Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
02B331
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: EDUARDO BAPTISTA
Nº do Documento: SJ200207090003312
Data do Acordão: 07/09/2002
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 2646/01
Data: 05/10/2001
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes Conselheiros da 2ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Veio recorrer de agravo para este Supremo Tribunal, A, inconformado com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 10 de Maio de 2001, que julgou improcedente o recurso que tinha interposto da sentença de 22 de Novembro de 2000, proferida na 3ª Secção da 16ª Vara Cível de Lisboa, mantendo a recusa da sua pretensão de dar o vocábulo "JÚNIOR", como segundo nome próprio, ao seu filho do sexo masculino, logo em seguida ao vocábulo "Mário".
O Recorrente apresentou as suas alegações, em que conclui da forma seguinte:
"1ª A Lei Fundamental, não permite que os cidadãos portugueses venham a ser preteridos ou de algum modo prejudicados na escolha do nome a usar relativamente aos cidadãos não originariamente portugueses.
"2ª Esse insólito resultado é objectivamente verificado pela norma resultante da interpretação dada pela douta sentença da 1.ª Instância e confirmada pelo douto Acórdão recorrido à alínea a) do nº 2 do art. 103° do Código do Registo Civil, para o caso "sub judice". É que dela resulta que apenas e tão somente o cidadão não originariamente português (Cfr., entre outros, brasileiro ou de outros países de expressão portuguesa) poderá usar na composição do nome próprio o vocábulo em apreço nos autos - "JÚNIOR", bastando, para tanto invocar que o mesmo foi adaptado gráfica e foneticamente à língua portuguesa.
"3ª O douto Acórdão recorrido sobre tal questão apenas "considera a questão resolvida" (sic) sem que de algum modo se vislumbre a respectiva fundamentação o que não deixa de constituir violação da alínea b) do nº 1 do art. 668°, do C PC.
"4ª Quanto aos nomes próprios, constitui facto notório a existência de um extenso rol que, sendo embora adjectivos ou destes derivados, como por exemplo os nomes de Branca, Clara, Dulce, Gentil, Felicíssimo e outros de "significado amplamente conhecido" não deixam de ser nomes próprios usados e admitidos sem restrições.
"5ª A onomástica (portuguesa) como fonte de vocábulos dos nomes próprios, embora disciplinada por regras específicas, não é estática, antes pelo contrário admite transformações e enriquecimentos resultantes da própria evolução da sociedade.
"6ª As listas de nomes permitidos e não permitidos, extractos de pareceres ou extractos de decisões das instâncias superiores do Registo Civil não podem constituir referências de natureza vinculativa e/ou de observância obrigatória e o respectivo teor e conteúdo devem ser observados como simples opiniões para esclarecer escolhas dos nomes e apoiar as decisões das entidades competentes (por exemplo, o Conservador do Registo Civil).
"7ª A intervenção do Tribunal, neste contexto, representa um momento particularmente expressivo da vida do direito entendido como instrumento da vida social para a realização de necessidades, fins e valores de grande importância.
Com efeito, espera-se do Tribunal a função criadora do direito que deve ter no acto mais alto e mais nobre da sua função: a interpretação e aplicação do direito. É um erro (preconceito legalista) que exige correcção a tese que reduz a função judicial a uma dedução silogística das soluções para os casos concretos a partir das normas legais abstractas. Deste modo,
"8ª Não basta alinhar e invocar os dois pareceres/despachos referidos no Acórdão recorrido do Director Geral dos Registos e Notariado (e repare-se nunca foram sujeitos a recurso judicial nem fiscalizados pela acção da jurisprudência) e/ou invocar o elenco dos diplomas definidores das competências daquela Direcção Geral para dizer que se encontra fundamentada a decisão final.
Bem pelo contrário, importa examinar em pormenor o conteúdo, extensão e alcance dos despachos/pareceres em causa, como elementos fundamentais do apoio à recusa do vocábulo "JÚNIOR" para efeitos da constituição e composição do (segundo) nome do registando. Não o fazendo, potencialmente transfigura-se o direito à intervenção judicial (art. 286° e seg.s do Código do Registo Civil) num mero formalismo, ou numa superfluidade (excrescência) legislativa vazia de conteúdo.
"9ª Por outro lado, verifica-se, a respeito de tais despachos, referidos na decisão recorrida, que os mesmos não recolhem elementos nem contêm fundamentos lógicos que permitam excluir da invocada lista dos nomes autorizados/permitidos o vocábulo "JÚNIOR". Aliás, para não incluir nessas listas dos nomes autorizados o vocábulo "JÚNIOR", os mesmos não assentam, como adiante veremos, numa lógica consistente e organizada mas meramente aleatória, despropositada, desproporcionada e desadequada da realidade e dos objectivos quer da própria Lei (defesa da Língua Portuguesa e dignidade do registando) quer da Antroponímia ("espécie de arte de bem nomear as pessoas...") quer da Onomástica que "não se compadece com restrições a liberdade de composição dos nomes próprios".
"10ª Em rigor, salvo o devido respeito e sem prejuízo de melhor opinião, tais pareceres/despachos apenas justificam uma tendência conservadora e autocrática da dita Administração (Central) do Registo Civil, a qual deve ser corrigida de molde a poder sofrer a efectiva intervenção casuística dos Tribunais no sentido da lógica do "Estado de Direito Democrático".
"11ª Nesta linha de orientação, as "listas dos nomes admitidos e/ou não admitidos" apenas podem constituir instrumentos de trabalho e de apoio sempre sujeitos a correcção, a qualquer tempo, pela intervenção judicial e não um elemento sacralizado e hermético a que nem os Tribunais têm acesso.
"12ª No caso dos autos e para a pretendida composição do nome próprio o vocábulo, "JÚNIOR" vem associado ao vocábulo "MÁRIO" mas colocado depois deste, isto é trata-se de um segundo nome, ou nome colocado em segundo lugar na dita composição.
"13ª Este decisivo e determinante pormenor - colocação do pretendido nome em segundo lugar - não pode ser indiferente para a decisão final, e foi desprezado na análise do douto Acórdão recorrido.
"14ª O vocábulo "JÚNIOR" não constitui uma escolha aberrante, desgarrada, extravagante, associada a manifestação de exibicionismo ou de uma caricatura susceptível de agredir o bom senso ou de pôr em causa a susceptibilidade geral.
"15ª O vocábulo em causa não exprime, no contexto em apreço (ou mesmo fora dele), qualquer sentido ou significado dúbio quanto ao sexo do registando, nem assume qualquer significação indigna, aviltante ou imprópria para constituir nome próprio de uma pessoa.
"16ª O vocábulo "JÚNIOR" provém do latim, foi vertido directamente na nossa língua com aquela expressão, sem alterações, e manteve-se, aliás, sempre sem qualquer alteração etimológica, até hoje: júnior, o mais novo, o mais jovem, o mais moço.
"17ª O espírito do legislador que se alcança do sentido literal e do sentido real da norma contida na letra da alínea a) do nº 2 do art. 103° do Código do Registo Civil - não pode ter outro significado que não seja o da defesa e protecção da Cultura e da Língua Portuguesas e, no contexto do caso dos autos, não se vislumbra que qualquer desses aspectos resulte contrariado ou violado pela utilização do vocábulo "JÚNIOR".
"18ª Quer nos seus aspectos intrínsecos, quer no que respeita à articulação com os demais elementos externos a considerar, o nome "JÚNIOR" do caso " sub judice" respeita de forma integral e completa o quadro legal da composição dos nomes próprios nomeadamente o disposto na alínea a) do nº 1 do art. 103° do Código do Registo Civil, revelando preocupação de atribuir ao menor registando um nome adequado e idóneo com total respeito pela dignidade que lhe (a ele, registando) é devida.
"19ª A recusa do vocábulo "JÚNIOR" com o fundamento de que "se trata de um adjectivo, cujo significado é amplamente conhecido...." e, bem assim, quanto à aplicação do nº 3 do art. 103° do mesmo Código quando a douta sentença da 1ª Instância fundamenta tal recusa desse vocábulo apenas porque "não consta da onomástica nacional" - o que também é sustentado pelo douto Acórdão recorrido, constitui, entre outros, violação do disposto nas alíneas b) e c) do nº 1 do art. 668° do CPC e interpretação e aplicação erróneas da alínea a) do nº 2 do art. 103° do Código do Registo Civil".
A 2ª Conservatória do Registo Civil de Lisboa apresentou contra-alegações, em que sustenta o acórdão recorrido, opinando que ele não deve ser provido.
O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal de Justiça teve vista dos autos e nada veio promover.
Foram colhidos os vistos legais.
Mantendo-se a regularidade da lide, cumpre apreciar e decidir sobre o mérito do presente recurso.

2 - Vêm fixados das Instâncias os seguintes factos relevantes:

1º. O Agravante A é casado com B.
2°. No dia 10/5/97 nasceu, desse casamento, uma criança de sexo masculino
3°. Pretendeu o Recorrente registá-lo com os dois nomes próprios de Mário Júnior", seguidos dos apelidos: "....."
4°. Foi-lhe recusado o registo de "Júnior", como nome próprio do registando, nos termos do art. 103 n. 2 al. a) do C.R.C.
5°. No recurso apresentado em 1ª. instância, o Recorrente alegou que o recurso discutido violava os art.s. 13 e 26° nº 1 do C.R.C. e aplicava erradamente o preceito emanado do n. 2 al. a) do art. 103 do C.R.C.
6°. Das listas onomásticas fornecidas pela Direcção Geral dos Serviços Externos (Conservatória do registo Civil) consta, como nome próprio não admitido o de "Júnior" (fl. 16).
7°. No despacho proferido no âmbito do disposto no art. 288 n. 2 do C.R.C. e, para o fundamentar, faz-se referência a dois despachos do Director Geral dos Registos e Notariado de 3/2/78 e de 1/9/92 (fls. 14 e 15).
8°. A sentença em recurso fundamenta-se no art. 103º, nº 2 al. a) do CRC e na circunstância do vocábulo "Júnior" se tratar de um adjectivo.

3 - Seguidamente há que apreciar as questões postas pelo Recorrente e que, no essencial, são as seguintes:
Apreciar se o acórdão recorrido enferma das nulidades das al. b) e al. c) do n. 1 do art. 668 do Cód. Proc. Civil; e
Se é possível, legalmente, atribuir o vocábulo "Júnior" como segundo nome próprio a uma pessoa do sexo masculino.

3.1 - Começaremos por apreciar as "tradicionais" (1) nulidades.

3.1.1 - Arguiu o Recorrente a nulidade do art. 668, n. 1, al. b) do Cód. Proc. Civil, como vimos em 1.

Segundo esta al. b), constitui nulidade da sentença ou do despacho (art. 666, n. 3 do mesmo Código) a falta de especificação dos "fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão".
Esta norma deve ser conjugada com o disposto no art. 659, n. 2 do Cód. Proc. Civil, onde se estabelece a obrigação do juiz de fundamentar de facto e de direito as suas de-cisões judiciais, designadamente a sentença, cuja infracção se comina com a nulidade da decisão.
Segundo este n. 2, o juiz deve "discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes".
No entanto, vem sendo uniformemente entendido que apenas a absoluta falta de fundamentação constitui nulidade (2) e que, por isso, não constitui nulidade a fundamentação sumária, deficiente ou mesmo errada (3) e (4).

Ora, no douto acórdão recorrido, consideram-se comprovados os factos que se descreveram, no antecedente ponto 2.
É, assim, manifesto que o mesmo acórdão contém a indicação dos fundamentos de facto, em que se apoiou e, consequentemente, não sofre ele da nulidade da falta de fundamentação de facto.

No referente à fundamentação de direito, há que tecer ainda algumas breves considerações. Assim, há uma tese mais rigorista que sustenta que a falta de indicação da norma aplicável, sua interpretação e aplicação ao caso em apreço, envolve a nulidade da falta de fundamentação (5); Porém, a jurisprudência dos nossos tribunais de recurso tem adoptado continuadamente teses mais moderadas e, assim, vem-se decidindo que não há nulidade se a decisão, sem indicar as normas jurídicas concretas, se abona na jurisprudência do tribunal superior, unânime, vasta e sobejamente conhecida (6) a mencionar os princípios jurídicos ou doutrinais aplicados na decisão (7).
Parece-nos, assim, que "não é indispensável - que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras - em que a sentença se apoia" (8), e somente em relação à solução nela adoptada.

Ora, o douto acórdão recorrido traz a indicação de várias normas jurídicas que considera aplicáveis e aponta o sentido em que elas devem ser interpretadas e aplicadas, pelo que não sofre da nulidade da falta de fundamentação de direito.

3.2 - O Recorrente arguiu também a nulidade da al. c) do mesmo n. 1, que estabelece ser uma decisão é nula "Quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão".
Esta nulidade está relacionada, por um lado, com a obrigação imposta pelos art. 158 e art. 659, n.s 2 e 3 do Cód. Proc. Civil, de o juiz fundamentar os despachos e as sentenças e, por outro, pelo facto de a sentença dever constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da conjugação da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Isto significa, como ensinava o Prof. Dr. Alberto dos Reis (9), que "a sentença enferma de vício lógico que a compromete", isto é, "a construção da sentença é viciosa, pois os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso, mas a resultado oposto" (10).
Esta nulidade nada tem, no entanto, com "o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro da construção do silogismo judiciário", que atrás se referiram, ou com a "inidoniedade dos fundamentos para conduzir à decisão" (11); Não existe a oposição, geradora desta nulidade, se o julgador erra na subsunção, que fez, dos factos à norma jurídica aplicável ou se, porventura, ele errou na interpretação da norma ou na indagação da norma aplicável. Se o juiz tiver entendido, erradamente, que os factos apurados acarretam determinadas consequências jurídicas e consegue exprimir tal entendimento nos fundamentos invocados e destes retira a conclusão lógica, haverá um erro de julgamento e mas não há a nulidade da oposição entre os fundamentos e a decisão.
Ora, no caso sub judice, não resulta das conclusões, nem das próprias alegações em si, a existência de contradição lógica entre os fundamentos indicados na sentença e a decisão tomada, mas apenas a indicação de que com os elementos existentes na sentença, e sobretudo nos autos, se devia ter chegado a conclusões diferentes e que, consequentemente, as decisões deviam ter sido diferentes.
Mas, como já repetidamente se disse atrás, aqueles invocados erros de julgamento não são a oposição entre os fundamentos e a decisão, que levaria à anulação daquele acórdão.

3.1.3 - Desta forma, e ressalvado o devido respeito por opinião adversa, entendemos que o acórdão recorrido não enferma das nulidades arguidas.

3.2 - Chegados a esta conclusão, há que apreciar se é possível atribuir a uma criança do sexo masculino, como segundo nome próprio, o vocábulo "Júnior".

Como vimos, o vocábulo "Júnior" não foi admitido como integrador do nome próprio do menor, filho do Recorrente, tanto na Conservatória do Registo Civil como nas instâncias, essencialmente, porque se trata de um adjectivo e não faz parte da onomástica nacional.
Há que ver se este entendimento é conforme com a nossa lei.

A questão suscitada encontra-se regulada no art. 103, n. 1 e 2, al. a) do Cód. Reg. Civil, nos seguintes termos:

A indicação do nome do registando pertence ao declarante (n. 1 daquele artigo), normalmente um dos pais do registando e deverá ter, no máximo, "seis vocábulos gramaticais, simples ou compostos, dos quais só dois podem corresponder ao nome próprio e quatro a apelidos" (n. 2).
Em relação ao nome próprio dos registandos e para a hipótese ora em apreço, estabelece-se na al. a) deste n. 2, que os "nomes próprios devem ser portugueses, de entre os constantes da onomástica nacional ou adaptados, gráfica e foneticamente, à língua portuguesa, não devendo suscitar dúvidas sobre o sexo do registando".

Isto significa, se bem vemos, que os nomes próprios devem satisfazer os seguintes requisitos:
Devem ser portugueses e constantes da onomástica nacional ou adaptados, gráfica e foneticamente, à língua portuguesa; e
Devem indicar claramente o sexo do registando.

Posto isto, há que iniciar a análise do caso concreto em apreço.
Deve tomar-se em conta, para decidir a presente questão, que o vocábulo "Júnior" em apreço é usado como segundo nome próprio, associado ao vocábulo "Mário" e não como nome próprio único ou colocado em primeiro lugar.
Acolhe-se o entendimento que o vocábulo "Júnior" não faz parte a onomástica tipicamente nacional e que, normalmente, é usado como adjectivo na linguagem corrente.
Porém, não é invulgar tal termo ser também utilizado como substantivo na linguagem corrente (v.g., é frequente usar-se na linguagem corrente e na comunicação social o vocábulo como substantivo, abreviando a expressão "os atletas juniores" para, simplesmente, "os juniores"), assim como também é frequente o termo "Júnior" ser usado, embora no final do nome, para exprimir a ideia de essa pessoa ser filha de outro com o mesmo nome (v.g., ".....").
Além disso, como anota o Recorrente, "constitui facto notório a existência de um extenso rol de termos que, sendo embora adjectivos ou destes derivados, como por exemplo os nomes de Branca, Clara, Dulce, Gentil, Felicíssimo", que são admitidos e muito usados como nomes próprios, o que nos leva a concluir que, pela circunstância de o termo "Júnior" ser um adjectivo, com o significado de "o mais novo, o mais jovem, o mais moço", não é argumento decisivo para obstar ao seu uso como segundo nome próprio de uma pessoa do sexo masculino.

Ora, como vimos atrás, os nomes próprios deverão, além de serem portugueses, constar "da onomástica nacional" ou estar "adaptados, gráfica e foneticamente, à língua portuguesa".
Isto significa que para os nomes próprios portugueses se abrem duas hipóteses: Ou constam da onomástica nacional ou estão adaptados, gráfica e foneticamente, à língua portuguesa".
Ora o vocábulo "Júnior" é de origem latina, raiz da nossa língua e foi adoptado pela língua portuguesa, directamente e sem alterações de redacção ou de sentido, pelo que satisfaz aquela segunda possibilidade legal; Ou seja, satisfaz os requisitos da al. a) do n. 2 do art. 103 do Cód. Reg. Civil, já que, em segundo nome próprio e associado ao primeiro nome próprio "Mário" não deixa qualquer dúvida sobre o sexo do registando.
Poderia ainda acrescentar-se que a onomástica, como elemento importante de uma língua viva, está também em constante evolução e vai sendo recriada a todo o tempo, devendo haver uma certa margem de liberdade aos cidadãos, que lhe permita evoluir (12).
Além disso, em última anotação e como aponta o Recorrente, o vocábulo "Júnior" não é um termo aberrante, desgarrado, caricatural ou ofensivo da susceptibilidade geral do povo português, nem indigno ou aviltante para a pessoa que o use, pelo que se entende que ele, usado como segundo nome e associado ao vocábulo "Mário", pode integrar o nome próprio do filho do Recorrente.

3.3 - Pelas razões atrás explanadas, e ressalvado o merecido respeito pela douta opinião adversa, entende-se que é legalmente admissível que, como segundo nome e em conjugação com o vocábulo "Mário", o vocábulo "Júnior" integre o nome próprio do filho do Recorrente e, por conseguinte, que se deve conceder provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão em análise.

4 - Pelo exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que o vocábulo "Júnior" figure, como segundo nome, na composição do nome do filho do Recorrente.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 9 de Julho de 2002.
Eduardo Baptista,
Moitinho de Almeida,
Joaquim de Matos.
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(1) Todos os anos neste Supremo Tribunal são arguidas várias centenas de nulidades e nos Tribunais das Relações também alguns milhares; Tais arguições são, em percentagens muito altas (provavelmente superiores a 95%), julgadas improcedentes, de harmonia com as correntes jurisprudenciais uniformemente seguidas há dezenas de anos sobre estas questões.
(2) Cfr., entre muitos, os Ac.s do STJ de 3.7.73, in "BMJ" n. 229º, pág. 155, de 15.3.74, in "BMJ" n. 235º, pág. 152, de 14.5.74, in "BMJ" n. 237º, pág. 132, de 13.10.82, in "BMJ" n. 320º, pág. 361.
(3) Cfr., entre muitos, os Ac.s do STJ de 28.2.69, in "BMJ" n. 184º, pág. 253, de 8.4.75, in "BMJ" n. 246º, pág. 131, de 5.1.84, in "Rev. Leg. Jur.", ano 121º, pág. 305, de 5.6.85, in "Ac.s Doutr.", n. 289º, pág. 94.
(4) No caso de fundamentação errada estar-se-ia perante um erro de julgamento e não de uma nulidade.
(5) Cfr., o Prof. Dr. Calvão da Silva, in "Col. Jur.", ano XX, tomo 1º, pág. 7.
(6) Cfr., o Ac. deste STJ de 23.3.90, in "Act. Jud.", n.º 7º/90, pág. 20.
(7) Cfr., os Ac.s do TR de Évora de 3.4.86, in "BTE" n.s 10-11-12/88, pág. 1606 e de 22.10.87, in "BMJ" n. 370º, pág. 638.
(8) Prof. Dr. Antunes Varela e outros in "Manual ..." cit., pág. 688.
(9) in "Cód. Proc. Civil Anotado", vol. V, pág. 141.
(10) Cfr., o Prof. Dr. Antunes Varela e os Drs. M. Bezerra e Sampaio e Nora, in "Manual de Processo Civil", pág. 689/690.
(11) Cfr., entre outros, o Ac. do STJ de 28.2.69, in "BMJ", n. 184º, pág. 253.
(12) Nesta linha de entendimento integra-se o Ac. deste Supremo Tribunal de 15.5.98 (Agr. n. 290/98/2ª Secção), que admitiu como único nome próprio o vocábulo "Elser".