Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04S2955
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
COMPENSAÇÃO
REMUNERAÇÃO PRINCIPAL
CÁLCULO DA PENSÃO
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200412140029554
Data do Acordão: 12/14/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 10064/03
Data: 03/31/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O trabalhador despedido no âmbito de um processo de despedimento colectivo tem direito a uma compensação correspondente a um mês da sua remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, mas nunca inferior a três meses.

2. A remuneração de base apenas compreende uma das prestações que integram a retribuição em geral, com exclusão de todas as outras, ainda que sejam fixas, regulares e periódicas.

3. Segundo a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores (e que o actual Código do Trabalho adoptou - art. 250.º, n.º 2, al. a) -), a remuneração de base corresponde à parte certa da retribuição que é definida em função da categoria profissional do trabalhador e do tempo de trabalho que ele se obrigou a prestar, que é a que consta das tabelas salariais dos instrumentos de regulamentação colectiva e que vulgarmente é designada por vencimento, ordenado ou salário.

4. Deste modo, o montante médio mensal das "comissões de vendas" auferidas pelo trabalhador, no último ano, não entram no cálculo da compensação referida em 1.

5. O disposto no n.º 3 do art. 13.º da LCCT não viola o disposto no art. 13.º (princípio da igualdade) nem o disposto no art. 59.º, n.º 1, al. a) (direito à retribuição) da Constituição.
Decisão Texto Integral: Acordam na secção social do Supremo Tribunal de Justiça:


1. "A" propôs no tribunal do trabalho de Lisboa a presente acção contra B - Produtos Alimentares, S.A., pedindo que a ré fosse condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo de ele vir a optar pela indemnização de antiguidade e a pagar-lhe diversos créditos, nomeadamente, as retribuições que teria auferido até à data da sentença.

Fundamentando o pedido, alegou, em resumo, que foi ilicitamente despedido no âmbito de um processo de despedimento colectivo.

A ré contestou, sustentando a licitude do despedimento.

Na primeira instância, decidiu-se que o autor tinha sido ilicitamente despedido, com o fundamento de que o montante da compensação posta pela ré à sua disposição era inferior à que lhe era devida e, em consequência disso, a ré foi condenada, além do mais que ao caso não interessa, a reintegrá-lo no seu posto de trabalho e a pagar-lhe o valor das retribuições que deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data de propositura da acção até à data da sentença, deduzido das retribuições que por ele foram auferidas, a partir de 1 de Outubro de 2001, como trabalhador da "M", S.A..

A ré recorreu daquela decisão e o Tribunal da Relação de Lisboa, dando provimento ao recurso, revogou a sentença naquela parte.

Discordando do teor do acórdão do Tribunal da Relação, o autor interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

A) O douto acórdão recorrido ao revogar a decisão da 1.ª instância violou a lei substantiva, na medida em que a Ré, ora recorrida, não pôs à disposição do trabalhador/recorrente a compensação prevista na al. d) do n.º 1 do art.º 24.º da LCCT, como impunha o preceituado o art.º 23.º do citado diploma legal.

B) Assim, o valor colocado à disposição do ora recorrente - vendedor/gestor de área - não contemplava os montantes correspondentes às comissões que constituíam parte integrante da sua remuneração de base, pois, no ramo das vendas, regem convenções colectivas de direito do trabalho que determinam que as comissões integram a remuneração base. Saliente-se, aliás, que existem muitos casos de vendedores que não têm sequer aquilo que o douto Acórdão recorrido, denomina por "remuneração base", ou seja, não tem um "tostão" "garantido" ao fim do mês, sendo a sua remuneração base constituída unicamente em função das comissões das vendas, pelo que a decisão rígida adoptada pelo Venerando Tribunal da Relação de Lisboa deve ser revogada, pois julgou as disposições legais supra referidas de forma demasiado estrita e restritiva.

C) Por outro lado, no caso dos autos, os montantes constantes como "comissões" no recibo de vencimento do recorrente, tinham tal denominação, porque a recorrida o exigira para "fins fiscais", no entanto, estas eram remuneração-base, tanto que o seu valor mensal era praticamente constante e de montante igual ao da prestação fixa.

D) Ora, no caso sub judice, resulta de legislação especial e das vulgarmente designadas convenções colectivas de trabalho que a remuneração-base do trabalhador é constituída por uma parte fixa e uma parte variável - comissões - pelo que, a referida retribuição base também engloba a parte variável, tal como integra toda a parte fixa, sendo ainda a retribuição composta por dinheiro e pagamento em espécie (cfr. fls. 482 do despacho saneador, relatório de fls. 314 a 316 e 1427 e segs. da sentença de 1.ª instância).

E) Aliás, nesse sentido ensina Monteiro Fernandes, em Noções Fundamentais de Direito do Trabalho, Vol. I, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, pág. 300 " A retribuição-base pode ser certa, variável ou mista (art. 83.°), sendo certa a «calculada em função do tempo de trabalho» (art. 84.°, n.º I) ou seja, da dimensionada por certa unidade de tempo - o dia, a semana, a quinzena, o mês - que, aliás, como já se assinalou, pode nem ser integralmente preenchida por serviço efectivo (...) No fundo, tal «descaracterização» aparente não exprime mais do que a realidade (até contabilística) dessas prestações com verdadeiros custos de trabalho, que incidem sobre o rendimento bruto das empresas antes da liquidação dos lucros líquidos - ou seja, dos verdadeiros lucros.»

F) Mais, apurou-se nos presentes autos que: "( ) A retribuição base, e como refere a Ré, distingue-se do conceito de retribuição a que alude o art.º 82.º da L.C. T. Contudo, no presente caso a retribuição base do Autor era (...) constituída por uma parte fixa e uma parte variável - comissões - sendo certo que (...) a retribuição base também engloba a parte variável, tal como integra toda a parte fixa."

G) Mais, e conforme consta dos presentes autos (fls. 314 a 316), o entendimento: "(...) Com efeito parece-nos inquestionável que a remuneração de base do Autor era composta de uma parte certa (esc: 126.000$00) e de uma parte variável (comissões). O valor das comissões integra a remuneração-base de um trabalhador para todos os efeitos."

H) Deste modo, integrando (...) o valor das comissões a remuneração-base, é óbvio que teremos de concluir que a Ré, ao pôr à disposição do Autor, apenas a referida compensação de 630.000$00, não levando em conta, pelo menos o valor das comissões, não observou integralmente o disposto no art.º 24.°, n.º 1, alínea d) do Regime Jurídico citado.

I) Deste modo, a compensação que foi colocada à disposição do recorrente deveria ter tido em conta a retribuição base de € 1.002,30 (vencimento fixo mensal + comissões, que no último ano tiveram uma média mensal de € 353,81) (cfr. fls. 1434 da sentença da 1.ª instância).

J) Pelo que, a não consideração de tal montante determina a ilicitude do despedimento colectivo, nos termos da alínea d) do n.º 1 do art.º 24.º da LCCT.

K) Aliás, entendimento diverso daquele que explanámos à exaustão nas nossas alegações determina a inconstitucionalidade material do n.º 3 do art.º 13.° da LCCT, pois, este preceito legal viola, ainda, frontalmente o art. 13° da Constituição, ou seja, o princípio da igualdade perante a lei, na medida em que veio permitir, por exemplo, que os trabalhadores com igual nível remuneratório e igual antiguidade, mas com valores diferentes de remuneração base, que não é desigualdade substancial, recebam por despedimento indemnizações desiguais. O referido preceito viola, também, os art.ºs 59.°, n.º 1, alínea a) e 13.° da Constituição, com o fundamento de que o modo de cálculo da citada indemnização conduz a uma "redução" em relação ao regime do Dec-Lei 372-A/75.

L) Por outro lado, a sentença de 1.ª instância e o douto Acórdão recorrido ao revogar a sentença de 1.ª instância que considerou ilícito o despedimento do recorrente, não apreciaram os factos carreados para os autos, e neste provados, pois, "centraram-se" unicamente no conceito de remuneração-base.

M) Logo, e em síntese as consequências da ilicitude do despedimento nos termos do n.º 3 do art.º 24.º da LCCT, são especificadas no art.º 13.º da LCCT, designadamente a reintegração do trabalhador e o pagamento da importância correspondente ao valor das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença (cfr. fls. 1436 e 1437 da sentença do tribunal de 1.ª instância).
N) Face a todo o exposto, deverá o douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação ser revogado.

A ré contra-alegou, sustentando o acerto da decisão recorrida e, neste tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no mesmo sentido.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Nas instâncias foram dados como provados, sem qualquer impugnação, os seguintes factos:
1 - A ré é uma empresa que se dedica à actividade de indústria e comércio de carnes, seus derivados e transformados.

2 - E resultou da fusão de três empresas, Estabelecimentos "C", S.A., "D", Lda e "E", S.A..

3 - O autor foi admitido ao serviço da empresa Estabelecimentos C, S.A., em 1 de Outubro de 1996, como vendedor, tendo transitado depois para a "E" - Actividades Avícolas, S.A. e, a partir de 1998 para a ré, após a fusão da ..., com a C e a D.

4- Actualmente, ao serviço da ré, tinha a categoria profissional de gestor de área, com um horário a tempo completo e recebia em dinheiro:

. Vencimento fixo mensal - 628,49 Euros
. Prémio de função mensal - 199,52 Euros
. Ajudas de custo mensais - 399,04 Euros
. Comissões, que, no último ano, tiveram como média mensal o valor de 353,81 Euros.

5 - O autor tinha atribuída uma viatura Renault Clio, de matrícula QE, para utilização em serviço e fora dele, custeando a ré, todas as despesas de ALD, reparação e seguros.

6 - O autor utilizava um Cartão Euroshell para o abastecimento de combustível da viatura, que a ré pagava, tendo despendido esta, o valor médio mensal, desde 20 de Outubro de 2000 a 29 de Abril de 2001, de 136,87 Euros, com a utilização pelo autor de tal cartão.

7 - A ré atribuiu ao autor um telemóvel, para uso profissional e pessoal, cujo custo das chamadas esta suportava, ultimamente, até ao montante máximo, de 124,70 Euros/mês..

8 - O autor tinha Via Verde na viatura, que a ré custeava, sendo o gasto mensal médio, desde 26 de Setembro de 2000 a 10 de Março de 2001, de 65,40 Euros.

9 - As ajudas de custo pagas, não tinham suporte em custos efectivos do autor, constituindo uma solução financeira adoptada pela ré, no pagamento das remunerações.

10 - Do recibo de vencimento do autor, até fim de 1998, constavam: a retribuição base, o prémio de função, as comissões e as ajudas de custo.

11 - A partir de Janeiro de 1999, as ajudas de custo deixaram de constar do recibo de vencimento, por decisão da Administração da ré.

12 - O autor, bem como os demais colegas da área comercial, recusaram-se a assinar o recibo de vencimento, como forma de protesto contra a decisão da Administração.

13 - A ré pagava ao autor as despesas em que o mesmo tinha incorrido ao serviço da B, mediante a apresentação de documento comprovativo de tal despesa, incluindo as despesas de alimentação.

14 - No dia 1 de Março de 2001, a B deu início a um processo de despedimento colectivo, tendo enviado à Comissão Sindical da Unidade do Montijo carta comunicando esse facto, e documentos que fazem fls. 69 a 77 dos autos.

15 - Na mesma data, foi enviada à Delegação do Barreiro do IDCT, carta análoga com idênticos documentos, que fazem fls. 78 a 87 dos autos.

16 - Ainda no mesmo dia, a B, enviou aos trabalhadores F, G, H, I e ao autor, cartas com o mesmo teor das acima mencionadas, as quais eram acompanhadas com os mesmos documentos anexos.

17 - Em 26 de Março de 2001, a ré convocou, através de carta registada com a. r., os trabalhadores identificados no ponto que antecede, para uma reunião, a realizar no dia 30 de Março, pelas 11 horas, na sede da empresa, no Montijo.

18 - A realização dessa reunião foi levada ao conhecimento da delegação do Barreiro do IDCT e da Comissão Sindical da Unidade do Montijo, por cartas datadas de 26 de Março de 2001.

19 - Nessa reunião, estiveram presentes três representantes da Comissão Sindical, uma representante da delegação do Barreiro do IDCT, os trabalhadores H, I e F, a Directora de Recursos Humanos e um dos advogados da B.

20 - Nessa reunião, foram celebrados acordos de cessação do contrato de trabalho com os trabalhadores H e F.

21- Foi igualmente comunicado aos presentes que a empresa tencionava proferir a decisão no início da semana que começa a 2 de Abril e que iria prescindir do prazo de pré-aviso para o despedimento.

22 - No dia 31 de Março de 2001, foi celebrado acordo de cessação do contrato de trabalho, com a trabalhadora I.

23 - No dia 9 de Abril de 2001, a empresa celebra acordo de cessação de contrato de trabalho, com o trabalhador G.

24 - No dia 16 de Abril de 2001, foi emitida decisão de despedimento do ora autor, decisão essa comunicada por carta ao trabalhador e que produziria efeitos a 24 de Abril.

25 - Na mesma data, foi remetida à delegação do Barreiro do IDCT uma carta, da qual constava cópia da carta enviada ao trabalhador, acta da reunião de 30 de Março e mapa com nomes, moradas, datas de nascimento, datas de admissão na empresa, situação perante a segurança social, profissão, categoria profissional, retribuição e medida individualmente aplicada a cada um dos cinco trabalhadores abrangidos pelo processo de despedimento colectivo;

26 - Ainda nessa data, foi enviada à Comissão Sindical, carta com o mapa referido no ponto precedente.

27 - Na carta de 16 de Abril, enviada ao autor, a ré fundamentou o despedimento colectivo na existência de custos elevadíssimos com a força de vendas da empresa, motivados pela existência de ineficiências no aproveitamento da força de trabalho existente (à data, claramente excedente), nos maus resultados na área de produtos industrializados da empresa (com previsões de défice para o ano corrente) e na necessidade de unificação progressiva da estrutura empresarial;

28 - Igualmente menciona que pagará ao autor a quantia de 2.201,06 euros, correspondente a dois meses de trabalho, face à decisão de prescindir do prazo de pré-aviso e que o montante a pagar ao autor, por extinção do posto de trabalho, é de 3.142,43 euros;

29 - Faz igualmente referência ao facto de tais montantes estarem à disposição do autor na sede da empresa, assim como o montante de 3.074,87 euros, correspondente a créditos, tais como, subsídio de férias, férias e proporcionais de subsídios de férias, férias e subsídio de Natal.

30 - O valor de aquisição do veículo utilizado pelo autor foi de 17.597,55 euros.

31 - O autor tem 15 dias úteis de férias, por gozar.

32 - Todavia, o subsídio de férias relativo a essas férias, foi pago na totalidade.

33 - O Senhor J foi admitido no dia 12 de Junho de 2001.

34 - A admissão desse trabalhador deu-se para substituição do trabalhador L, vendedor da B, especializado na venda de produtos avícolas no mercado tradicional.

35 - O autor era especializado na venda de produtos transformados de porco na moderna distribuição.

36 - A média mensal das despesas que a ré suportava com o ALO e o seguro, da viatura Renault Clio, QE, atribuída ao autor, era de 433,06 euros.

37 - Com a conservação, reparação e estação de serviço da viatura, despendia a ré, em média mensalmente, a quantia de 6,86 euros.

38 - O autor, desde 1 de Outubro de 2001, que trabalha para M, S.A., mediante o vencimento mensal ilíquido de 1.097,36 euros.

3. O direito
Como resulta das conclusões apresentadas pelo autor, o objecto do recurso restringe-se às seguintes questões:

1.ª - saber se o acórdão recorrido enferma de omissão de pronúncia;

2.ª- saber se as comissões que por ele eram auferidas integram o conceito de remuneração de base para efeitos do disposto no art. 23.º, n.º 1, com referência ao n.º 3 do art. 13.º da LCCT (regime jurídico aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27/2);

3.ª - saber se o entendimento perfilhado no acórdão recorrido, respondendo negativamente à questão anterior, viola o disposto nos artigos 13.º, n.º 3 e 59, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa.

3.1 Omissão de pronúncia
Relativamente a esta questão, importa referir que o recorrente não alega expressamente que o acórdão recorrido sofre do vício de omissão de pronúncia. Fá-lo, todavia, implicitamente ao alegar na conclusão L) que "a sentença de 1.ª instância e o douto Acórdão recorrido ao revogar a sentença de 1.ª instância que considerou ilícito o despedimento do recorrente, não apreciaram os factos carreados para os autos, e neste provados, pois, "centraram-se" unicamente no conceito de remuneração-base."

Acontece, porém, que, nas suas alegações, o recorrente não concretiza minimamente a questão ou questões que o acórdão recorrido deixou de apreciar, pois limitou-se a afirmar o que consta da referida conclusão. Tal facto seria suficiente para que não se conhecesse do recurso nesta parte, por falta de objecto, mas, ainda que assim não fosse, continuaríamos a não poder conhecer do vício em causa, dado que, traduzindo-se o mesmo num caso de nulidade do acórdão, teria de ser expressamente arguido no requerimento de interposição de recurso, conforme determina o disposto no n.º 1 do art. 77.º do CPT, também aplicável aos acórdãos, por força do disposto no art. 716.º, n.º 1, do CPC, uma vez que a remissão que aí é feita para o art. 668.º do mesmo código também deve ser considerada extensível ao art. 77.º do CPT. Ora, sendo o requerimento do recurso totalmente omisso acerca das eventuais nulidades do acórdão, a sua arguição nas alegações, ainda que tivesse sido devidamente concretizada (o que, repete-se, não aconteceu) teria de ser considerada extemporânea, facto que também obstaria a que dela se conhecesse.

Relativamente à eventual omissão de pronúncia na sentença, importa dizer que tal vício nem sequer podia ser arguido no recurso de revista, uma vez que tal recurso tem por objecto o acórdão da Relação e não a sentença da 1.ª instância. No caso em apreço, a eventual nulidade da sentença só podia ser arguida pelo autor perante o tribunal da 1.ª instância, nos termos do n.º 2 do art. 77.º do CPT, uma vez que ele não podia recorrer da sentença, por ter obtido vencimento na acção.

3.2 Montante da compensação
Relativamente a esta questão, importa ter presente que o autor foi despedido no âmbito de um processo de despedimento colectivo e que, nos termos do n.º 1 do art. 23.º da LCCT (regime jurídico aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27/2), os trabalhadores objecto de despedimento colectivo têm direito a uma compensação calculada nos termos previstos no n.º 3 do art. 13.º daquela LCCT, o que vale por dizer que têm direito a uma compensação correspondente a um mês de remuneração de base por cada ano de antiguidade ou fracção, não podendo, todavia, ser inferior a três meses.

Ora, com interesse para a questão em apreço, está provado que o autor foi admitido ao serviço da ré (ou, melhor dizendo, da sua antecessora), em 1.10.96 e que foi despedido em 24.4.2001. E também está provado que ele auferia mensalmente, para além de outros benefícios de natureza patrimonial (utilização de veículo automóvel, telemóvel, cartão Euroshell para abastecimento de combustível e cartão de Via Verde), 628,49 euros a titulo de vencimento fixo, 199,52 euros a título de prémio de função, 399,04 euros a título de ajudas de custo, além de comissões, cujo valor médio mensal, no último ano, tinha sido de 353,81 euros e que, aquando do despedimento, a ré colocou à sua disposição, a titulo de compensação, a importância de 3.142,43 euros, correspondente a cinco meses da importância por ele auferida a título de vencimento fixo (126.000$00 x 5).

No presente recurso questiona-se o montante daquela compensação. Como já foi referido, na 1.ª instância entendeu-se que a importância posta à disposição do autor era inferior à legal, por não ter sido levado em conta o valor médio mensal das comissões por ele auferidas no último ano e, com base nisso, concluiu-se pela ilicitude do despedimento, nos termos do art. 24.º,n.º 1, alínea d), da LCCT. Por sua vez, no Tribunal da Relação entendeu-se que o valor das comissões não devia ser considerado, por não integrar o conceito de remuneração de base. O objecto do recurso relativamente à questão, agora, em apreço, restringe-se, pois, importa salientar, à questão de saber se o valor das comissões integra ou não o conceito da remuneração de base, para efeitos do cálculo daquela compensação, uma vez que, relativamente às restantes prestações que eram auferidas e usufruídas pelo autor, este não suscitou qualquer questão, sendo certo que também o não podia fazer, por não ter recorrido da sentença.

E entrando, agora, na apreciação da referida questão, adiantaremos, desde já, que o autor não tem razão. Com efeito e como é sabido, a lei distingue a retribuição da remuneração de base. Trata-se de conceitos distintos, como claramente resulta do disposto no n. 2 do art. 82.º da LCT, nos termos do qual "a retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie." É, por isso, inquestionável que o conceito de retribuição é mais lato do que o conceito de remuneração de base, uma vez que a retribuição compreende tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao empregador (art. 82.º, n.º 1 e 3), enquanto que o segundo apenas compreende uma parcela da retribuição. A questão que se coloca é a de saber qual é essa parcela.

Da lei não consta o conceito da remuneração da base, pois, a tal respeito, limita-se a dizer que a retribuição compreende a remuneração de base e todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie. Todavia, ao contrapor a remuneração de base a todas as outras prestações, temos de concluir que a remuneração de base é constituída, apenas, por uma das prestações que integram o conceito mais geral de retribuição e daqui se poderia concluir, desde já, pelo improvimento do recurso na parte em que o recorrente pretende que se inclua na remuneração de base não só a prestação que ele auferia a título de "vencimento fixo", mas também a que ele auferia a titulo de "comissões".

De qualquer modo, sempre se dirá que quer a doutrina quer a jurisprudência dos tribunais superiores têm vindo a entender que a remuneração de base corresponde à parte certa da retribuição que é definida em função da categoria profissional do trabalhador e do tempo de trabalho que ele se obrigou a prestar e que consta das tabelas salariais dos instrumentos de regulamentação colectiva.

A tal propósito, diz Bernardo Lobo Xavier:
" Quanto aos aspectos da estrutura da retribuição, a lei estabelece um ponto de referência quando alude à remuneração de base (art. 82.º, 2), à qual se contrapõem naturalmente todas as outras. Cremos que a remuneração de base tem evidentemente um carácter certo (definido em função do tempo) e é em princípio independente dos acidentes da vida do contrato e dos seus especiais condicionalismos. Constitui naturalmente a remuneração fixada na tabela das convenções colectivas ou dos regulamentos da empresa, na base de um horário normal, para uma certa categoria profissional. (...) A remuneração de base tem carácter principal. (Curso de Direito do Trabalho, 2.ª ed., Verbo, pag. 386).

E, na mesma sintonia, diz Pedro Romano Martinez:
"A remuneração de base corresponde ao montante fixo auferido pelo trabalhador, com exclusão das outras prestações pagas pelo empregador como contrapartida do trabalho, ainda que regulares e periódicas. A remuneração de base relaciona-se com a categoria que o trabalhador tem na empresa; não necessariamente a categoria para que foi contratado, mas a que, de facto, exerce na empresa, tendo em conta, entre outros aspectos, as promoções." (Direito do Trabalho, Almedina, pag. 549).

E diz Menezes Cordeiro:
"A retribuição-base traduz o valor mínimo implicado pela categoria-estatuto equivalente à categoria-função que compita ao trabalhador visado. Normalmente, ela vem fixada com toda a clareza nos IRC aplicáveis, numa base mensal." (Manual de Direito do Trabalho, pag. 723 a 725).

Podemos, por isso, afirmar que a remuneração de base é, como a própria designação o diz, a componente básica da retribuição, vulgarmente denominada por vencimento, ordenado ou salário, dela se excluindo, portanto, todas as outras prestações complementares ou acessórias, mesmo que sejam fixas, nomeadamente as chamadas "comissões" ou "percentagem de vendas". É, como diz o actual Código do Trabalho (que adoptou o entendimento que vinha sendo perfilhado na doutrina e na jurisprudência) "aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido" (art. 250.º, n.º 2, al. a), sublinhado nosso).

Ora, sendo assim, como se entende que é, em consonância, aliás, com a jurisprudência uniforme deste tribunal (vide, entre outros, os acórdãos de 3.11.93 (1), de 9.2.94 (2), de 25.9.2002 (3) e de 1.10.2003 (4), em Colectânea de Jurisprudência - Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - ano I, tomo III, pag. 286, ano II, tomo I, pag. 287, ano X, tomo III, pag. 247 e ano XI, tomo III, pag. 254, respectivamente), no cálculo da compensação devida ao autor, a ré não tinha que levar em consideração o montante de 353,81 euros correspondente ao valor médio mensal por ele auferido no último ano, a título de "comissões". Apenas tinha que levar em conta, como efectivamente levou, a importância de 126.000$00, que por ele era auferida a título de vencimento fixo mensal, por ser a sua remuneração de base.

O autor alega (conclusão C)) que os montantes constantes dos recibos como "comissões" faziam parte da remuneração de base e que tinham tal denominação, porque a recorrida o exigira para "fins fiscais" e alega, também (conclusão D)) que resulta de legislação espacial e das vulgarmente designadas convenções colectivas de trabalho que a remuneração-base dos vendedores é constituída por uma parte fixa e por uma parte variável (comissões), mas o alegado na conclusão C) não tem qualquer apoio na matéria de facto provada e, relativamente ao alegado na conclusão D), não vislumbramos qualquer disposição legal ou convencional em abono da tese do recorrente, sendo certo que ele nenhuma invoca ou cita em concreto.

3.3 Inconstitucionalidade material do n.º 3 do art. 13.º da LCCT
Relativamente a esta 3.ª questão, o recorrente alega que o entendimento perfilhado no Tribunal da Relação, ao excluir o valor das comissões da remuneração de base viola o disposto no n.º 3 do art. 13.º e na alínea a) do n.º 1, do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa. Concretamente, o recorrente alega que o disposto no n.º 3 do art. 13.º da LCCT viola frontalmente "o princípio da igualdade perante a lei, na medida em que veio permitir, por exemplo, que os trabalhadores com igual nível remuneratório e igual antiguidade, mas com valores diferentes de remuneração de base, que não é desigualdade substancial, recebam por despedimento indemnizações desiguais. Tal preceito legal viola, ainda os art.ºs 59.º, n.º 1, alínea a) e 13.º da Constituição, com o fundamento de que o modo de cálculo da citada indemnização conduz a uma "redução" em relação ao regime do Dec-Lei 372-A/75."

Como resulta da referida alegação, a norma do n.º 3 do art. 13.º da LCCT seria materialmente inconstitucional por violar o princípio da igualdade constante do art. 13.º da Constituição e essa inconstitucionalidade resultaria do facto de a norma tratar desigualmente trabalhadores que gozem do mesmo nível retributivo mas que tenham remunerações de base diferentes, e seria, ainda, inconstitucional por violar o disposto no art. 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição. Vejamos se as alegadas inconstitucionalidades se verificam.

Quanto à inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, não vemos que o n.º 3 do art. 13.º da LCCT afronte o princípio da igualdade, pelo facto de permitir que trabalhadores com a mesma retribuição possam receber diferente compensação pelo facto de a sua remuneração de base ser diferente. A tal propósito e apreciando questão análoga, respeitante ao referido n.º 3 do 13.º, quando aplicável ao modo de cálculo da indemnização por despedimento ilícito do trabalhador, escreveu-se no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 583/00, de 20.12.2000 (DR, II Série, de 22.3.2001):

«Segundo a jurisprudência uniforme e constante do tribunal Constitucional, o princípio da igualdade reconduz-se a uma proibição de arbítrio, tornando inaceitável quer a diferenciação de tratamento sem justificação razoável quer o tratamento igual de situações desiguais.

A proibição do arbítrio constitui um limite externo da liberdade de conformação do legislador, actuando o princípio da igualdade como princípio negativo de controlo. O Tribunal tem afirmado uniformemente que a fiscalização da constitucionalidade não pode pôr em causa a liberdade de conformação do legislador, que goza de uma razoável margem de discricionariedade (cf., nesse sentido, o Acórdão n.º 150/2000 (publicado no Diário da República, 2.ª série, de 9 de Outubro de 2001)."

"Cabe, assim, ao legislador ordinário definir ou qualificar as relações da vida a tratar igual ou desigualmente, dentro dos limites constitucionais, devendo os tratamentos diferenciais ser fundamentados através de critérios constitucionalmente relevantes e ser censurados apenas nos casos de desrazoável desigualdade, mas sem que o julgador possa controlar sem num caso concreto, o legislador encontrou a solução mais adequada, razoável ou justa (cf. Acórdão n. 186/90, in Acórdão do Tribunal Constitucional, 16.º vol., p. 383).

No caso em apreço, o legislador, respeitando embora o núcleo essencial do direito constitucional dos trabalhadores afectados por um despedimento ilícito - o direito à reintegração no respectivo posto de trabalho e o direito a substituir essa reintegração por uma indemnização - alterou porém a base de cálculo da própria indemnização.

Ora, ao optar por fixar como base de cálculo da indemnização substitutiva da reintegração a remuneração de base em vez da retribuição efectiva, o legislador não fez uma opção arbitrária ou intolerável. Pelo contrário, tal opção permite um tratamento igual de situações idênticas mediante um critério objectivo e razoável.»

No mesmo sentido, pronunciou-se o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 242/2001, de 23.5.2001 (DR, II série, de 6.7.2001), relativamente à indemnização devida ao trabalhador em caso de rescisão com invocação de justa causa.

Estamos inteiramente de acordo com a jurisprudência perfilhada no Tribunal Constitucional e, porque no acórdão recorrido apenas se fez uma interpretação meramente declarativa do n.º 3 do art. 13.º da LCCT, dispensamo-nos de fazer outras considerações.

Relativamente à segunda inconstitucionalidade invocada (violação do art. 59.º, n.º 1, alínea d) da Constituição), o recorrente não aduziu qualquer fundamentação, o que seria suficiente para dela não conhecer. De qualquer modo, sempre diremos que tal alegação se afigura manifestamente improcedente, uma vez que a norma impugnada nada tem a ver com o direito à retribuição de que trata o art. 59.º, n.º 1, al. a) da Constituição e cujo teor é o seguinte:

«1 - Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:

a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
(...)»

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2004
Sousa Peixoto
Fernandes Cadilha
Mário Pereira
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(1) - Dias Simão, Mora do Vale e Ramos dos Santos
(2) - Ramos dos Santos, Chichorro Rodrigues e Calisto Pires
(3) - Vítor Mesquita, Emérico Soares e António Pereira
(4) - Ferreira Mesquita, Ferreira Neto e António Pereira