Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
027432
Nº Convencional: JSTJ00007430
Relator: CRUZ ALVURA
Descritores: COMPETENCIA TERRITORIAL
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CUMULO DE PENAS
FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ195112140274323
Data do Acordão: 12/14/1951
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS DE 08-01-1952 ; BMJ N28, 203
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 4/1951
Área Temática: DIR CRIM - TEORIA GERAL.
DIR PROC PENAL. DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CP886 ARTIGO 38 ARTIGO 102.
CPP29 ARTIGO 45 ARTIGO 55 PAR1 PAR2 PAR3 PAR4 ARTIGO 356 PAR1 ARTIGO 401 PAR4 ARTIGO 411 ARTIGO 413 ARTIGO 444.
CPC39 ARTIGO 666.
Sumário :
Transitada em julgado a condenação dum reu por determinadas infracções, a competencia territorial para o julgamento de outras anteriores de que ele seja acusado regula-se pelas regras gerais da mesma competencia.
Decisão Texto Integral:
Acordam os do Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas:

Entre o tribunal da comarca do Marco de Canaveses e o Terceiro Juizo Correccional da comarca do Porto foi levantado conflito negativo de competencia para o julgamento de A "o Poveiro", arguido no processo instruido nesse Juizo Correccional e relativo a um furto previsto e punido pelo artigo 421, n. 1, do Codigo Penal e praticado pelo "Poveiro" na comarca do Porto antes de ser julgado e condenado naquele tribunal de comarca como autor de seis crimes de furto, tres dos quais previstos pelo artigo 428, n. 1 e paragrafo unico e punidos pelo n. 3 do artigo 421, artigos estes do mesmo codigo, tendo-lhe sido aplicada a pena de sete meses de prisão correccional e cinquenta e um dias de multa a 5 escudos por dia. E a Relação do Porto, por acordão de 26 de Novembro de 1949, resolveu esse conflito, julgando competente o tribunal da comarca de Marco de Canavezes, por o principio de competencia marcado no artigo 55 do Codigo de Processo Penal dominar o paragrafo 4 desse artigo.


O Ministerio Publico recorreu desse acordão, nos termos do artigo 669 deste codigo, por haver oposição de doutrina entre essa decisão e o acordão da mesma Relação de 16 de Junho de 1948, em que, num conflito semelhante, se aplicara a regra geral de competencia do artigo 45 do mesmo Codigo de Processo Penal.


No acordão de folhas 45, a Secção Criminal deu como verificado o conflito de jurisprudencia e mandou prosseguir o recurso. E dão-se de facto os pressupostos legais para que este tribunal exerça, em sessão plena, a atribuição legal de uniformização de jurisprudencia, pois que do acordão recorrido não havia recurso ordinario, o acordão invocado em oposição transitou em julgado, foram as duas decisões proferidas no dominio da mesma legislação e resolveram em sentidos opostos a mesma questão juridica. A hipotese julgada nos dois acordãos foi a mesma, visto o acordão de 1948 ter decidido que apesar de o respectivo reu haver sido condenado em pena maior por varios furtos em processo julgado no tribunal da comarca de Marco de Canavezes , o crime de furto previsto e punivel pelo dito artigo 421, n. 2 e paragrafo 1, alinea segunda, cometido na comarca de Vila Nova de Famalicão devia ser julgado pelo tribunal desta comarca. Nos dois casos, o crime menos grave foi cometido depois da perpretação dos mais graves e antes do transito em julgado da decisão sobre estes crimes mais graves, e a Relação num desses casos pronunciou-se pela competencia territorial normal sem atenção a acumulação dos crimes e no outro caso, do acordão recorrido, pronunciou-se pela competencia especial dada pela acumulação de crimes.


Cumpre decidir, com o parecer do Ministerio Publico, tanto na Relação como neste tribunal, de que o novo julgamento não anula o que fez transito e, assim, o cumulo juridico, com acatamento desse julgado, pode e deve fazer-se no juizo competente para conhecer do crime ainda não julgado.
A reparação do dano causado pelos delitos na ordem moral e a prevenção criminal aliadas a economia processual levaram a fixar como norma de competencia penal, a do lugar do crime, e a regra do artigo 45 do Codigo de Processo Penal. Mas o principio da economia processual e a conexão subjectiva fazem que, no caso de concursos de delitos, se liguem os processos e se julguem conjuntamente, e isso se prescreve nos artigos 55 e
356 desse Codigo. Em obediencia a esses principios e disposições legais se fizeram os primeiros julgamentos referidos nas decisões postas em confronto e as remessas para as apenções. Mas a tardança dessas remessas e apensações e que deu motivo aqueles conflitos de competencia e de doutrina.


Querem uns que, desaparecida a razão da ligação dos processos, para julgamento conjunto, se devolve a competencia ao juizo do lugar do crime ainda não julgado, ou, melhor, mantem-se essa competencia. Querem os outros que a competencia por conexão subjectiva se fixa no tribunal que julgou o crime mais grave, tornando-o competente para conhecer de toda a acumulação de infracções.


Enquanto os primeiros argumentam com caracter excepcional do artigo 55 e com o disposto no seu paragrafo 1 e nos artigos 356, paragrafo 1 e 444 e paragrafos do mesmo Codigo, dizem os contrarios que o cumulo juridico das penas e sempre de fazer, em face dos artigos 38 e 102 do Codigo Penal, pela agravação da pena mais grave ou pela substituição dessa pena pela imediata, devendo, por isso, prevalecer a disposição especial desse artigo 55, que no seu paragrafo 4 preve julgamento ja feito pelo tribunal colectivo.
Tem sido esta ultima a orientação predominante da jurisprudencia. Mas, embora o corpo deste artigo e o seu paragrafo 1 regulem materia de competencia territorial, os seus restantes paragrafos nada tem que ver com as circunscrições judiciais. O seu paragrafo 2 trata mesmo da fixação da pena unica da totalidade dos crimes quando estes, pela sua natureza, sejam de competencias diversas.


E os paragrafos 3 e 4 preveem o caso de o reu cometer novos crimes que contribuam para retardar o julgamento, permitem que este se faça em separado e estabelecem a competencia do tribunal colectivo para a hipotese de a pena aplicada no julgamento feito em separado ser da sua competencia. Como os processos instruidos noutros juizos so são apensados depois de transitarem em julgado os despachos de pronuncia ou equivalentes ( artigo 356), segue-se que os crimes afectos ao tribunal do julgamento que podem retardar este não são os desses processos doutros juizos. Assim o paragrafo 4 do artigo 55 não cura de qualquer competencia para o julgamento de infracções de que se não tivesse conhecimento anterior, estranhas ao processo em que se tenha ordenado o julgamento em separado.
A redacção do proprio paragrafo 1 desse artigo mostra que a apensação e para o julgamento em conjunto dos processos que se tiverem instaurado; não se refere a processos que apareçam depois desse julgamento, que ate podem tratar de crimes mais graves do que os julgados.


Depois de feito o julgamento cessou a jurisdição cognitiva ou decisoria (artigo 666 do Codigo de Processo Civil), ficaram fixados os factos, a sua qualificação criminal, a sua punição e mais direito respectivo. Se forem averiguadas novas infracções, os seus processos não tem de ser apensadas ao processo julgado, não so porque o dito paragrafo 1 do artigo 55 o não determina e o paragrafo 1 do artigo 356 expressamente diz que a apensação se faz em qualquer altura do processo ate a audiencia de discussão e julgamento, mas tambem porque no artigo 444 e paragrafo 2 se preve a prossecução do julgamento em que for descoberto algum delito e o julgamento noutro juizo.


So quando o reu comete na audiencia de julgamento alguma infracção penal e que se julga logo e sumariamente nos termos dos artigos 411 e 413, paragrafo unico, do mesmo Codigo.


Julgado definitivamente um crime e salvo o caso de revisão, não ha possibilidade juridica de ser novamente julgado isolada ou conjuntamente com outra infracção.


Como vem alegado, a descoberta de um novo delito não invalida o julgamento feito, so obriga a fixação da pena da acumulação de crimes. A decisão transitada em julgado servira para se calcular essa pena devida pelo concurso dos crimes ja julgados e do que se venha a julgar e esse calculo, do cumulo juridico ou da soma das penas, pode ser feito por qualquer tribunal competente.


Ha toda a vantagem em que as infracções sejam julgadas nas circunscrições onde provocaram o alarme social e, mais naturalmente, existem os seus vestigios e provas. O principio da imediação, do contacto directo do julgador com as provas, so deve ceder ao da economia do julgamento conjunto das infracções. Se tiver de haver mais de um julgamento e qualquer delito houver de ser julgado aparte, tudo indica que se faça o novo julgamento no tribunal do lugar desse delito, isto se não tiver havido apensação dos respectivos processos e não existir outra razão de conexão alem da acumulação de crimes.


Acresce que os defensores da solução adoptada no acordão recorrido, alem de não atenderem a esse principio de imediação, esquecem que agora so excepcionalmente se expedem deprecadas para depoimentos e declarações na fase do julgamento (artigo 401, paragrafo 4, do mesmo Codigo).
Isto, aliado a propria função do processo, de apurar os factos, basta para se não alargarem os casos legais de desaforamento das causas criminais dos seus juizos proprios, normais.


Em vista de nos casos dos dois acordãos em oposição, ter cessado a razão da competencia por conexão e haver toda a vantagem em que o novo processo seja julgado pelo juizo normalmente competente, com observancia das regras dos paragrafos do artigo 55, quanto a pena da acumulação criminosa e apensação de processos, se houver mais de um para julgar, da-se provimento ao recurso, para que o julgamento, objecto do conflito de competencia pendente, se faça no tribunal competente da comarca do Porto, se não tiverem os autos de ser apensados a outro processo da competencia de outro tribunal criminal comum, e tira-se o seguinte assento:
"Transitada em julgado a condenação dum reu por determinadas infracções, a competencia territorial para o julgamento de outras anteriores de que ele seja acusado regula-se pelas regras gerais da mesma competencia".
Sem imposto de justiça.



Lisboa, 14 de Dezembro de 1951

A. Cruz Alvura (Relator) - Artur A. Ribeiro - Rocha Ferreira - Campelo de Andrade - A. Bartolo - Jaime de Almeida Ribeiro - Pedro de Albuquerque - Correia Marques- -Piedade Rebelo - Julio de Lemos - Bordalo e Sa - Jose de Abreu Coutinho - Roberto Martins - Raul Duque (Vencido por entender que tratando-se de prisão correccional por crime praticado anteriormente a condenação, ao caso tem aplicação o paragrafo 4 do artigo 55 do Codigo de Processo Penal e por isso competente para a agravação da pena, segundo as regras gerais, o Juizo de Marco de Canavezes, onde o "Poveiro foi julgado e condenado).