Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B4456
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: DUARTE SOARES
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TÍTULO CONSTITUTIVO
ALTERAÇÃO
ESCRITURA PÚBLICA
CONDOMÍNIO
DESPESAS DE CONDOMÍNIO
ACORDO
Nº do Documento: SJ200403090044562
Data do Acordão: 03/09/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 1840/03
Data: 06/03/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : O acordo unânime quanto ao modo de funcionamento de determinado condomínio, a definição de permilagens e a percentagem com que participarão nas despesas comuns, podendo embora vincular as pessoas ou entidades concretas que o subscreveram, só poderá considerar-se como alteração do regime de propriedade horizontal - vinculando condóminos ou administração presentes e futuras, se for, celebrado por escritura pública.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Administração do Condomínio do Bloco ... do Prédio sito na Av. Gomes Pereira, .... em Lisboa instaurou acção ordinária contra Administração do Condomínio do Bloco ... do Prédio sito na Av. Gomes Pereira, nº .... em Lisboa e Administração do Centro Comercial .... sito na Av. Gomes Pereira nº ....em Lisboa pedindo a condenação das RR, precisando que o sejam as administrações presentes e futuras, "ao respeito e cumprimento das deliberações unânimes obtidas que, conjuntamente com o pacto com título constitutivo, regulem as relações entre os condóminos.
Alega que em 1987, após a constituição da propriedade horizontal relativa ao prédio em que se integram os blocos, foi a respectiva escritura alterada, do que resultou a atribuição a cada bloco de um cartão de identificação de pessoa colectiva, a fixação dos valores de 25,4%, 56,9% e 17,7% para as áreas de estacionamento, de respectivamente, bloco 1, bloco 2 e Centro Comercial; a obrigação de suportar e comparticipar nas despesas de administração das caves do edifício, quanto a electricidade, de acordo com essas percentagens; obrigação pelas administrações dos blocos 2 e 1 de efectuarem a administração das caves e áreas ajardinadas, respectivamente, no primeiro e segundo semestres de cada ano; obrigação, pelas administrações do bloco 1, bloco 2 e Centro Comercial, de suportar, nas proporções, respectivamente, de 20%, 40% e 40%, as despesas com a remuneração do jardineiro e aquisição de flores, adubo e estrume; afectação de uma das salas sita no último piso do bloco 2 para instalação das administrações de ambos os blocos, com aquisição de mobiliário com repartição das despesas "após a extrapolação das permilagens dos blocos, e obrigação de "o bloco 1 pagar ao bloco 2 uma comparticipação a determinar no que se refere às despesas a ter com o acesso às salas de condomínio.
Contestaram as RR excepcionando a ilegitimidade a falta de personalidade judiciária de A e RR, uma vez que esta "assiste" apenas ao condomínio que foi constituído em propriedade horizontal.
Alegam ainda que a propriedade não foi alterada pela totalidade dos condóminos e, ainda que o fosse, a alteração só poderia ocorrer por escritura pública. Acresce que não existe qualquer contrato promessa para concretizar a execução específica em caso de incumprimento,
A Mma. Juiz, logo no saneador, conheceu do mérito julgando improcedente a acção.
Conhecendo da apelação interposta pela A, a Relação de Lisboa julgou-a improcedente.
Pede agora revista a R Administração do Condomínio Bloco ... que, nas alegações:
1 - A administração separada dos blocos .. e ..., prevista no título constitutivo da propriedade horizontal, foi aprovada por unanimidade em "assembleia magna" devendo ser reconhecida judicialmente.
2 - Se o título constitutivo nulo pode ser alterado por decisão judicial, também o que não estiver ferido de nulidade o pode ser desde que os condóminos não estejam todos de acordo na outorga da escritura, após deliberação unânime da alteração da propriedade horizontal aprovada em assembleia geral.
3 - O regulamento da propriedade horizontal admite a sua alteração por votação em assembleia geral e esta realizou-se tendo sido aprovada a alteração quanto à definição da percentagem das despesas na cave e no jardim.
4 - Não tendo sido posta em causa a validade das deliberações durante treze anos, deverá ser reconhecida como produzindo efeitos "intra vires".
5 - A forma de administração da cave não está definida na escritura de constituição da p. h e, porque é acto de administração, pode ser definido em assembleia geral sem necessidade de escritura pública.
6 - A nulidade das "assembleias magnas" não foi arguida judicialmente e daí que devam produzir plenamente os seus efeitos as decisões constantes das actas.
Não houve resposta.
Colhidos os vistos. Cumpre decidir.
É uma acção em que a A (a administração de uma parte de um prédio constituído em propriedade horizontal) pede a condenação das RR (as administrações, presentes e futuras, da outra parte do mesmo prédio e de um centro comercial lá instalado) ao respeito e cumprimento das deliberações unânimes obtidas que, conjuntamente com o pacto com o título constitutivo, regulem as relações entre os condóminos ...."
É desde logo um insólito pedido equivalendo a pedir-se que alguém cumpra os contratos que firmou ou as normas que regem determinada situação da vida real.
Ora, os tribunais não servem para, em termos gerais, determinar que certas pessoas cumpram as leis ou os compromissos ou acordos que particularmente assumiram para com terceiros.
Os tribunais aplicam a lei derimindo conflitos concretos entre pessoas singulares ou colectivas, pois a comando genérico para que se cumpram acordos ou as normas jurídicas dimana directamente da lei sem necessidade que os tribunais a cada passo reafirmem esse dever.
Porém. as instâncias, acertadamente, interpretaram a petição, e assim a aceitaram, com o sentido de uma pretensão para que o tribunal se pronunciasse sobre e declarasse a validade de determinadas deliberações tomadas no âmbito da administração do prédio em propriedade horizontal sito na Av. Gomes Pereira, nº ... em Lisboa.
Trata-se, como decorre da matéria de facto para cujo elenco nos remete-mos, de um prédio constituído por dois blocos e no qual está instalado e funciona um centro comercial.
A acreditar na versão da A, que as RR não aceitam, em 1987, os representantes de todos os condóminos deliberaram alterar o pacto constitutivo por
forma a que cada um dos blocos teria o seu próprio cartão de identificação de pessoa colectiva, alterar a permilagem dos parques de estacionamento passando a ser de 25;4%, 56,9% e 17,7%, respectivamente para os blocos ... e ... e centro comercial sendo nas mesmas percentagens a responsabilidade das despesas de electricidade; a administração das caves, englobando a área a jardinada, seria feita pelas administrações dos blocos 2 e 1, respectivamente nos primeiro e segundo semestres; as despesas com a remuneração do jardineiro e aquisição de flores, plantas, adubos e estrume, não seriam suportadas em termos de permilagem mas nas proporções de 20%, 40% e 40%, respectivamente para os blocos 1 e 2 e centro comercial; reserva de uma das salas do condomínio no último piso do bloco 2 para aí se instalarem as administrações de ambos os blocos... .
A primeira instância, logo no saneador, após ter conhecido a questão prévia suscitada pelas requeridas que excepcionaram a falta de personalidade judiciária de A e RR, baseando-se na forma como a A estruturou a acção, e considerando, com acerto, que a procedência da excepção implicaria um prejuízo sobre a validade do invocado acordo, implicando a imediata decisão da sua nulidade em momento processual impróprio, aceitou, embora apenas formalmente, que as partes têm personalidade judiciária.
Depois, partindo do pressuposto de que o acordo invocado foi celebrado, logo concluiu que ele, confrontado com a escritura de constituição da propriedade horizontal, implicava a alteração da declaração de vontade unilateral e individual que a instituíra, por implicar a alteração de elementos fundamentais do respectivo regime.
Com efeito a divisão do condomínio em três entidades e a alteração das permilagens implica, necessariamente, uma alteração de pontos fundamentais do estatuto que rege o prédio em causa e, por isso, porque não foi observado o formalismo legalmente imposto - a sujeição a escritura pública - viola a norma do art. 1419º do CC o que, por força do art. 220º do CC, determina a sua nulidade.
O acórdão recorrido confirma inteiramente a sentença em termos que aqui não merecem quaisquer reparos.
Nas alegações, sustentam as recorrentes que, não obstante a norma que impõe a unanimidade e a escritura pública para a alteração do título constitutivo da propriedade horizontal, nada obstará que aquele invocado acordo possa vigorar intra vires no âmbito restrito de quem o subscreveu.
Dando de barato que nessa medida nada impediria a força obrigatória do acordo, o certo é que o que se pretende com esta acção é a consagração de uma verdadeira alteração do regime da propriedade horizontal, uma vez que o pedido formulado é, sem margem para dúvidas, que se declare que tais alterações deverão ser observadas, e portanto vincularão, as administrações presentes e futura.
Ou seja, que estabeleça um novo regime da propriedade horizontal.
Ora com já se referiu isso apenas será possível, para além do acordo unânime, a celebração de uma nova escritura pública.
De tudo decorre s improcedência, no essencial das conclusões do recurso.
Nestes termos, negam a revista com custas pela A.

Lisboa, 9 de Março de 2004
Duarte Soares
Ferreira Girão
Luís Fonseca