Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
08B3602
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALBERTO SOBRINHO
Descritores: RESPOSTAS AOS PONTOS DA MATÉRIA DE FACTO
EXCLUSÃO DO DIREITO DE PREFERÊNCIA
Nº do Documento: SJ200812110036027
Data do Acordão: 12/11/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
1. As respostas aos pontos da matéria de facto levados à base instrutória não têm de ser necessariamente afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas, mas desde que se contenham na matéria de facto articulada. A resposta explicativa é aquela que se limita a aclarar o sentido da factualidade vertida no respectivo ponto controvertido, respeitando o sentido dessa mesma factualidade.
A resposta será já exorbitante quando contempla factos não contidos no ponto controvertido. Sendo excessiva a resposta, não pode a mesma ser considerada, devendo, nessa parte, ter-se como não escrita.
2. Na jurisprudência e na doutrina é dominante o entendimento de que, para a exclusão do direito de preferência com base na al. a) do art. 1381° C.Civil, não é necessário que a afectação do prédio a fim diferente exista já ao tempo da alienação. O fim relevante, para aplicação desta norma-excepção, é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno, mesmo que essa intenção não conste da respectiva escritura, devendo, todavia, esse elemento subjectivo ter concretização na factualidade apurada.
Mas não basta a mera intenção de afectação do prédio a fim diferente do da cultura para afastar o direito de preferência, sendo ainda necessário que essa mudança de destino seja legalmente possível.
Caso contrário estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante.
3. O simples facto de um terreno estar incluído em solos classificados como RAN ou REN não é, só por si, de todo impeditivo da sua desafectação para um fim diferente do da cultura. Basta que a acção a prosseguir nesse terreno se revista de reconhecido interesse público para que essa desafectação seja possível.
Os pareceres favoráveis às entidades competentes para aquela desafectação, designadamente da Comissão Regional de Agricultura, podem a todo o tempo ser solicitados, mas com o único objectivo da alterar a classificação do prédio. Mas a essas entidades já não lhes incumbe pronunciarem-se sobre a viabilidade ou não da construção a erigir no terreno. Essa é incumbência exclusiva das Câmaras Municipais.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. Relatório

AA, intentou, a 24 de Junho de 2004, a presente acção declarativa, com processo ordinário, contra

:
- BB e mulher CC;
- DD;
- EE e marido FF
GG e marido HH;

:
- II; e

:
- CONSTRUÇÕES MM LDª,

pedindo que:
a- lhe seja reconhecido o direito de preferência na venda das metades indivisas de determinado prédio rústico;

ou, a assim se não decidir,
b- se declarem nulas, por simulação, essas compras e vendas e se declare que entre os réus foi celebrado uma única venda de todo esse prédio e lhe seja reconhecido o direito de preferência nesse contrato de compra e venda; e
c- condenar-se, em qualquer dos casos, a ré JJ a abrir mão desse prédio em seu favor, livre de ónus ou encargos.

Alega, no essencial, que os 1ºs e 2º réus venderam ao 3º metade indivisa de um prédio rústico confinante com um outro de que é proprietário, sem que lhe tenham dado conhecimento dessa alienação, apesar de a tal estarem vinculados por lhe assistir o direito de preferir nessa compra.
E que, para além disso, os vendedores substituíram a venda global pela sua venda fraccionada para assim precludirem o exercício do direito de preferência.

Contestou a ré JJ, começando por arguir a caducidade do direito ora exercido, além da sua renúncia por parte do autor, para depois afirmar que o autor não é proprietário de qualquer prédio com aquele confinante e de que projectou afectar o prédio adquirido a uma instância de turismo.
Alega ainda que procedeu a vários melhoramentos nesse prédio, pretendendo deles ser ressarcido, caso a acção de preferência proceda, pedido que formula reconvencionalmente.

Contestaram, em conjunto, os restantes réus para, no essencial, invocarem a caducidade do direito de preferência e afirmarem que o prédio não foi vendido para um fim agrícola e que a preferência, a existir, apenas se poderia reportar à parte eventualmente confinante com o prédio do autor, o qual, na realidade, não é proprietário de qualquer prédio com aquele confinante. Para além de que o prédio foi fraccionado na sequência de expropriação de uma sua parcela.

Replicou o autor para se pronunciar pela improcedência das invocadas excepções e reiterar, no mais, a posição inicialmente assumida e impugnar, por desconhecimento, os factos suporte da reconvenção.
E, em ampliação do pedido e causa de pedir, para a hipótese de se entender que não existe confinância entre o seu prédio e a parte poente do prédio vendido pelos réus, pretende, então, que lhe seja reconhecido o direito de haver a parcela situada a nascente.

No despacho saneador relegou-se para final o conhecimento da excepção de caducidade do direito de preferência, afirmando-se ainda não ocorrerem quaisquer outras excepções. Procedeu-se seguidamente à selecção da matéria de facto, com fixação dos factos considerados assentes e dos controvertidos.
Prosseguiu o processo para julgamento e na sentença, subsequentemente proferida, decidiu-se não ter caducado o direito do autor e julgou-se improcedente a acção com a consequente absolvição dos réus dos respectivos pedidos, não se conhecendo do pedido reconvencional por ter ficado prejudicada a sua apreciação

Inconformado com o assim decidido apelou o autor, mas sem sucesso, porquanto o Tribunal da Relação de Coimbra negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Ainda irresignado, recorre agora de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, pugnando pela procedência da acção ou, então, pela anulação do acórdão em vista da ampliação da matéria de facto.

Contra-alegou a recorrida JJ defendendo a manutenção do decidido e pugnando, subsidiariamente, pela procedência da excepção de caducidade do direito do autor.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. Âmbito do recurso

A- De acordo com as conclusões, a rematar as alegações de recurso, o inconformismo do recorrente, radica, em síntese, no seguinte:

1- Os factos constantes da resposta dada à matéria do art. 43° da Base Instrutória não foram alegados pela ré adquirente, nem o âmbito do que ali se pergunta comporta o sentido da resposta que lhe foi dada, sendo essa resposta excessiva ou exorbitante.

2- Tal resposta tem como verificada quatro situações diferentes da matéria alegada, concretamente:
a) foi o investimento, e não o projecto, que obteve a declaração de interesse municipal;
b) o que foi submetido à apreciação da Câmara Municipal da Guarda foi um pedido de informação prévia e não um projecto;
c) quem solicitou o pedido de informação prévia sobre a construção de um campo de golfe com empreendimento turístico foi um terceiro – a empresa NNs Hotéis. Lda. - que não é adquirente do prédio nem parte no processo, e não a ré Construções JJ, Lda., ao invés do invocado;
d) a declaração de interesse municipal ao investimento foi concedida à empresa NNs Hotéis, Lda., e não à ré adquirente.

3- Aliás, pedido de informação prévia e projecto são realidades distintas, ocorrendo a informação prévia antes do licenciamento, sendo os projectos posteriormente aprovados num novo e distinto procedimento de licenciamento.

4- O interesse municipal foi aqui concedido ao investimento e não ao projecto referente ao empreendimento turístico, que não existe nem se encontra demonstrado nos autos.

5- Deve, pois, dar-se por não escrita, eliminando-se, a resposta dada à matéria do art. 43° da B.I., a qual, por isso, não pode relevar para a decisão do mérito da causa, devendo, consequentemente, julgar-se a acção procedente, por falta de prova do facto impeditivo do direito do autor.

6- Para além disso, quando o destino do prédio adquirido seja diverso do da cultura, não basta demonstrar a intenção do adquirente nesse sentido, sendo ainda necessário que este alegue e prove a viabilidade legal desse desiderato, que essa afectação seja legalmente admissível e lícita.

7- Da acta da reunião da C.M.Guarda, de 17 de Setembro de 2003, cuja força probatória não foi ilidida, decorre que o prédio se encontra inserido na RAN e na REN, facto que deve ser levado à especificação, ou, pelo menos, deve dar-se por provado, levando-se igualmente à matéria assente, a factualidade alegada no art. 77° da réplica, ou seja, que a Quinta dos Coviais de Cima se localiza em área rural e em tal Quinta encontram-se inseridos solos RAN, sem que, em algum momento, a 3ª ré tenha procedido à sua desafectação, nada obstando a que se efectue tal censura em virtude de se estar perante uma clara violação das regras de direito probatório material – art. 722°, n° 2, do C.Pr.Civil.

8- Ora, sendo rústico o prédio vendido, a ré não alegou que nada se opunha a que a mudança de destino (de agrícola para urbanizado) se concretizasse e que, portanto, tal mudança era legalmente admissível, não existindo igualmente nos autos a demonstração de ter requerido o licenciamento de qualquer construção na Câmara Municipal da Guarda ou que esta lhe tenha concedido alguma licença, por o terreno se encontrar no PDM em área que permitisse a construção.

9- Não resulta igualmente demonstrada a possibilidade legal de construção no prédio objecto dos autos, já que não existe prova de que a Câmara Municipal deliberou aprovar o pedido de informação prévia solicitado pela empresa NN Hotéis, Lda., pois o que lhe foi concedido foi o interesse municipal ao projectado investimento.

10- A ré adquirente não alegou nem provou, como lhe competia, que, à data da aquisição, a mudança do destino do terreno era “legalmente possível”, pelo que, para além do prédio se encontrar inserido na RAN e na REN, também por esta via, improcede a excepção peremptória a que alude a parte final da alínea a) do artigo 1381º C. Civil.

11- Aliás, a Câmara Municipal não tinha competência para, por si só, dar resposta positiva ao pedido de informação prévia requerido pela firma NN Hotéis, Lda,, nem esta tem, neste momento, qualquer expectativa, direito ou garantia de poder vir a construir no prédio objecto dos autos um empreendimento turístico e um campo de golfe.

12- Além de que a deliberação da C.M.Guarda, de 17 de Setembro de 2003, que concedeu o interesse público municipal ao investimento, viola o disposto na al. c), do n° 1, do art. 23° do PDM da Guarda, sendo, consequentemente, nula, nulidade invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal – art. 134°, n° l e 2, do Código de Procedimento Administrativo.

13- Também não tendo havido a emissão de qualquer parecer prévio por parte da comissão regional de agricultura – art. 9° do D.L n°196/89, de 14.06 -, como, aliás, resulta da acta da reunião da C.M.G., de 17 de Setembro de 2003 – fls. 587 a 595 -, e sendo o prédio destinado à construção de um hotel e zona residencial em área REN, a deliberação camarária tomada naquela reunião, é nula, nos termos do disposto nos arts. 9° e 34° do D.L n°196/89, de 14.06 e 4° e 15° do D.L n° 93/90, de 19.03, não produzindo, consequentemente, quaisquer efeitos jurídicos, nos termos do disposto no art. 134°, n° l e 2, do Código de Procedimento Administrativo.

14- Por via da procedência do presente recurso, deve a reconvenção ser julgada improcedente, já que, entendendo a ré adquirente que as benfeitorias realizadas são úteis, esta nada alegou sobre o detrimento do prédio onde as mesmas foram realizadas, como também não provou que as benfeitorias aumentaram o seu valor e que este se encontra valorizado em consequências das mesmas, faltando, desde logo, a prova dos requisitos ou pressupostos legais para que possa ter lugar o direito de indemnização.

14- De qualquer modo e como o facto articulado pelo autor no art. 77° da réplica não foi seleccionado, não podia a Relação decidir pela improcedência da acção sem que, preliminarmente, ao recorrente fosse dada a oportunidade de demonstrar aquilo que alegou, sendo que aquela materialidade é essencial para a aplicação do direito ao caso vertente.


B- Face à posição do recorrente vertida nas conclusões das alegações, delimitativas do âmbito do recurso, são, essencialmente, duas as questões controvertidas que se colocam:
- resposta excessiva ao ponto nº 43 da base instrutória;
- exclusão do direito de preferência.


IV. Fundamentação


A- Os factos

O acórdão recorrido teve como assentes os seguintes factos:

1. Por escritura pública de compra e venda lavrada em 15 de Abril de 2003, no primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada da Guarda, exarada a fls. 26 a 28 do livro número cinco - A, FF, por si e na qualidade de procurador de BB e mulher, CC, DD; EE e de FF o, declarou vender à 3ª ré, pelo preço recebido de cento e vinte e cinco mil euros, metade indivisa do prédio rústico denominado de Quinta dos Coviais, sito em Quinta dos Coviais de Cima, freguesia de S. Miguel da Guarda, concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o número mil quatrocentos e oito da indicada freguesia de S. Miguel, inscrito na matriz sob o artigo 458 e que o segundo outorgante, NN, na qualidade de gerente e em representação da 3ª ré, declarou aceitar para esta sociedade.

2. Por escritura pública de compra e venda lavrada em 15 de Janeiro de 2004, no Primeiro Cartório Notarial de Competência Especializada da Guarda, exarada a fls. 71-72 do livro 8-A, NN, na qualidade de procurador da 2ª ré, declarou vender à 3ª ré, que ele também representa, pelo preço já recebido de cem mil euros, metade indivisa do prédio rústico, denominado de Quinta dos Coviais de Cima, sito em Quinta dos Coviais de Cima, freguesia de S. Miguel-Guarda, concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o ..................., da identificada freguesia de S. Miguel da Guarda, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 458º e declarou aceitar para a 3ª ré a venda nos termos exarados.

3. Está descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº ......., freguesia de S. Miguel, um prédio rústico denominado de Quinta dos Coviais de Cima, sito em Quinta dos Coviais de Cima, freguesia de S. Miguel da Guarda, composto de terra de cultura e pastagem, lameiro, mata de lenha e pinhal, com a área total de 1.180.760 m2, a confrontar de norte com NN sul com herdeiros de QQ, nascente com herdeiros de Serafim Valério e de poente com herdeiros de AA, inscrito na matriz sob o artigo 458º.

4. As aquisições das referidas metades indivisas deste prédio encontram-se inscritas a favor da 3ª ré na Conservatória do Registo Predial das Guarda, através das inscrições G ............ - Ap. 15 de.......... e G........... - Ap.19 de .r escritura pública de habilitação de herdeiros, lavrada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 12 de Dezembro de 1983, exarada a fls. 72-73 do livro número C-58, RR, SS e TT declararam que têm perfeito conhecimento que no dia 26 de Novembro de 1973, no lugar da Quinta dos Coviais de Cima, freguesia de Arrifana, onde residia, faleceu AA, no estado de casado em primeiras e únicas núpcias de ambos e sob o regime de comunhão geral de bens, com JJ, ainda sua viúva, e que o falecido não fez testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como seus universais herdeiros os filhos de ambos KK, LL, UU, VV, BBB e AA.

6. Por escritura pública de habilitação, lavrada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 31 de Maio de 1993, exarada a fls. 61-verso e 62 do livro 136-B, XX, ZZ e AAA declararam que no dia 21 de Setembro de 1989 faleceu, na freguesia da Sé, JJ, residente habitualmente em Coviais de Cima, freguesia de S. Miguel, Guarda, no estado de viúva de AA e que a falecida não deixou testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, sucedendo-lhe como herdeiros, os filhos LL, KK, AA, UU, VV e BBB.

7. Por escritura pública de partilha, lavrada no Cartório Notarial da Guarda, no dia 15 de Junho de 1993, exarada a fls. 88 a 91 verso do livro número 136-B, LL, AA, UU, VV, BBB CCC; AA e DDD, procederam à partilha dos bens que ficaram por óbito de AA e mulher, JJ, tendo sido adjudicadas ao filho AA, o aqui autor, todas as verbas números três, dez, vinte e um e vinte e dois.

8. Na referida escritura de partilha, a verba número vinte e um é descrita do seguinte modo: “prédio rústico constituído por terra de pinhal e pastagem com quatro mil metros quadrados, sito na Tapada, limite da freguesia de Casal de Cinza, do concelho da Guarda, que confronta de norte com EEE, sul como caminho, nascente com FF e do poente com herdeiros de GGG não descrito na Conservatória do Registo Predial do Concelho da Guarda e inscrito na matriz sob o artigo três mil e oitenta e dois.

9. Este prédio encontra-se descrito na conservatória do Registo Predial da Guarda sob o número ........ da freguesia de Casal de Cinza e está inscrito a favor do autor através da inscrição G............ - Ap. 23 de ............. por sucessão deferida em partilha extrajudicial por óbito de AA e esposa JJ.

10. No dia 14 de Maio de 1976, o autor VV e a UU, na qualidade de rendeiros, efectuaram com EEE, na qualidade de senhorio, o contrato escrito denominado de “arrendamento ao cultivador directo” através do qual este declarou dar de arrendamento àqueles o prédio rústico de terra de cultivo denominado de Coviais de Cima, situado na freguesia de Arrifana, concelho da Guarda, com 100 hectares, confrontando de norte com herdeiros de VV Cerca e outros, de sul com herdeiros de AA e outros, de nascente com herdeiros de HHH e do poente com herdeiros de AA e outros, inscrito na matriz sob os nºs ... --------.

11. A tal prédio corresponde actualmente e devido à constituição da freguesia de S. Miguel da Guarda, o artigo 458º da matriz.

12. O réu BB desempenhou o cargo de cabeça-de-casal no processo de inventário facultativo que correu termos no Tribunal Cível da Comarca de Lisboa, 4º juízo, onde se cumularam os inventários de EEE e mulher, III e JJJ e dos pais de EEE..

13. Por sentença proferida em 14/09/97, nos autos que sob o nº 310/95 correram termos pelo 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, foi julgada procedente a acção e consequentemente válida a oposição à denúncia do contrato que o autor, o VV e a UUs, deduziram contra o réu BB, na qualidade de cabeça-de-casal das referidas heranças.

14. Por sentença proferida em 21 de Dezembro de 2000, nos autos que sob o nº ..... correram termos pelo 3º juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, foi julgada improcedente a acção de oposição à denúncia do contrato de arrendamento feita pelo réu BB, por carta de 27 de Novembro de 1997 e foi declarada válida a denúncia.

15. Em 11/10/2000, a IEP, para execução da obra do IP 2 - Guarda-Benespera (1º troço), tomou posse administrativa da parcela de terreno com a área de 51.516 m2, a destacar do prédio sito na freguesia de S. Miguel, Guarda, inscrito na matriz sob o artigo 458º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº .....

16. A certidão da escritura referida em 1 está datada de 26/01/2004.

17. A fls. 117 encontra-se conhecimento de depósito da quantia de 225.000 euros efectuado em 01/07/2004.

18. O prédio descrito em 9 confronta do lado norte com o prédio descrito em 3.

19. O prédio do autor é composto de terra de pinhal e pastagem.

20. O prédio identificado em 3 é composto de terra de batata, ferrejo, centeio, feno, pastagem, pinhal e mata de lenha.

21. A ré JJ, Lda., em 15 de Abril e 2003 e em 15 de Janeiro de 2004, não era dona de qualquer prédio rústico confinante com o prédio identificado em 3.

22. Os réus vendedores, antes de outorgarem as escrituras públicas de compra e venda referidas em 1 e 2, não deram conhecimento ao autor das respectivas cláusulas, designadamente dos preços e condições de pagamento, bem como da identidade do comprador.

23. Desde o início do contrato referido em 10 que o autor, o VV e a UU sempre e ininterruptamente trataram tal prédio, semeando produtos agrícolas diversos, colhendo os seus frutos e criando diversos animais domésticos.

24. Semeavam em média 20 hectares de centeio por ano e tinham produção de ovos, leite, e queijo de animais que criavam e tratavam na Quinta dos Coviais de Cima.

25. Durante vários anos o autor, o VV e a UU habitaram a casa existente na Quinta dos Coviais de Cima, aí tomando as refeições e dormindo.

26. O réu KKK, na aludida qualidade de cabeça-de-casal, informou o autor, o VV e a UU, que pretendiam vender o prédio identificado em 3 e se na qualidade de rendeiros estavam interessados na compra de tal prédio.

27. O autor informou o réu KKK que ele e os demais rendeiros estavam interessados na compra de tal prédio.

28. Por cartas de 29 de Janeiro de 199 a, dirigida ao então mandatário do autor e seus KKK ao autor e seus irmãos, fazendo-se referência a anterior compromisso assumido de lhes dar prioridade na compra das propriedades de que o autor e seus irmãos eram arrendatários, foi-lhes solicitado que informassem se ainda estavam interessados na compra e, em caso afirmativo, de que propriedade e por quanto.

29. A entrega do prédio denominado Quinta dos Coviais de Cima foi efectuada em 7 de Fevereiro de 2003 ao mandatário do réu KKK Dr. FF, aqui réu, através de diligência de entrega ordenada nos referidos autos com o nº 691/98 e depois de verificado que o mesmo se encontrava desprovido de pessoas e bens.

30. Os réus vendedores tinham conhecimento de que o autor estava interessado na aquisição da Quinta dos Coviais de Cima.

31. Na pendência dos autos que sob o nº 691/98 correram termos por este Tribunal Judicial, o autor deslocou-se, propositadamente, a Lisboa em meados de 2000, onde reuniu com o réu FF, com o objectivo de reafirmar o interesse na aquisição de todos os prédios rústicos que se encontravam arrendados.

32. O réu FF informou o autor que a Quinta dos Coviais de Cima já tinha sido negociada.

33. Os réus vendedores e a ré compradora, ao outorgarem as escrituras públicas de 15 de Abril de 2003 e 15 de Janeiro de 2004, pretenderam vender e comprar, respectivamente, a totalidade da Quinta dos Coviais de Cima.

34. Quando o réu KKK, na qualidade de cabeça-de-casal das referidas heranças, informou o autor e demais rendeiros da intenção de vender o referido prédio, fê-lo relativamente à totalidade do imóvel e não à sua venda parcelada e por fracções.

35. Entre 1975 e 1977 o autor integrou uma das comissões de avaliação dos serviços de Finanças da Guarda, para avaliação de prédios rústicos, tendo prestado serviços nas freguesias de Albardo, Vila Fernando, Vila Garcia e Carvalhal Meão.

36. O autor teve conhecimento da intenção dos réus vendedores venderem a Quinta dos Coviais de Cima em 1995.

37. No dia 15 de Abril de 2003, depois de outorgada a escritura pública referida em 1, o réu FF esteve com o autor, dando-lhe conhecimento do contrato acabado de celebrar e exibindo-lhe a respectiva cópia.

38. O autor teve, nesse dia, conhecimento do montante do negócio, das condições do preço declarado na escritura do notário em que foi realizada e da pessoa do comprador.

39. Antes de ter sido celebrada a escritura pública de 15 de Abril de 2003, a Quinta dos Coviais de Cima foi atravessada pela A 23, tendo ficado uma parcela do lado poente da A 23 e outra do lado nascente de maior dimensão.

40. Parcela do lado nascente que é composta por terra de centeio, feno, pastagem, castanheiros e carvalhos, com a área de cerca de 967.696 m2 e que confronta do sul com o prédio referido em 9.

41. A ré JJ, Lda. requereu, em 29 de Junho de 2004, na Repartição de Finanças da Guarda, a atribuição de artigos matriciais próprios a cada umas das duas referidas parcelas.

42. A ré JJ, Lda. adquiriu a Quinta dos Coviais de Cima com o fim de na mesma vir a ser instalada uma instância de turismo e lazer, instância esta integrada por um campo de golfe, hotel e zona residencial.

43. Tendo sido solicitado pela empresa NN, Hotéis, Lda. à Câmara Municipal da Guarda um pedido de informação prévia sobre a construção de um campo de golfe com empreendimento turístico, na Quinta dos Coviais de Cima, por deliberação da mesma Câmara de 17 de Setembro de 2003, foi concedido o Interesse Municipal ao projectado investimento.

44. A ré adquirente contratou uma máquina de rastos que durante vários dias, abriu acessos à quinta, bem como abriu uma rodeira na quinta, ao longo das suas estremas, que permite a circulação de viaturas.

45. Procedeu à vedação da quinta em toda a sua extensão, com uma rede vaqueira e três fiadas de arame farpado, com cerca de 1,50 m de altura, parte da quinta foi desmatada e procedeu à limpeza da casa.

46. Em meados de 2002, o Instituto das Estradas de Portugal expropriou uma parcela de terreno, com a área de cerca de 45.500 m2, do prédio denominado Quinta dos Coviais de Cima, inscrito na matriz predial rústica da freguesia de S. Miguel da Guarda, no artigo 458.

47. O autor foi, na qualidade de arrendatário, notificado pelo Instituto das Estradas de Portugal, da pendência da referida expropriação.


B- O direito


1. resposta excessiva ao ponto controvertido nº 43 da base instrutória

Porque interligados entre si, já que reportados à mesma situação factual, transcrevem-se os pontos controvertidos nºs 41 a 43 da base instrutória:
A R adquirente projectou afectar a quinta em causa a uma instância de turismo e lazer? –nº 41.
Projectando a construção de um campo de golfe, com o apoio de unidades hoteleiras e construção de zona residencial? –nº 42.
Projecto para o qual obteve a declaração de interesse público municipal? –nº 43.
Estes pontos controvertidos mereceram a resposta:
Provado que a ré JJ, Lda. adquiriu a Quinta dos Coviais de Cima com o fim de na mesma vir a ser instalada urna instância de turismo e lazer nº 41.
Provado que, instância esta integrada por um campo de golfe, hotel e zona residencial –nº 42.
Provado que, tendo sido solicitado pela empresa NN, Hotéis, Lda. à Câmara Municipal da Guarda um pedido de informação prévia sobre a construção de campo de golfe com empreendimento turístico, na Quinta dos Coviais de Cima, por deliberação da mesma Câmara de 17 de Setembro de 2003, foi concedido o Interesse Municipal ao projectado investimento –nº 43.

As respostas aos pontos da matéria de facto levados à base instrutória não têm de ser necessariamente afirmativas ou negativas, podendo ainda ser restritivas ou explicativas, mas desde que se contenham na matéria de facto articulada. A resposta explicativa é aquela que se limita a aclarar o sentido da factualidade vertida no respectivo ponto controvertido, respeitando o sentido dessa mesma factualidade.
A resposta será já exorbitante quando contempla factos não contidos no ponto controvertido. Sendo excessiva a resposta, não pode a mesma ser considerada, devendo, nessa parte, ter-se como não escrita.

Na situação vertente, estava em causa averiguar se a ré obteve para determinado projecto de turismo e lazer a levar a cabo no prédio objecto da preferência a declaração de interesse público municipal. E a resposta a esta situação de facto controvertida veio esclarecer que o interesse municipal a esse projectado investimento foi efectivamente concedido e que foi concedido na sequência de um pedido de informação prévia sobre a construção apresentado pela empresa NN, Hotéis, Lda.
Consideramos ser de natureza explicativa esta resposta na medida em que dá como adquirido que a projectada instância de turismo e lazer a construir obteve a declaração de interesse municipal, esclarecendo ainda o modo como essa declaração foi concedida.
Este interesse municipal não foi concedido a um qualquer abstracto investimento, mas àquele investimento concretizado na instalação de uma instância de lazer e turismo, na Quinta dos Coviais de Cima.
Pode-se, por isso, afirmar que esta resposta respeita o sentido da matéria de facto articulada, não contemplando factos estranhos a essa factualidade, ou seja, não é excessiva.


2. exclusão do direito de preferência

Segundo o nº 1 do art. 1380º C.Civil, os proprietários de terrenos confinantes … gozam reciprocamente do direito de preferência nos casos de venda… a quem não seja proprietário confinante.
O direito de preferência conferido ao proprietário de terreno confinante radica no objectivo de combater a pulverização da propriedade, facilitando e incentivando o emparcelamento em vista de uma melhor rentabilidade produtiva e também em razões de preocupação ambiental.

Na acção para o exercício do direito de preferência o autor tem de alegar e provar, desde logo, a relação de confinância entre o seu prédio e o prédio alienado. Este é o facto primordial constitutivo do direito de preferência cuja alegação e prova incumbe ao autor, em conformidade com o disposto no nº 1 do art. 342º C.Civil.
Efectivamente, ficou demonstrada a confinância entre o prédio do autor, pelo seu lado norte, com o prédio vendido pelos réus, não sendo, por outro lado, a compradora proprietária de nenhum prédio com este confinante.
Acresce que o prédio de que o autor é proprietário tem área inferior à unidade de cultura.

Não obstante estarem reunidos os requisitos para ser concedido ao autor a primazia na aquisição do prédio vendido à ré JJ, o certo é que o direito de preferência conferido aos proprietários de terrenos confinantes é excluído quando algum dos terrenos se destine a algum fim que não seja a cultura –al. a) do art. 1381º C.Civil.
Nestas situações entendeu o legislador que já não se justifica a proibição de fraccionamento dos terrenos rústicos.
E então o proprietário confinante já não goza do direito de preferência na medida em que o terreno agrícola alienado se destina a outro fim que não a cultura.

É esta excepção que está agora em discussão.
Na jurisprudência e na doutrina é dominante o entendimento de que, para a exclusão do direito de preferência com base neste normativo, não é necessário que a afectação do prédio a fim diferente exista já ao tempo da alienação. O fim relevante, para aplicação daquela norma-excepção, é aquele que o adquirente pretende dar ao terreno, mesmo que essa intenção não conste da respectiva escritura, devendo, todavia, esse elemento subjectivo ter concretização na factualidade apurada (1).
Mas não basta a mera intenção de afectação do prédio a fim diferente do da cultura para afastar o direito de preferência, sendo ainda necessário que essa mudança de destino seja legalmente possível.
Caso contrário estar-se-ia a dar relevo jurídico a simples manifestações subjectivas de vontade, quiçá ficcionadas, que fariam precludir a norma-regra do direito de preferência do proprietário confinante.

Na situação vertente, temos por adquirido que o terreno vendido à recorrida, objecto do direito preferência, é de cultura. A recorrida JJ adquiriu esse terreno, designado por Quinta dos Coviais de Cima, com o objectivo de aí instalar uma instância de turismo e lazer, instância esta integrada por um campo de golfe, hotel e zona residencial. Por deliberação da Câmara Municipal da Guarda, de 17 de Setembro de 2003, foi concedido o Interesse Municipal ao projectado investimento, na sequência de um pedido de informação prévia sobre a construção de um campo de golfe com empreendimento turístico, na Quinta dos Coviais de Cima, feito pela empresa NN, Hotéis, Lda.

Decorre destes factos, inequivocamente, que a recorrida adquiriu este terreno com o objectivo de nele instalar uma instância de turismo e lazer. E a Câmara Municipal concedeu a este investimento interesse municipal.
Como já se deixara referido, este interesse municipal não foi concedido a um qualquer hipotético investimento, mas àquele investimento concretizado na instalação de uma instância de lazer e turismo, na Quinta dos Coviais de Cima. Foi à concretização deste projecto que se concedeu um reconhecido interesse público local, sendo, como se afirma na sentença da 1ª instância, este o dado que releva e não a entidade que o solicita.
O interesse em ter adquirido o terreno para um fim diferente da cultura está suficientemente objectivado nos autos.

Sustenta o recorrente, estribado no facto do terreno estar inserido na RAN e na REN, não ser possível destiná-lo a fim diferente da cultura, sem previamente se ter procedido à sua desafectação.
O simples facto de um terreno estar incluído em solos classificados como RAN ou REN não é, só por si, de todo impeditivo da sua desafectação para um fim diferente do da cultura. Basta que a acção a prosseguir nesse terreno se revista de reconhecido interesse público para que essa desafectação seja possível.
Do mesmo modo, o Plano Director Municipal da Guarda (cap. III) prevê a edificabilidade, nos terrenos classificados como área rural, de equipamentos especiais de interesse municipal, nomeadamente equipamentos hoteleiros e turísticos.
Os pareceres favoráveis às entidades competentes para aquela desafectação, designadamente da Comissão Regional de Agricultura, podem a todo o tempo ser solicitados, mas com o único objectivo da alterar a classificação do prédio. Mas a essas entidades já não lhes incumbe pronunciarem-se sobre a viabilidade ou não da construção a erigir no terreno. Essa é incumbência exclusiva das Câmaras Municipais.
E a deliberação camarária ao conceder o interesse público municipal à instalação de uma instância de lazer e turismo, em consonância, aliás, com permitido pelo Plano Director Municipal, teve como consequência a exclusão do terreno da área rural em que se encontrava integrado, possibilitando a construção deste equipamento especial.
A efectivação da instalação daquela instância de lazer e turismo no prédio adquirido apresenta-se assim como legalmente viável.

Invoca, porém, o recorrente a nulidade da deliberação da Câmara Municipal da Guarda de 17 de Setembro de 2003, por violar o disposto na al. c) do nº 1 do art. 23º do PDM da Guarda, porquanto o terreno não está afecto à construção. Assim como invoca a mesma impossibilidade de construção fundamentado em obstáculos vários de natureza administrativa.
Porém, só agora, em sede de recurso, coloca todas estas questões.
Com os recursos visa-se impugnar a decisão recorrida mediante o reexame do que nele se tiver discutido e não a apreciação de questões novas, a não ser que estas sejam de conhecimento oficioso (art. 676.º, n.º 1 C.Pr.Civil).
Mas mesmo a apreciação das questões novas que sejam de conhecimento oficioso está limitada pelos princípios sobre alteração do pedido e causa de pedir preconizados pelos arts. 272º e segs. C.Pr.Civil.
Desde logo está vedado ao tribunal de recurso a apreciação de uma questão nova de conhecimento oficioso que implique alteração da causa de pedir.
Ora, dar acolhimento à situação agora trazida à colação pelo recorrente seria estar a aceitar a introdução de novos fundamentos da acção, ou seja, uma alteração da causa de pedir, o que não é admissível.
Como estas questões não foram colocadas no momento processualmente oportuno, se a Relação dela tivesse conhecido cometeria uma nulidade, tal qual o Supremo incorreria no mesmo vício se dela agora conhecesse.

É possível concluir que a recorrida JJ adquiriu a Quinta dos Coviais de Cima para um fim que não a cultura, pelo que se mostra preenchida a excepção da al. a) –parte final- do art. 1381º C.Civil e, consequentemente, inviabilizada a procedência da acção.


IV. Decisão

Perante tudo quanto exposto fica, acorda-se em negar a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 11 de Dezembro de 2008

Alberto Sobrinho (Relator)
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Lázaro Faria


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(1) - Henrique Mesquita, Parecer, in CJ,XI-5º,54; acs. STJ, de 21/06/1994, in BMJ,438º-450; de 14/03/2002, in CJ,X-1º,133; e de 9/01/2003, proc. nº 02B914, in www.dgsi.pt/jstj