP, apesar de ter praticado o acto de interposição de recurso «fora do prazo estabelecido por lei» (se bem que no 2.º dia útil subsequente ao termo do prazo), não só não requereu essa «prática de acto fora do prazo» (10) - nem entretanto invocou ou provou «justo impedimento» - como, em alternativa (11) à multa de validação do acto tardio, não emitiu, nem no prazo nem no acto, «declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo».

4.9. Assim sendo, tudo se passou como se o mp (no pressuposto, errado, de que estava «em tempo») «A Procuradora da República, não se conformando com o acórdão, vem do mesmo interpor recurso, por estar em tempo (...)» tivesse, pura e simplesmente, interposto o seu recurso - como interpôs - no 20.º dia seguinte ao do depósito da sentença na secretaria. E, por isso, tarde (pois que «o prazo para interposição do recurso é de 15 dias» - 411.1 do CPP).

4.10. Daí que o seu recurso não devesse, a seu tempo, ter sido admitido (art. 414.2) e deva agora, por isso, ser rejeitado (art. 420.1).

5. Conclusão

Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento (art. 107.2 do CPP). Mas, «independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado no prazo, nos termos e com as mesmas consequências que em processo civil, com as necessárias adaptações», ou seja, «dentro dos três primeiros dias úteis seguintes subsequentes ao termo do prazo» (art. 145.5 do CPC). Só que, nesse caso, a validade do acto ficará dependente do «pagamento imediato de uma multa» (idem). Uma vez, porém, que o Ministério Público, atento o seu específico estatuto, a não deve, é de perguntar qual a «adaptação» que, em razão disso, será «necessário» impor ao preceito, para que «a justificação da isenção da multa não implique um privilégio do MP relativamente ao não cumprimento dos prazos processuais». Nesse sentido, o Tribunal Constitucional vem exigindo - para afeiçoamento constitucional da norma - que o MP, «não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o actos nos três dias posteriores ao termo do prazo». «Essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento de multa e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo MP» (TC 11Jul01, DR II 238).

9. DECISÃO

Tudo visto, o Supremo Tribunal de Justiça, reunido em conferência, rejeita, por tardio, o recurso, de 27Mai03, do Ministério Público.


Lisboa, 02 de Outubro de 2003
Carmona da Mota
Pereira Madeira
Simas Santos (vencido, de acordo com a declaração anexa).
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(1) Preso, em cumprimento de pena, à ordem do processo 1600/00.4PAESP do 2.º Juízo de Espinho.
(2) Juízes Correia Gomes, Isaías Pádua e Rocha Azevedo.
(3) O agente foi ainda capturado no interior do estabelecimento, com os objectos subtraídos já dentro de um saco, quando foi surpreendido pelo guarda nocturno e agentes da PSP.
(4) Os arguidos foram surpreendidos no interior de uma loja de pronto a vestir, que encontrava-se aberta ao público, após um deles ter colocado várias peças de roupa num saco, enquanto outro, que tinha distraído a empregada daquele estabelecimento, estava já a sair do mesmo.
(5) O autor foi surpreendido por agentes policiais quando procurava conduzir os suínos que pretendia subtrair para o seu veículo, o qual ainda encontrava-se nas instalações pecuárias do ofendido, aludindo-se aí que "o arguido não chegou a tirar - tais suínos - da posse ...da esfera patrimonial do ofendido, ...bastando mantê-los na situação em que se encontravam (nas instalações do ofendido) para continuarem na posse e poder de disposição deste, de que não chegaram a sair".
(6) Proc. Adj. Soares Tomé.
(7) Cfr. acórdão 355/2001 de 11Jul (DR II 13Out01).
(8) O tribunal só deve julgar inconstitucional uma norma «se ela não comportar razoavelmente um sentido compatível» com a Constituição (Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 4.ª ed., 1986, p. 164).
(9) «O Tribunal Constitucional decide não julgar inconstitucional a dimensão normativa que resulta do art. 145. 5 e 6 do CPC, segundo a qual o MP está isento da multa aí prevista, devendo contudo o tribunal a quo fazer aplicação de tal preceito, no sentido de exigir que o MP, não pagando a multa, emita uma declaração no sentido de pretender praticar o acto nos três dias posteriores ao termo do prazo».
(10) «Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecido por lei, por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que o acto respeitar, a requerimento do interessado» (art. 107.2 do CPP)
(11) Ou «equivalente simbólico».

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Voto de Vencido

(Vencido quanto à questão prévia que conduziu à rejeição do recurso interposto pelo Ministério Público, pois não acompanho a solução encontrada na sequência do Ac. n.o 355/01 de 11.10.01 do Tribunal Constitucional - DR IlS de 13.10.01.
A exigência ao Ministério Público de uma declaração de pretender praticar o acto nos 3 dias posteriores ao termo do prazo é aí justificada do seguinte modo: "essa exigência equivalerá, num plano simbólico, ao pagamento de multa (..) e será um modo suficiente e adequado de controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público. Corresponderá a uma alternativa possível a um pagamento de multas, o qual é exigido, fundamentalmente a partir da perspectiva de interesse no processo, característica de uma actuação processual, não funcional, mas exclusivamente como parte".
Tal exigência funda-se, assim, na pesquisa, no plano simbólico, de uma alternativa possível ao pagamento da multa, deixando sem explicação conceptual da necessidade de encontrar tal alternativa, designadamente num plano simbólico, cuja relevância não é, aliás, estabelecida no domínio em que se situa a problemática em causa.
Mas também não se vê como é configurada conceptualmente essa exigência. Reconhecendo-se que o Ministério Público tem o direito a praticar o acto no 3 dia posterior ao termo do prazo, fica-se sem saber qual a justificação e natureza da exigida declaração e que conduz a este resultado dificilmente compreensível: quem tem o direito de praticar um acto fá-Io e vê a sua "validade" depender de uma declaração de que vai praticar o acto, ao mesmo tempo que o pratica...
Depois, não é explicado porque razão o "modo suficiente e adequado do controlo institucional do cumprimento dos deveres relativos a prazos processuais pelo Ministério Público" não se basta pelo controle da prática do acto no terceiro dia posterior ao termo do prazo e exige uma declaração coeva, qual o papel dessa declaração naquele controle.
Noutro plano, a decisão do Tribunal Constitucional perde o essencial do seu valor de precedente, uma vez que, segundo cremos, este Tribunal exorbitou dos seus poderes de cognição.
Como se acentua no texto deste Supremo Tribunal de Justiça, o acórdão do Tribunal Constitucional ensaiou uma "interpretação conforme à Constituição", mas não respeitou os respectivos limites.
Refere Gomes Canotilho, Direito Constitucional, pág. 1226, que "a interpretação conforme a Constituição só permite a escolha entre dois ou mais sentidos possíveis da lei mas nunca uma revisão do seu conteúdo. A interpretação conforme à constituição tem, assim, os seus limites na "letra e clara vontade do legislador", devendo "respeitar a economia da lei" e não podendo traduzir-se na "reconstrução" de uma norma que não esteja devidamente explícita no texto".
Ora na questão sujeita, não só a letra dos normativos interessados não consente patentemente a interpretação seguida pelo Tribunal Constitucional, como dela se não pode extrair, portanto, uma vontade do legislador nesse sentido.

Lisboa, 2 de Outubro de 2003
Simas Santos