Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
354/11.3TTVCT.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: FUNDO DE PENSÕES
ACORDO DE EMPRESA
COMPLEMENTO DE REFORMA
Data do Acordão: 01/29/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - FUNDOS DE PENSÕES / PLANOS DE PENSÕES.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 8.º, N.º 3.
DECRETO-LEI N.º 12/2006, DE 20 DE JANEIRO: - ARTIGOS 6.º, N.º1, 2.º, ALÍNEAS A) E E), 9.º, N.ºS 1 E 2, 24.º, N.º2, 100.º, N.º2.
DECRETO-LEI N.º 475/99, DE 9 DE NOVEMBRO.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 21.01.2014, PROC. N.º 873/09-1TTVCT.S1 E PROC. N.º 847/10.0TTVCT.S1, DA 4.ª SECÇÃO.
Sumário :
1 – Estabelecido no AE que a Ré «garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, d) complemento de reforma de velhice e sobrevivência; e) complemento de reforma de invalidez», daí resulta que a Ré ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as respetivas condições, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, mas também com a de promover eventuais alterações;

2 – A aquisição do direito aos benefícios mencionados no número anterior decorre da verificação das ocorrências previstas no n.º 1 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, não sendo os participantes no fundo de pensões em causa, titulares de qualquer direito adquirido àqueles benefícios antes da verificação daqueles factos;

3 – Os instrumentos através dos quais a empregadora dê execução à obrigação referida no n.º 1, bem como aqueles que os alterem, não integram o contrato de trabalho dos trabalhadores beneficiados, não carecendo a alteração dos benefícios previstos e ainda não concretizados do acordo destes.
Decisão Texto Integral:


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I.


1. AA intentou a presente ação de processo comum contra BB, SA, e CC, SA, todos com os sinais nos autos, pedindo a condenação das RR:

A) - A reconhecerem ao A. o direito a receber:

- Um complemento de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 6/10/2010, no montante mensal de € 467,27, sem prejuízo sem prejuízo da sua atualização de acordo com as tabelas salariais em vigor na 1.ª R.;

- A quantia de € 6.541,78 a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos, sem prejuízo das prestações vincendas e das atualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na 1.ª R.;

- No mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento, incluindo os já vencidos;

- Juros de mora sob de estas quantias, vencidos e vincendos, até integral pagamento;

B) - A assegurarem o pagamento das quantias supra referidas, acrescidas das que entretanto se vencerem, através do Fundo de DD ou outro que lhe venha a suceder, sob pena de responder a 1 ª R. com o seu património pelo pagamento das ditas quantias.

Alega, para tanto e em resumo, que: exerceu, desde 21/4/81, a sua atividade profissional para a 1.ª R. e as sociedades que a antecederam; em 6/10/2010, passou à situação de reformado por invalidez; por força do disposto no AE e do Regulamento das Regalias Sociais que dele decorre, tem direito a um complemento de reforma; as RR. não têm assegurado o pagamento desse complemento, com a justificação de que procederam a uma alteração ao Plano de Pensões, em 13/7/07; esse complemento de reforma fazia parte integrante do seu contrato de trabalho e, como tal, não podia ser alterado sem o seu acordo.

2. Na sua contestação, a 2.ª R. defendeu, em resumo, a licitude da alteração ao Fundo de Pensões.

Por seu lado, a 1.ª R. "Europa" alega, em suma, que: quem está obrigado a proceder ao pagamento daquele complemento de reforma é o Fundo e não ela; de acordo com o AE publicado no BTE nº. 1, de 18/1/2002, a empresa podia negociar alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões; a alteração a que se procedeu era absolutamente lícita; as condições referentes ao complemento de reforma não faziam parte do contrato individual de trabalho, não assumindo a natureza de direitos individuais do A. que este possa fazer valer enquanto tais; as alterações por si promovidas, para além de lícitas, eram necessárias para salvaguardar a sustentabilidade do Fundo.

3. Foi proferida sentença:

a) A absolver a R. "CC" dos pedidos contra si formulados;

b) A condenar a R. "BB" a reconhecer o direito do A. a receber:

- Um complemento mensal da pensão de reforma por invalidez que lhe é paga pela Segurança Social, desde 6/5/2010, no montante mensal de € 467,27, sem prejuízo da sua atualização de acordo com as tabelas salariais em vigor nesta R.;
- A quantia de € 6.541,78, a título de complementos de pensão de reforma por invalidez já vencidos e dos que entretanto se venceram, sem prejuízo das prestações vincendas e das atualizações devidas, de acordo com as alterações salariais anuais que vierem a ser acordadas e que vierem a vigorar na mesma R.;
- No mês de Novembro de cada ano, para além do complemento mensal da pensão de reforma por invalidez, um quantitativo igual a esse complemento;
- Condenar ainda a R. "BB" a assegurar o pagamento das quantias supra referidas, através do atual "Fundo" ou outro que lhe venha a suceder.

4. Do assim decidido, interpôs a R. "BB" a presente revista, per saltum.

5. O autor contra-alegou, pugnando pela sua improcedência.

6. O Ex.m.º Procurador-Geral-Adjunto pronunciou-se no sentido de ser concedida a revista, em parecer a que as partes não responderam.

7. Inexistindo quaisquer outras de que se deva conhecer oficiosamente (art. 608.º, n.º 2, in fine, do CPC[1]), em face das conclusões das alegações de recurso, a única questão a decidir[2] é a de saber se o complemento de reforma a que o Autor tem direito é o que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões, ou o que decorre das alterações a esse contrato operadas em 13 de Julho de 2007.

8. Cumpre decidir, sendo aplicável à revista o regime processual que no CPC foi introduzido pela Lei 41/2003, de 26 de Junho, nos termos do art. 5.º, n.º 1, deste diploma[3].

E decidindo.


II.


9. A matéria de facto fixada pela 1.ª instância é a seguinte:

1 - O A foi admitido, em 21 de Abril de 1981, ao serviço da "EE, EP", para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, exercer a sua atividade profissional.

2 - Em Dezembro de 1990, essa empresa foi transformada em sociedade anónima, com a denominação de "EE, S.A".

3 - Na sequência do desmembramento desta sociedade anónima, em Junho de 1993, o A passou a desempenhar a sua atividade para a 1 ª R., a qual, até Janeiro de 2011, tinha a designação de "FF, S.A".

4 - O A tinha ultimamente a categoria profissional de analista de 2ª, auferindo o vencimento base de € 1.401,69, acrescido de € 260,75 de diuturnidades.

5 - Por carta datada de 5/7/2010, o Centro Nacional de Pensões comunicou que o A passava à situação de reforma por invalidez fazendo reportar o início da pensão a 6/5/2010.

6 - Em 2002, a 1 ª R. e as associações sindicais representativas dos trabalhadores, na qual se encontrava filiado o A, subscreveram um Acordo de Empresa (BTE, 1 ª, nº.1, de 8/1/02).

7 - Na 1 ª R. vigorava o "Regulamento de Regalias Sociais" de fls. 16 a 48 (cujo teor se dá aqui por reproduzido).

8 - Na sequência do que constava do art", 87, nº. 1, c), desse AE, a 1 ª R. subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de DD com CC, S.A, (D.R., III série, 31/12/04).

9 - Em 13/7/07, a 1 ª R. subscreveu juntamente com DD e CC (entidade que geria o fundo de pensões desde 1/0/06), uma alteração ao referido contrato constitutivo com efeitos reportados a 1/1/07 (documento de fls. 91 a 113, cujo teor se dá aqui por reproduzido).

10 - O A. nunca deu o seu acordo expresso ou tácito à alteração referida em 9).

11 - Os representantes dos trabalhadores nunca deram o seu acordo à alteração referida em 9).


III.

10. Na mesma linha jurisprudencial que neste âmbito já antes se firmara, a  questão em apreço nos autos foi muito recentemente discutida e decidida favoravelmente à recorrente em dois acórdãos desta 4.ª Secção do STJ, ambos datados de 21.01.2014 [Proc. n.º 873/09-1TTVCT.S1 (Leones Dantas) e Proc. n.º  847/10.0TTVCT.S1 (Gonçalves Rocha)].

11. No primeiro destes arestos, no qual o ora relator interveio como adjunto, justificou-se nos seguintes termos o respetivo sentido decisório:


 
1 - A decisão recorrida equacionou a questão a decidir nos seguintes termos: «saber se o complemento de reforma a que o A. tem direito é aquele que decorre do contrato constitutivo do Fundo de Pensões que vigorava na 1ª R., ou se, pelo contrário, esse direito é aquele que decorre das alterações a esse contrato assinadas em 13/7/07 e referidas no ponto 9) da matéria de facto provada» e veio a concluir no sentido de que «R. “EEl” não podia proceder unilateralmente à alteração do regime de regalias sociais vigente na empresa», condenando a recorrente nesse pressuposto.

(…)

Não (…) vemos (…) qualquer elemento que abale o sentido da orientação que tem estado subjacente à jurisprudência desta Secção, nomeadamente, ao acórdão de 19 de Setembro de 2012, proferido na revista n.º 524/10.1TTVCT.P1.S1 (…).

2 - De facto, naquele acórdão referiu-se que «da cláusula do AE de 2002, decorre, pois, apenas um comando dirigido à Ré, no sentido de implementar as medidas de proteção previstas naquelas alíneas, nada se especificando sobre a conformação concreta das mesmas» e «deste modo, aquela cláusula e os instrumentos de execução da mesma que vieram a ser implementados pela Ré não integram um conteúdo normativo que se tenha enquadrado nos contratos de trabalho dos trabalhadores ao seu serviço, cuja alteração careça da adesão destes.»

Trata-se de uma síntese conclusiva da parte daquele aresto relativa à jurisprudência desta Secção sobre a questão em análise, que é do seguinte teor:

«1 - Na verdade, conforme vem sendo decidido uniformemente por esta secção[-] o sentido daquela cláusula só se entende quando se compara o conteúdo da mesma com a cláusula 90.ª da versão anterior do AE, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.º 7, de 22 de Fevereiro de 1999.
Referiu-se, com efeito, no acórdão desta secção, de 14 de Setembro de 2011, proferido na revista n.º 791/08.0TTVCT.P1.S1, disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI, sobre essa questão o seguinte:
«B.3 – O complemento de reforma no AE de 2002.
As alterações posteriores ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões.
(…)
Como é pacífico, é na cl.ª 87.ª do Acordo de Empresa de 2002 que se encontra estabelecida a regalia em causa.
Nos termos do seu n.º1 ‘[a] Empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar, as seguintes regalias: … c) complemento de reforma de invalidez’.
Na versão do anterior Acordo de Empresa a cláusula homóloga (cl.ª 90.ª/1 do AE publicado no BTE n.º 7/99, de 22 de Fevereiro, que importa convocar, como já se perceberá) dispunha de modo diverso: ‘[a] empresa garantirá a todos os seus trabalhadores, nas condições das normas constantes de regulamento próprio, que faz parte integrante deste acordo, as seguintes regalias’…
A alteração acordada é bem mais do que semântica – … e releva substantivamente – importando eleger, no plano hermenêutico, dentre as possíveis significações, a realmente querida pelos outorgantes, a decisiva.
 (Cfr. Ac. S.T.J. de 16.3.2005, in D.R., I Série -A, n.º 84, de 2.5.2005).
A importância decorre directamente da circunstância de ter de saber-se se a R. podia, unilateralmente, introduzir alterações no contrato constitutivo do Fundo de Pensões.
Na sentença da 1.ª Instância considerou-se a resposta negativa, no entendimento de que a alteração do sistema de complemento de reforma só poderia ser realizada com o acordo expresso dos trabalhadores abrangidos – e o A., por si ou por intermédio dos seus representantes, não foi parte nessa alteração.
Assim o propugna também o recorrente.
A recorrida contrapõe que, perante o quadro de significação, constituiria um verdadeiro absurdo defender a necessidade de concordância dos trabalhadores.
Conferido o texto do negociado clausulado (ponto de partida de qualquer operação hermenêutica), o que dele resulta inequivocamente é que a empresa/R. assumiu garantir aos seus trabalhadores as várias regalias elencadas (v.g. o complemento de reforma por invalidez).
Em que termos? …’Nas condições dos instrumentos que se obriga a criar e a divulgar’.
Nada ficou pré-definido relativamente a montantes, regras de cálculo, intervenção dos trabalhadores, modo de negociação, etc.
E – conforme previsto no n.º 2 da mesma cláusula 87.ª – em caso de alteração nas regalias estabelecidas até então, apenas se estabeleceu que deveria ser solicitado parecer (cujo carácter, alcance ou efeito não foi definido) aos representantes dos trabalhadores.
Donde se retira que, ressalvados os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao abrigo de instrumentos anteriormente vigentes e reguladores destas matérias, conforme n.º3 da cláusula – e nisso acompanhamos o entendimento sustentado pela recorrida –, se afastou o carácter contratual das condições reportadas no Regulamento próprio, que expressamente deixou de ser considerado parte integrante do Acordo de Empresa.
Apresenta-se-nos, pois, clara a ideia de que, ante o novo clausulado, a R. outorgante ficou não só com a liberdade de estabelecer, unilateralmente, as condições respectivas, a consignar nos instrumentos que se obrigou a criar, (…neles se integrando, a partir de então, logicamente, o ‘regulamento de regalias sociais’ existente – instrumento este diverso do regulamento interno da empresa, em sentido próprio, normalmente vocacionado para outros fins, v.g. organizacionais e de disciplina no trabalho, como é sabido, e resulta do constante no art. 153.º/1 do Código do Trabalho/2003), mas também com a de promover eventuais alterações.
E daí que – também em nosso juízo – tenha ficado para trás a sua natureza contratual e, excluída, por isso, a reclamada intervenção, directa ou mediata, do trabalhador beneficiário na implementada alteração, como condição da sua validade.
Se por esta via fica afastada – como se deixou explicitado – a inoponibilidade das alterações ao Plano, não é a formulação genérica da garantia da regalia em causa que confere ao trabalhador um direito efectivo apenas sujeito a condição suspensiva de verificação de um facto futuro. (Sic).
Não só a mesma regalia não constitui, neste conspecto e âmbito, um ‘direito adquirido’[2], (cfr. noção constante do art. 9.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro), integrante do acervo da relação juslaboral, como a ‘aquisição do direito’ ao complemento de pensão de reforma, nos termos e para os efeitos do Regulamento que consta do Anexo I ao Contrato Constitutivo, só acontece quando, além da verificação do mais, o trabalhador tenha passado à situação de invalidez … pela Segurança Social, sendo o complemento atribuível apenas a partir dessa data – cfr. respectivo art. 4.º».


São estas as razões que fundamentam a afirmação constante do citado acórdão desta Secção de 19 de Setembro de 2012, referidas na decisão recorrida.

3 – Tal como se referiu no acórdão acima citado, o regulamento das garantias sociais a que se refere, neste caso, o ponto n.º 7 da matéria de facto fixada não tem a natureza de um regulamento de empresa, sujeito ao regime do artigo 153.º, n.º 1 do Código de Trabalho de 2003, uma vez que não visa a organização e disciplina da empresa, e, na sequência da alteração ali referida, perdeu a dimensão contratual que o caracterizava na sua versão inicial.

Tal regulamento não integra a disciplina dos contratos de trabalho no âmbito da Ré, embora mantenha conexões com as relações de trabalho ali existentes.

Conforme referem BERNARDO LOBO XAVIER e Outros, «quanto ao caso de complementos empresariais, as normas da organização, previsão e maturação de benefícios complementares pensionísticos não pertencem ao estatuto do contrato individual e por isso podem ser modificadas: os trabalhadores quando ingressam numa empresa não podem antever a imutabilidade de um regime durante a sua vida nessa empresa»[-].

Na verdade, os aludidos complementos de reforma são atribuídos aos trabalhadores abrangidos, desde que tenham essa qualidade, não se assumindo como qualquer forma de contraprestação pelo trabalho prestado, pelo que não relevam ao nível da concretização da retribuição devida.

E embora os esquemas de segurança social privada onde os planos complementares de reforma se inserem sejam sujeitos à regulação pública decorrente do citado Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, tais complementos têm natureza privada e são de adesão voluntária. Por outro lado, podem desempenhar funções complementares da segurança social pública, mas não se confundem com ela.

O enquadramento jurídico desses sistemas tem autonomia face ao regime das relações de trabalho subordinado, não estando a adesão aos mesmos, nomeadamente, a planos complementares de reforma, limitada ao espaço das relações de trabalho subordinado e ao regime jurídico que as enquadra.

4 - A decisão recorrida assenta num equívoco relativamente ao regime jurídico dos fundos de pensões e aos direitos aos complementos de reforma que podem ser assumidos pelos mesmos.

Na verdade, o Fundo de DD foi constituído na vigência do Decreto-Lei n.º 475/99, de 9 de Novembro, ou seja antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, diploma que estabelece a disciplina em vigor da «constituição e funcionamento dos fundos de pensões e das entidades gestoras de fundos de pensões».

À data em que este diploma entrou em vigor aquele fundo já tinha existência legal colocando-‑se por tal motivo uma questão de definição do regime que lhe é aplicável.

É efectivamente esse o âmbito do n.º 2 do artigo 100.º do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, que determinou que este diploma se aplique também aos fundos existentes na data da sua entrada em vigor, «salvo na medida em que da sua aplicação resulte diminuição de direitos ou de expectativas adquiridas ao abrigo da legislação anterior».

Esta norma visa apenas resolver as questões derivadas da sucessão no tempo de regimes legais, impondo a preservação dos direitos ou expectativas jurídicas que existissem ao abrigo da legislação anterior e que pudessem ser afectados pela aplicação do novo regime aos fundos já existentes, decorrente da primeira parte daquele dispositivo.

Este dispositivo é inoperante relativamente à determinação de quais sejam os direitos ou as expectativas que poderiam ser afectadas, questão que deverá procurar-se nos vários dispositivos de ambos os diplomas.

Só perante situações onde a sujeição dos fundos ao novo regime possa afectar direitos ou meras expectativas surgidas na vigência da legislação anterior é que surge o espaço de intervenção desta norma, mantendo-se essas situações reguladas pela legislação anterior.

5 - Por outro lado, quer no âmbito do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro, quer no âmbito da legislação anterior, os factos que constituem o direito aos benefícios que derivam de um plano de pensões são claramente referenciados na lei.

Na verdade, decorre do disposto no artigo 6.º, n.º 1, deste diploma, que «as contingências que podem conferir direito ao recebimento de uma pensão são a pré‑reforma, a reforma antecipada, a reforma por velhice, a reforma por invalidez e a sobrevivência», devendo estes conceitos ser definidos no respectivo plano de pensões.

Um plano de pensões, por força do disposto na alínea a) do artigo 2.º daquele diploma, é o «programa que define as condições em que se constitui o direito ao recebimento de uma pensão a título de reforma por invalidez, por velhice ou ainda em caso de sobrevivência ou de qualquer outra contingência equiparável».

Na dinâmica dos fundos de pensões é igualmente clara a distinção entre participante, que nos termos da alínea e) do artigo 2.º do referido Decreto-Lei é «a pessoa singular em função de cujas circunstâncias pessoais e profissionais se definem os direitos consignados no plano de pensões (…) independentemente de contribuir ou não para o seu financiamento» e do beneficiário, que é a pessoa singular «com direito aos benefícios estabelecidos no plano de pensões (…) tenha ou não sido participante».
Deste modo, o direito aos benefícios previstos no plano deriva claramente da ocorrência do facto – as contingências – que geram o direito e não da obtenção da mera qualidade de participante.
É neste contexto que tem de ser lida a norma do n.º 2 do artigo 24.º do mesmo diploma quando estabelece que as alterações aos contratos constitutivos e dos regulamentos de gestão dos fundos «não podem reduzir as pensões que se encontrem em pagamento nem os direitos adquiridos à data da alteração, se existirem».

Assim, direitos adquiridos para os efeitos desta norma são os previstos no artigo 9.º. daquele diploma, cujo n.º 1 refere que existem direitos adquiridos, realidade que na semântica do diploma não tem o mesmo conteúdo que “direitos aos benefícios” derivados dos Fundos, «sempre [que] os participantes mantenham o direito aos benefícios consignados no plano de pensões (…) independentemente da cessação do vínculo existente com o associado».

O artigo concretiza os casos em que se mantém a situação jurídica dos participantes no fundo derivada dessa participação, antes de ocorrer o facto que fundamenta a atribuição dos benefícios previstos, independentemente da manutenção do vínculo com o associado.
Nestas situações, aquela específica situação jurídica não se extingue com a cessação do vínculo, podendo a situação jurídica em causa ser transmissível, nomeadamente, nos casos referidos no n.º 2 daquele artigo.

É para estas situações que o diploma reserva o conceito de “direitos adquiridos”, inerente ao facto de os participantes verem a sua expectativa titulada, independentemente da manutenção do vínculo com o associado inicial do fundo, o que não ocorre nas situações de mera participação no fundo.

Para além das pensões que se encontrem em pagamento, são esses os únicos direitos que deverão ser respeitados pelas alterações que sejam introduzidas aos contratos constitutivos.

Do exposto resulta que a qualidade de participante num Fundo de Pensões não confere o direito aos benefícios previstos, nomeadamente aos complementos de reforma no caso dos autos, direito que só se constitui como tal com a ocorrência dos factos que condicionam a respectiva constituição.

Sendo este o regime dos Fundos de Pensões, carecem de qualquer fundamento as afirmações constantes da decisão recorrida no sentido de que o direito ao complemento de reforma reclamado se integra no contrato de trabalho e nomeadamente que fará parte da contraprestação assumida pela entidade empregadora.

Trata-se efectivamente de um direito, o direito ao complemento de reforma, que só surge na esfera jurídica do seu titular com a ocorrência do facto que determina a respectiva constituição, nomeadamente a reforma do trabalhador.

Deste modo, no período que medeia entre a adesão ao fundo e a ocorrência do facto que determina a constituição do direito ao complemento de forma o aderente é apenas titular de uma mera expectativa jurídica que não pode ser confundida com o direito em causa, cujos pressupostos não se mostram integralmente preenchidos.

Conforme referem os autores acima referidos, «há uma distinção fundamental entre direitos às prestações e expectativas jurídicas, com a qual é necessário lidar para compreender correctamente estas questões. Na verdade, os direitos às prestações só se “abrem”, ou só se concretizam, nas condições estabelecidas nas normas respectivas, e ainda com a ocorrência dos eventos danosos: são pois situações jurídicas condicionadas. (…)», e prosseguem, referindo que «do direito se distinguem as “expectativas” que os trabalhadores activos, futuros reformados, detêm quanto à adequada maturação (que depende no seu montante, da antiguidade), dos seus direitos quando for caso disso. Não se trata plenamente de direitos porque as prestações são meramente eventuais (…)»[-].

A protecção destas expectativas não se pode confundir com a protecção do direito às prestações, sendo em ambos os casos as estabelecidas no regime dos fundos de pensões, nada tendo a ver com o eventual regime do contrato de trabalho dos beneficiários, no caso em que os sistemas sejam instituídos por empregadores a favor dos seus trabalhadores.

5 - Assente a licitude das alterações introduzidas ao contrato constitutivo do Fundo de DD, a que se referem os pontos n.ºs 8 e 9 da matéria de facto fixada, importa agora determinar que Plano estava em vigor quando o reclamado direito do Autor se consolidou na sua esfera jurídica.

Como resulta da matéria de facto fixada, o Autor foi inicialmente admitido, ao serviço da sociedade que antecedeu a Ré EE, SA., em 2 de Janeiro de 1984.

Em 23 de Novembro de 2008, o A. passou à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social.

Na sequência do Acordo de Empresa de 2002 (publicado no BTE n.º1/2002, de 8 de Janeiro), e, em cumprimento do que constava da sua cláusula 87.ª/1, c), a Ré EE subscreveu o contrato constitutivo do Fundo de DD, com “CC, S.A.’ (publicado no D.R., III Série, de 31.12.2004).

Em 13 de Julho de 2007, a Ré EE subscreveu, juntamente com “DD” e “CC” (entidade que geria o Fundo desde Janeiro de 2006) uma alteração ao referido contrato constitutivo, com efeitos reportados a 1 de Janeiro de 2007.



Assim, quando ocorreu o facto determinante da aquisição do direito reclamado pelo Autor, (a sua passagem à situação de reforma por invalidez, pela Segurança Social, em 23 de Novembro de 2008), já vigoravam as alterações ao referido contrato constitutivo, que, por tal motivo, são aplicáveis no caso.”.

12. Com efeito, e como se realça no acórdão proferido no sobredito Proc. n.º  847/10.0TTVCT.S1:

“[São de considerar] legais as alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões a que se procedeu em 13/7/2007, pois, face ao teor do nº 1 da cláusula 87ª do AE/2002, a empresa limitou-se a garantir a todos os seus trabalhadores, nas condições dos instrumentos que se obrigava a criar e a divulgar, dentre outras regalias, um complemento de reforma de invalidez, nada tendo ficado pré-definido relativamente aos seus montantes e regras de cálculo.

E quanto à intervenção dos trabalhadores, apenas se estabeleceu no n.º 2 da mesma cláusula 87.ª que em caso de alteração nas regalias estabelecidas até então, deveria ser solicitado parecer aos representantes dos trabalhadores.
E embora o nº 3 da cláusula tivesse ressalvado que a empresa reconhece os direitos adquiridos ao abrigo dos instrumentos anteriormente vigentes, só se pode considerar nesta situação aqueles que haviam conquistado o direito aos benefícios previstos no plano de pensões em virtude da ocorrência do facto que o gera, ou seja, a passagem do trabalhador à situação de reforma (para o caso de pensão complementar da reforma), ou a morte (para as pensões de sobrevivência), não bastando por isso a mera detenção da qualidade de participante.

Assim sendo, tendo o A passado à situação de reforma em 17/11/2008, temos de aplicar-lhe o regime que vigorava nesta data, não tendo adquirido quaisquer direitos ao abrigo dos regimes anteriormente vigentes, pois não foi no seu domínio de vigência que se reformou. Por isso, e não vindo invocada a situação prevista no artigo 9º do DL nº 12/2006 de 20 de Janeiro, não está abrangido pela previsão do nº 2 do artigo 24º deste diploma, pois este preceito só proíbe que as alterações aos contratos constitutivos e dos regulamentos de gestão dos fundos venham reduzir pensões em pagamento ou os direitos adquiridos nos termos do seu artigo 9º.”

13. Reafirmamos esta orientação jurisprudencial, cujos fundamentos reputamos válidos, sendo certo que nas decisões que proferir o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito (art. 8.º, n.º 3, C. Civil).

No caso dos autos, o autor passou à situação de reforma em 6/5/2010, também, portanto, posteriormente às alterações ao contrato constitutivo do Fundo de Pensões a que se procedeu em 13/7/2007.

Sem necessidade de considerações complementares, procede, pois, o recurso.


IV.

14. Em face do exposto, concedendo a revista, acorda-se em revogar a sentença recorrida na parte relativa à condenação da R. "BB" e, consequentemente, em absolver a recorrente dos pedidos em que tinha sido condenada.

Custas da revista, bem como as atinentes à 1.ª instância, a cargo do autor.

Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 29 de Janeiro de 2014

Mário Belo Morgado (Relator)

Pinto Hespanhol

Fernandes da Silva

____________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas à versão mencionada no ponto n.º 8 do presente acórdão.

[2] O tribunal deve conhecer de todas as questões suscitadas nas conclusões das alegações apresentadas pelo recorrente, excetuadas as que venham a ficar prejudicadas pela solução entretanto dada a outra(s) [cfr. arts. 608.º, n.º 2, 635.º e 639.º, n.º 1, e 679º, CPC], questões (a resolver) que, como é sabido,  não se confundem nem compreendem o dever de responder a todos os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, os quais nem sequer vinculam o tribunal, como decorre do disposto no art. 5.º, n.º 5, do mesmo diploma.
[3] Os autos tiveram início em 28.04.2011.