Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3431
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SEBASTIÃO PÓVOAS
Descritores: ALEGAÇÕES
CULPA
MATÉRIA DE DIREITO
Nº do Documento: SJ200610310034311
Data do Acordão: 10/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1) O STJ pode sindicar a coerência lógico-jurídica da decisão em matéria de culpa, em termos de a conformar aos preceitos legais que disciplinam determinado tipo de conduta, por tal constituir matéria de direito.

2) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil - destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.

3) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução "pari passu" das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

"Empresa-A, SA" intentou acção, com processo ordinário, contra "Empresa-B, Lda", AA, BB, "Companhia de Seguros Empresa-C" e Empresa-D, pedindo a sua condenação solidária no pagamento de 78995,00 euros, com juros à taxa legal de 4%, desde a citação, a titulo de indemnização pelos danos sofridos em acidente de viação.

A primeira instância absolveu as Rés "Empresa-B" e a "Companhia de Seguros Empresa-C".

Mas julgou a acção parcialmente procedente e condenou os Réus BB e o Empresa-D a pagarem à Autora a quantia de 60348,45 euros, acrescida de juros, sendo que o "Empresa-D" apenas seria responsável até 60 049,17 euros.

Do mais pedido, foram os Réus absolvidos.

Apelou o Empresa-D.

A Relação de Coimbra revogou, parcialmente, a sentença e condenou os mesmos Réus no pagamento das mesmas quantias, mas absolveu-os do pagamento de juros capitalizados.

Inconformado o Réu pede revista assim concluindo:

- Antes de efectuar uma ultrapassagem, o condutor do veículo ultrapassante deve certificar-se que da sua manobra não irá resultar perigo ou embaraço para o trânsito (artigo 35º do Código da Estrada);

- É considerada ultrapassagem, em estrada com duas vias de trânsito em cada sentido, a manobra efectuada por veículo que passa da via de trânsito da direita para a da esquerda e, ganhando velocidade, passa a circular à frente do veículo ultrapassado;

- A manobra de ultrapassagem deve ser iniciada e concluída em zona em que, pela sinalização existente, esta seja permitida;

- Não poderá um condutor que tenha iniciado a ultrapassagem em zona em que a mesma é permitida, ir acabar tal manobra em zona em que a mesma já não o é (por sinalização vertical ou por traço contínuo);

- No caso concreto, o condutor do veículo HI, no momento do início da ultrapassagem, deparava-se com o seguinte cenário: duas vias de trânsito em sentido descendente com grande inclinação; um veiculo para ultrapassar composto por tractor e reboque que assinalava a sua marcha com os quatro piscas ligados; um sinal de proibição de ultrapassagem cerca de 100 metros após o inicio das duas vias de trânsito;

- Por sua vez o condutor do HI conduzia também um veículo articulado, composto por tractor e reboque (porta carros) que na altura ia carregado com os respectivos veículos;

- Ambos os veículos encontravam-se em marcha, não estando o BX (veículo a ultrapassar) parado;

- Ora, aplicando as regras de experiência comum a esta manobra de ultrapassagem, dadas as características do local e dos veículos envolvidos, obrigatoriamente se concluirá que a mesma é fisicamente impossível, ou muito arriscada, para ser efectuada no espaço de 100 metros permitidos pela sinalização;

- Ao efectuá-la o condutor do HI colocaria em risco todos os demais circulantes, bem como a si próprio;

- Por outro lado, não poderá ser entendido que tal sinal permite a ultrapassagem e a continuação da circulação dela hemi-faixa da esquerda do veículo pesado ultrapassante, após o local da sua implantação.

- Tal sinal, para além de impedir a ultrapassagem após o local da sua implantação, proíbe também a circulação pela hemi-faixa da esquerda de qualquer veículo pesado, após o seu lugar de implantação.

- Razão pela qual o HI deveria ter iniciado e concluído a ultrapassagem antes do referido sinal.

- Situação que, por ser impossível ou muito difícil, deveria ter impedido o condutor do HI de efectuar tal manobra.

- Pelo que, ao agir de forma contrária, violou o disposto nos artigos 35º, 38º nº1, nº2 alínea a) e b) e nº3 do Código da Estrada.

- Assim, coube-lhe a culpa exclusiva na conformação do presente acidente.

-A sentença de que se recorre violou, entre outras disposições, os artigos 35º, 38º nº1,nº 2 alínea a) e b) e nº 3 do Código da Estrada.

Contra alegou a recorrida para concluir:

- Veio o recorrente nos presentes autos restringir o objecto do seu recurso a um único aspecto: a não imputação da culpa do acidente ao condutor do veiculo do Autor, ou seja, ao condutor do conjunto circulante HI (tractor) e L-... (porta-carros).

- Salvo melhor opinião, a matéria alegada pelo recorrente está - atento o disposto nos artigos 722º do CPC e 26º da LOFT - subtraída aos poderes de cognição do STJ.

- Caso assim não se entenda, sempre se dirá que não pode ser assacada qualquer culpa ao condutor do veículo do recorrido, uma vez que, o mesmo não infringiu o sinal de proibição de ultrapassagem, como alega o recorrente.

- O sinal de ultrapassagem está implantado a 100 metros após o inicio das duas faixas e a ultrapassagem teve inicio antes do veiculo do recorrido se cruzar com o sinal de proibição de ultrapassagem, sendo que, a proibição de ultrapassar só poderá vigorar a partir do local onde o sinal implantado sob pena de se conferir carácter retroactivo à sinalização.

- Entendeu e bem a sentença proferida nos presentes autos, que "neste caso para ter existido um comportamento contrário à regra ditada pelo referido sinal era necessário que o HI (veiculo da Autora) tivesse saído da faixa da direita para a faixa da esquerda, na altura em que se cruzava o sinal ou depois disso".

- Assim, entendemos que carecem de fundamento de facto e de direito os argumentos aduzidos pela recorrente, quando classifica a ultrapassagem de "muito arriscada", senão vejamos:

- O que pode ser exigido a um condutor que no uso de zelo e diligencia, inicia uma ultrapassagem num local em que a manobra é permitida - como é o caso subjudice - e que no decurso da mesma, se cruza com um sinal de proibição de ultrapassagem, apenas e só que retorne à faixa da direita em segurança.

- Aos condutores não é exigível que tenham conhecimento antecipado da sinalização dos percursos que utilizam, apenas e só que respeitem a sinalização existente à medida que esta surge no percurso.

- Assim, e por todo o exposto, não deverá, como pretende o ora recorrente, ser presumida a culpa do ora recorrido, desde logo, porque salvo melhor opinião a matéria de facto dada como provada não o permite.

As instâncias deram como provada a seguinte matéria de facto:

- A Autora em 19 de Fevereiro de 2001 era locatária do veículo pesado de mercadorias, matricula HI.

- No dia 19 de Fevereiro de 2001, pelas 17.40 horas, ocorreu um embate envolvendo o conjunto circulante pesado de mercadorias com as matriculas BX (tractor) e C-... (reboque), e o conjunto circulante da Autora HI (tractor) e L-... (reboque), no IP3, na descida do Botão, concelho e distrito de Coimbra, seguindo ambos no sentido Viseu/Coimbra.

- O motorista da Autora conduzia o conjunto circulante HI (tractor) e L-... (reboque).

- No local que antecede o acidente, a via, que tinha apenas uma faixa de circulação, abria duas faixas de circulação, no mesmo sentido, no início da descida.

- O motorista da Autora apercebeu-se que o condutor do conjunto circulante BX/C-... havia accionado os quatro piscas e estaria com problemas mecânicos, percepção que ocorreu quando iniciava a denominada "descida do Botão", antes ainda de chegar ao km 48,8.

- A via tinha apenas uma faixa de rodagem no sentido em que seguiam os veículos pesados, mas, no inicio da descida, abria em duas faixas de rodagem, tendo o motorista da Autora tomado a via da esquerda quando chegou ao ponto em que a via possuía duas faixas, e passando pelo conjunto circulante BX/C-...., que seguia na faixa da direita.

- Antes do local do acidente existia um sinal vertical que proibia os veículos pesados de procederem à ultrapassagem de outros veículos, estando colocado numa zona da estrada em que já existiam duas faixas de rodagem no mesmo sentido e existia um separador central de sentidos de trânsito, feito em cimento, sinal esse situado a pelo menos cem metros do inicio da passagem de uma para duas faixas de rodagem no mesmo sentido.

- O condutor do veiculo HI passou para a faixa da esquerda, logo no inicio do surgimento desta nova faixa, no inicio da denominada "descida do Botão", levando, nesta altura, o veiculo BX os quatro piscas acesos.

- O condutor do pesado HI verificou, no início da descida, que o tractor e reboque BX/C-... seguiam com os quatro piscas acesos e pensou que o conjunto BX e reboque iriam com problemas mecânicos.

- Quando o conjunto circulante da autora se encontrava na faixa da esquerda e o conjunto circulante BX seguia na faixa da direita, este último, cerca do meio da descida, começou a buzinar e vinha aumentando a sua velocidade.

- O Réu Baptista começou a buzinar porque, apesar de usar os travões, não conseguia que o veiculo BX deixasse de aumentar de velocidade na descida.

- No decurso da descida do Botão o condutor do tractor e reboque BX verificou que mesmo utilizando os travões não conseguia impedir que o tractor e reboque ganhassem cada vez mais velocidade.

- O condutor do tractor e reboque BX ligou os quatro piscas intermitentes ao iniciar a descida e só mais à frente, cerca do meio da descida, começou a buzinar.

- À medida que o camião descia, apesar de ter sido feito uso dos travões, ia aumentando de velocidade.

- À frente do pesado BX, na fila da direita da hemi-faixa direita, considerando o seu sentido, seguia CC conduzindo o respectivo veiculo.

- Ao verificar o aumento de velocidade do tractor e reboque, o Réu AA viu-se obrigado a passar para a faixa mais à esquerda da hemi-faixa direita, considerando o seu sentido, para evitar embater contra o veículo pesado que seguia à sua frente.

- Quando o conjunto circulante BX passava pelo meio daqueles dois veículo, embateu no conjunto circulante da Autora, empurrando o mesmo contra o separador central, onde se veio a imobilizar.

- A velocidade do BX aumentou porque o funcionamento dos travões não o impedia, tendo, por isso, o condutor do veiculo BX começado a buzinar.

- O condutor do conjunto circulante BX imobilizou-o cerca de um km mais à frente, por alegada falha de travões, sendo certo que só aí conseguiu obter local que não impedia a circulação do outro tráfego.

- O conjunto circulante BX era propriedade de BB e o respectivo motorista era AA, que o conduzia por conta e no interesse do proprietário que era a sua entidade patronal.

- Em consequência do embate os danos causados no camião matricula BX, foram os seguintes:
… frente da cabina destruída, suspensão da frente esquerda empenada, caixa de direcção com funcionamento deficiente, barra da direcção danificada, primeiro penduram da barra de direcção danificado, eixo frente do chassis empenado, manga de eixo esquerdo empenada, cabina com deslocação visível para a retaguarda motivada por empeno da mesma e dos apoios.
E no reboque matricula C-...: empeno bastante visível de toda a estrutura do reboque com especial incidência nas tesouras de elevação da plataforma superior do reboque com necessidade de substituição de um dos macacos hidráulicos e ainda de algumas placas especiais do piso do reboque, e pintura das partes sinistradas.

- A Autora procedeu à reparação do conjunto circulante, nas suas próprias instalações oficinais, a qual ficou concluída em 9 de Maio de 2001.

- A reparação do chassis HI e do reboque importou no valor de 8.975.520$00, nos termos discriminados no doc. 5 da petição.

- A reparação do reboque importou em 1.921.375$00.

- Esse tractor valia então 6.000.000$00 e o reboque 4.250.000$00.

- A Autora teria obtido receitas inerentes à actividade do seu conjunto circulante, o qual integrava a frota de transportes comerciais da Autora.

- A Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias avaliou como valor de custo de paralisação para os veículos similares ao veiculo HI (ou seja, veículos de peso bruto entre 26 e 40 toneladas afectos ao serviço internacional), o valor de 60.000$00 diários e a mesma entidade, para efeitos de acordo entre a Associação Nacional de Transportes Públicos Rodoviários de Mercadorias e as Seguradoras, avaliou o custo de paralisação para os veículos similares ao veiculo HI, para o ano de 2000 em 37.000$00.

- Quer o tractor de matrícula HI quer o atrelado de matrícula C-... encontravam-se licenciados para o transporte internacional de mercadorias.

- A Autora despendeu 1.280$00 com a obtenção da certidão da cópia integral do Auto de Participação da Guarda Nacional Republicana.

- A Autora despendeu com o reboque do veículo a quantia de 198.900$00.

- A viatura com a matrícula BX, marca DAF foi propriedade da Ré "Empresa-B, Lda.", até ao dia 30 de Março de 2000.

- Em 31 de Março de 2000, a Ré Empresa-E vendeu o camião em causa ao Sr. DD, comerciante de veículos automóveis, residente na Espinheira, Penacova, como resulta da factura nº 847, emitida aquando da transacção cuja cópia constitui o Doc. 1 da contestação da Ré Empresa-B.

- O Réu BB tinha transferido para a responsabilidade civil decorrente da circulação do conjunto circulante BX/C.... através do contrato de seguro, sendo a apólice a nº 5000.617071.50.

- O veiculo BX esteve seguro na Ré Seguradora Empresa-C até 9 de Dezembro de 2000, por meio de contrato celebrado entre esta e BB e titulado pela apólice 617071, data em que foi anulada por falta de pagamento do prémio vencido em 9 de Novembro de 2000.

- No que se refere ao prémio devido em 9 de Novembro de 2000, foi remetido ao segurado, em 1 de Outubro de 2000, o aviso da respectiva cobrança, de onde constava, para além do montante a pagar e data em que o pagamento era devido (9/11/2000), a data em que o contrato seria resolvido no caso de falta de pagamento desse prémio, 9 de Dezembro de 2000.

- O segurado não pagou o prémio devido na data do respectivo vencimento, nem nos trinta dias posteriores àquela data (não o tendo feito até hoje).

- Quer o tractor quer o reboque eram propriedade do co-réu Almerindo que os havia adquirido em meados de 2000 a DD.

- O tractor e o reboque BX/C... eram conduzidos por AA à data do acidente, no interesse e sob a direcção efectiva do Réu Almerindo.

Foram colhidos os vistos.

Conhecendo,

1- Matéria de facto.
2- Alegações.

3- Conclusões.

1- Matéria de facto.

Pretende-se, com esta lide, efectivar a responsabilidade civil extra contratual, decorrente de acidente de viação.
O recorrente não questiona o evento, não põe em causa os danos, e respectivo montante, nem coloca dúvidas sobre o nexo de causalidade.
Aceita, assim, estes pressupostos de responsabilidade aquiliana só não se conformando com o nexo de imputação, ou seja a culpa do condutor do veículo da Autora.
Esta, suscita a questão prévia do não conhecimento do recurso considerando tratar-se de matéria de facto, portanto subtraída aos poderes cognitivos deste Supremo Tribunal, "ex vi" do disposto no artigo 26º da LOFTJ e 721º do Código de Processo Civil.
"In casu" sem razão.

O recorrente não questiona o apuramento dos factos, a apreciação da prova com a correlativa fixação da parte material - o que só poderia fazer nas hipóteses do nº2 do artigo 722º e 729º nºs 2 e 3 do diploma adjectivo - mas, e tão somente, a sua interpretação em termos de os subsumir ao conceito de culpa, fazendo apelo para as normas do Código da Estrada.

Ora, e como refere o Cons. Amâncio Ferreira (in "Manual dos Recursos em Processo Civil", 6ª ed, 257) a "culpa que derive de inconsideração ou falta de atenção integra matéria de facto, mas já constitui matéria de direito a culpa decorrente da inobservância de preceitos legais e regulamentares."

É precisamente essa a perspectiva do recorrente ao impugnar o julgado, como acima se disse.

Mas pode ir-se um pouco mais longe.

E assim permitir ao STJ sindicar a coerência lógico-jurídica da decisão em matéria de culpa, em termos de impedir conclusões arbitrárias (por ao arrepio de preceitos legais) extraídas a partir de factos provados.
Perante o suporte factual que as instâncias dão por assente, o STJ pode concluir pela existência de um comportamento legalmente censurável a desrespeitar as normas que disciplinam determinada conduta.

Como lapidarmente se diz no Acórdão do STJ de 20 de Novembro de 1991, "o conceito de matéria de direito e de facto tem a sua distinção na apreciação que na vida real se possa fazer, de estar ao alcance directo da pessoa média e, por isso, de fácil captação pelos meios de prova admissíveis, sem que para tanto aja necessidade de se socorrer de interpretação e aplicação de algum preceito legal." (BMJ 411-255).

Só se no apuramento de qualquer evento material ou ocorrência da vida não houver que interpretar ou aplicar qualquer norma jurídica, é que a questão é meramente de facto.

Improcede assim a questão prévia que a recorrida suscitou.

2- Alegações.

O recorrente reproduz, "pari passu", as alegações que ofereceu na apelação, transcrevendo, quase exactamente, as mesmas conclusões.

O Acórdão recorrido não é remissivo, antes abordando todas as questões que o recorrente suscitara perante a Relação.

Ora, sendo a revista destinada a impugnar o julgado pela Relação, a argumentação recursiva deve ser dirigida a este aresto, que não ao decidido na 1ª instância.

Isto é, deve atacar os pontos concretos da decisão recorrida sendo que, e como julgou o Acórdão do STJ de 21 de Dezembro de 2005 - 05B2188 - não o fazendo, "o recorrente não atendeu verdadeiramente ao conteúdo do Acórdão recorrido, antes na realidade reiterou a sua discordância relativamente à decisão apelada, sem verdadeira originalidade ou aditamento que tivesse em conta a fundamentação do Acórdão sob recurso."

Nesta perspectiva - que se acolhe - ou se entende que a prática de reprodução alegatória equivale à deserção do recurso, por falta de alegações, porque, embora se possa dizer que, formalmente foi cumprido o ónus de formar conclusões, já em termos substanciais é legitimo inferir que terá faltado uma verdadeira e própria oposição conclusiva à decisão recorrida nomeadamente porque a repetição não atingiu apenas as conclusões, afectando também o corpo das alegações" (Acórdão do STJ de 11 de Maio de 1999 - Pº 257/99 - 1ª); ou, e numa óptica menos rígida, se aceita o recurso mas se considera plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC (cf. Acórdão citado de 21 de Dezembro de 2005).

Como julgou o Acórdão de 3 de Outubro de 2006 (Pº 2993/06) do mesmo Relator, "adere-se a este entendimento jurisprudencial, sempre enfatizando que a decisão recorrida é "o Acórdão da Relação e não a sentença da 1ª instância - cf., v.g. os Acórdãos do STJ de 12 de Julho de 2005 - Pº 1860/05 - 2ª; de 17 de Março de 2005 - Pº 1304/04-2ª; de 22 de Setembro de 2005 - Pº 3727/03-2ª e Pº 2088/05-2ª - e na linha dos Acórdãos de 27 de Abril de 2006 - 06 A945 - e de 18 de Maio de 2006 - 06 A1134 - deste mesmo Relator, considera-se que nestes casos, se legitima plenamente o uso da faculdade remissiva ou, quando muito, uma fundamentação mais sucinta. (cf. ainda, o Acórdão de 22 de Setembro acima citado - 03B727)."

Não sendo assim, o STJ estaria a apreciar detalhadamente não o mérito do Acórdão mas a sentença da 1ª instância, já que o recorrente só formalmente se insurge contra aquele.

O Acórdão recorrido ponderou detalhadamente os argumentos do recorrente que não trouxe perante este Supremo Tribunal razões que possam infirmar as conclusões ali tiradas e que imputaram o evento lesivo à conduta do motorista AA, que tripulava o veiculo do Réu BB.

Improcede, em consequência, o recurso, por acolhimento dos fundamentos do Acórdão recorrido, nos termos do nº5 do artigo 713º do Código de Processo Civil, por nada mais se nos oferecer acrescentar, ainda que por forma breve.

3- Conclusões.

De concluir que:

a) O STJ pode sindicar a coerência lógico-jurídica da decisão em matéria de culpa, em termos de a conformar aos preceitos legais que disciplinam determinado tipo de conduta, por tal constituir matéria de direito.

b) O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça - e salvo a situação do artigo 725º do Código de Processo Civil - destina-se a impugnar o Acórdão da Relação e a argumentar contra os seus fundamentos.
c) Se o recorrente usa a mesma argumentação, com reprodução "pari passu" das conclusões da alegação produzida na apelação, fica plenamente justificado o uso da faculdade remissiva do nº5 do artigo 713º do CPC, ou, e no limite, uma fundamentação muito sucinta.

Nos termos expostos, acordam negar a revista.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 31 de Outubro de 2006

Sebastião Póvoas (Relator)
Moreira Alves
Alves Velho