Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
052138
Nº Convencional: JSTJ00008198
Relator: MIGUEL CRESPO
Descritores: RECURSO DE REVISTA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
TRIBUNAL COLECTIVO
ANULAÇÃO DA DECISÃO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ194407280521381
Data do Acordão: 07/28/1944
Votação: MAIORIA COM 6 VOT VENC
Referência de Publicação: DG IªS 22-08-1944; BOMJ ANO4,387
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZADA JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: ASSENTO 3/1944
Área Temática: DIR PROC CIV.
Legislação Nacional: CPC39 ARTIGO 515 PAR2 PAR3 ARTIGO 653 I ARTIGO 668 ARTIGO 712 ARTIGO 717 ARTIGO 722 PAR2 ARTIGO 729 ARTIGO 755 PAR1.
CPC867 ARTIGO 405.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO STJ PROC51238 DE 1941/01/28.
ACÓRDÃO STJ PROC51662 DE 1941/06/27.
ACÓRDÃO STJ PROC51317 DE 1940/04/19.
ACÓRDÃO STJ DE 1940/05/17 IN RJUS ANO26 PAG153.
ACÓRDÃO STJ DE 1940/12/20 IN RJUS ANO26 PAG154.
ACÓRDÃO STJ DE 1943/04/27 IN BOL OF ANO3 PAG116.
ACÓRDÃO STJ DE 1941/01/14 IN RJUS ANO26 PAG75.
Sumário : O Supremo Tribunal de Justiça não pode anular as decisões do tribunal colectivo.
Decisão Texto Integral: Acordão do Supremo Tribunal de Justiça, em secções reunidas.

Na revista n. 52138, em que foram recorrentes A e mulher e recorridos o Estado, a Fazenda Nacional e a comissão administradora dos bens culturais do concelho de Esposende, proferido o acordão de folhas 421, de 16 de Abril de 1943, que negou a revista, e o de 18 de Junho do mesmo ano, proferido sobre reclamação daquele, vieram os recorrentes recorrer para o tribunal pleno, alegando que esses acordãos decidiram que:
Não e da competencia do Supremo Tribunal de Justiça apreciar se houve contradição nas respostas do colectivo;


Não tem competencia o Supremo para anular as decisões do colectivo, nos termos da alinea i) do artigo 653 do Codigo de Processo Civil, por serem deficientes, obscuras ou contraditorias. A verificação das contradições não e materia de direito.


Mas contrariamente, os acordãos do Supremo Tribunal de 28 de Janeiro de 1941 (na revista civel n. 51238, registado a folhas 56 do livro 109 dos registos de acordãos), de 27 de Junho de 1941 (na revista n. 51662, registado a folhas 187 do livro 84 do registo de acordãos) e de 19 de Abril de 1940 (na revista n. 51317, registado a folhas 226 do livro 7 do registo de acordãos) decidiram que:


E questão de direito se as respostas do colectivo ao questionario são dificientes, obscuras ou contraditorias, e pode o Supremo, ex officio, anula-las.
Pode em recurso de revista conhecer-se da arguida contradição nas respostas do colectivo ao questionario.


E de anular o julgamento da 1 instancia quando as respostas do colectivo sejam incompletas ou contraditorias.


A folhas 471 foi proferido o acordão da sessão de 3 de Março de 1944, que decidiu ser manifesta a contradição dos acordãos recorridos com os de 28 de Janeiro e 27 de Junho de 1941 e mandou seguir o recurso para o tribunal pleno.


Seguindo o recurso os seus termos, apresentou o recorrente a sua alegação, em que conclue:


1 - Os acordãos recorridos ofendem a disposição da alinea i) do artigo 653 do Codigo de Processo Civl; pois


2 - E questão de direito, e não de facto, decidir se na decisão do tribunal colectivo ha deficiencias ou obscuridades ou contradições; e
3 - Que isso e questão de direito, e não de facto, ve-se bem desde que se distinga entre facto e direito - entre questão de facto, em que ha lugar a apreciação de elementos que o constituem, e questão de direito, onde o facto esta a vista, restando aplicar-se-lhe o direito; e certo e que
4 - Isto, a simples aplicação da lei ao que se ve constatado na decisão do tribunal colectivo (ao facto), não pode deixar de considerar-se materia de direito; porque


5 - A decisão do tribunal colectivo tem de ser sem os vicios ou defeitos da deficiencia ou obscuridade ou contradição - citada alinea i) -, e desde que o seja tem de aplicar-se-lhe a lei, como ja preceituava o anterior Codigo de Processo Civil, artigo 405, e como o actual Codigo tambem exige quando se trata do questionario (paragrafo 2 do artigo 515).
O digno representante do Ministerio Publico apresentou tambem as suas alegações, em que conclue: a) - Deve fixar-se jurisprudencia no sentido de que não compete ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer da insuficiencia, obscuridade ou contradição das respostas do colectivo. Ainda que assim se não decida. b) - Deve manter-se a decisão do acordão recorrido, porque as respostas do tribunal colectivo, no caso vertente, não são obscuras, nem deficientes, nem contraditorias.
Cumpre conhecer do recurso.


E conhecendo:


A função das instancias e apurar os factos necessarios a decisão da causa e aplicar o direito a esses factos.


A função do Supremo e uniformizar a interpretação das leis, não e resolver questões de facto, mas resolver se determinada lei foi ofendida; e a interpretação das leis e não de outros actos.


Quer a quesitação dos factos necessarios para a decisão da causa; quer as respostas a essa quesitação, pertencem somente as instancias e não ao Supremo Tribunal, pois esses actos tem por fim fixar a materia de facto e não interpretar a lei.


O Supremo Tribunal não conhece de materia de facto.


Em plena concordancia com este principio fundamental do Codigo de Processo estão as condições de admissibilidade dos recursos.
Pelo artigo 722, o fundamento do recurso de revista e a violação da lei substantiva, podendo acessoriamente alegar-se as nulidades dos artigos 668 e 717.


E o paragrafo 2 declara não poder ser objecto desse recurso o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, disposição esta que o paragrafo 1 do artigo 755 aplicou ao recurso de agravo.
Este paragrafo 2, desnecessario depois de se ter dito que o fundamento do recurso era a violação da lei substantiva, inseriu-se no Codigo, como diz o autor do Projecto do Codigo de Processo Civil Explicado, a pagina 456, para por cobro a tendencia do Supremo de exercer censura sobre o modo como os tribunais de instancias apreciam a prova.


Quis vincar-se por forma terminante que a fixação dos factos materiais da causa e função das instancias, estranha a competencia do Supremo Tribunal.
As nulidades dos artigos 668 e 717, que acessoriamente podem fundamentar o recurso de revista e podem, por si so, ser fundamento do recurso de agravo, não abrangem as decisões do colectivo, mas apenas as nulidades da sentença e acordão nos casos restritos previstos nesses artigos.
So nos casos desses artigos o Supremo pode anular o acordão da Relação.
A anulação por outros motivos sai fora da sua competencia, da sua competencia funcional, da sua competencia legal.


O Supremo tem larga jurisprudencia no sentido de as contradições nas respostas do colectivo não fundamentarem recurso de revista.
Entre outros, os acordãos de 17 de Maio de 1940,
20 de Dezembro de 1940, 14 de Janeiro de 1941 e 27 de Abril de 1943, na Revista de Justiça do ano 26, paginas 153, 154 e 75, e no Boletim do ano 3, pagina 116.


E o acordão de 3 de Julho de 1942, no Boletim Oficial, ano 2, pagina 227, tambem decidiu, em recurso de agravo, que o Supremo não pode conhecer se existe ou não contradição ou obscuridade nas respostas do colectivo aos quesitos.
O paragrafo 3 do artigo 515 não admite recurso do acordão da Relação que aprecia o despacho da reclamação sobre o questionario.
E outra disposição do Codigo a vincar a sua orientação sobre a competencia do Supremo.


Não havendo por disposição expressa recurso do acordão da relação sobre deficiencia ou contradição de quesitos, não se compreendia que o houvesse do acordão da Relação que decidisse sobre as respostas dos quesitos.
Quesitação e respostas formam um todo unico de materia de facto.
E menos se compreendia ainda que o Supremo, em face da falta de determinados factos, pudesse anular se a falta proviesse das respostas e não pudesse anular se a falta proviesse da quesitação.
Não. O Supremo não conhece de materia de facto, salvo os raros casos em que por disposição expressa de lei exerce funções de 1 e 2 instancia.
A alinea final do artigo 729 da ao Supremo Tribunal a faculdade de mandar baixar o processo a 2 instancia se entender que a decisão de facto pode e deve ser ampliada em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Por esta disposição o Supremo não fica a conhecer materia de facto.
Ordena a relação que aprecie um facto que se esqueceu de apreciar.
Tal disposição, portanto, longe de justificar a tese de o Supremo ter poderes para anular as decisões do colectivo, mostra ainda que não tem poderes para as alterar.


O Supremo, ordenando a Relação que se pronuncie sobre um facto que não apreciou, não se imiscue nas suas atribuições de julgadora soberana em materia de facto.


Ja assim não sucederia se o Supremo se arrogasse competencia para anular as decisões do colectivo, quer oficiosamente, quer solicitado, pela manifesta impossibilidade de se pronunciar sobre deficiencia, contradição ou obscuridade de respostas aos quesitos sem se pronunciar sobre a materia de facto ja dada como provada.


Na verdade, descobrir deficiencia, contradição ou obscuridade nas respostas a uma serie de quesitos seria dificil ou impossivel faze-lo sem um estudo completo da materia de facto.


Tal estudo fazem-no as instancias e julgam no sentido que entendem, dentro das suas atribuições legais.


A propria Relação tem de respeitar as decisões do colectivo, so as podendo alterar nos casos do artigo 712.


Se do estudo do processo em materia de facto advier a Relação a convicção de que essas decisões sofrem do vicio de obscuridade, deficiencia ou contradição, pode oficosamente anula-las; da-lhe essa faculdade extraordinaria a alinea i) do artigo 653.
O tribunal superior referido nessa alinea e unicamente o tribunal de 2 instancia; não e nem pode ser o Supremo Tribunal, que não tem competencia para julgar de facto.


Nem, em verdade, as decisões do colectivo são sequer objecto de recurso perante o Supremo.


A Relação e que tem de as apreciar, de as confirmar ou alterar e e ao julgado da Relação que o Supremo atende.


Essa ideia esta claramente expressa no artigo 729.
"A decisão de 2 instancia quanto a materia de facto não pode ser alterada...".
E a decisão de 2 instancia, portanto, que se atende.
Podem então dar-se duas hipoteses: ou a Relação não confirmou as decisões do colectivo, e então não temos que nos ocupar delas, ou as confirmou, e as deficiencias, obscuridades ou contradições passaram para a decisão de 2 instancia, onde as vamos encontrar e onde podem causar nulidade.
Mas as condições em que o Supremo Tribunal pode conhecer das nulidades do acordão e o ambito destas são diversas daquelas em que a Relação pode conhecer das nulidades das respostas dos tribunais colectivos.
E assim se confirma que a alinea i) do artigo 653 ao falar no tribunal superior se não refere ao Supremo Tribunal de Justiça.

Seria estranho que o Supremo não pudesse anular o acordão da Relação por determinadas faltas e pudesse anular pelas mesmas faltas as respostas do tribunal colectivo que a Relação confirmou.
Arrogar-se o Supremo competencia para anular as decisões do colectivo, alem de subverter o sistema do Codigo, tinha o inconveniente de protelar, sem vantagem, a acção da justiça, por poder dar aso a que se procurassem descortinar deficiencias, obscuridades ou contradições em respostas que de nenhum desses vicios sofressem.
A aplicação de tal doutrina, inconveniente no civel poderia ter consequencias funestas quando aplicadas subsidiariamente em materia penal.
Resumindo: compete a Relação conhecer das irregularidades das respostas do tribunal colectivo e ao Supremo Tribunal de Justiça conhecer das irregularidades do acordão da Relação; as condições de conhecimento são diversas.
Pelo exposto se nega provimento ao recurso, se confirmam os acordãos recorridos e se firma o seguinte assento:
O Supremo Tribunal de Justiça não pode anular as decisões do tribunal colectivo.
Custas pelos recorrentes.


Supremo Tribunal de Justiça, 28 de Julho de 19944

Miguel Crespo - Jose Coimbra - Luiz Osorio - Heitor Martins - Pereira e Sousa - Magalhães Barros - Miranda Monteiro (vencido. No meu projecto de acordão votava a competencia do Supremo, embora o Codigo, no artigo 515, faça terminar na Relação a discussão sobre a elaboração do questionario.
Na alinea i) do artigo 653, porem, ja o Codigo não limita tão claramente o conhecimento dos vicios das respostas do colectivo ao Tribunal da Relação, pois a referencia ao tribunal superior bem pode abranger o Supremo Tribunal de Justiça.
E, finalmente, no artigo 729 (3 parte) da-lhe insofismavel competencia para mandar voltar o processo a Relação, para ampliar a decisão de facto em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito.
Ora, se o Supremo pode mandar ampliar a decisão de facto, e porque a julga deficiente, e, portanto, o Codigo, dando-lhe competencia para conhecer da deficiencia da decisão de facto da Relação, manifesta que não considerou tal conhecimento materia de facto, de que so as instancias possam conhecer, mas, sim, materia de direito.
Portanto, tambem materia de direito e o conhecimento das deficiencias das respostas do colectivo, e razão não ha para que o não seja tambem o conhecimento dos restantes vicios de que fala a alinea i) do artigo 653. Assim, não ha razão para se dizer que o tribunal superior a que se refere não seja tambem o Supremo, quando a causa excede a alçada da Relação e a ele suba em recurso.
E não e contraditoria esta interpretação.
O legislador considerou materia de facto a elaboração do questionario, que estabelece os pontos de facto sobre que deve recair a produção da prova (artigo 515), bem como tambem a apreciação desta (artigo 722, paragrafo 2); mas a decisão de facto das instancias deve ser completa e clara, e o Supremo, que tem de aplicar o direito ao facto, se o não puder fazer por aquela decisão não constituir base suficiente para a decisão de direito, como diz o artigo 729, tem de a mandar completar, ainda que a falta seja devida aos vicios de que fala a alinea i) do artigo 653.
Pretende-se combater esta argumentação dizendo-se que o caso a que se refere o artigo 729 e so quando falta um facto que a Relação esqueceu apurar; mas se ha deficiencia, obscuridade ou contradição na decisão de facto, não pode dizer-se que haja facto apurado.
Tambem se argumenta que o Codigo tanto não quis considerar os vicios de que se trata como de conhecimento do Supremo que os não inclui no numero dos fundamentos de recurso para este Tribunal.
Mas a decisão das instancias que se basear em decisão de facto dessa forma viciada não pode deixar de incorrer na nulidade do n. 23 do artigo 668, que, devidamente reclamada e decidida, nos termos do artigo 755, paragrafo 2, fundamenta o recurso para o Supremo.
No caso dos autos, porem, o recurso de revista foi interposto pelos fundamentos legais e nada havia que obstasse a conhecer-se de tais vicios acessoriamente, mesmo ex officio.
E de admitir que, se o Supremo se encontrar um dia em face de uma decisão do colectivo viciada, nos termos da alinea i), que a Relação não tenha anulado, não deixara de, nos termos do artigo 729, mandar voltar o processo a Relação, para completar a decisão de facto, e esta, não o podendo fazer directamente, anulara, então, a decisão do colectivo, conseguindo-se esse resultado em prejuizo da celeridade e economia do processo).

F. mendonça (vencido pelos mesmos motivos). - Bernardo Polonio (vencido pelas mesmas razões). - Rocha Ferreira (vencido pelos mesmos fundamentos). - Baptista Rodrigues (vencido pelas mesmas razões). - Teixeira Direito (vencido pelos fundamentos expressos no primeiro vencido). - Americo de Sousa.